O louco e o poeta, na visão de Michel Foucault

O louco, 

entendido

  • não como doente,
  • mas como desvio constituído e mantido,
    como função cultural indispensável,

tornou-se, na experiência ocidental,
o homem das semelhanças selvagens.

Essa personagem,
tal como é bosquejada nos romances ou no teatro da época barroca e tal como se institucionalizou pouco a pouco até a psiquiatria do século XIX,
é aquela que se alienou na analogia.

É o jogador desregrado do Mesmo e do Outro.

Toma as coisas pelo que não são
e as pessoas umas pelas outras;
ignora seus amigos,
reconhece os estranhos;
crê desmascarar e impõe uma máscara.

Inverte todos os valores e todas as proporções,
porque acredita, a cada instante,
decifrar signos:
para ela, os ouropéis fazem um rei. 

Segundo a percepção cultural
que se teve do louco até o fim do século XVIII,
ele só é o Diferente
na medida em que não conhece a Diferença;

por toda a parte vê semelhanças
e sinais da semelhança;

todos os signos para ele se assemelham
e todas as semelhanças valem como signos.

 Na outra extremidade do espaço cultural,
mas totalmente próximo por sua simetria,

o poeta
é aquele que,
por sob as diferenças
nomeadas e cotidianamente previstas,
reencontra os parentescos
subterrâneos das coisas,
suas similitudes dispersadas.

Sob os signos estabelecidos
e apesar deles,
ouve um outro discurso,
mais profundo,
que lembra o tempo
em que as palavras cintilavam
na semelhança universal das coisas:
a Soberania do Mesmo,
tão difícil de enunciar,
apaga na sua linhagem
a distinção dos signos.

As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Capítulo III – Representar; tópico I – Don Quixote, 
de Michel Foucault