A ideia 'riquezas' no nosso pensamento como ocidentais

Abaixo, o início do tópico I. A análise das riquezas, do capítulo VI – Trocar do ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’.

Nessa citação abaixo, Foucault retira da palavra ‘riqueza’ o estatuto de “noção”, classificando-a como um domínio, ‘solo e objeto da economia no período clássico’.

Diz ele: 

“É necessário, pois,
evitar uma leitura retrospectiva
que só conferiria à análise clássica das riquezas
a unidade ulterior
de uma economia política
em via de se constituir às apalpadelas.

É deste modo, entretanto, que os historiadores das ideias têm costume de restituir o nascimento enigmático desse saber
[a economia política, nascitura]
que, no pensamento ocidental, teria surgido todo armado
e já perigoso na época de Ricardo e de J.-B. Say.”

A análise das riquezas, por Michel Foucault

“Nem vida,
nem ciência da vida
na época clássica;
tampouco filologia.

Mas sim

  • uma história natural,
  • uma gramática geral.

Do mesmo modo, não há

  • economia política

porque, na ordem do saber,
[na época clássica]

  • a produção não existe. 

Em contrapartida, existe, nos séculos XVII e XVIII, uma noção que nos permaneceu familiar, embora tenha perdido para nós sua precisão essencial.

Nem é de “noção” que se deveria falar a seu respeito, pois não tem lugar no interior de um jogo de conceitos econômicos 

que ela deslocaria levemente, confiscando um pouco de seu sentido ou corroendo sua extensão.

Trata-se antes de um domínio geral: de uma camada bastante coerente e muito bem estratificada, que compreende e aloja, como tantos objetos parciais, as noções

  • de valor,
  • de preço,
  • de comércio,
  • de circulação,
  • de renda,
  • de interesse.

Esse domínio,
solo e objeto da “economia”
na idade clássica,
é o da riqueza

Inútil
colocar-lhe questões
vindas de uma economia de tipo diferente, organizada, por exemplo,
em torno da produção ou do trabalho;

inútil, igualmente
analisar seus diversos conceitos
(mesmo e sobretudo se seus nomes e em seguida se perpetuaram,
com alguma analogia de sentido),
sem levar em conta
o sistema em que assumem sua positividade.

Isso equivaleria a

  • analisar o gênero segundo Lineu
    fora do domínio da história natural,
  • ou a teoria dos tempos de Bauzée
    sem levar em conta o fato de que a gramática geral era sua condição histórica de possibilidade.

É necessário, pois,
evitar uma leitura retrospectiva
que só conferiria
à análise clássica das riquezas
a unidade ulterior
de uma economia política
em via de se constituir às apalpadelas.

É deste modo, entretanto,
que os historiadores das ideias têm costume
de restituir o nascimento enigmático desse saber que, no pensamento ocidental,
teria surgido todo armado e já perigoso
na época de Ricardo e de Jean-Baptiste Say.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
tópico I – A análise das riquezas