Anexo ao e-mail dirigido a Morris Kachani

O que exatamente Foucault via quanto a modos distintos de absorver o mundo,
tais como descritos na Cartilha (o ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’)

Em nenhum momento Foucault solicita ao seu leitor que faça um ato de fé no que ele diz. Foucault argumenta sempre, a partir de dados levantados quanto ao modo de ser do pensamento em uma vasta plêiade de autores contemporâneos às mudanças. 

Foucault via no conjunto de teorias, modelos e sistemas em nossa cultura, um espectro de modelos com três segmentos, que decorre dessa visão, e que aponta para o futuro; e que lhe sugeria a necessidade de distinções entre esses diferentes modos de ser do pensamento, e todo o trabalho com a arqueologia feita no ‘As palavras e as coisas’: 

“Eis que nos adiantamos bem para além do acontecimento  histórico que se impunha situar – bem para além das margens cronológicas dessa ruptura que divide, em sua profundidade, a epistémê do mundo ocidental e isola para nós o começo de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades. 

É que o pensamento que nos é contemporâneo
e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
se acha ainda muito dominado 

  • pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
    de fundar as sínteses no espaço da representação.
  • e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
    de abrir o campo transcendental da subjetividade
    e de constituir, inversamente, para além do objeto,
    esses quase-transcendentais que são para nós a Vida, o Trabalho, a Linguagem.

    As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas (a Cartilha)
    Capítulo 7 – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

Veja isso em Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço, encontrados por Michel Foucault em seu caminho, com especial destaque para o segundo obstáculo, o cumprimento da obrigação de abertura do campo transcendental da subjetividade constituindo modelos das ciências humanas.

Como se vê pelo ponto em que se insere na ‘Cartilha’ essa citação, o capítulo 7 de um trabalho em dez capítulos, quando escreveu esse trecho Foucault já tinha bem adiantado seu trabalho no ‘As palavras e as coisas’; nesse momento ele aponta dois obstáculos, duas pedras de tropeço que precisou enfrentar e que tiveram o poder de dilatar em muito o tempo necessário para fazer esse livro; ele via:  

    1. uma impossibilidade, a de fundar as sínteses [da representação para a empiricidade objeto de cada operação] no espaço da representação
    2. e uma obrigação a ser cumprida:
      a de abrir o campo transcendental da subjetividade
      e de constituir,
      inversamente, para além do objeto,
      os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem 

O espectro de modelos com três segmentos: AQUÉM, DIANTE e ALÉM do objeto

O espectro de modelos com três segmentos, que abriga teorias, modelos e sistemas desde o século XVII até o século XXI, usando essa análise de Michel Foucault decorre desse momento intenso de Foucault.   

    • AQUÉM do objeto – teorias, modelos e sistemas com a impossibilidade
      de fundar as sínteses dos objetos das operações no espaço da representação;
    • DIANTE do objeto – teorias, modelos e sistemas sem essa impossibilidade, com a possibilidade,
      de fundar as sínteses dos objetos das operações, no espaço da representação;
    • para ALÉM do objeto – teorias, modelos e sistemas nos quais 
      foi aberto o campo transcendental da subjetividade e foram constituídos
      os “quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem:
      estes, os modelos no domínio das ciências humanas. 

A história do nascimento do ‘As palavras e as coisas’,
contada por Michel Foucault no Prefácio desse livro, e associada a imagens

Veja essa história em uma animação que está em 

Uma história do nascimento do livro ‘As palavras e as coisas,
contada pelo próprio autor no Prefácio

A ideia aqui é sobrepor o texto dessa historinha a uma imagem em que estão representadas as estruturas exigidas pelos modelos de operações em dois perfís 

  • a ideia que deu origem ao livro: um texto de Borges;
  • efeitos desse texto sobre as familiaridades do pensamento que tem a nossa idade e a nossa geografia abalando todos os planos e todas as superfícies ordenadas que tornam para nós sensata a profusão dos seres; e fazendo vacilar e inquietando por muito tempo, nossa prática milenar do Mesmo e do Outro;
  • o texto da Enciclopédia chinesa uma taxinomia sob o pensamento clássico;
  • o limite do nosso pensamento: a impossibilidade de pensar isso. 
  • Que coisa é impossível pensar? e de que impossibilidade se trata?
  • a desordem pior que aquela do incongruente, ou da aproximação daquilo que não convém:
  • seria a utilização de um grande número de ordens possíveis na dimensão sem lei nem geometria do heteróclito;
  • o consolo das Utopias;
  • a inquietação causada pelas heterotopias;
    • porque solapam secretamente a linguagem;
    • porque impedem de nomear as coisas, porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, 
    • porque arruínam de antemão a sintaxe
      • e não somente a sintaxe que constrói as frases
      • também aquela sintaxe, menos manifesta, que autoriza manter juntas, ao lado e em frente umas das outras, as palavras e as coisas.
Neste trabalho mostramos como essas coisas mencionadas nesse texto se relacionam com modelos de operações, e também modelos de organizações.
Colocamos ao fundo da narrativa desse texto do Prefácio as diferentes configurações do pensamento em modelos de operações e de organizações, e como vão se alterando à medida que a narrativa prossegue.

A descontinuidade epistemológica em nossa cultura posicionada por Foucault entre 1775 e 1825

Veja isto em Cronologia da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura entre 1775 e 1825, segundo Michel Foucault

Alterações no fenômeno ‘operações’, as duas origens de valor nas representações, as correspondentes configurações na própria linguagem e consequentes diferenças no funcionamento do pensamento, e seus modelos em cada caso

Veja isso em 
Para entender melhor os elementos de imagem 
  • ‘designações primitivas’
  • e ‘linguagem de ação ou raiz’
que representam as origens de valor atribuído à proposição, veja

A forma de reflexão que se instaura no pensamento em nossa cultura

“Instaura-se uma forma de reflexão,
bastante afastada do cartesianismo e da análise kantiana,
em que está em questão, pela primeira vez,
o ser do homem, nessa dimensão segundo a qual
o pensamento se dirige ao impensado
e com ele se articula.”

Cartilha; Cap. 9. O homem e seus duplos; V – O “cogito” e o impensado

Foucault, nesse excerto da Cartilha, coloca o ser do homem (o sujeito) dirigindo-se ao objeto, o impensado, na posição de atributo do predicado do sujeito. 

Nota: Essa forma de reflexão que se instaura não se dirige ao intangível!  
Mas dirige-se ao impensado, objeto em relação ao qual o Pensamento pode muito.
(Ref. Entrevista de Jorge Forbes)

Veja as bases de sustentação e essa forma de reflexão em   

Os  perfis das duas configurações do pensamento, segundo o pensamento de Michel Foucault:
e Os dois tipos de reflexão assumidos pelo pensamento

Comentários sobre a entrevista de Jorge Forbes ao canal Inconsciente coletivo

  • o título do vídeo da entrevista de Jorge Forbes com o anúncio da maior revolução nos laços sociais dos últimos 2800 anos;
  • o incômodo de Jorge Forbes com a noção de ‘norma’ e o modelo composto padrão e genérico, constituinte das ciências humanas, modelos estes que ocupam o espectro para ALÉM do objeto;
  • o totalmente dispensável rótulo ‘terra1’, se seu significado for o modo de ser do pensamento ‘anterior’, ou o pensamento filosófico clássico, o de antes de 1775.
  • a frase de efeito Freud explica ⇒ Freud implica claramente depende do tipo de pensamento no qual está inserida e da respectiva visão do que sejam operações.

O título do vídeo da entrevista de Jorge Forbes com o anúncio da maior revolução nos laços sociais dos últimos 2800 anos;

Essa alusão a uma revolução nos laços sociais dos últimos 2800 anos é desconsideração histórica do modo como se alterou ao longo do tempo o modo de ser fundamental do pensamento e suas condições de possibilidade. 

Sugiro a Jorge Forbes que leia a Cartilha. 

Nesse meio tempo, podemos ver uma 

Cronologia da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura entre 1775 e 1825

segundo Michel Foucault, na qual movimentos do pensamento muito mais recentes e importantes surgiram em tempo muito mais recente.

Esse título do vídeo da entrevista de Jorge Forbes imediatamente me lembra do movimento Reengenharia, e da capa do livro de mesmo nome de Michael Hammer “– Esqueça o que você sabe sobre como as empresas devem funcionar: quase tudo está errado” trombeteava ele. Seja em Hammer, ou em Forbes, nos dois casos havia e há, a denúncia, como se atual fosse, de uma revolução ocorrida em passado remoto. A Cartilha mostra como e por que isso é verdade.

Se estou entendendo o que ele chama de ‘época anterior’ isso já tem um nome: pensamento filosófico clássico, o de antes de 1775 segundo a Cartilha. E chamado por esse nome, suficiente, podemos prescindir do nome fantasia terra1. Usando ‘pensamento filosófico clássico’ podemos fazer o relacionamento com o modo de ser do pensamento de autores importantes desse período, como Adam Smith, John Locke, Jeremy Bentham, etc.  E usando a contraparte ‘pensamento moderno’ – que possivelmente Forbes chamará de terra2 sem necessidade e com desvantagens – podemos estabelecer relações com pensadores como David Ricardo, Franz Bopp, Georges Cuvier, Sigmund Freud, John Maynard Keynes, entre muitos outros.

o incômodo de Jorge Forbes com a noção de ‘norma’ e o modelo composto padrão e genérico, constituinte das ciências humanas, modelos estes que ocupam o espectro para ALÉM do objeto;

“Me incomoda a noção de norma no sentido de que você sai de um laço social estandardizado, padronizado, rígido, hierárquico, linear, focado, que são algumas das características que eu entendo da época anterior que eu chamo de terra1.” Ref. Jorge Forbes, em Estamos vivendo a maior revolução dos laços sociais dos últimos 2800 anos do canal Inconsciente coletivo.

Quanto ao incômodo de Forbes com a noção de ‘norma’, isso me remete imediatamente de novo à Cartilha, que me permite uma visão de conjunto muito mais completa e útil para quem pensa em formular e configurar, e depois operar com sucesso, modelos no domínio das ciências humanas: a ‘norma’ que incomoda Forbes, é a expressão das condições requeridas por uma ‘função’ que visa a estabilidade temporal, em mais de um aspecto, compartilhada, da solução conseguida para a obtenção prática dessa função.

Vale a pena examinar o que se configura quase como 

Um ‘manual’ para projeto e construção de modelos no domínio das ciências humanas

em três tempos:

  • o espaço geral dos saberes sob o pensamento moderno chamado por Foucault de Triedro dos saberes; com as faces e eixos do Triedro dos saberes;
  • a classe de modelos das ciências humanas;
  • o uso dos pares de modelos constituintes fora do domínio próprio em que foram formados.

examinando o modelo constituinte padrão das ciências humanas composto de uma combinação ponderada dos pares constituintes das ciências do eixo epistemológico fundamental, as ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem:

“Assim, estes três pares, função e norma, conflito e regra, significação e sistema, cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem.” Cartilha; Cap. 10 – As ciências humanas; tópico I – O triedro dos saberes

Esse excerto da Cartilha dá-nos conta de que esses três pares de modelos constituintes, das ciências 

  • da Vida (Biologia) par constituinte  [função-norma] 
  • do Trabalho (Economia)  par constituinte [conflito-regra]
  • da Linguagem (Filologia) par constituinte  [significação-sistema] 

estão na base de toda e qualquer ciência humana, incluindo a economia política, e a biopolítica, e também a análise da produção. 

Forbes supostamente está analisando o que acontece nas, e com as organizações empresariais e, portanto, está elaborando bem no campo de uma ciência humana capaz disso. Essa ciência humana que segundo Foucault, tem esse modelo constituinte padrão no qual 

  • o par constituinte dominante é escolhido por quem formula o modelo, 
  • e os coeficientes que determinam o mix da composição no modelo específico, que estabelecem a proporção em que entram no modelo os três pares constituintes são também escolhidos pelo analista formulador. 

Isso evidencia que esse incômodo de Forbes com a ‘norma’ precisa ser bastante ampliado quando se fala de laços sociais porque estes estão afetos, 

  • desde logo às ‘funções’ normatizadas pela ‘norma’ (o par constituinte do quase-transcendental Vida), 

mas também estão regidos pelos pares constituintes dos outros dois quase-transcendentais: 

  • [conflito-regra] da Economia, 
  • e [significação-sistema] da Filologia.

É claro que podemos desconsiderar esse mapeamento admirável do espaço dos saberes moderno feito por Foucault e pensar de modo compartimentado e muito mais incompleto. 

Mas por que exatamente faríamos isso?

Sobre as qualidades que Forbes atribui à época anterior, que ele chama de terra1

  1. estandardização,
  2. padronização,
  3. rigidez,
  4. hierarquia,
  5. linearidade,
  6. focalização

Por favor acompanhe a operação que ocorre no caminho da Construção da representação, que acontece no interior do Lugar do nascimento do que é empírico, sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, da qual resulta uma nova representação para a empiricidade objeto dessa operação, um modelo pertencente ao segmento DIANTE do objeto. Isso pode ser visto 

Funcionamento das operações para configurações do pensamento de antes e de depois
da descontinuidade epistemológica ocorrida entre os anos 1775-1825

Agora, quanto às condições de possibilidade do pensamento para o depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825, especificamente os princípios organizadores do pensamento nesse período, veja o que diz Foucault:

 “De sorte que se vêem surgir,
como princípios organizadores desse espaço de empiricidades,
a Analogia e a Sucessão:
de uma organização a outra,
o liame, com efeito, não pode ser mais a identidade de um ou vários elementos,
mas a identidade da relação entre os elementos
(onde a visibilidade não tem mais papel) e da função que asseguram; (…)
Cartilha; Cap. 7. Os limites da representação; tópico I. A idade da história

Se acompanhamos a mecânica de funcionamento de uma operação de construção de representação (projeto) para alguma coisa – Foucault chama essa coisa de empiricidade objeto) sabemos que é impossível concluir essa construção de uma representação sem construir uma hierarquia.

Toda e qualquer representação construída tendo Analogia e Sucessão como princípios organizadores do pensamento terá como resultado um objeto análogo composto de uma coleção de objetos análogos relacionados entre si em uma hierarquia.

Para focalizar esta argumentação, deixo de comentar os outros atributos de terra1.

Sobre a frase  “Freud explica ⇒ Freud implica”

Essa frase (de efeito) depende da visão de operações adotada, que o vídeo de Forbes não permite  perceber claramente qual seja. Dito do modo como foi dito: 

  • se posta sob o perfil da configuração do pensamento filosófico clássico, o de antes de 1775 segundo Foucault, a frase se justifica; 
  • mas sob o perfil do pensamento filosófico moderno, o de depois de 1825,  ‘explicação’ consiste em uma busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites isto é, pelos elementos de sustentação na experiência de uma Forma de produção, e o resultado é a construção de representação nova. Logo, não é mais verdade que no ‘explica’, agora sob o perfil do pensamento filosófico moderno, tenhamos um saber anterior ao ato, porque é exatamente o ato o elemento constituinte de saber novo que não existia antes.

Acabamos de ver o funcionamento da operação de construção de uma representação (projeto) para uma empiricidade objeto. Fica claro – entendida essa sistemática de funcionamento – que a operação tem início sem conhecimento sobre o que é objeto de explicação, e termina com esse conhecimento.

Comentários sobre a narrativa de Christian Dunker no video do canal Falando nisso 254 – Neoliberalismo e sofrimento

  • matriz que sustenta a noção de sujeito na modernidade composta por autores todos inseridos no modo de ser do pensamento clássico;
  • indicação de Adam Smith e David Ricardo juntos, como pertencentes ao bloco de sustentação da noção de sujeito na modernidade;

matriz que sustenta a noção de sujeito na modernidade composta por autores todos inseridos no modo de ser do pensamento clássico;

“Antes do fim do século XVIII, o homem não existia.
Não mais que a potência da vida, a fecundidade do trabalho
ou a espessura histórica da linguagem. (…)
Certamente poder-se-ia dizer que
a gramática geral, a história natural, a análise das riquezas
eram, num certo sentido, maneiras de reconhecer o homem,
mas é preciso discernir.
Sem dúvida, as ciências naturais –
trataram do homem
como de uma espécie ou de um gênero:
a discussão sobre o problema das raças, no século XVIII, a testemunha.
A gramática e a economia, por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade, de desejo, ou de memória e de imaginação.
Mas não havia consciência epistemológica do homem como tal.
A episteme clássica se articula segundo linhas que de modo algum
isolam o domínio próprio e específico do homem.”
Cartilha; Cap. 9 – O homem e seus duplos; II. O lugar do rei

“Nem vida, nem ciência da vida na época clássica; tampouco filologia.
Mas sim uma história natural, uma gramática geral.
Do mesmo modo,
não há economia política porque,
na ordem do saber, a produção não existe. “ 
Cartilha; Cap. 6 – Trocar; tópico I – A análise das riquezas

Isso é o que nos ensina a Cartilha. Mesmo assim, há quem fale de uma certa matriz de autores, na análise de Foucault, todos clássicos, – e que, portanto trataram do homem como de uma espécie ou de um gênero – mas que mesmo assim, formam a base para a noção de sujeito na modernidade. Como seria um sujeito na modernidade, visto como uma espécie ou um gênero? (Ref. Canal Falando nisso, 254 – Liberalismo e sofrimento, de Christian Dunker

indicação de Adam Smith e David Ricardo juntos, como pertencentes ao bloco de sustentação da noção de sujeito na modernidade;

“A diferença, porém, entre Smith e Ricardo está no seguinte: 

  • para o primeiro, o trabalho, porque analisável em jornadas de subsistência, pode servir de unidade comum a todas as outras mercadorias (de que fazem parte os próprios bens necessários à subsistência);
  • para o segundo, a quantidade de trabalho permite fixar o valor de uma coisa, não apenas porque este seja representável em unidades de trabalho, mas primeiro e fundamentalmente 
    • porque o trabalho como atividade de produção
      é “a fonte de todo valor”.

“Enquanto no pensamento clássico o comércio e a troca servem de base insuperável para a análise das riquezas (e isso mesmo ainda em Adam Smith, para quem a divisão do trabalho é comandada pelos critérios da permuta),  desde Ricardo, a possibilidade da troca está assentada no trabalho;
e a teoria da produção, doravante, deverá sempre preceder a da circulação.”
Cartilha, Cap. 8. Trabalho, vida e linguagem; tópico II – Ricardo

Vê-se que a amplitude da visão do que sejam operações, em David Ricardo, é muito maior se comparada à amplitude da visão de Adam Smith. Para Ricardo toda ‘aquela atividade que está na raiz do valor das coisas’, a produção, está incluída, juntamente e ao lado de trabalho como mercadoria, o que não acontece em Adam Smith.

Mesmo assim, no vídeo Falando nisso 254, e no contexto da análise da incidência do trabalho na formação da subjetividade, Adam Smith e Ricardo são tomados juntos e indiferenciados, como pertencentes ao mesmo bloco ‘matriz’ que permitiria a construção da noção de sujeito na modernidade!

Comentários sobre a narrativa de Christian Dunker no vídeo do canal Falando nisso 150 – Signo, significação e significado

  • a indicação das bases das psicanálises de Freud e de Lacan respectivamente na representação e fora dela
  • as duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações’ segundo o posicionamento do ponto de início de leitura no cruzamento das disponibilidades do que é dado e o que é recebido na troca ou antes do momento da troca, quando um dos objetos envolvidos não está disponível e correspondentes origens do valor carregado pela proposição.

Na Cartilha, Foucault não hesita em classificar Freud como um autor moderno, e o pensamento clássico como ‘aquele para o qual a representação existe’. Mesmo assim, há quem diga que a base da economia psíquica de Freud, em sua psicanálise, era na representação (como base, a representação é uma característica de modelos clássicos), e a inovação de Lacan teria sido a de formular a sua psicanálise desde fora da representação (uma característica de modelos modernos, mas que a psicanálise de Freud, segundo Foucault, já apresentava. Então, afinal, o que foi que fez Lacan? (Ref. Canal Falando nisso, 150 – Signo, significação e significado.

Não adianta atentarmos para “aparências” (propriedades não originais e não-constitutivas) do que vemos ou ouvimos; e ao falar de mudanças, vamos precisar de propriedades sim-originais e sim-constitutivas, que não são evidentes em teorias, modelos e sistemas prontos, já configurados e em utilização. Raramente temos consciência sobre quais sejam as condições de possibilidade no pensamento para o modelo de absorção do mundo que queiramos ou não, usamos. Pode haver uma contaminação em modelos simultaneamente utilizados em nosso ambiente.

Quem passou pela operação de alfabetização para leitura dos modelos à disposição para absorver o mundo e sabe diferenciá-los, colocado diante de uma história nova, ou de uma música nunca ouvida, antes de mais nada procura identificar quais são suas condições de possibilidade no pensamento para depois avaliar as especificidades da obra formulada e configurada que tem diante de si.

A grande maioria das pessoas, porém, aborda imediatamente a formidável produção do pensamento – a história ou a música nunca lidas e nunca ouvidas, já pronta, e difundida. E muito provavelmente faz isso – embora sem perceber – mas usando exatamente o mesmo modelo não questionado com o qual absorveu o mundo desde sempre.

Sim, precisamos estar atentos àquilo que dá condições de possibilidade no pensamento ao nosso próprio modelo padrão e que nos permite ver o que vemos e ouvir o que ouvimos. E precisamos nos dispor a ajustar as condições de possibilidade do nosso pensamento, as do modelo padrão que usamos, alterando-o para atender às exigências específicas da mudança. Isso pode dar origem a um novo modelo, com o qual nos seja possível absorver novos textos e novas partituras, eventualmente os trazidos pela mudança anunciada; sem essa disposição de questionamento, continuaremos a absorver o mundo do mesmo modo de sempre e a inovação ficará reduzida a mero modismo de pouca duração. Há muitos exemplos de revoluções que acabaram esquecidas.

as duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações’ segundo o posicionamento do ponto de início de leitura no cruzamento das disponibilidades do que é dado e o que é recebido na troca ou antes do momento da troca, quando um dos objetos envolvidos não está disponível e correspondentes origens do valor carregado pela proposição.

No vídeo 150 – Signo, significação e significado, a narrativa percebe uma alternativa importante, a saber, as bases na representação ou fora da representação de uma produção do pensamento como a psicanálise.

Embora no pensamento de Michel Foucault na Cartilha a psicanálise de Freud tenha sua base já fora da representação, e provavelmente isso também  ocorreria com a de Lacan se Foucault tivesse podido comentar o trabalho dele, mas o movimento desde base na representação para base fora da representação é importante.
 
Porém, no vídeo 254 – Neoliberalismo e sofrimento, esse importante movimento do pensamento passa completamente despercebido.

A despeito disso, o movimento ocorreu. E foi determinante já no pensamento de David Ricardo, em 1817.

as duas configurações da linguagem correspondentes às duas possibilidades de inserção do ponto de início de leitura do fenômeno ‘operações’, que se distinguem pelas duas diferentes origens para o valor atribuído às proposições e por elas carregado para a representação.

Veja agora os dois princípios para o que seja trabalho, o de Adam Smith e o de David Ricardo, e note que entre os dois há como distinção exatamente essas duas configurações da linguagem com as duas diferentes origens do valor atribuído às proposições e por elas carregado para as representações.

Os dois princípios para o que seja trabalho utilizados simultaneamente em nossa cultura

O sambinha de uma nota só (com três ritmos):
Mercado, Processo, Riquezas; quando poderia ser uma sinfonia com Lugar de nascimento do que é empírico, Forma de produção e Análise da produção

Vejo ainda nos discursos atuais, explicativos dessas construções do pensamento, por exemplo os do liberalismo, ou teorias socioeconômicas, ou ainda os da produção, algumas unanimidades quanto ao uso, e percebo também unanimidades quanto ao não-uso ou desuso de determinados conceitos, provavelmente indicadores da extrema generalidade do desalinhamento filosófico existente:

ü  Mercado, Processo, Riquezas, são conceitos que formam uma unanimidade
pelo seu uso;

ü  Lugar de nascimento do que é empírico, Forma de produção e Análise da produção, são conceitos que formam unanimidade também,
mas pelo seu desuso, ou pelo seu não uso.

Michel Foucault no ‘As palavras e as coisas’ é específico em relação a esses conceitos.

Veja a seguinte relação de proporcionalidade envolvendo os conceitos de Mercado e de Lugar de nascimento do que é empírico:

  • Mercado (entendido como o circuito onde ocorrem as trocas)
  • está para Lugar de nascimento do que é empírico, (entendido como o lugar onde a empiricidade objeto de uma operação ‘assume o ser que lhe é próprio’ tendo alterado o seu ‘modo de ser fundamental’);

assim como

  • o pensamento clássico (o de antes de 1775) 
  • está para o pensamento moderno (o de depois de 1825).

Veja esta outra relação envolvendo os conceitos de Processo, Forma de produção, e os princípios de trabalho de Adam Smith e de David Ricardo:

  • Processo (como elemento central de modelos de operações na idade clássica)
  • está para a Forma de produção (o elemento central em modelos de operação de construção de representações novas) 

assim como

  •  o Princípio Monolítico de Trabalho de Adam Smith, de 1776, 
  • está para o Princípio Dual de trabalho de David Ricardo, de 1817.

 

Quatro exemplos de modelos descritivos da produção existentes, e usados, alguns deles muito, e baseados na representação e fora dela, sem que ninguém reclame dessa confusão epistemológica.

  • modelos com estrutura clássica (segmento do espectro AQUÉM do objeto)
    • modelo descritivo da produção de Elwood S. Buffa e modelo de Organização empresarial típica;
    • modelo de operações e modelo da organização, da contabilidade;
    • modelo FEPSC/SIPOC da Six Sigma
  • modelos com estrutura moderna (modelos no segmento do espectro DIANTE do objeto)
    • modelo descritivo da produção do Kanban;
    • o Mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments, de Michael Hammer 
  • modelos no espaço das Ciências humanas (modelos no segmento do espectro
    para ALÉM do objeto)