Os dois conceitos filosóficos para o que seja 'Trabalho':
o de Adam Smith, de 1776, e o de David Ricardo, de 1817
Veja abaixo as diferenças entre os dois princípios de trabalho, o de Adam Smith e o de David Ricardo, usando as palavras de Michel Foucault
Na análise de Adam Smith, o trabalho devia seu privilégio ao poder que se lhe reconhecia de estabelecer entre os valores das coisas urna medida constante:
- permitia fazer equivaler na troca objetos de necessidade cujo aferimento de outro modo teria sido exposto à mudança ou submetido a uma essencial relatividade.
No entanto, só podia assumir tal papel à custa de uma condição:
era preciso supor
- que a quantidade de trabalho indispensável para produzir uma coisa
- fosse igual à quantidade de trabalho que essa coisa, em retorno, pudesse comprar no processo da troca.
Ora, como justificar essa identidade, em que fundá-Ia a não ser sobre uma certa assimilação, admitida na sombra mais que esclarecida, entre
- o trabalho como atividade de produção
- e o trabalho como mercadoria que se pode comprar e vender?
Nesse segundo sentido, ele não pode ser utilizado como medida constante, pois “experimenta tantas variações quanto as mercadorias ou bens com os quais pode ser comparado”.
Essa confusão, em Adam Smith, tinha sua origem no primado concedido à representação:
toda mercadoria representava certo trabalho,
- e todo trabalho
podia representar certa quantidade de mercadoria.
A atividade dos homens e o valor das coisas comunicavam-se no elemento transparente da representação.
É aí que a análise de Ricardo encontra seu lugar e a razão de sua importância decisiva.
Ela não é a primeira a organizar um lugar importante para o trabalho no jogo da economia; mas faz explodir a unidade da noção, e distingue, pela primeira vez, de uma forma radical,
- essa força, esse esforço, esse tempo do operário que se compram e se vendem,
- e essa atividade que está na origem do valor das coisas.
Ter-se-á pois, por um lado,
- o trabalho que os operários oferecem, que os empresários aceitam ou demandam e que é retribuído pelos salários;
por outro, ter-se-á
o trabalho que extrai os metais, produz os bens, fabrica os objetos, transporta as mercadorias e forma assim valores permutáveis que antes dele não existiam e sem ele não teriam aparecido.
“A partir de Ricardo,
o trabalho,
desnivelado em relação à representação,
e instalando-se
em uma região
onde ela não tem mais domínio,
organiza-se
segundo uma causalidade
que lhe é própria.”
As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. VII – Trabalho, Vida e Linguagem
tópico II – Ricardo
Essa diferença
quanto a bases fundamentais
de produções do pensamento:
na representação ou fora dela
é exatamente a objeção
de Lacan à psicanálise de Freud.
Elementos integrantes dos modelos de operação de um e outro lado,
vão refletir-se concretamente em diferenças estruturais
de modelos práticos feitos com pensamento configurado de uma ou de outra forma.
O elemento central no Princípio Monolítico de Trabalho de Adam Smith, de 1776, é Processo, um verbo, que ‘a única coisa que afirma é a anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si’ Por isso, o tempo de ‘Processo’ não indica aquele tempo em que as coisas existiram no absoluto, mas antes indica um tempo relativo.
O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith analisa valor no ato mesmo da troca, no momento em que a permuta é possível. Deixa de fora, portanto, toda a operação de construção de representação para empiricidade objeto nova.
Esse momento caracteriza-se pela existência simultânea dos objetos envolvidos na troca:
- o que é dado;
- e o que é recebido;
Operação modelada sob esse princípio transcorre toda no interior do
- Lugar onde ocorrem as trocas,
- o popularmente conhecido Mercado,
e no interior do
- domínio do Discurso e da Representação
O elemento central no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo, de 1817, é a Forma de produção. A maneira escolhida para a produção do objeto a ser dado na operação de troca.
O apontador de início da análise de valor está posicionado no início da produção, em um momento, portanto,em que
- a ‘coisa’ ainda não existe;
o apontador está posicionado em um ponto anterior à existência do objeto da troca e a operação procura as condições nas quais a permutabilidade pode acontecer.
Operação modelada sob este princípio de David Ricardo transcorre toda no interior do
- Lugar de nascimento do que é empírico
- com seus sub-espaços
- Lugar desde onde se fala;
- no domínio do Pensamento e da Língua, e
- Lugar do falado;
- no domínio do Discurso e da Representação
A construção da representação para essa ‘coisa’ – ou empiricidade objeto da operação de produção correspondente à Forma de produção – é feita desde fora da linguagem, por meio de:
- designações primitivas;
são as operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, que resultam na identificação e ou desenvolvimento dos elementos de suporte na experiência à Forma de produção.
- linguagem de ação ou de uso;
é o conteúdo do Repositório de proposições explicativas formuladas de acordo com as regras da língua, uma coleção de representações relacionadas a empiricidades objeto anteriormente tratadas, que permanece disponível a qualquer tempo no domínio e ambiente em que a presente operação acontece.
Veja
a descrição feita por Michel Foucault das duas possibilidades de leitura abertas para o pensamento, simultaneamente, para entender operações e valor a partir da linguagem. Um resumo vai abaixo:
O pensamento de Foucault em resumo diz o seguinte:
Podemos ver o que sejam operações, segundo duas possibilidades de inserção do ponto de início do fenômeno ‘operações’ e ‘operações de troca’, segundo a disponibilidade ou não dos dois objetos envolvidos em uma troca. A cada possibilidade de inserção do ponto de início do fenômeno corresponde uma diferente origem do valor carregado pela proposição para a representação.
Ora, uma operação de troca envolve dois objetos e como fenômeno, portanto, guarda relação com as operações de obtenção de cada um desses dois objetos, e está sobreposta a estas.
Assim, uma operação pode ser vista:
- No exato momento do cruzamento (do andamento das respectivas operações) entre o que é dado e o que é recebido na troca; ou
- Antes desse momento, quando pelo menos um dos objetos ainda não está disponível, e nesse momento inicia-se a prospecção da sua permutabilidade. Faz-se, então, uma aposta de que esse objeto poderá, no futuro, fazer par com um outro em uma operação em que um é dado e outro é recebido em uma dupla troca.
As duas origens de valor carregado pela proposição para a representação são os seguintes:
- no ponto de cruzamento entre o objeto que é dado e o objeto que é recebido, o valor é atribuído diretamente à proposição que o carrega para a representação;
- no ponto de início da prospecção da permutabilidade do objeto ainda não disponível para troca, o valor é carregado para a proposição a partir de sua origem em:
- designações primitivas;
- linguagem de ação ou raiz (linguagem de uso).
Veja nos modelos de operações desta página, que ‘designações primitivas e linguagem de ação ou raiz são ideias que admitem os respectivos elementos de imagem, e estão colocados nas figuras, em posições operacionais e integrantes da estrutura do modelo.
E veja que essas duas fontes originárias do valor associado à proposição só têm espaço no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo.
A segunda possibilidade de leitura de ‘operações’ e ‘operações de troca’ não funciona sem as ideias de sujeito e de objeto da operação colocados em posições operacionais na estrutura da operação.
1 Primeira possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor
No lado esquerdo o valor que chega à representação através da proposição é carregado nela diretamente, até porque não há intenção de formular operações levando em conta como elemento organizador o objeto tomado como descrito por suas propriedades originais e constitutivas, isto é, de modo relacionado com o objeto.
Na visão de ‘operações’ no pensamento clássico não há a ideia de objeto como constituído por suas propriedades sim-originais e sim-constitutivas, pelos pressupostos considerados.
Refiro-me ao Princípio Monolítico de trabalho de Adam Smith. Na avaliação de Foucault, nesta alternativa de leitura do que seja trabalho a partir da linguagem toda a essência da linguagem está na proposição.
Toda a essência da linguagem está no interior da proposição.
A proposição já nasce emprenhada do valor que carrega.
2 Segunda possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor
No princípio de trabalho de David Ricardo é visível a modelagem de uma proposição, usando ideias – ou elementos de imagem – todos eles em posições operacionais na estrutura do modelo.
- o sujeito, o empresário;
- e seu predicado
- o atributo, representado na figura pela representação do objeto da operação;
- o verbo: representado na figura pela Forma de produção
Essa mesma essência da linguagem encontra raízes fora dela mesma, do lado das
- designações primitivas;
- linguagem de ação ou raiz
No lado direito, sim, existem, ideias – ou elementos de imagem, que modelam padronizada e genericamente o elemento construtivo padrão fundamental para construção de representações – a proposição – e o escopo da operação é justamente articular o impensado, pelo pensamento, no espaço da representação. Refiro-me agora ao Princípio Dual de trabalho de David Ricardo.
A proposição assim que formulada está vazia, inclusive do valor que pode carregar; consiste tão somente em uma arquitetura que é comum a toda e qualquer proposição no curso desse tipo de operação.
Essa modelagem padronizada, genérica, organizadora de uma ordem única ao longo de toda a operação, descobre a essência da linguagem fora dela, nas operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, às quais Foucault denomina “designações primitivas – linguagem de ação ou raiz”.
Relacionamento entre
- o Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo e o modelo de operações proposto no LD da Figura 2, a nossa Plataforma para exposição;
- as fontes externas á linguagem e ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’ no LD da Figura 2, com:
- designações primitivas e
- linguagem de ação ou de uso,
Comparações entre os dois princípios de trabalho,
e a importância do princípio de trabalho de David Ricardo
segundo Michel Foucault
Comparação, feita por Michel Foucault,
entre os princípios de trabalho
o de Adam Smith, de 1776 e o de David Ricardo, 1817
1 Primeira possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor
Inserção do ponto de leitura de operações e análise de valor no exato cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.
2 Segunda possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor
Na animação acima vê-se nas palavras de Michel Foucault a inclusão daquela atividade que está na origem do valor das coisas como característica do Princípio Dual de trabalho de David Ricardo.
Isso implica em que a inserção do ponto de leitura de operações e análise de valor está colocado antes da existência do que é dado e do que é recebido, e portanto antes do cruzamento entre os dois, na operação de troca.
Isso coloca toda a operação no princípio de Ricardo fora do circuito das trocas e no espaço reservado ao ‘Lugar de nascimento do que é empírico’.
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