Samuel R. de Mello
Sistema Formulador
Sistema Formulador
um exemplo de projeto de um sistema de gestão situado na faixa do espectro de modelos
– diante do objeto, isto é, organizado pelo par sujeito-objeto dando lugar a modelos COM a possibilidade de fundar as sínteses (da empiricidade objeto em modelagem) no espaço da representação.
O sistema pode gerar a partir de um repositório de proposições explicativas da experiência formuladas de acordo com as regras da linguagem, um modelo de instanciamento de um objeto qualquer, usando um modelo do objeto análogo completo, ou a Sucessão de Analogias, obtido da operação de Construção da representação (projeto) para esse objeto.
O que é o Sistema Formulador
- tomamos um SDGP – Sistema Dedicado à Gestão de Projetos, o Microsoft Project 4.0 como editor de ideias ou elementos de imagem envolvidos na proposição que enuncia a operação de produção;
- criamos em banco de dados os elementos intervenientes na formulação de cada proposição em formato que o MS Project ‘entenda’;
- QUEM – o Sujeito de cada proposição, um dos elementos componentes de uma estrutura da organização;
- o predicado do sujeito:
- COMO – a forma de produção desenvolvida para obter um determinado objeto, pertencente a uma coleção de Formas de produção requeridas pelo objeto em produção como um todo;
- O QUE – a coleção de objetos análogos, ou a representação do objeto análogo composto necessário para concretizar um objeto qualquer, mais complexo, como costuma acontecer com objetos reais, que passa a fazer parte de uma coleção de estruturas analíticas, ou árvores de produto de objetos realizados nesse ambiente;
- tem uma unidade lógica que reúne as proposições formuladas com esses elementos, uma para cada componente do objeto análogo, ou cada linha da coleção de objetos análogos cuja operação de produção está sendo criada (a estrutura analítica O QUE); faz isso sobre o mesmo repositório de informações em banco de dados de que o Microsoft Project 4.0 dispõe.
O Microsoft Project abre a partir do banco de dados o modelo gerado sistematicamente pelo Sistema Formulador.
Tudo se passa como se a estrutura relacional de banco de dados do Microsoft Project 4.0 tivesse sido alterada para outra estrutura, esta, agora consistente com a estrutura conceitual do pensamento filosófico moderno
Este sistema – Projeto Formulador – é uma proposta de desenvolvimento de um sistema gerenciador de projetos de acordo com a estrutura conceitual com a possibilidade de fundar a síntese do próprio objeto do projeto no espaço da representação.
O Sistema Formulador foi construído sobre o Microsoft Project 4.0 mas poderia ser atualizado para qualquer versão posterior.
Consiste na alteração do modelo de dados de um SDGP – Sistema Dedicado a Gestão de Projetos – neste caso, como dito, utilizamos o Microsoft Project 4.0.
O Microsoft Project 4.0 é um sistema construído sobre a estrutura conceitual do pensamento clássico, e portanto SEM a possibilidade de fundar as sínteses do seu objeto, no espaço da representação.
Com esse modelo de dados, a estruturação do modelo fica a cargo do operador, sem suporte do sistema.
Criamos em banco de dados as entidades necessárias para modelar a proposição que enuncia, depois explica e finalmente instancia o objeto do projeto. Usamos toda a funcionalidade do SDGP para cálculos, criação de redes de precedências, etc. mas antes disso, geramos em banco de dados os modelos da construção e instanciamento do objeto do projeto.
Funcionamento
Usando o próprio Microsoft Project como sistema editor de componentes, completamos seu modelo em um banco de dados como o Access, ou SQL, e criamos nesse banco de dados externo:
- QUEM (Sujeito): o elemento lógico que reúne a coleção de Sujeitos das Formas de produção, que integram a estrutura administrativa no ambiente e domínio em que as operações acontecem.
- Predicado do sujeito:
- O QUE (atributo): o modelo do objeto análogo composto, a Sucessão de Analogias ou a árvore de produto, ou ainda a EAN – Estrutura Analítica para o objeto do projeto;
- COMO(Forma de produção ou Verbo): criamos as Formas de produção necessárias para realizar os componentes do projeto integrantes da Sucessão de analogias em cada etapa;
A operação – todas e qualquer uma, em todos os níveis – é formulada como uma proposição, com Sujeito e Predicado do sujeito, com todos os elementos presentes na estrutura do modelo como ideias e respectivos elementos de imagem.
Esses elementos são colocados de modo organizado em um Repositório de informações, como palavras conhecidas nesse ambiente, de onde podem ser requisitados quando da formulação de cada proposição, isto é, da elaboração da estratégia de encaminhamento do projeto em gerenciamento.
O sistema entra com a gramática dessa linguagem que reúne QUEM’s COMO’s e O QUE’s, gerando estruturadamente um texto que pode ser importado pelo Microsoft Project, que o reconhece como um modelo seu sem dificuldades.
Exemplo de modelo
gerado sistematicamente pelo Sistema Formulador
A figura ao lado mostra um modelo da operação de instanciamento de um objeto fictício – um cogumelo de jardim – gerado sistematicamente usando o sistema Formulador.
Cada linha do modelo representa uma proposição completa com sujeito (que pode variar de linha para linha) e um predicado do sujeito, composto por uma forma de produção recuperada de um repositório criado em banco de dados, e um atributo, um componente do objeto que está sendo instanciado.
Exemplos de componentes
necessários para a formulação da proposição
A Proposição
o bloco construtivo padrão fundamental genérico
oferecido pela gramática da língua para construção de representações
formulado com elementos de imagem ou ideias integradas à estrutura operacional
Sujeito
Predicado do sujeito
QUEM
elemento integrante
da comunidade de prática
dedicada à obtenção
dessa classe de objetos
COMO
Forma de produção recuperada do Repositório existente no domínio/ambiente
em que a operação acontece
O QUE
Coleção de analogias logicamente organizadas, ou Sucessão de analogias com os elementos componentes
do objeto da operação
São três classes de elementos intervenientes na formulação de uma operação.
O núcleo do Sistema Formulador toma a seleção com componentes específicos, indicados pelo operador, e formula sistematicamente, usando a gramática dessa ‘linguagem’, o modelo de operações para obtenção do objeto esperado.
2. Os dois conceitos para o que seja ‘Classificar’
O conceito 'Classificar' respectivamente nas configurações dos pensamentos clássico (antes de 1775) e moderno (depois de 1825)
As diferenças são de tal monta que é impossível imaginar que semelhantes sejam
dois modelos de operações construídos com um ou outro desses dois conceitos.
Classificar, portanto,
não será mais
referir o visível
a si mesmo,
encarregando um de seus elementos
de representar todos os outros;
Será
num movimento que faz revolver a análise,
reportar o visível,
ao invisível,
como a sua razão profunda;
depois,
alçar de novo dessa secreta arquitetura,
em direção aos seus sinais manifestos
[as “aparências”]que são dados à superfície dos corpos.
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas’;
Capítulo VII – Os limites da representação;
tópico III. A organização dos seres
por Michel Foucault
Comentários
5.0 As duas sintaxes envolvidas na construção de uma representação
pressuposto o entendimento no pensamento moderno, caminho da Construção da representação
As duas sintaxes envolvidas na construção de uma representação (no pensamento de depois de 1825, o pensamento moderno)
As diferenças entre as configurações do pensamento clássico (antes de 1775) e o moderno (depois de 1825) do ponto de vista do acolhimento a essas duas sintaxes envolvidas na construção de uma representação:
- a que autoriza a construção das frases;
- e a que autoriza a manter juntas – ao lado e em frente umas das outras –
as palavras e as coisas.

As heterotopias inquietam,
sem dúvida porque
solapam secretamente a linguagem,
porque impedem de nomear
isto e aquilo,
porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, porque arruínam de antemão a “sintaxe!‘,
- e não somente aquela que constrói as frases –
- aquela, menos manifesta, que autoriza “manter juntos” (ao lado e em frente umas das outras)
as palavras e as coisas.

e métodos Análise e Síntese
As utopias consolam:
é que, se elas não têm lugar real,
desabrocham, contudo, num espaço maravilhoso e liso;
abrem cidades com vastas avenidas,
jardins bem plantados, regiões fáceis,
ainda que o acesso a elas seja quimérico.
‘As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas’;
Prefácio;
por Michel Foucault
‘As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas’;
Prefácio;
por Michel Foucault
As duas sintaxes, no espaço referido à Utopia, o do pensamento moderno, depois de 1825, espaço este no qual elas (as duas sintaxes) não são - de antemão - arruinadas
1. Os dois conceitos para o que seja um ‘Verbo’: Processo e Forma de produção
Os dois conceitos para o que seja um verbo,
o elemento central nos respectivos modelos de operações
o de antes (Processo) e o de depois (Forma de produção)
da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
'Processo'
como verbo
“A única coisa que o verbo afirma
é a coexistência de duas representações:
por exemplo,
a do verde
e da árvore,a do homem
e da existência
ou da morte;
é por isso que o tempo dos verbos
não indica aquele [tempo]
em que as coisas existiram no absoluto,
mas um sistema relativo
de anterioridade ou de simultaneidade
das coisas entre si.”
'Forma de produção'
como verbo
“É preciso, portanto,
tratar esse verbo como um ser misto,
ao mesmo tempo palavra entre as palavras,
preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência e de concordância;
e depois,
em recuo em relação a elas todas,
numa região que
não é aquela do falado
mas aquela donde se fala.
Ele está na orla do discurso,
na juntura entre
aquilo que é dito
e aquilo que se diz,
exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault
A descrição feita por Foucault do sistema, obviamente, é consistente com o Sistema Input-Output.
Características:
- formulação: reversível até o início do instanciamento;
- lugar da ocorrência: circuito das trocas (Mercado);
- propriedade emergente: fluxo;
- metáfora adequada: transformação;
- tempo: calendário, relativo;
- origem de valor na proposição: 1a. alternativa de análise de valor – indicador no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na troca;
- princípio de trabalho: Adam Smith
A descrição acima feita por Foucault,é consistente com alguns modelos de operações e organizações existentes.
Características:
- formulação: irreversível mesmo antes do instanciamento;
- lugar da ocorrência: Lugar do nascimento do que é empírico;
- propriedade emergente: permanência;
- metáfora adequada: conversão, ou um par de transformações;
- tempo: absoluto;
- origem de valor na proposição: 2a. alternativa de análise de valor – indicador antes da possibilidade de troca e da disponibilidade do objeto;
- princípio de trabalho: David Ricardo
Comentários
3. Os dois papeis fundamentais dados ao homem
no tipo de reflexão que surgiu em nossa cultura
depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
O espaço dado ao homem
na estrutura dos modelos
em cada segmento do espectro de modelos
O tratamento dado ao homem no pensamento clássico, o de antes de 1775, e portanto
antes da descontinuidade epistemológica assinalada por Foucault entre 1775 e 1825
“Em tantas ignorâncias,
em tantas interrogações
permanecidas em suspenso,
seria preciso, sem dúvida, deter-se:
aí está fixado o fim do discurso,
e o recomeço talvez do trabalho.
Há ainda, no entanto, algumas palavras a dizer.
Palavras cujo estatuto é, sem dúvida,
difícil de justificar,
pois se trata de introduzir no último instante
e como que por um lance de teatro artificial,
uma personagem
que não figurara ainda
no grande jogo clássico das representações.” (…)
“No pensamento clássico,
aquele para quem a representação existe,
e que nela se representa a si mesmo,
aí se reconhecendo por imagem ou reflexo,
aquele que trama todos os fios entrecruzados
da “representação em quadro” -,
esse [o homem] jamais se encontra lá presente.”
“Antes do fim do século
XVIII, o homem não existia.
Sem dúvida,
as ciências naturais
trataram do homem
como de uma espécie
ou de um gênero:
a discussão sobre
o problema das raças,
no século XVIII,
o testemunha.
“Mas não havia
consciência epistemológica
do homem como tal.
A epistémê clássica
se articula
segundo linhas
que de modo algum isolam
o domínio próprio e específico
do homem.“
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX – O homem e seus duplos;
II. O lugar do rei
Michel Foucault
Entrada em cena do homem no campo do saber ocidental, depois de 1825 e portanto,
depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825,
com uma duplicidade de papéis
“Na medida, porém,
em que as coisas
giram sobre si mesmas,
reclamando para seu devir
não mais que
o princípio de sua inteligibilidade
e abandonando o espaço da representação,
o homem,
por seu turno, entra,
e pela primeira vez,
no campo do saber ocidental.”
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Prefácio
Michel Foucault
“O modo de ser do homem,
tal como se constituiu
no pensamento moderno,
permite-lhe desempenhar dois papéis:
está ao mesmo tempo,
- no fundamento de todas as positividades,
- presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
no elemento das coisas empíricas.”
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X – As ciências humanas;
tópico I. O triedro dos saberes
Michel Foucault
A ideia 'homem', com seus diferentes papéis
e respectivos elementos de imagem
- nos sistemas em cada faixa do espectro de modelos
Aquém do objeto

no pensamento clássico, o de antes de 1775
Não há, na estrutura do pensamento clássico, espaço para a figura do homem em qualquer um de seus dois papéis, e portanto inexistem os respectivos elementos de imagem.
Diante e Além do objeto
Há, na estrutura do que Foucault chama de ‘essa estranha maneira de conhecer empiricidades’ espaço para o homem ‘naquilo que ele tem de empírico’, permitindo o desempenho dos seus dois papéis:
- raiz e fundamento de toda a empiricidade;
- elemento do que é empírico.
Não há espaço estrutural na estrutura do sistema input-output, para as ideias ou elementos de imagem requeridas para os dois papéis do homem – ‘no que ele tem de empírico’ como diz Foucault.
Claramente a afirmativa acima vale para a noção ‘homem’ como na citação acima à direita. Podemos rotular ‘homem’, sujeito, etc. qualquer coisa, porém fora da noção acima.
Podemos ver com alguma clareza a ausência do homem como ideia, e respectivo elemento de imagem, no pensamento clássico de várias maneiras, entre elas:
- pelo funcionamento do pensamento na formulação da operação, e também no instanciamento da representação formulada;
- nos exemplos de modelos de operações de produção e de organizações que examinamos a seguir.
Acontece que por vezes, em vista da ausência de espaço estrutural para a ideia ‘homem’, alguns projetistas de modelos optem pela inclusão não da entidade homem propriamente, mas de um rótulo com esse nome, acrescentado como meta-dado, a entidades anteriormente existentes.
Na estrutura daquilo que Foucault chama de ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’, o homem – ‘naquilo que ele tem de empírico’ tem importância determinante, e na sua duplicidade de papéis: 1) raiz e fundamento de toda positividade; 2) elemento do que é empírico.
Podemos ver claramente a presença do homem como ideia, e respectivo elemento de imagem, no pensamento moderno também de várias maneiras, entre elas:
- também pelo funcionamento do pensamento na formulação da representação e da sua operação construtiva, e também no instanciamento da representação anteriormente formulada, construída e adicionada ao Repositório de proposições explicativas formuladas de acordo com as regras da língua.
- a proposição – o bloco construtivo fundamental padrão para construção de representações pode ser formulada com todos seus elementos ocupando posições estruturais operacionais;
- também podemos ver essa presença de várias maneiras, mas por exemplo, no modelo de operações de produção (instanciamento de uma representação) no modelo descritivo da produção do Kanban
A idade da história em três tempos;
uma descrição feita pelo próprio Foucault, do seu trabalho de arqueologia das ciências humanas
A idade da história em três tempos:
uma descrição de Foucault, do que seja sua arqueologia das ciências humanas
4. Roteiro & Inspiração: as pedras no caminho de Michel Foucault e
caminhos e descaminhos de Humberto Maturana
Roteiro e Inspiração: as pedras no caminho de Foucault e
os caminhos de Humberto Maturana
A pedra no caminho de Foucault, nosso roteiro: com uma impossibilidade e uma obrigação:
a) a impossibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto no espaço da representação] e
b) a constituição para além do objeto, dos quase transcendentais Vida,Trabalho e Linguagem
Os caminhos (e rotas) de Maturana, nossa inspiração: caminhos (e descaminhos) de Humberto Maturana finalizando com as críticas feitas à autopoiese, e aceitas por Francisco Varela
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A forma de reflexão que se instaura no pensamento em nossa cultura
depois da descontinuidade epistemológica entre 1775-1825,
e que inspira o Princípio Dual de Trabalho, de 1817, devido a David Ricardo.
A forma de reflexão que se instaura com a DE(1775-1825)
que inspira o princípio dual de trabalho de David Ricardo, de 1817
Instaura-se uma forma de reflexão
bastante afastada do cartesianismo e da análise kantiana
em que está em questão,
pela primeira vez
o ser do homem
nessa dimensão segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado
e com ele se articula
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap. IX – O homem e seus duplos;
tópico V – O “cogito’ e o impensado
e que torna possível modelar operações e organizações com ideias e respectivos elementos de imagem necessários para compor o bloco construtivo padrão genérico e fundamental 'proposição' para construção de representações
A proposição é
para a linguagem
o que a representação é
para o pensamento:
sua forma,
ao mesmo tempo mais geral
e mais elementar;
porquanto,
desde que a decomponhamos,
não reencontraremos mais o discurso,
mas seus elementos
como tantos materiais dispersos.
As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Capítulo IV – Falar; tópico
III. A teoria do verbo
A descontinuidade epistemológica de 1775-1825:
a cronologia básica, fases, período de ruptura
A descontinuidade epistemológica de 1775-1825

1926-1984
"E foi realmente necessário
um acontecimento fundamental
- um dos mais radicais, sem dúvida,
que ocorreram na cultura ocidental,
para que se desfizesse
a positividade do saber clássico
e se constituísse uma positividade
de que, por certo,
não saímos inteiramente."
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
tópico I. A idade da história
Cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
defasagens entre conquistas no pensamento filosófico e respectiva utilização prática
“Esse acontecimento, sem dúvida porque estamos ainda presos na sua abertura, nos escapa em grande parte. Sua amplitude, as camadas profundas que atingiu, todas as positividades que ele pode subverter e recompor, a potência soberana que lhe permitiu atravessar, em alguns anos apenas, o espaço inteiro de nossa cultura, tudo isso só poderia ser estimado e medido ao termo de uma inquirição quase infinita que só concerniria, nem mais nem menos, ao ser mesmo de nossa modernidade.
A constituição de tantas ciências positivas, o aparecimento da literatura, a volta da filosofia sobre seu próprio devir, a emergência da história ao mesmo tempo como saber e como modo de ser da empiricidade, não são mais que sinais de uma ruptura profunda.
Sinais dispersos no espaço do saber, pois que se deixam perceber na formação, aqui de uma filologia, ali de uma economia política, ali ainda de uma biologia.
Dispersão também na cronologia: certamente, o conjunto do fenômeno se situa entre datas facilmente assinaláveis
- (os pontos extremos são
os anos 1775 e 1825);
podem-se porém reconhecer, em cada um dos domínios estudados, duas fases sucessivas que se articulam uma à outra, mais ou menos por volta dos anos 1795-1800.
Na primeira dessas fases, o modo de ser fundamental das positividades não muda; as riquezas dos homens, as espécies da natureza, as palavras de que as línguas são povoadas permanecem ainda o que eram na idade clássica: representações duplicadas – representações cujo papel consiste em designar representações, analisá-las, decompô-las e compô-las, para fazer nelas surgir, com o sistema de suas identidades e de suas diferenças, o princípio geral de uma ordem.
O ponto de surgimento do homem em nossa cultura
“É somente na segunda fase que as palavras, as classes e as riquezas adquirirão um modo de ser que não é mais compatível com o da representação.
Em contra partida, o que se modifica muito cedo, desde as análises de Adam Smith, de A.-L. de Jussieu ou de Viq d’Azyr, na época de Jones ou de Anquetil-Duperron,
- é a configuração das positividades: a maneira como, no interior de cada uma,
- os elementos representativos funcionam uns em relação aos outros,
- a maneira como asseguram seu duplo papel de designação e de articulação,
- como chegam, pelo jogo das comparações, a estabelecer uma ordem.”
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap.VII – Os limites da representação
tópico I. A idade da história
Alguns autores fundamentos filosóficos do liberalismo, e autores chave do pensamento moderno posicionados em relação à descontinuidade epistemológica de 1775-1825
Michel Foucault ao delinear sua arqueologia das ciências humanas, propósito do ‘As palavras e as coisas’, com certeza tomou conhecimento do trabalho desses autores.
- autores clássicos:
- Adam Smith, 1723-1790
- John Locke, 1632-1704
- David Hume, 1711-1776
- J. J. Rousseau, 1712-1778
- Jeremy Bentham, 1748-1832
- autores modernos:
- Immanuel Kant, 1724-1804
- David Ricardo, 1772-1823
- Georges Cuvier, 1769-1832
- Franz Bopp, 1792-1867
- Sigmund Schlomo Freud, 1856-1939
- e John Maynard Keynes, 1883-1936
- entre muitos outros.
Michel Foucault menciona ainda em destaque, como artífices do pensamento moderno e fontes para o seu próprio pensamento:
- Georges Cuvier, naturalista, 1769-1832
- Franz Bopp, linguista, 1792-1867
- David Ricardo, economista, 1772-1823
Em face da Ideologia, a critica kantiana marca, em contra partida, o limiar de nossa modernidade; interroga a representação,
- não segundo o movimento indefinido que vai do elemento simples a todas as suas combinações possíveis,
- mas a partir de seus limites de direito.
Sanciona assim, pela primeira vez, este acontecimento da cultura européia que é contemporâneo do fim do século XVIII:
a retirada do saber e do pensamento
para fora do espaço da representação.
Subsídios para uma alteração de nossa avaliação sobre a continuidade da ratio em nossa cultura, oferecidos pelo desenvolvimento da arqueologia das ciências humanas no As palavras e as coisas
Por muito forte que seja a impressão que temos
de um movimento quase ininterrupto da ratio européia desde o Renascimento até nossos dias,
- por mais que pensemos que a classificação de Lineu,
mais ou menos adaptada, pode de modo geral
continuar a ter uma espécie de validade, - que a teoria do valor de Condillac se encontra em parte no marginalismo do século XIX,
- que Keynes realmente sentiu a afinidade de suas próprias análises com as de Cantillon,
- que o propósito da Gramática geral (tal como o encontramos nos autores de Port-Royal ou em Bauzée) não está tão afastado de nossa atual linguística
– toda esta quase-continuidade ao nível das idéias e dos temas não passa, certamente, de um efeito de superfície;
no nível arqueológico, vê-se que o sistema das positividades mudou de maneira maciça na curva dos séculos XVIII e XIX.
Não que a razão tenha feito progressos; mas o modo de ser das coisas e da ordem que, distribuindo-as, oferece-as ao saber; é que foi profundamente alterado.
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Prefácio
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