exemplos de modelos para operações e organizações

  • modelos com estrutura clássica
    • o modelo descritivo de operações de produção de Elwood S. Buffa;
    • o Diagrama FEPSC(SIPOC)/Six Sigma;
    • os modelos na visão contábil-financeira:
      • de operações (Débito/Crédito)
      • e de organização (Ativo – Passivo – Resultados) ;

  • modelos com estrutura moderna
    • o modelo descritivo de operações de produção do Kanban;
    • o modelo expresso na Figura 7.1 – mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments, do livro Reengenharia, de Michael Hammer;

As palavras e as coisas: conceitos homônimos com significados diferentes




  • 3. dois papéis atribuídos ao homem  com a forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica;
      • raiz  e fundamento de toda empiricidade;
      • elemento do que é empírico.




  • 8. dois conceitos para tempo dependendo do posicionamento do modelo no espectro de modelos e da etapa da operação;
    • tempo calendário em um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si, (sistema Input-Output) sob o deus Chronos, no pensamento clássico e no pensamento moderno no caminho do Instanciamento da representação;
    • tempo absoluto, em um sistema absoluto sob o deus Kairós – aquele que acontece no interior do ‘Lugar de nascimento do que é empírico‘ lugar em que ‘aquém de toda cronologia ele [o objeto] assume o ser que lhe é próprio‘ 


As palavras e as coisas: uma série de pontos selecionados


  • os dois obstáculos ou pedras de tropeço encontradas por Michel Foucault em seu trabalho no ‘As palavras e as coisas’;
    • uma impossibilidade – ainda atual, que contamina e até domina o nosso pensamento – de fundar as sínteses no espaço da representação;
    • e uma obrigação de abrir o campo transcendental da subjetividade e constituir, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem.




  • os dois princípios filosóficos para trabalho:
    • o de Adam Smith, de 1776, no pensamento clássico, no início da primeira fase da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
    • e o de David Ricardo, de 1817, após a fase de ruptura e adiantada a segunda fase da descontinuidade epistemológica de 1775-1825 e portanto já no pensamento moderno





  • anatomia ou cartografia dos modelos: os diferentes lugares onde o pensamento acontece;
    • o Lugar de nascimento do que é empírico
      (anterior e fora do espaço do Mercado);
    • o Circuito onde ocorrem as trocas (Mercado)


  • propriedades emergentes dos modelos de operações e organizações:
    • fluxo de coisas – selecionadas por “aparências” ou propriedades não-originais e não-constitutivas – de e para uma região orientada do espaço;
    • permanência da representação objeto construída para a empiricidade objeto – com propriedades sim-originais e sim-constitutivas –  no Repositório.

  • metáforas adequadas para operações:
    • pensamento clássico: transformação única – Entradas em Saídas ou processamento de informação, sistema Input-Output; 
    • ou pensamento moderno: uma conversão – ou um par de transformações simultâneas, sistema absoluto.

IV. Bopp

Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico IV - Bopp

Franz Bopp, 1791-1867

Franz Bopp (Mogúncia1791 — Berlim1867) foi um linguista alemão e professor de filologia e sânscrito na Universidade de Berlim.

Foi um dos principais criadores da gramática comparada, em Sobre o sistema de conjugação do sânscrito comparado aos das línguas grega, latina, persa e germânica (1816) demonstrou a afinidade genética que existe entre essas línguas, deduzindo os princípios gerais de sua formação. 

Sua monumental Gramática comparada das línguas indo-europeias (18331852), traduzida para o francês por Michel Bréal, exerceu uma influência profunda.

“Mas o ponto decisivo que tudo aclarará
é a estrutura interna das línguas
ou a gramática comparada, 

a qual nos dará soluções totalmente novas
sobre a genealogia das línguas, 

da mesma forma como
a anatomia comparada 

espargiu uma grande luz
sobre a história natural.”(30) 

Schlegel bem o sabia: a constituição da historicidade na ordem da gramática fez-se segundo o mesmo modelo que na ciência dos seres vivos.

 E, na verdade, nada há nisso de surpreendente, pois que, ao longo de toda a idade clássica, as palavras com que se pensava que as línguas eram compostas e os caracteres pelos quais se tentava constituir uma ordem natural, haviam recebido, identicamente, o mesmo estatuto: 

  • só existiam pelo valor representativo que detinham, 
  • bem como pelo poder de análise, de reduplicação, de composição e de ordenação 

que se lhes reconhecia em relação às coisas representadas. 

Com Jussieu e Lamarck primeiramente, com Cuvier em seguida, o caráter perdera sua função representativa, ou antes, se ele podia ainda “representar” e permitir o estabelecimento de relações de vizinhança ou de parentesco, 

  • não era pela virtude própria de sua estrutura visível 
  • nem dos elementos descritíveis de que era composto, 

mas porque fora primeiro reportado a uma organização de conjunto e a uma função que ele assegura de maneira direta ou indireta, principal ou colateral, “primária” ou “secundária”. 

No domínio da linguagem, a palavra sofre, mais ou menos na mesma época, uma transformação análoga: 

  • certamente, ela não deixa de ter um sentido e de poder “representar” alguma coisa no espírito de quem a utiliza ou a escuta; 
  • esse papel, porém, não é mais constitutivo da palavra no seu ser mesmo, na sua arquitetura essencial, no que lhe permite tomar lugar no interior de uma frase e aí ligar-se a outras palavras mais ou menos diferentes. 

Se a palavra pode figurar num discurso em que ela quer dizer alguma coisa, 

  • não será por virtude de uma discursividade imediata que ela deteria propriamente e por direito de nascimento, 
  • mas porque na sua forma mesma, nas sonoridades que a compõem, nas mudanças que sofre segundo a função gramatical que ocupa, nas modificações enfim a que se acha sujeita através do tempo, obedece a certo número de leis estritas que regem de maneira semelhante todos os outros elementos da mesma língua; 
  • de sorte que a palavra só está vinculada a uma representação, na medida em que primeiramente faz parte da organização gramatical pela qual a língua define e assegura sua coerência própria. 

Para que a palavra possa dizer o que ela diz, é preciso que pertença a uma totalidade gramatical que, em relação a ela, é primeira, fundamental e determinante. 

Esse desnível da palavra, essa espécie de salto para trás, para fora das funções representativas, foi, certamente, por volta do fim do século XVIII, um dos acontecimentos importantes da cultura ocidental. 

E um daqueles também que mais passaram despercebidos. 

Facilmente se dirige a atenção para os primeiros momentos da economia política, para a análise de Ricardo sobre a renda fundiária e o custo da produção: 

reconhece-se aqui que o acontecimento teve grandes dimensões, pois, pouco a pouco, ele não somente permitiu o desenvolvimento de uma ciência, como também acarretou certo número de mutações econômicas e políticas. 

Tampouco se descuida demasiado das formas novas assumidas pelas ciências da natureza; 

  • e se é verdade que, por uma ilusão retrospectiva, valoriza-se Lamarck em detrimento de Cuvier, 
  • se é verdade que se percebe mal que a “vida” atinge pela primeira vez, com as Leçons d’anatomie comparée, seu limiar de positividade, 
  • tem-se, contudo, a consciência ao menos difusa de que a cultura ocidental começou a dirigir, desde aquele momento, um olhar novo sobre o mundo dos seres vivos.

 Em contrapartida, 

  • o isolamento das línguas indo-européias, 
  • a constituição de uma gramática comparada, 
  • o estudo das flexões, 
  • a formação das leis de alternância vocálica e de mutação consonântica  
  • – em suma, toda a obra filológica de Grimm, de Schlegel, de Rask e de Bopp 

permanece às margens de nossa consciência histórica, como se ela tivesse tão-somente fundado uma disciplina um pouco lateral e esotérica – como se, de fato, não fosse todo o modo de ser da linguagem (e da nossa) que se modificara através deles. 

Sem dúvida, não se deve buscar justificar um tal esquecimento a despeito da importância da mudança, mas, ao contrário, a partir dela e da cega proximidade que esse acontecimento conserva sempre para nossos olhos mal desprendidos ainda de suas luzes costumeiras. 

É que, na época mesma em que se produziu, já estava envolto, se não em segredo, ao menos numa certa discrição.

Talvez as mudanças no modo de ser da linguagem sejam como as alterações que afetam a pronúncia, a gramática ou a semântica: 

  • por mais rápidas que sejam, jamais são claramente apreendidas por aqueles que falam e cuja linguagem, no entanto, já veicula essas mutações; 
  • só se toma consciência delas de viés, por momentos; 
  • e, ademais, a decisão só é finalmente indicada de modo negativo:
    • pelo desuso radical e imediatamente perceptível da linguagem que se empregava. 

Sem dúvida, não é possível a uma cultura tomar consciência, de modo temático e positivo, de que sua linguagem cessa de ser transparente às suas representações para espessar-se e receber um peso próprio. 

Quando se continua a discorrer, de que modo se saberia – senão através de alguns indícios obscuros que se interpretam com dificuldade e mal – que a linguagem (aquela mesma de que se serve) está em via de adquirir uma dimensão irredutível à pura discursividade? 

Por todas essas razões, certamente, o nascimento da filologia permaneceu, na consciência ocidental, muito mais discreto que o da biologia e da economia política. 

Contudo, fazia parte da mesma transmutação arqueológica. 

Contudo, suas consequências talvez se tenham estendido muito mais longe ainda em nossa cultura, pelo menos nas camadas subterrâneas que a percorrem e a sustentam. 

Como se formou essa positividade filológica?

Quatro segmentos teóricos nos assinalam sua constituição no começo do século XIX 

– na época do Ensaio sobre a língua e a filosofia dos indianos de Schlegel (1808), da Deutsche Grammatik de Grimm (1818) e do livro de Bopp sobre o Sistema de conjugação do sânscrito (1816). 

1. O primeiro desses segmentos concerne à maneira como uma língua pode caracterizar-se internamente
e distinguir-se das outras. 

Na época clássica, podia-se definir a individualidade de uma língua a partir de vários critérios: 

  • proporção entre os diferentes sons utilizados para formar palavras (há línguas de predominância vocálica e outras de predominância consonântica), 
  • privilégio concedido a certas categorias de palavras (línguas de substantivos concretos, línguas de substantivos abstratos etc.), 
  • maneira de representar as relações (por preposições ou por declinações), 
  • disposição escolhida para colocar as palavras em ordem (quer se coloque de início, como os franceses, o sujeito lógico, quer se dê a primazia às palavras mais importantes, como em latim); 

assim se distinguiam 

  • as línguas do Norte e as do Sul, 
  • as do sentimento e as da necessidade, 
  • as da liberdade e as da escravatura, 
  • as da barbárie e as da civilização, 
  • as do raciocínio lógico e as da argumentação retórica: 

todas essas distinções entre as línguas nunca concerniam mais que à maneira como elas podiam analisar a representação e, em seguida, compor seus elementos. 

Mas, a partir de Schlegel, as línguas, ao menos na sua tipologia mais geral, se definem pela maneira como ligam uns aos outros os elementos propriamente verbais que a compõem; 

  • entre esses elementos, alguns certamente são representativos;
    • possuem, em todo o caso, um valor de representação que é visível; 
  • mas outros não detêm nenhum sentido e servem somente, por uma certa composição, para determinar o sentido de um outro elemento na unidade do discurso. 

É esse material feito de nomes, de verbos, de palavras em geral, mas também de sílabas, de sons – que as línguas reúnem para formar proposições e frases. 

Mas a unidade material constituída pela disposição dos sons, das sílabas e das palavras não é regida pela pura e simples combinatória dos elementos da representação. 

Ela tem seus princípios próprios e que diferem nas diversas línguas: a composição gramatical tem regularidades que não são transparentes à significação do discurso. 

Ora, como a significação pode passar, quase integralmente, de uma língua para outra, são essas regularidades que vão permitir definir a individualidade de uma língua. 

Cada uma tem um espaço gramatical autônomo; podem-se comparar esses espaços lateralmente, isto é, de uma língua para outra, sem ter de passar por um “meio” comum que seria o campo da representação com todas as suas subdivisões possíveis. 

É fácil distinguir, de imediato, dois grandes modos de combinação entre os elementos gramaticais. 

Um consiste em justapô-los de maneira que eles se determinem uns aos outros; 

nesse caso, a língua é feita de uma poeira de elementos – em geral muito sucintos – que podem combinar-se de diferentes maneiras, cada uma dessas unidades guardando, porém, sua autonomia, a possibilidade, portanto, de romper o liame transitório que, no interior de uma frase ou de uma proposição, ela acaba de instaurar com uma outra. 

A língua se define então pelo número de suas unidades e por todas as combinações possíveis que podem, no discurso, estabelecer-se entre elas; trata-se então de uma “reunião de átomos”, de uma “agregação mecânica operada por uma aproximação exterior”(31). 

Existe outro modo de ligação entre os elementos de uma língua: é o sistema de flexões que altera internamente as sílabas ou as palavras essenciais – as formas radicais. 

Cada uma dessas formas carrega consigo certo número de variações possíveis, determinadas de antemão; e, conforme as outras palavras da frase, conforme as relações de dependência ou de correlação entre essas palavras, conforme as vizinhanças e as associações, será utilizada esta ou aquela variável. 

Aparentemente, esse modo de ligação é menos rico que o primeiro, pois que o número das possibilidades combinatórias é muito mais restrito; 

  • na realidade, porém, o sistema da flexão jamais existe sob sua forma pura e mais descarnada; 
  • a modificação interna do radical lhe permite receber por adição elementos que são, eles próprios, modificáveis interiormente, de sorte que, “cada raiz é verdadeiramente uma espécie de gérmen vivo; 
  • pois as relações sendo indicadas por uma modificação interior e sendo dado um livre campo ao desenvolvimento da palavra, esta palavra pode estender-se de maneira ilimitada”(32).

A esses dois grandes tipos de organização linguística correspondem, 

  • por um lado, o chinês, em que “as partículas que designam as idéias sucessivas são monossílabos, tendo sua existência à parte” 
  • e, de outro, o sânscrito, cuja “estrutura é completamente orgânica, ramificando-se, por assim dizer, com a ajuda de flexões, de modificações interiores e de entrelaçamentos variados do radical”(33). 

Entre esses modelos maiores e extremos, podem se repartir todas as outras línguas, quaisquer que sejam; cada uma terá necessariamente uma organização que a aproximará de um dos dois, ou que a manterá a igual distância, no meio do campo assim definido. 

  • Mais próximas do chinês, encontram-se o basco, o copta, as línguas americanas; elas ligam, uns aos outros, elementos separáveis; mas estes, em vez de permanecerem sempre em estado livre e como átomos verbais irredutíveis, “começam já a fundir-se na palavra”; 
  • o árabe se define por uma mistura entre o sistema das afixações e o das flexões; 
  • o celta é quase exclusivamente uma língua de flexão, mas nele se encontram ainda “vestígios de línguas afixas”. 

Dir-se-á talvez que essa oposição já era conhecida no século XVIII e que se sabia desde muito tempo distinguir a combinatória das palavras chinesas nas declinações e conjugações de línguas como o latim e o grego.

Objetar-se-á também que a oposição absoluta estabelecida por Schlegel não tardou a ser criticada por Bopp: 

  • lá onde Schlegel via dois tipos de línguas radicalmente inassimiláveis uma à outra, 
  • Bopp buscou uma origem comum; tenta estabelecer(34) que as flexões não são uma espécie de desenvolvimento interior e espontâneo do elemento primitivo, mas partículas que se aglomeraram à sílaba radical: o m da primeira pessoa em sânscrito (bhavâmi) ou o t da terceira (bhavâti) são efeito da adjunção do radical do verbo do pronome mâm (eu) e tâm (ele). 

Mas o importante para a constituição da filologia não está tanto em saber se os elementos da conjugação puderam beneficiar-se, num passado mais ou menos longínquo, de uma existência isolada com um valor autônomo. 

O essencial, e o que distingue as análises de Schlegel e de Bopp daquelas que, no século XVIII, podem aparentemente antecipar-se a elas(35) é que as sílabas primitivas não crescem (por adjunção ou proliferação internas) sem um certo número de modificações reguladas no radical. 

  • Numa língua como o chinês, há apenas leis de justaposição; 
  • mas em línguas em que os radicais estão sujeitos ao crescimento (quer sejam monossilábicos como no sânscrito ou polissilábicos como no hebraico),
    • encontram-se sempre formas regulares de variações internas. 

Compreende-se que a nova filologia, tendo agora para caracterizar as línguas esses critérios de organização interior, haja abandonado as classificações hierárquicas que o século XVIII praticava: 

  • admitia-se então que havia línguas mais importantes que outras porque nelas a análise das representações era mais precisa ou mais fina. 

Doravante todas as línguas se equivalem: elas têm somente organizações internas que são diferentes. Daí essa curiosidade por línguas raras, pouco faladas, mal “civilizadas”, de que Rask deu o testemunho na sua grande investigação através da Escandinávia, da Rússia, do Cáucaso, da Pérsia e da Índia.  

2. O estudo dessas variações internas constitui o segundo segmento teórico importante. 

Nas suas pesquisas etimológicas, a gramática geral estudava, é certo, as transformações das palavras e das sílabas através do tempo. 

Mas esse estudo era limitado por três razões. 

  • lncidia mais sobre a metamorfose das letras do alfabeto do que sobre a maneira como os sons efetivamente pronunciados podiam ser modificados. Ademais, essas transformações eram consideradas como o efeito sempre possível, em qualquer tempo e sob todas as condições, de uma certa afinidade das letras entre si; 
  • admitia-se que o p e o b, o m e o n eram bastante vizinhos para que um pudesse substituir o outro; tais mudanças eram provocadas ou determinadas somente por essa duvidosa proximidade e pela confusão que podia seguir-se na pronúncia ou na audição. 
  • Enfim, as vogais eram tratadas como o elemento mais fluido e mais instável da linguagem, ao passo que as consoantes passavam por formar sua arquitetura sólida (o hebraico, por exemplo, não dispensa a escrita das vogais?). 

Pela primeira vez, com Rask, Grimm e Bopp, a linguagem (embora não se busque reconduzi-Ia aos seus gritos originários) é tratada como um conjunto de elementos fonéticos. 

Enquanto, para a gramática geral, a linguagem nascia quando o ruído da boca ou dos lábios se tornava letra, 

doravante admite-se que há linguagem quando esses ruídos são articulados e divididos numa série de sons distintos.

Todo o ser da linguagem é agora sonoro. 

O que explica o interesse novo, manifestado pelos irmãos Grimm e por Raynouard, pela literatura não-escrita, as narrativas populares e os dialetos falados. Procura-se a linguagem o mais perto possível do que ela é: na fala – essa fala que a escrita desseca e imobiliza num lugar. 

Toda uma mística está em via de nascer: a do verbo, do puro fulgor poético que passa sem rastro, deixando atrás de si apenas uma vibração suspensa por um instante. Na sua sonoridade passageira e profunda, a fala se torna soberana. E seus secretos poderes, reanimados pelo sopro dos profetas, opõem-se fundamentalmente (ainda que tolerem alguns entrecruzamentos) ao esoterismo da escrita que, por seu lado, supõe a permanência ressequida de um segredo no centro de labirintos visíveis. 

A linguagem já não é propriamente esse signo – mais ou menos longínquo, semelhante e arbitrário – ao qual a Lógica de Port-Royal propunha, como modelo imediato e evidente, o retrato de um homem ou um mapa geográfico. 

Adquiriu uma natureza vibratória que a destaca do signo visível para aproximá-Ia da nota musical. 

E foi preciso justamente que Saussure contornasse esse momento da fala, que foi capital para toda a filologia do século XIX, para restaurar, para além das formas históricas, a dimensão da língua em geral e reabrir, acima de tanto esquecimento, o velho problema do signo que animara, sem interrupção, todo o pensamento desde Port-Royal até os últimos ideólogos. 

No século XIX começa, pois, uma análise da linguagem tratada como um conjunto de sons liberados das letras que os podem transcrever(36). 

Ela foi feita em três direções. 

[i] Primeiro a tipologia das diversas sonoridades que são utilizadas numa língua: 

para as vogais, por exemplo, oposição entre as simples e as duplas (alongadas como em â, ô; ou ditongadas como em ae, ai); entre as vogais simples, oposição entre as puras (a, i, o, u) e as flexionadas (e, õ, ü); entre as puras, há as que podem ter várias pronúncias (como o o) e as que só têm uma (a, i, u); enfim, entre estas últimas, umas estão sujeitas à mudança e podem receber o Um/ Qui (a eu); quanto ao i, permanece sempre fixo(37). 

[ii] A segunda forma de análise incide sobre as condições que podem determinar uma mudança numa sonoridade; 

  • seu lugar no vocábulo é, em si mesmo, um fator importante: uma sílaba, se for terminal, protege menos facilmente sua permanência do que se constituir a raiz; 
  • as letras do radical, diz Grimm, têm vida longa; as sonoridades da desinência têm uma vida mais curta. 

Mas, além disso, há determinações positivas, pois “a manutenção ou a mudança” de uma sonoridade qualquer “não é jamais arbitrária”(38). Essa ausência de arbitrário era para Grimm a determinação de um sentido (no radical de um grande número de verbos alemães o a se opõe ao i como o pretérito ao presente). 

Para Bopp, ela é o efeito de um certo número de leis. Umas definem as regras de mudança quando duas consoantes se acham em contato: 

“Assim, quando se diz em sânscrito ai-ti (ele come) no lugar de ad-ti (da raiz ad, comer), a mudança d e t tem por causa uma lei física.” 

Outras definem o modo de ação de uma terminação sobre as sonoridades do radical: 

“Por leis mecânicas, entendo principalmente as leis do peso e, em particular, a influência que o peso das desinências pessoais exerce sobre a sílaba precedente.”(39) 

[iii] Finalmente, a última forma de análise incide sobre a constância das transformações através da História. 

Grimm estabeleceu assim uma tabela de correspondência para as labiais, as dentais e as guturais entre o grego, o “gótico” e o alto-alemão: o p, o b, o f dos gregos tornam-se respectivamente f,p, b em gótico e b ou v, f e p em alto-alemão; t, d, th, em grego, tomam-se, em gótico, th, t, d, e, em alto-alemão, d, z, t. 

Por esse conjunto de relações, os caminhos da história se acham prescritos; e, em vez de as línguas serem submetidas a essa medida exterior, a essas coisas da história humana que deviam, para o pensamento clássico, explicar suas mudanças, detêm elas próprias um princípio de evolução. 

Aí, como alhures, é a “anatomia”(40) que fixa o destino. 

3. Essa definição de uma lei das modificações consonânticas ou vocálicas permite estabelecer uma teoria nova do radical. 

Na época clássica, as raízes eram assinaladas por um duplo sistema de constantes: 

  • as constantes alfabéticas que incidiam sobre um número arbitrário de letras (em certos casos, só havia uma) 
  • e as constantes significativas, que reagrupavam sob um tema geral uma quantidade indefinidamente extensível de sentidos vizinhos; 

no cruzamento dessas duas constantes, lá onde um mesmo sentido vinha à luz por uma mesma letra ou uma mesma sílaba, individualizava-se uma raiz. 

A raiz era um núcleo expressivo transformável ao infinito a partir de uma sonoridade primeira. 

Mas se vogais e consoantes só se transformam segundo certas leis e sob certas condições, então o radical deve ser uma individualidade linguística estável (dentro de certos limites), que se pode isolar com suas variações eventuais e que constitui com suas diferentes formas possíveis um elemento de linguagem. 

Para determinar os elementos primeiros e absolutamente simples de uma língua, a gramática geral devia ascender até o ponto de contato imaginário onde o som, não ainda verbal, tocava de certo modo na vivacidade mesma da representação. 

Doravante, os elementos de uma língua lhe são interiores (mesmo se pertencem também às outras): existem meios puramente linguísticos para estabelecer sua composição constante e a tabela de suas modificações possíveis. 

A etimologia, portanto, vai deixar de ser um procedimento indefinidamente regressivo em direção a uma língua primitiva, toda povoada pelos primeiros gritos da natureza; torna-se um método de análise preciso e limitado para reencontrar numa palavra o radical a partir do qual ela foi formada: 

“As raízes das palavras só foram postas em evidência após o sucesso da análise das flexões e das derivações.”(41) 

  • Pode-se assim estabelecer que, em certas línguas como as semíticas, as raízes são bissilábicas (em geral de três letras); 
  • que noutras (as indo-germânicas) são regularmente monossilábicas; 
  • algumas são constituídas por uma só e única vogal (i é o radical dos verbos que querem dizer ir, u dos que significam repercutir); 
  • mas, a maior parte do tempo, a raiz nessas línguas comporta ao menos uma consoante e uma vogal – a consoante podendo ser terminal ou inicial;
    • no primeiro caso, a vogal é necessariamente inicial; 
    • no outro caso, ocorre ser ela seguida por uma segunda consoante que lhe serve de apoio (como na raiz ma, mad, que dá em latim metiri, em alemão messen(42). 
  • Também ocorre que essas raízes monossilábicas sejam redobradas, como do se redobra no sânscrito dadami, e o grego didômi, ou sta em tishtami e istémi(43). 

Finalmente e sobretudo, a natureza da raiz e seu papel constituinte na linguagem são concebidos de um modo absolutamente novo: 

no século XVIII, a raiz era um nome rudimentar que designava, em sua origem, uma coisa concreta, uma representação imediata, um objeto que se oferecia ao olhar ou a qualquer um dos sentidos. 

  • A linguagem se construía a partir do jogo de suas caracterizações nominais; 
  • a derivação estendia seu alcance; 
  • a abstração fazia nascer os adjetivos; 
  • e bastava então acrescentar a estes o outro elemento irredutível, a grande função monótona do verbo ser, para que se constituísse a categoria das palavras conjugáveis – espécie de condensação numa forma verbal do ser e do epíteto. 

Também Bopp admite que os verbos são mistos, obtidos pela coagulação do verbo com uma raiz. 

Mas sua análise difere, em vários pontos essenciais, do esquema clássico:

  • não se trata da adição virtual, subjacente e invisível da função atributiva e do sentido proposicional que se empresta ao verbo ser; 
  • trata-se primeiramente de uma junção material entre um radical e as formas do verbo ser:
    • o as sânscrito se reencontra no sigma do aoristo grego, no er, do mais-que-perfeito ou do futuro anterior latino; 
    • o bhu sânscrito se encontra no b do futuro e do imperfeito latinos. 

Ademais, essa adjunção do verbo ser permite essencialmente atribuir ao radical um tempo e uma pessoa (a desinência constituída pelo radical do verbo ser comportando, além disso, aquele do pronome pessoal, como em script-s-i(44)) 

Por conseguinte, não é a adjunção de ser que transforma um epíteto em verbo; o próprio radical detém uma significação verbal, à qual as desinências derivadas da conjugação de ser acrescentam somente modificações de pessoas de tempo. 

Portanto, as raízes dos verbos não designam na origem “coisas”, mas ações, processos, desejos, vontades; e são elas que, recebendo certas desinências provindas do verbo ser e dos pronomes pessoais, tornam-se suscetíveis de conjugação, ao passo que, recebendo outros sufixos, eles próprios modificáveis, elas se tornarão nomes suscetíveis de declinação. 

À bipolaridade nomes-verbo ser, que caracterizava a análise clássica, é preciso, pois, substituir uma disposição mais complexa: 

raízes de significação verbal, que podem receber desinências de tipos diferentes e assim dar nascimento a verbos conjugáveis ou a substantivos. 

Os verbos (e os pronomes pessoais) tornam-se assim o elemento primordial da linguagem – aquele a partir do qual ela pode desenvolver-se. 

“O verbo e os pronomes pessoais parecem ser as verdadeiras alavancas da linguagem.”(45) 

As análises de Bopp deviam ter uma importância capital não somente para a decomposição interna de uma língua, mas ainda para definir o que pode ser a linguagem em sua essência. 

  • Ela não é mais um sistema de representações que tem poder de recortar e de recompor outras representações; 
  • designa, em suas raízes mais constantes, ações, estados, vontades; 
  • mais do que o que se vê, pretende dizer originariamente o que se faz ou o que se sofre; 
  • e, se acaba por mostrar as coisas como que as apontando com o dedo, é na medida em que elas são o resultado, ou o objeto, ou o instrumento dessa ação; 
  • os nomes não recortam tanto o quadro complexo de uma representação; 
  • recortam, detêm e imobilizam o processo de uma ação. 

A linguagem “enraíza-se” 

  • não do lado das coisas percebidas, 
  • mas do lado do sujeito em sua atividade. 

E talvez seja ela então proveniente do querer e da força, mais do que dessa memória que reduplica a representação. Fala-se porque se age e não porque, reconhecendo, se conhece. Como a ação, a linguagem exprime uma vontade profunda. 

O que tem duas conseqüências. 

A primeira é paradoxal para um olhar apressado: 

é que, no momento em que a filologia se constitui pela descoberta de uma dimensão da gramática pura, volta-se a atribuir à linguagem profundos poderes de expressão (Humboldt não é apenas contemporâneo de Bopp; conhecia sua obra e detalhadamente): 

  • enquanto na época clássica a função expressiva da linguagem só era requerida no ponto de origem e apenas para explicar que um som pudesse representar uma coisa, 
  • no século XIX, a linguagem vai ter, ao longo de todo o seu percurso e nas suas formas mais complexas, um valor expressivo que é irredutível; 
  • nada de arbitrário, nenhuma convenção gramatical podem obliterá-la, pois, se a linguagem exprime,
    • não o faz na medida em que imite e reduplique as coisas, 
    • mas na medida em que manifesta e traduz o querer fundamental daqueles que falam. 

A segunda conseqüência consiste em que 

  • a linguagem não está mais ligada às civilizações pelo nível de conhecimentos que elas atingiram (a finura da rede representativa, a multiplicidade dos liames que se podem estabelecer entre os elementos), 
  • mas pelo espírito do povo que as fez nascer, as anima e se pode reconhecer nelas. 

Assim como o organismo vivo manifesta, por sua coerência, as funções que o mantêm em vida, a linguagem, e isso em toda a arquitetura de sua gramática, torna visível a vontade fundamental que mantém um povo em vida e lhe dá o poder de falar uma linguagem que só a ele pertence. 

Desde logo, as condições de historicidade da linguagem são modificadas; 

  • as mutações não vêm mais do alto (da elite dos sábios, do pequeno grupo de mercadores e viajantes, dos exércitos vitoriosos, da aristocracia de invasão), 
  • mas nascem obscuramente de baixo, pois a linguagem não é um instrumento, ou um produto – um ergon, como dizia Humboldt – mas uma incessante atividade – uma energeia. 

Numa língua, quem fala e não cessa de falar, num murmúrio que não se ouve mas de onde vem, no entanto, todo o esplendor, é o povo. 

Grimm pensava surpreender esse murmúrio escutando o altdeutsche Meistergesang, e Raynouard, transcrevendo as Poésies originales des troubadours. 

A linguagem está ligada 

  • não mais ao conhecimento das coisas, 
  • mas à liberdade dos homens: 

“A linguagem é humana: à nossa plena liberdade deve sua origem e seus progressos; ela é nossa história, nossa herança.”(46) 

No momento em que se definem as leis internas da gramática, estabelece-se um profundo parentesco entre a linguagem e o livre destino dos homens. 

Ao longo de todo o século XIX, a filologia terá profundas ressonâncias políticas. 

4. A análise das raízes tornou possível uma nova definição dos sistemas de parentesco entre as línguas. 

E é este o quarto grande segmento teórico que caracteriza o aparecimento da filologia. 

Essa definição supõe, primeiramente, que as línguas se agrupem em conjuntos descontínuos uns em relação aos outros. 

A gramática geral excluía a comparação na medida em que admitia em todas as línguas, quaisquer que fossem, duas ordens de continuidade; 

  • uma, vertical, permitia-lhes, a todas, dispor do acervo das raízes mais primitivas que, através de algumas transformações, religava cada linguagem às articulações iniciais; 
  • outra, horizontal, fazia as línguas se comunicarem na universalidade da representação: 

todas elas tinham de analisar, decompor e recompor representações que, em limites bastante amplos, eram as mesmas para o gênero humano inteiro. 

De sorte que não era possível comparar as línguas, salvo de um modo indireto, e como que por um trajeto triangular; 

  • podia-se analisar a maneira como esta e aquela língua haviam tratado e modificado o equipamento comum das raízes primitivas; 
  • podia-se também comparar como duas línguas recortavam e religavam as mesmas representações. 

Ora, o que se tornou possível, a partir de Grimm e de Bopp, foi a comparação 

  • direta 
  • e lateral 

de duas ou várias línguas. 

  • Comparação direta 

por não ser mais necessário passar pelas representações puras ou pela raiz absolutamente primitiva: 

    • basta estudar as modificações do radical, 
    • o sistema das flexões, 
    • a série das desinências. 
  • Mas comparação lateral, 

que não ascende aos elementos comuns a todas as línguas, nem ao fundo representativo no qual se nutrem: 

    • não é portanto possível reportar uma língua à forma ou aos princípios que tornam todas as outras possíveis; 
    • é preciso agrupá-Ias segundo sua proximidade formal: 

“A semelhança se acha não somente no grande número de raízes comuns, mas se estende ainda até a estrutura interior das línguas e até a gramática.”(47) 

Ora, essas estruturas gramaticais, que podem ser comparadas diretamente entre si, oferecem dois caracteres particulares. 

Primeiro, o de só existirem em sistemas: 

  • com radicais monossilábicos,
    • um certo número de flexões é possível; 
    • o peso das desinências pode ter efeitos cujo número e natureza são determináveis; 
    • os modos de afixação correspondem a alguns modelos perfeitamente fixos; 
  • já nas línguas de radicais polissilábicos,
    • todas as modificações e composições obedecerão a outras leis. 

Entre dois sistemas como esses (um, característico das línguas indo-europeias, outro, das línguas semíticas), não se encontra tipo intermediário nem formas de transição. 

De uma família a outra há descontinuidade. 

Por outro lado, porém, os sistemas gramaticais, já que prescrevem certo número de leis de evolução e de mutação, permitem fixar até certo ponto o índice de envelhecimento de uma língua; para que tal forma aparecesse a partir de certo radical, foi necessária tal ou qual transformação. 

Na idade clássica, quando duas línguas se assemelhavam, era preciso 

  • ou vincular ambas à língua absolutamente primitiva, 
  • ou então admitir que uma provinha da outra (mas o critério era externo, a língua mais derivada sendo muito simplesmente a que tivesse aparecido na história em data mais recente), 
  • ou ainda admitir permutas (devidas a acontecimentos extralinguísticos: invasão, comércio, migração). 

Agora, quando duas línguas apresentam sistemas análogos, deve-se poder decidir 

  • ou que uma é derivada da outra, 
  • ou ainda que são ambas provenientes de uma terceira, a partir da qual cada uma delas desenvolveu sistemas
    • diferentes por um lado, 
    • mas também análogos por outro. 

Foi assim que, a propósito do sânscrito e do grego, abandonou-se sucessivamente 

  • a hipótese de Coeurdoux, que acreditava em vestígios da língua primitiva, 
  • e a de Anquetil, que supunha uma mistura na época do reino de Bactriana; 
  • e Bopp pôde também refutar Schlegel, para quem “a língua indiana era a mais antiga, e as outras (latim, grego, línguas germânicas e persas) eram mais modernas e derivadas da primeira(48). 

Mostrou ele que, entre o sânscrito, o latim e o grego, as línguas germânicas, havia uma relação de “fraternidade”, sendo o sânscrito não a língua mãe das outras, mas antes a irmã primogênita, a mais próxima de uma língua que teria estado na origem de toda essa família. 

Vê-se que a historicidade introduziu-se no domínio das línguas como no dos seres vivos. 

Para que uma evolução – que não fosse somente percurso de continuidades ontológicas – pudesse ser pensada, foi necessário 

  • que o plano ininterrupto e liso da história natural fosse quebrado, 
  • que a descontinuidade das ramificações fizesse aparecer os planos de organização na sua diversidade sem intermediário, 
  • que os organismos se ordenassem às disposições funcionais que eles devem assegurar 
  • e que se estabelecessem assim as relações do ser vivo com o que lhe permite existir. 

Da mesma forma, foi preciso, para que a história das línguas pudesse ser pensada, 

  • que elas fossem destacadas dessa grande continuidade cronológica que as religava sem ruptura até a origem; 
  • foi preciso também liberá-Ias da superfície comum das representações onde estavam presas; 
  • graças a essa dupla ruptura, a heterogeneidade dos sistemas gramaticais apareceu com seus recortes próprios, as leis que em cada um prescrevem a mudança e os caminhos que fixam as possibilidades da evolução. 

Uma vez suspensa a história das espécies como sequência cronológica de todas as formas possíveis, então, e somente então, o ser vivo pôde receber uma historicidade; 

do mesmo modo, se não se tivesse suspendido, na ordem da linguagem, a análise dessas derivações indefinidas e dessas misturas sem limites que a gramática geral supunha sempre, a linguagem jamais teria sido afetada por uma historicidade interna. 

Foi preciso tratar o sânscrito, o grego, o latim, o alemão numa simultaneidade sistemática; rompendo com toda cronologia, foi mister instalá-los num tempo fraternal, para que suas estruturas se tornassem transparentes e para que aí se pudesse ler uma história das línguas. 

Aqui como alhures, as colocações em série cronológica tiveram de ser apagadas, seus elementos redistribuídos, e constituiu-se então uma história nova, que enuncia não somente o modo de sucessão dos seres e seu encadeamento no tempo, mas as modalidades de sua formação. 

A empiricidade – 

  • trata-se tanto dos indivíduos naturais 
  • quanto das palavras com que podem ser nomeados 

– está doravante atravessada pela História e em toda a espessura de seu ser. 

A ordem do tempo começa. 

Há, entretanto, uma diferença capital entre as línguas e os seres vivos. 

Estes só têm história verdadeira por uma certa relação entre suas funções e suas condições de existência. E se é verdade que é sua composição interna de indivíduos organizados que torna possível sua historicidade, esta só se torna história real em virtude desse mundo exterior em que eles vivem. Foi necessário portanto, para que essa história aparecesse em plena luz e fosse descrita num discurso, que à anatomia comparada de Cuvier se acrescentasse a análise do meio ambiente e das condições que agem sobre o ser vivo. 

A “anatomia” da linguagem, para retomar a expressão de Grimm, funciona, em contrapartida, no elemento da História: pois é uma anatomia das mudanças possíveis que anuncia, não a coexistência real dos órgãos ou sua mútua exclusão, mas o sentido no qual as mutações poderão ou não se dar. 

A nova gramática é imediatamente diacrônica. Como poderia ser de outro modo, já que sua positividade não podia ser instaurada senão por uma ruptura entre a linguagem e a representação? 

A organização interior das línguas, o que elas autorizam e o que elas excluem para poder funcionar, isso não podia mais ser apreendido senão na forma das palavras; mas, em si mesma, essa forma só pode enunciar sua própria lei quando reportada a seus estados anteriores, às mudanças de que é suscetível, às modificações que jamais se produzem. 

Ao ser separada daquilo que ela representa, a linguagem certamente aparecia, pela primeira vez, na sua legalidade própria, e, no mesmo movimento, ficava-se votado a só poder apreendê-Ia na história. 

Sabe-se bem que Saussure só pôde escapar a essa vocação diacrônica da filologia, restaurando a relação da linguagem com a representação, disposto a reconstituir uma “semiologia” que, à maneira da gramática geral, define o signo pela ligação entre duas idéias. 

O mesmo acontecimento arqueológico manifestou-se, pois, de modo parcialmente diferente para a história natural e para a linguagem. 

Destacando-se 

  • os caracteres do ser vivo 
  • ou as regras da gramática 

das leis de uma representação que se analisa, tornou-se possível a historicidade da vida e da linguagem. 

Mas essa historicidade, na ordem da biologia, teve necessidade de uma história suplementar que devia enunciar as relações entre o indivíduo e o meio ambiente; 

  • em certo sentido, a história da vida 
  • é exterior à historicidade do ser vivo; 

é por isso que o evolucionismo constitui uma teoria biológica cuja condição de possibilidade foi uma biologia sem evolução – a de Cuvier. 

A historicidade da linguagem, ao contrário, descobre, desde logo e sem intermediário, sua história; comunicam-se interiormente uma com a outra. 

  • Enquanto a biologia do século XIX avançará cada vez mais em direção ao exterior do ser vivo, ao seu outro lado, tornando sempre mais permeável essa superfície do corpo em que o olhar do naturalista outrora se detinha, 
  • a filologia desfará as relações que o gramático estabelecera entre a linguagem e a história externa para definir uma história interior. 

E esta, uma vez assegurada na sua objetividade, poderá servir de fio condutor para reconstituir, em proveito da História propriamente dita, acontecimentos afastados de toda memória.

V. A linguagem tornada objeto

Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico V - A linguagem tornada objeto

Pode-se observar que os quatro segmentos teóricos que acabam de ser analisados, por constituírem sem dúvida o solo arqueológico da filologia, correspondem, termo a termo, e opõem-se aos que permitiam definir a gramática geral(49). 

Remontando do último ao primeiro desses quatro segmentos, vê-se que 

  • a teoria do parentesco entre as línguas (descontinuidade entre as grandes famílias e analogias internas no regime das mudanças) faz face à teoria da derivação, que supunha incessantes fatores de desgaste e de mistura, agindo do mesmo modo sobre todas as línguas, quaisquer que fossem, a partir de um princípio externo e com efeitos ilimitados. 
  • A teoria do radical opõe-se à da designação: pois o radical é uma individualidade linguística isolável, interior a um grupo de línguas e que serve, antes de tudo, de núcleo para formas verbais, ao passo que a raiz, transpondo a linguagem para o lado da natureza e do grito, exauria-se até não ser mais que uma sonoridade indefinidamente transformável, que tinha por função um primeiro recorte nominal das coisas. 
  • O estudo das variações interiores da língua opõe-se igualmente à teoria da articulação representativa: esta definia as palavras e as individualizava umas em face das outras, reportando-as ao conteúdo que podiam significar; a articulação da linguagem era a análise visível da representação; agora as palavras se caracterizam primeiramente por sua morfologia e pelo conjunto das mutações que cada uma de suas sonoridades pode eventualmente sofrer. 
  • Enfim e sobretudo, a análise interior da língua faz face ao primado que o pensamento clássico atribuía ao verbo ser: este reinava nos limites da linguagem, ao mesmo tempo porque era o liame primeiro das palavras e porque detinha o poder fundamental da afirmação; marcava o limiar da linguagem, indicava sua especificidade e a vinculava, de um modo que não podia ser apagado, às formas do pensamento. 

A análise independente das estruturas gramaticais, tal como praticada a partir do século XIX, isola ao contrário a linguagem, trata-a como uma organização autônoma, rompe seus liames com os juízos, a atribuição e a afirmação. A passagem ontológica que o verbo ser assegurava entre falar e pensar acha-se rompida; a linguagem, desde logo, adquire um ser próprio. E é esse ser que detém as leis que o regem. 

A ordem clássica da linguagem encerrou-se agora sobre si mesma. 

Perdeu sua transparência e sua função principal no domínio do saber. 

Nos séculos XVII e XVIII, ela era o desenrolar imediato e espontâneo das representações; 

  • era nela primeiramente que estas recebiam seus primeiros signos, 
  • recortavam e reagrupavam seus traços comuns, 
  • instauravam relações de identidade ou de atribuição; 

a linguagem era um conhecimento, e o conhecimento era, de pleno direito, um discurso. 

Em relação a todo conhecimento, encontrava-se ela, pois, numa situação fundamental: 

  • só se podiam conhecer as coisas do mundo passando por ela. 
  • Não porque fizesse parte do mundo numa imbricação ontológica (como no Renascimento), 
  • mas porque era o primeiro esboço de uma ordem nas representações do mundo; 
  • porque era a maneira inicial, inevitável, de representar as representações. 

Era nela que toda generalidade se formava. 

O conhecimento clássico era profundamente nominalista. 

A partir do século XIX, a linguagem se dobra sobre si mesma, adquire sua espessura própria, desenvolve uma história, leis e uma objetividade que só a ela pertencem.

Tornou-se um objeto do conhecimento entre tantos outros: 

  • ao lado dos seres vivos, 
  • ao lado das riquezas e do valor, 
  • ao lado da história dos acontecimentos e dos homens. 

Comporta, talvez, conceitos próprios, mas as análises que incidem sobre ela são enraizadas no mesmo nível que todas as que concernem aos conhecimentos empíricos. 

  • Aquela relevância que permitia à gramática geral ser ao mesmo tempo Lógica e com ela entrecruzar-se, está, doravante, reduzida. 
  • Conhecer a linguagem
    • não é mais aproximar-se o mais perto possível do próprio conhecimento, 
    • é tão somente aplicar os métodos do saber em geral a um domínio singular da objetividade. 

Esse nivelamento da linguagem que a reduz ao puro estatuto de objeto acha-se, entretanto, compensado de três maneiras. 

Primeiro, pelo fato de ser ela uma mediação necessária para todo conhecimento científico que pretende manifestar-se como discurso. 

Ainda que seja ela própria disposta, desdobrada e analisada sob o olhar de uma ciência, ressurge sempre do lado do sujeito que conhece – desde que se trate, para ele, de enunciar o que sabe. 

Daí duas preocupações que foram constantes no século XIX. 

Uma consiste em querer neutralizar e como que polir a linguagem científica, 

a tal ponto que, desarmada de toda singularidade própria, purificada de seus acidentes e de suas impropriedades – como se não pertencessem à sua essência -, pudesse tornar-se o reflexo exato, o duplo meticuloso, o espelho sem nebulosidade de um conhecimento que, esse, não é verbal. 

É o sonho positivista de uma linguagem que se mantivesse ao nível do que se sabe: 

  • uma linguagem-quadro, como aquela, certamente, com que sonhava Cuvier, quando atribuía à ciência o projeto de ser uma “cópia” da natureza; 
  • em face das coisas, o discurso científico seria seu “quadro”; 
  • mas quadro tem aqui um sentido fundamentalmente diferente daquele que tinha no século XVIII;
    • tratava-se então de repartir a natureza por uma tabela constante de identidades e de diferenças, para a qual a linguagem oferecia um crivo primeiro, aproximativo e retificável; 
  • agora a linguagem é quadro, mas no sentido de que, desprendida dessa trama que lhe dá um papel imediatamente classificador, mantém-se a certa distância da natureza, para cativá-Ia por sua própria docilidade e recolher finalmente seu retrato fiel (50). 

A outra preocupação – inteiramente distinta da primeira, ainda que lhe seja correlativa – consistiu em buscar uma lógica independente das gramáticas, dos vocabulários, das formas sintéticas, das palavras: 

uma lógica que pudesse trazer à luz e utilizar as implicações universais do pensamento, mantendo-as ao abrigo das singularidades de uma linguagem constituída, em que poderiam ser mascaradas. 

Era necessário que uma lógica simbólica nascesse, com Boole, na mesma época em que as linguagens se tornavam objetos para a filologia: 

  • é que, malgrado as semelhanças de superfície e algumas analogias técnicas, não se tratava de constituir uma linguagem universal como na época clássica; 
  • mas sim de representar as formas e os encadeamentos do pensamento fora de qualquer linguagem; 
  • visto que esta se tornava objeto de ciências, era preciso inventar uma língua que fosse antes simbolismo que linguagem e que, por esse motivo, fosse transparente ao pensamento, no movimento mesmo que lhe permite conhecer. 

Poder-se-ia dizer, em certo sentido, que a álgebra lógica e as línguas indo-europeias são dois produtos de dissociação da gramática geral: 

  • estas, mostrando o deslizar da linguagem para o lado do objeto conhecido, 
  • aquela, o movimento que a faz oscilar para o lado do ato de conhecer, despojando-a então de toda forma já constituída. 

Mas seria insuficiente enunciar o fato sob essa forma puramente negativa: 

ao nível arqueológico, as condições de possibilidade 

  • de uma lógica não-verbal 
  • e as de uma gramática histórica 

são as mesmas. Seu solo de positividade é idêntico. 

A segunda compensação ao nivelamento da linguagem está no valor crítico que se emprestou ao seu estudo. Tornada realidade histórica espessa e consistente, a linguagem constitui o lugar das tradições, dos hábitos mudos do pensamento, do espírito obscuro dos povos; acumula uma memória fatal que não se conhece nem mesmo como memória. 

Exprimindo seus pensamentos em palavras de que não são senhores, alojando-as em formas verbais cujas dimensões históricas lhes escapam, os homens, crendo que seus propósitos lhes obedecem, não sabem que são eles que se submetem às suas exigências. 

As disposições gramaticais de uma língua são o a priori do que aí se pode enunciar. A verdade do discurso é burlada pela filologia. 

Daí esta necessidade de remontar das opiniões, das filosofias e talvez mesmo das ciências até as palavras que as tornaram possíveis e, mais além, até um pensamento cuja vivacidade não estaria ainda presa na rede das gramáticas. 

Compreende-se, assim, o reflorescimento muito acentuado, no século XIX, de todas as técnicas da exegese. Esse reaparecimento deve-se ao fato de que a linguagem retomou a densidade enigmática que tinha no Renascimento. 

Mas não se tratará agora de reencontrar uma fala primeira que aí estivesse enterrada, 

  • mas de inquietar as palavras que falamos, 
  • de denunciar o vinco gramatical de nossas idéias, 
  • de dissipar os mitos que animam nossas palavras, 
  • de tornar de novo ruidosa e audível a parte de silêncio que todo discurso arrasta consigo quando se enuncia. 

O primeiro livro do Capital é uma exegese do “valor”;
Nietzsche inteiro, uma exegese de alguns vocábulos gregos;
Freud, a exegese de todas essas frases mudas que sustentam e escavam ao mesmo tempo nossos discursos aparentes, nossos fantasmas, nossos sonhos, nosso corpo. 

A filologia, como análise do que se diz na profundidade do discurso, tornou-se a forma moderna da crítica. Lá onde se tratava, no fim do século XVIII, de fixar os limites do conhecimento, buscar-se-á desarticular as sintaxes, romper as maneiras constringentes de falar, voltar as palavras para o lado de tudo o que se diz através delas e malgrado elas. 

Deus é talvez menos um além do saber que um certo aquém de nossas frases; e se o homem ocidental é inseparável dele, não é por uma propensão invencível a transpor as fronteiras da experiência, mas porque sua linguagem o fomenta sem cessar na sombra de suas leis: 

“Temo que jamais nos desembaracemos de Deus porque cremos ainda na gramática.”(51) 

A interpretação, 

no século XVI, 

  • ia do mundo (coisas e textos ao mesmo tempo) 
  • à Palavra divina que nele se decifrava; 

a nossa, pelo menos a que se formou no século XIX, 

  • vai dos homens, de Deus, dos conhecimentos ou das quimeras 
  • às palavras que os tomam possíveis; 
  • e o que ela descobre não é a soberania de um discurso primeiro, é o fato de que nós somos, antes da mais intima de nossas palavras, já dominados e perpassados pela linguagem. 

Estranho comentário a que se entrega a crítica moderna: 

  • pois que ele não vai da constatação de que há linguagem à descoberta daquilo que ela quer dizer, 
  • mas do desdobramento no discurso manifesto ao desvendamento da linguagem em seu ser bruto. 

Os métodos de interpretação fazem face, pois, no pensamento moderno, às técnicas de formalização: 

  • aqueles, com a pretensão de fazer falar a linguagem por sob ela própria e o mais perto possível do que, sem ela, nela se diz; 
  • estas, com a pretensão de controlar toda linguagem eventual e de a vergar pela lei do que é possível dizer.

Interpretar e formalizar tornaram-se as duas grandes formas de análise de nossa época: na verdade, não conhecemos outras. 

Mas conhecemos as relações entre a exegese e a formalização, somos capazes de as controlar e de as dominar? 

Pois, se a exegese nos conduz menos a um discurso primeiro que à existência nua de algo como uma linguagem, não será ela constrangida a dizer somente as formas puras da linguagem, antes mesmo que esta tenha tomado um sentido? 

Mas para formalizar aquilo que se supõe ser uma linguagem, não é preciso ter praticado um mínimo de exegese e interpretado ao menos todas essas figuras mudas como querendo dizer alguma coisa? 

Quanto à divisão entre a interpretação e a formalização, é verdade que ela hoje nos pressiona e nos domina. Mas não é bastante rigorosa, a bifurcação que ela delineia não se entranha suficientemente longe em nossa cultura, seus dois ramos são demasiado contemporâneos para que possamos dizer sequer que ela prescreve uma simples escolha ou que nos convida a optar entre o passado que acreditava no sentido e o presente (o futuro) que descobriu o significante. 

Trata-se, de fato, de duas técnicas correlativas, cujo solo comum de possibilidade é formado pelo ser da linguagem, tal como se constitui no limiar da idade moderna. 

A relevância critica da linguagem, que compensava seu nivelamento ao objeto, implicava que ela fosse reaproximada, ao mesmo tempo, de um ato de conhecer isento de toda fala, e daquilo que não se conhece em cada um de nossos discursos. 

Era necessário, 

  • ou torná-Ia transparente às formas do conhecimento, 
  • ou entranhá-Ia nos conteúdos do inconsciente. 

Isso explica bem a dupla marcha do século XIX em direção ao formalismo do pensamento e à descoberta do inconsciente – em direção a Roussel e a Freud. 

E explica também as tentações para inclinar uma para a outra e entrecruzar essas duas direções: 

  • tentativa por trazer à luz, por exemplo, as formas puras que, antes de qualquer conteúdo, se impõem ao nosso inconsciente; 
  • ou ainda esforço para fazer chegar até nosso discurso o solo de experiência, o sentido de ser, o horizonte vivido de todos os nossos conhecimentos. 

O estruturalismo e a fenomenologia encontram aqui, com sua disposição própria, o espaço geral que define seu lugar-comum. 

Finalmente, a última das compensações ao nivelamento da linguagem, a mais importante, a mais inesperada também, é o aparecimento da literatura. 

Da literatura como tal, pois, desde Dante, desde Homero, existiu realmente, no mundo ocidental, uma forma de linguagem que nós, agora, denominamos “literatura”. 

Mas a palavra é de recente data, como recente é também em nossa cultura o isolamento de uma linguagem singular, cuja modalidade própria é ser “literária”. 

É que, no início do século XIX, na época em que a linguagem se entranhava na sua espessura de objeto e se deixava, de parte a parte, atravessar por um saber, ela se reconstituía alhures, sob uma forma independente, de difícil acesso, dobrada sobre o enigma de seu nascimento e inteiramente referida ao ato puro de escrever. 

A literatura é a contestação da filologia (de que é, no entanto, a figura gêmea): 

  • ela reconduz a linguagem da gramática ao desnudado poder de falar, 
  • e lá encontra o ser selvagem e imperioso das palavras. 

Da revolta romântica contra um discurso imobilizado na sua cerimônia até a descoberta, por Mallarmé, da palavra em seu poder impotente, vê-se bem qual foi, no século XIX, a função da literatura em relação ao modo de ser moderno da linguagem. 

Com base nesse jogo essencial, o restante é efeito: 

  • a literatura se distingue cada vez mais no discurso de idéias e se encerra numa intransitividade radical; 
  • destaca-se de todos os valores que podiam, na idade clássica, fazê-Ia circular (o gosto, o prazer, o natural, o verdadeiro) e faz nascer, no seu próprio espaço, tudo o que pode assegurar-lhe a denegação lúdica (o escandaloso, o feio, o impossível); 
  • rompe com toda definição de “gêneros” como formas ajustadas a uma ordem de representações e torna-se pura e simples manifestação de uma linguagem que só tem por lei afirmar – contra todos os outros discursos – sua existência abrupta;
  • nessas condições, não lhe resta senão recurvar-se num perpétuo retorno sobre si, como se seu discurso não pudesse ter por conteúdo senão dizer sua própria forma:
    • endereça-se a si como subjetividade escriturante, 
    • ou busca capturar, no movimento que a faz nascer, a essência de toda literatura; 
  • e assim todos os seus fios convergem para a mais fina ponta – singular, instantânea, e contudo absolutamente universal -, para o simples ato de escrever. 

No momento em que a linguagem, como palavra disseminada, se torna objeto de conhecimento, eis que reaparece sob uma modalidade estritamente oposta: silenciosa, cautelosa deposição da palavra sobre a brancura de um papel, onde ela não pode ter nem sonoridade, nem interlocutor, onde nada mais tem a dizer senão a si própria, nada mais a fazer senão cintilar no esplendor do seu ser.

III. Cuvier

Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico III - Cuvier

Georges Cuvier, 1769-1832

Georges Cuvier foi um naturalista e zoologista francês da primeira metade do século XIX, é por vezes chamado de “Pai da Paleontologia”. Foi uma figura central na investigação em história natural na sua época, comparou fósseis com animais vivos criando assim a Anatomia Comparada. Wikipédia

No seu projeto de estabelecer uma classificação tão fiel quanto um método e tão rigorosa quanto um sistema, Jussieu descobrira a regra de subordinação dos caracteres, assim como Smith utilizara o valor constante do trabalho para estabelecer o preço natural das coisas no jogo das equivalências. 

E assim como Ricardo libertou o trabalho de seu papel de medida para fazê-lo entrar, aquém de toda troca, nas formas gerais da produção, 

assim Cuvier(6) libertou de sua função taxinômica a subordinação dos caracteres para fazê-Ia entrar, aquém de toda classificação eventual, nos diversos planos de organização dos seres vivos. 

O liame interno que faz as estruturas dependerem umas das outras não está mais situado no nível apenas das frequências, torna-se o fundamento mesmo das correlações.

É esse desnível e essa inversão que Geoffroy Saint-Hilaire devia um dia traduzir, dizendo: 

“A organização torna-se um ser abstrato… suscetível de formas numerosas.”(7) 

O espaço dos seres vivos gira em torno dessa noção e tudo o que até então pudera aparecer através do quadriculado da história natural (gêneros, espécies, indivíduos, estruturas, órgãos), tudo o que era dado ao olhar, assume doravante um modo novo de ser. 

E, em primeiro lugar, esses elementos ou esses grupos de elementos distintos que o olhar pode articular quando percorre o corpo dos indivíduos e a que se chama os órgãos. 

Na análise dos clássicos, o órgão se definia, a um tempo, por sua estrutura e por sua função; era como um sistema de dupla entrada que se podia ler exaustivamente, 

  • quer a partir do papel que desempenhava
    (por exemplo, a reprodução), 
  • quer a partir de suas variáveis morfológicas
    (forma, grandeza, disposição e número): 

os dois modos de decifração recobriam-se ajustadamente mas eram independentes um do outro – 

  • o primeiro enunciando o utilizável, 
  • o segundo, o identificável. 

É essa disposição que Cuvier altera;
revogando

tanto o postulado do ajustamento
quanto o da independência,

faz extravasar – e largamente – a função em relação ao órgão e submete a disposição do órgão à soberania da função. 

Dissolve, se não a individualidade, pelo menos a independência do órgão: 

  • é erro crer que “tudo é importante num órgão importante”; 
  • é preciso dirigir a atenção “mais para as próprias funções que para os órgãos”(8); 
  • antes de definir estes últimos pelas suas variáveis, é necessário reportá-los à função que asseguram. 

Ora, essas funções são em número relativamente pouco elevado: respiração, digestão, circulação, locomoção… De sorte que a diversidade visível das estruturas não mais emerge do fundo de um quadro de variáveis, mas do fundo de grandes unidades funcionais suscetíveis de se realizarem e de cumprir seu fim de maneiras diversas: 

“O que é comum a cada gênero de órgãos considerado, em todos os animais se reduz a muito pouca coisa e, frequentemente, eles só se assemelham pelo efeito que produzem. Isso deve ter impressionado sobretudo no tocante à respiração que se opera nas diferentes classes por órgãos tão variados, que sua estrutura não apresenta nenhum ponto comum.”(9)

Considerando o órgão na sua relação com a função, vê-se, pois, aparecerem “semelhanças” onde não há nenhum elemento “idêntico”; semelhança que se constitui pela passagem à evidente invisibilidade da função. 

Pouco importa afinal que as brânquias e os pulmões tenham em comum algumas variáveis de forma, de grandeza, de número: assemelham-se por serem duas variedades desse órgão inexistente, abstrato, irreal, indeterminável, ausente de toda espécie descritível, presente contudo no reino animal inteiro e que serve para respirar em geral. 

Restauram-se assim, na análise do ser vivo, as analogias de tipo aristotélico: 

  • as brânquias são para a respiração na água 
  • o que são os pulmões para a respiração no ar. 

Certamente, semelhantes relações eram perfeitamente conhecidas na idade clássica; mas serviam apenas para determinar funções; não eram utilizadas para estabelecer a ordem das coisas no espaço da natureza. 

A partir de Cuvier, a função, definida sob a forma não perceptível do efeito a atingir, vai servir de meio-termo constante e permitir relacionar um a outro conjuntos desprovidas da menor identidade visível. 

  • Aquilo que, para o olhar clássico, não passava de puras e simples diferenças justapostas a identidades, 
  • deve agora ser ordenado e pensado a partir de uma homogeneidade funcional que o suporta em segredo. 

Há história natural
quando o Mesmo e o Outro
pertencem a um único espaço; 

alguma coisa como a biologia torna-se possível
quando essa unidade de plano começa a desfazer-se
e as diferenças surgem
do fundo de uma identidade mais profunda
e como que mais séria do que ela. 

Essa referência à função, essa disjunção entre o plano das identidades e o das diferenças fazem surgir relações novas: 

  • as de coexistência, 
  • de hierarquia interna, 
  • de dependência com respeito ao plano de organização. 

A coexistência designa o fato de que um órgão ou um sistema de órgãos não podem estar presentes num ser vivo sem que outro órgão ou outro sistema, de uma natureza e uma forma determinadas, o estejam igualmente: 

“Todos os órgãos de um mesmo animal formam um sistema único, cujas partes todas se sustentam, agem e reagem umas sobre as outras; não pode haver modificações numa delas que não acarretem modificações análogas em todas.”(10)

No interior do sistema da digestão, a forma dos dentes (o fato de serem cortantes ou mastigadores) varia ao mesmo tempo que “o comprimento, as curvas, as dilatações do sistema alimentar”; ou ainda, para dar um exemplo de coexistência entre sistemas diferentes, os órgãos da digestão não podem variar independentemente da morfologia dos membros (e, em particular, da forma das unhas): conforme houver garras ou cascos – portanto, conforme o animal possa ou não agarrar e despedaçar seu alimento – o canal alimentar, os “sucos dissolventes”, a forma dos dentes não serão os mesmos(11). 

Trata-se aí de correlações laterais que estabelecem entre elementos do mesmo nível relações de concomitância fundadas por necessidades funcionais: por ser preciso que o animal se alimente, a natureza da presa e seu modo de captura não podem ficar estranhos aos aparelhos de mastigação e de digestão (e reciprocamente). 

Há, todavia, escalonamentos hierárquicos. Sabe-se como a análise clássica fora levada a suspender o privilégio dos órgãos mais importantes para só considerar sua eficácia taxinômica. 

Agora que não se trata mais de variáveis independentes, mas de sistemas comandados uns pelos outros, o problema da importância recíproca se acha novamente colocado. 

Assim, o canal alimentar dos mamíferos não está simplesmente numa relação de covariação eventual com os órgãos da locomoção e da preensão; é, ao menos em parte, prescrito pelo modo de reprodução. Esta, com efeito, sob sua forma vivípara, não implica simplesmente a presença de órgãos que lhe estão imediatamente ligados; exige também a existência de órgãos de lactação, a presença de lábios, a de uma língua carnuda igualmente; prescreve, por outro lado, a circulação de um sangue quente e bifocularidade do coração(12). 

A análise dos organismos e a possibilidade de estabelecer entre eles semelhanças e distinções supõem, portanto, que se tenha fixado a tabela, não dos elementos que podem variar de espécie para espécie, mas das funções que, nos seres vivos em geral, se comandam, se ajustam, se ordenam umas às outras: 

  • não mais o polígono das modificações possíveis, 
  • mas a pirâmide hierárquica das importâncias. 

Cuvier pensou primeiro que as funções de existência se antepunham às de relações (“pois o animal primeiramente é, depois sente e age”): supunha portanto que a geração e a circulação deviam determinar, de início, certo número de órgãos aos quais a disposição dos outros se acharia submetida; aqueles formariam os caracteres primários, estes os caracteres secundários(13). 

Depois, subordinou a circulação à digestão, pois esta existe em todos os animais (o corpo do pólipo é por inteiro apenas uma espécie de aparelho digestivo), ao passo que o sangue e os vasos se encontram “apenas nos animais superiores e desaparecem sucessivamente nos das últimas classes”(14). 

Mais tarde, foi o sistema nervoso (com a existência ou a inexistência de um cordão espinhal) que lhe apareceu como determinante de todas as disposições orgânicas: 

“Ele é, em essência, todo o animal:
os outros sistemas só estão lá para servi-lo e mantê-lo.”(15) 

Essa preeminência de uma função sobre as outras implica que o organismo nas suas disposições visíveis obedeça a um plano. Tal plano garante o reino das funções essenciais e a elas vincula, mas com um grau maior de liberdade, os órgãos que asseguram funcionamentos menos capitais. 

Como princípio hierárquico, esse plano define as funções preeminentes, distribui os elementos anatômicos que lhe permitem efetuar-se e os instala nas localizações privilegiadas do corpo: assim, no vasto grupo dos articulados, a classe dos insetos deixa aparecer a importância primordial das funções locomotoras e dos órgãos do movimento; nos três outros, são as funções vitais, em contrapartida, que têm primazia(16). 

No controle regional que exerce sobre os órgãos menos fundamentais, o plano de organização não desempenha um papel tão determinante; liberaliza-se, de certo modo, na medida em que há um afastamento do centro, autorizando modificações, alterações, mudanças na forma ou a utilização possível. 

Reencontramo-lo, tornado porém mais flexível e mais permeável a outras formas de determinação. Isso é fácil de constatar nos mamíferos a propósito do sistema de locomoção. 

Os quatro membros motores fazem parte do plano de organização, mas a título somente do caráter secundário; não estão pois jamais suprimidos, nem ausentes nem substituídos, porém “disfarçados algumas vezes como nas asas dos morcegos e nas barbatanas posteriores das focas”; ocorre mesmo terem “degenerado pelo uso como nas barbatanas peitorais dos cetáceos… A natureza fez com um braço uma barbatana. Vedes que há sempre uma espécie de constância nos caracteres secundários conforme seu disfarce”(17). 

Compreende-se como podem as espécies ao mesmo tempo 

  • assemelhar-se (para formar grupos como os gêneros, as classes e o que Cuvier chama as ramificações) 
  • e distinguir-se umas das outras. 

O que as aproxima não é certa quantidade de elementos superponíveis, mas uma espécie de foco de identidade que não se pode analisar em regiões visíveis, porque define a importância recíproca das funções; a partir desse cerne imperceptível das identidades, os órgãos se dispõem e, à medida que dele se afastam, ganham em flexibilidade, em possibilidades de variações, em caracteres distintivos. 

  • As espécies animais diferem pela periferia, assemelham-se pelo centro;
    • o inacessível as religa, o manifesto as dispersa. 
  • Generalizam-se do lado do que é essencial à sua vida;
    • singularizam-se do lado do que é mais acessório. 
  • Quanto mais se quiser atingir grupos extensos, mais é preciso entranhar-se na obscuridade do organismo, em direção ao pouco visível, nessa dimensão que escapa ao percebido; 
  • quanto mais se quiser cingir a individualidade, mais necessário é ascender à superfície e deixar cintilar, em sua visibilidade, as formas que a luz toca;
    • pois a multiplicidade se vê e a unidade se esconde. 

Em suma, as espécies vivas “escapam” ao pulular dos indivíduos e das espécies, só podendo ser classificadas porque vivem e a partir do que ocultam. 

Avalia-se a imensa reviravolta que tudo isso supõe em relação à taxinomia clássica. 

  • Edificava-se esta inteiramente a partir das quatro variáveis de descrição
    • (formas, 
    • número, 
    • disposição, 
    • grandeza) 
  • que eram percorridas, como num só movimento, pela linguagem e pelo olhar; 
  • e, nessa exposição do visível, a vida aparecia como o efeito de um recorte – simples fronteira classificatória. 

A partir de Cuvier, 

  • é a vida, no que tem de não-perceptível, de puramente funcional, que funda a possibilidade exterior de uma classificação. 
  • Não há mais, sobre a grande superfície da ordem, a classe daquilo que pode viver; 
  • mas sim, vindo da profundidade da vida, do que há de mais longínquo para o olhar, a possibilidade de classificar. 
  • O ser vivo era uma localidade da classificação natural; 
  • o fato de ser classificável é agora uma propriedade do ser vivo. 

Assim desaparece o projeto de uma taxinomia geral; 

  • assim desaparece a possibilidade de desenrolar uma grande ordem natural, que iria sem descontinuidade do mais simples e do mais inerte ao mais vivo e ao mais complexo; 
  • assim desaparece a procura da ordem como solo e fundamento de uma ciência geral da natureza. 

Assim desaparece a “natureza”
– entendendo-se que, ao longo de toda a idade clássica, ela não existiu primeiramente como “tema”, como “ideia”, como fonte indefinida do saber, 

mas como espaço homogêneo das identidades e das diferenças ordenáveis. 

Esse espaço está agora dissociado e como que aberto em sua espessura. 

  • No lugar de um campo unitário de visibilidade e de ordem cujos elementos têm valor distintivo uns em relação aos outros, 
  • tem-se uma série de oposições cujos dois termos não são do mesmo nível:
    • de um lado há os órgãos secundários, que são visíveis à superfície do corpo e se oferecem sem intervenção à imediata percepção, 
    • e os órgãos primários, que são essenciais, centrais, ocultos, e que só se podem atingir pela dissecção, isto é, destruindo materialmente o invólucro colorido dos órgãos secundários. 

Há também, mais profundamente, a oposição entre 

  • os órgãos em geral, que são espaciais, sólidos, direta ou indiretamente visíveis, 
  • e as funções, que não se dão à percepção, mas prescrevem, como que por debaixo, a disposição daquilo que se percebe. 

Há enfim, em última análise, a oposição entre identidades e diferenças: 

  • não são mais do mesmo veio, não mais se estabelecem em relação umas às outras sobre um plano homogêneo; 
  • mas as diferenças proliferam na superfície, 
  • enquanto em profundidade elas se desvanecem, se confundem, se tramam umas nas outras e se aproximam da grande, misteriosa, invisível unidade focal de que o múltiplo parece derivar como que por uma dispersão incessante. 

A vida não é mais o que se pode distinguir, de maneira mais ou menos certa, do mecânico; 

é aquilo em que se fundam todas as distinções possíveis entre os seres vivos. 

É essa passagem
da noção taxinômica
à noção sintética de vida
que é assinalada,
na cronologia das idéias e das ciências,
pela recrudescência, no começo do século XIX,
dos temas vitalistas. 

Do ponto de vista da arqueologia, o que naquele momento se instaura são as condições de possibilidade de uma biologia. 

Em todo o caso, essa série de oposições, dissociando o espaço da história natural, teve conseqüências de grande peso. Na prática, é o aparecimento de duas técnicas correlativas que se apoiam e se revezam mutuamente. 

A primeira dessas técnicas é constituída pela anatomia comparada: 

esta faz surgir um espaço interior, limitado, 

  • de um lado, pela camada superficial dos tegumentos e das cascas, 
  • e, de outro, pela quase-invisibilidade do que é infinitamente pequeno. 

Pois a anatomia comparada não é o puro e simples aprofundamento das técnicas descritivas que se utilizavam na idade clássica; 

  • não se contenta em procurar ver mais fundo, melhor e mais de perto; 
  • instaura um espaço que não é nem o dos caracteres visíveis nem o dos elementos microscópicos(18). 

Ela faz aí aparecer a disposição recíproca dos órgãos, sua correlação, a maneira como se decompõem, como se especializam, como se ordenam uns aos outros os principais momentos de uma função. E assim, por oposição ao olhar simples que, percorrendo os organismos íntegros, vê desdobrar-se diante de si a profusão das diferenças, a anatomia, recortando realmente os corpos, fracionando-os em parcelas distintas, retalhando-os no espaço, faz surgir as grandes semelhanças que teriam permanecido invisíveis; ela reconstitui as unidades subjacentes às grandes dispersões visíveis. 

A formação das vastas unidades taxinômicas (classes e ordens) 

  • era, nos séculos XVII e XVIII, um problema de recorte linguístico:
    • era preciso encontrar um nome que fosse geral e fundado; 
  • agora, ela diz respeito a uma desarticulação anatômica;
    • é preciso isolar o sistema funcional principal;
    • são as divisões reais da anatomia que permitirão articular as grandes famílias do ser vivo. 

A segunda técnica repousa sobre a anatomia (pois que é seu resultado) mas a ela se opõe (porque permite dispensá-la); 

consiste em estabelecer relações de indicação entre 

  • elementos superficiais, portanto visíveis, 
  • e outros que estão encobertos na profundidade do corpo. 

É que, pela lei de solidariedade do organismo, pode-se saber que tal órgão periférico e acessório implica tal estrutura num órgão mais essencial; assim, é permitido “estabelecer a correspondência das formas exteriores e interiores que, umas e outras, fazem parte integrante da essência do animal”(19). 

Nos insetos, por exemplo, 

  • a disposição das antenas só tem valor distintivo porque não está em correlação com nenhuma das grandes organizações internas; 
  • em contrapartida, a forma do maxilar inferior pode desempenhar um papel capital para distribuí-los segundo suas semelhanças e suas diferenças; pois está ligada à alimentação, à digestão e, por conseguinte, às funções essenciais do animal: 

“Os órgãos da mastigação deverão estar relacionados com os da nutrição, consequentemente com todo o gênero de vida e, consequentemente, com toda a organização.”(20) 

Na verdade, essa técnica dos indícios não vai forçosamente da periferia visível às formas obscuras da interioridade orgânica: 

  • ela pode estabelecer redes de necessidade indo de um ponto qualquer do corpo a qualquer outro; 
  • de sorte que um único elemento pode bastar, em certos casos, para sugerir a arquitetura geral de um organismo; 
  • poder-se-á reconhecer um animal inteiro “por um só osso, por uma só faceta de osso: método que deu tão curiosos resultados acerca dos animais fósseis”(21). 

Enquanto, para o pensamento do século XVIII, o fóssil era uma prefiguração das formas atuais e indicava assim a grande continuidade do tempo, 

será doravante a indicação da figura à qual realmente pertencia. 

A anatomia não somente quebrou o espaço tabular e homogêneo das identidades; rompeu a suposta continuidade do tempo. 

É que, do ponto de vista teórico, as análises de Cuvier recompõem inteiramente o regime das continuidades e das descontinuidades naturais. Com efeito, a anatomia comparada permite estabelecer, no mundo vivo, duas formas de continuidade perfeitamente distintas. 

A primeira concerne às grandes funções que se encontram na maioria das espécies (a respiração, a digestão, a circulação, a reprodução, o movimento…); 

estabelece em todo o mundo vivo uma vasta semelhança que se pode distribuir segundo uma escala de complexidade decrescente, indo do homem até o zoófito; nas espécies superiores estão presentes todas as funções, vemo-las desaparecer depois umas após outras e, no zoófito, finalmente, já “não há centro de circulação, não há nervos, não há centro de sensação; cada ponto parece nutrir-se por sucção”(22). 

Todavia, essa continuidade é fraca, relativamente frouxa, formando, pelo número restrito das funções essenciais, um simples quadro de presenças e de ausências. 

A outra continuidade é muito mais cerrada:
concerne à maior ou menor perfeição dos órgãos. 

Mas, a partir daí, só se podem estabelecer séries limitadas, continuidades regionais logo interrompidas, e que, ademais, se imbricam umas nas outras em direções diferentes; é que, nas diversas espécies, “os órgãos não seguem todos a mesma ordem de gradação: um atinge seu mais alto grau de perfeição na sua espécie; outro o atinge numa espécie diferente”23. 

  • Tem-se pois, o que se poderia chamar de “microsséries” limitadas e parciais que dizem respeito menos às espécies que a tal ou tal órgão; 
  • e, na outra extremidade, uma “macrossérie”, descontínua, afrouxada e que diz respeito menos aos próprios organismos que ao grande registro fundamental das funções. 

Entre essas duas continuidades que não se superpõem nem se ajustam, vê-se a divisão de grandes massas descontínuas. Elas obedecem a planos de organização diferentes, encontrando-se as mesmas funções ordenadas segundo hierarquias variadas e realizadas por órgãos de tipo diverso. 

Por exemplo, é fácil encontrar no polvo “todas as funções que se exercem nos peixes e, no entanto, não há entre eles nenhuma semelhança, nenhuma analogia de disposição”(24). 

É preciso, portanto, analisar cada um desses grupos em si mesmo, considerar não o fio estreito das semelhanças que podem vinculá-Io a outro, mas a forte coesão que o cerra em si mesmo; 

  • não se buscará saber se os animais de sangue vermelho estão na mesma linha que os animais de sangue branco, tendo apenas perfeições suplementares; 
  • estabelecer-se-á que todo animal de sangue vermelho – e é nisso que depende de um plano autônomo – possui sempre uma cabeça óssea, uma coluna vertebral, membros (com exceção das serpentes), artérias e veias, um fígado, um pâncreas, um baço, rins(25). 

Vertebrados e invertebrados formam regiões perfeitamente isoladas, entre as quais não se podem encontrar formas intermediárias assegurando a passagem num sentido ou noutro: 

“Qualquer que seja a organização que se dê aos animais com vértebras e aos que não as têm, não se chegará jamais a encontrar no final de uma dessas grandes classes, nem encabeçando a outra, dois animais que se assemelhem o bastante para servirem de elo entre elas.”(26) 

Vê-se, pois, que a teoria das ramificações não ajunta um quadro taxinômico suplementar às classificações tradicionais; ela está ligada à constituição de um espaço novo das identidades e das diferenças. Espaço sem continuidade essencial. Espaço que logo de início se dá na forma da fragmentação. Espaço atravessado por linhas que às vezes divergem e às vezes se recortam. 

Para designar-lhe a forma geral, é preciso, pois, substituir 

  • a imagem da escala continua que fora tradicional no século XVIII, de Bonnet a Lamarck, 
  • pela de uma irradiação, ou, antes, de um conjunto de centros a partir dos quais se desdobra uma multiplicidade de raios; 

poder-se- ia assim recolocar cada ser “nessa imensa rede que constitui a natureza organizada mas dez ou vinte raios não bastariam para exprimir essas inumeráveis relações”(27). 

É toda a experiência clássica da diferença que então se abala e, com ela, a relação entre o ser e a natureza. 

Nos séculos XVII e XVIII, a diferença tinha por função religar as espécies umas às outras e preencher assim a distância entre as extremidades do ser; desempenhava um papel de “catenária”: 

  • era tão limitada, tão tênue quanto possível; 
  • alojava-se no quadriculado mais estreito; 
  • era sempre divisível e podia cair mesmo abaixo do limiar da percepção. 

A partir de Cuvier, ao contrário, 

  • ela própria se multiplica, adiciona formas diversas, difunde-se e se repercute através do organismo, isolando-o de todos os outros de diversas maneiras simultâneas; 
  • é que ela não se aloja no interstício dos seres para religá-los entre si; 
  • funciona em relação ao organismo, para que ele possa “fazer corpo” consigo mesmo e manter-se em vida; 
  • não preenche o entremeio dos seres por tenuidades sucessivas; 
  • escava-o, aprofundando-se a si mesma, para definir em seu isolamento os grandes tipos de compatibilidade. 

A natureza do século XIX é descontínua na medida mesma em que é viva. 

Avalia-se a importância da reviravolta; 

na época clássica, 

  • os seres naturais formavam um conjunto contínuo porque eram seres e não havia razão para a interrupção de seu desdobramento. 
  • Não era possível representar o que separava o ser de si mesmo.
    • O contínuo da representação (signos e caracteres) 
    • e o contínuo dos seres (a extrema proximidade das estruturas) 
  • eram, pois, correlativos. 

É essa trama, a um tempo ontológica e representativa, que se despedaça definitivamente com Cuvier: 

  • os seres vivos, porque vivem, não podem mais formar um tecido de diferenças progressivas e graduadas; 
  • devem concentrar-se em tomo de núcleos de coerência perfeitamente distintos uns dos outros e que constituem diferentes planos para manter a vida. 
  • O ser clássico era sem lacuna;
    • já a vida é sem margem nem gradação.
  • O ser se derramava num imenso quadro;
    • a vida isola formas que se articulam consigo mesmas.  
  • O ser se dava no espaço sempre analisável da representação;
    • a vida se recolhe no enigma de uma força inacessível em sua essência, captável apenas nos esforços que faz, aqui e ali, para manifestar-se e manter-se. 

Em suma, ao longo de toda a idade clássica, 

  • a vida estava sob a alçada de uma ontologia que concernia do mesmo modo a todos os seres materiais, submetidos à extensão, ao peso, ao movimento; 
  • e era nesse sentido que todas as ciências da natureza e singularmente do ser vivo tinham uma profunda vocação mecanicista; 

a partir de Cuvier, 

  • o ser vivo escapa, ao menos em primeira instância, às leis gerais do ser extenso; 
  • o ser biológico regionaliza-se e autonomiza-se; 
  • a vida é, nos confins do ser, o que lhe é exterior e que, contudo, se manifesta nele. 

E se se coloca a questão de suas relações com o não-vivo, ou a de suas determinações físico-químicas, 

  • não é, de modo algum, na linha de um “mecanicismo” que se obstinasse em suas modalidades clássicas, 
  • mas sim, de maneira totalmente nova, para articular uma à outra duas naturezas. 

Mas, como as descontinuidades devem ser explicadas pela manutenção da vida e por suas condições, vê-se esboçar uma continuidade imprevista – ou, ao menos, um jogo de interações não ainda analisadas – entre o organismo e o que lhe permite viver. 

Se os ruminantes se distinguem dos roedores, e por todo um sistema de diferenças maciças que não se trata de atenuar, é porque têm outra dentição, outro aparelho digestivo, outra disposição dos dedos e das unhas; é porque não podem capturar o mesmo alimento, porque não podem tratá-Io do mesmo modo; é porque não têm de digerir a mesma natureza de alimentos. 

Portanto, o ser vivo não deve mais ser compreendido apenas como uma certa combinação de moléculas portadoras de caracteres definidos; ele delineia uma organização que se sustém em relações ininterruptas com elementos exteriores que ela utiliza (pela respiração, pela alimentação), a fim de manter ou desenvolver sua própria estrutura. 

Em torno do ser vivo, ou, antes, através dele e pelo filtro de sua superfície, efetua-se “uma circulação continua de fora para dentro e de dentro para fora, constantemente mantida e contudo fixada entre certos limites. Assim, os corpos vivos devem ser considerados como espécies de focos nos quais as substâncias mortas são sucessivamente conduzidas, para ali se combinarem entre si de diversas maneiras”(28). 

O ser vivo, pelo jogo e pela soberania dessa mesma força que o mantém em descontinuidade consigo mesmo, acha-se submetido a uma relação contínua com o que o cerca. 

Para que o ser vivo possa viver, é preciso que haja várias organizações irredutíveis umas às outras, como também um movimento ininterrupto entre cada uma e o ar que ela respira, a água que bebe, o alimento que absorve. 

Rompendo a antiga continuidade clássica entre o ser e a natureza, a força dividida da vida fará aparecer formas dispersas, ligadas todas, porém, a condições de existência. 

Em alguns anos, na curva dos séculos XVIII e XIX, a cultura européia modificou inteiramente a espacialização fundamental do ser vivo: 

para a experiência clássica, 

  • o ser vivo era um compartimento ou uma série de compartimentos na taxinomia universal do ser; 
  • se sua localização geográfica tinha um papel (como em Buffon), era para fazer aparecer variações que já eram possíveis. 

A partir de Cuvier, 

  • o ser vivo se envolve sobre si mesmo, rompe suas vizinhanças taxinômicas, se arranca ao vasto plano constringente das continuidades e se constitui um novo espaço: espaço duplo, na verdade – pois que
    • é aquele, interior, das coerências anatômicas e das compatibilidades fisiológicas, 
    • e aquele, exterior, dos elementos onde ele reside para deles fazer seu corpo próprio. 

Todavia, esses dois espaços têm um comando unitário: 

  • não mais o das possibilidades do ser, 
  • mas o das condições de vida. 

Todo o a priori histórico de uma ciência dos seres vivos acha-se assim abalado e renovado. 

Considerada na sua profundidade arqueológica e não ao nível mais aparente das descobertas, das discussões, teorias, ou das opções filosóficas, a obra de Cuvier tende de longe para o que viria a ser o futuro da biologia. 

Freqüentemente, opõem-se 

  • as intuições “transformistas” de Lamarck, que parecem “prefigurar” o que será o evolucionismo, 
  • e o velho fixismo, todo impregnado de preconceitos tradicionais e de postulados teológicos, no qual se obstinava Cuvier. 

E por todo um jogo de amálgamas, de metáforas, de analogias mal controladas, desenha-se o perfil de um pensamento “reacionário” que se empenha apaixonadamente na imobilidade das coisas para garantir a ordem precária dos homens; 

tal seria a filosofia de Cuvier, homem de todos os poderes; 

de outro lado, 

descreve-se o destino difícil de um pensamento progressista, que crê na força do movimento, na incessante novidade, na vivacidade das adaptações: 

Lamarck, o revolucionário, estaria aí. 

Fornece-se assim, sob o pretexto de fazer história das idéias num sentido rigorosamente histórico, um belo exemplo de ingenuidade. 

Pois, na historicidade do saber, o que conta não são as opiniões, nem as semelhanças que, através das idades, se podem estabelecer entre elas (há, com efeito, uma “semelhança” entre Lamarck e um certo evolucionismo, assim como entre este e as idéias de Diderot, de Robinet ou de Benoit de Maillet); 

o que é importante, o que permite articular em si mesma a história do pensamento, são suas condições internas de possibilidade. 

Ora, basta tentar sua análise para logo se perceber que Lamarck só pensava as transformações das espécies a partir da continuidade ontológica que era a da história natural dos clássicos. Ele supunha uma gradação progressiva, um aperfeiçoamento ininterrupto, uma grande superfície dos seres que podiam formar-se uns a partir dos outros. O que torna possível o pensamento de Lamarck não é a apreensão longínqua de um evolucionismo por vir, é a continuidade dos seres, tal como a descobriam e a supunham os “métodos” naturais. 

Lamarck é contemporâneo de A.-L. de Jussieu. Não de Cuvier. 

Este introduziu na escala clássica dos seres uma descontinuidade radical; e, por isso mesmo, fez surgir noções como 

  • as de incompatibilidade biológica, de relações com os elementos exteriores, de condições de existência; 
  • fez surgir também uma certa força que deve manter a vida e uma certa ameaça que a pune com a morte; 

aí se acham reunidas várias das condições que tornam possível alguma coisa como o pensamento da evolução. 

A descontinuidade das formas vivas permitiu conceber um grande fluxo temporal, que não autorizava, apesar das analogias de superfície, a continuidade das estruturas e dos caracteres. 

Pôde-se substituir 

  • a história natural 
  • por “história” da natureza, 

graças ao descontínuo espacial, 

graças à ruptura do quadro, 

graças ao fracionamento dessa superfície onde todos os seres naturais vinham, em ordem, achar seu lugar. 

Certamente, o espaço clássico, como se viu, não excluía a possibilidade de um devir, mas esse devir nada mais fazia que assegurar um percurso sobre o tablado discretamente prévio das variações possíveis. 

A ruptura desse espaço permitiu descobrir uma historicidade própria à vida: aquela de sua manutenção em suas condições de existência. 

O “fixismo” de Cuvier, como análise de tal manutenção, foi a maneira inicial de refletir essa historicidade no momento em que ela aflorava, pela primeira vez, no saber ocidental. 

A historicidade, pois, introduziu-se agora na natureza – ou, antes, no ser vivo; mas ela aí é bem mais do que uma forma provável de sucessão; constitui como que um modo de ser fundamental. 

Sem dúvida, na época de Cuvier não existe ainda história do ser vivo, como a que descreverá o evolucionismo; mas o ser vivo é pensado, logo de início, com as condições que lhe permitem ter uma história. 

É do mesmo modo que as riquezas receberam, na época de Ricardo, um estatuto de historicidade que ele tampouco formulara ainda como história econômica. 

A estabilidade próxima dos rendimentos industriais, da população e da renda tal como a previra Ricardo, a fixidez das espécies afirmada por Cuvier podem passar, após um exame superficial, por uma recusa da história; 

de fato, Ricardo e Cuvier só recusavam as modalidades da sucessão cronológica tais como foram pensadas no século XVIII; eles desfaziam a dependência do tempo em relação à ordem hierárquica ou classificatória das representações. 

Em contrapartida, essa imobilidade atual ou futura que descreviam ou anunciavam, só podiam concebê-Ia a partir da possibilidade de uma história; e esta lhes era dada 

  • quer pelas condições de existência do ser vivo, 
  • quer pelas condições de produção do valor. 

Paradoxalmente, o pessimismo de Ricardo, o fixismo de Cuvier só aparecem sobre um fundo histórico: 

  • eles definem a estabilidade dos seres que, doravante, têm direito, ao nível de sua modalidade profunda, a ter uma história; 
  • a ideia clássica de que as riquezas podiam crescer segundo um progresso contínuo, ou de que as espécies pudessem com o tempo transformar-se umas nas outras, definia, ao contrário, a mobilidade de seres que, antes mesmo de toda história, já obedeciam a um sistema de variáveis de identidades ou de equivalências. 

Foi necessária a suspensão e como que a colocação entre parênteses daquela história, para que os seres da natureza e os produtos do trabalho recebessem uma historicidade que permitisse ao pensamento moderno apreendê-los e desenvolver, em seguida, a ciência discursiva de sua sucessão. 

Para o pensamento do século XVIII, as sequências cronológicas não passam de uma propriedade e de uma manifestação mais ou menos confusa da ordem dos seres; 

a partir do século XIX, elas exprimem, de um modo mais ou menos direto e até na sua interrupção, o modo de ser profundamente histórico das coisas e dos homens. 

Em todo o caso, essa constituição de uma historicidade viva teve, para o pensamento europeu, vastas consequências. Tão vastas, sem dúvida, quanto aquelas acarretadas pela formação de uma historicidade econômica. 

Ao nível superficial dos grandes valores imaginários, a vida, doravante votada à história, se delineia sob a forma da animalidade. A besta, cuja grande ameaça ou estranheza radical tinham ficado suspensas e como que desarmadas no final da Idade Média ou pelo menos ao cabo do Renascimento, encontra, no século XIX, novos poderes fantásticos. 

Nesse ínterim, a natureza clássica privilegiara os valores vegetais – a planta trazendo sobre seu brasão visível a marca sem reticências de cada ordem eventual; com todas as suas figuras desdobradas, do caule à semente, da raiz ao fruto, o vegetal formava, para um pensamento em quadro, um puro objeto transparente aos segredos generosamente restituídos. 

A partir do momento em que caracteres e estruturas se escalonam em profundidade na direção da vida – esse ponto de fuga soberano, indefinidamente distante mas constituinte – é o animal então que se torna figura privilegiada, com seus arcabouços ocultos, seus órgãos encobertos, tantas funções invisíveis e essa força longínqua, no fundo de tudo, que o mantém em vida. 

Se o ser vivo é uma classe de seres, a erva, melhor que tudo, enuncia sua límpida essência; 

mas se o ser vivo é manifestação da vida, o animal deixa melhor perceber o que é o seu enigma. 

Mais que a imagem calma dos caracteres, ele mostra a passagem incessante do inorgânico ao orgânico, pela respiração ou pela nutrição, e a transformação inversa, sob o efeito da morte, das grandes arquiteturas funcionais em poeira sem vida: 

“As substâncias mortas são conduzidas para os corpos vivos”, dizia Cuvier, “para aí terem um lugar e aí exercerem uma ação, determinados pela natureza das combinações em que ingressaram, e para daí escaparem um dia, a fim de entrarem novamente sob as leis da natureza morta”(29). 

A planta reinava nos confins do movimento e da imobilidade, do sensível e do insensível; já o animal mantém-se nos confins da vida e da morte. Esta o assedia de todos os lados; bem mais, ameaça-o também do interior, pois somente o organismo pode morrer, e é do fundo de sua vida que a morte sobrevém aos seres vivos. 

Daí, sem dúvida, os valores ambíguos assumidos, por volta do fim do século XVIII, pela animalidade: 

  • a besta aparece como portadora dessa morte, à qual, ao mesmo tempo, está sujeita; 
  • há nela uma devoração perpétua da vida por ela mesma. Ela só pertence à natureza quando encerra em si um núcleo de contranatureza. 

Transferindo sua mais secreta essência do vegetal ao animal, a vida abandona o espaço da ordem e volta a ser selvagem. Revela-se mortífera nesse mesmo movimento que a vota à morte. Mata porque vive. A natureza já não sabe ser boa. 

Que a vida não possa mais ser separada do assassínio, a natureza do mal, nem os desejos da contranatureza, Sade o anunciava ao século XVIII, cuja linguagem ele esgotava, bem como à idade moderna, que por longo tempo quis condená-lo ao mutismo. Que se desculpe a insolência (para com quem?): Les 120 journées são o reverso aveludado, maravilhoso, das Leçons d’anatomie comparée. Em todo. o caso, no calendário de nossa arqueologia, tem a mesma idade. 

Mas esse estatuto imaginário da animalidade, totalmente carregada de poderes inquietantes e noturnos, remete de maneira mais profunda às funções múltiplas e simultâneas da vida no pensamento do século XIX. 

Pela primeira vez talvez na cultura ocidental, a vida escapa às leis gerais do ser, tal como ele se dá e se analisa na representação. 

Do outro lado de todas as coisas que estão aquém mesmo daquelas que podem ser, suportando-as para fazê-Ias aparecer, e destruindo-as incessantemente pela violência da morte, a vida se torna uma força fundamental e que se opõe ao ser como o movimento à imobilidade, o tempo ao espaço, o querer secreto à manifestação visível. 

A vida é a raiz de toda existência, e o nãovivo, a natureza inerte, nada mais são que a vida decaída; o ser puro e simples é o não-ser da vida. 

Pois esta, e é por isso que ela tem um valor radical no pensamento do século XIX, é ao mesmo tempo núcleo do ser e do não-ser: só há ser porque há vida e, nesse movimento fundamental que os vota à morte, os seres dispersos e estáveis por instantes formam-se, detêm-se, imobilizam-na – e, num sentido, a matam -.:., mas são por sua vez destruídos por essa força inesgotável. 

A experiência da vida apresenta-se, pois, como a lei mais geral dos seres, o aclaramento dessa força primitiva a partir da qual eles são; ela funciona como uma ontologia selvagem que buscasse dizer o ser e o não-ser indissociáveis de todos os seres. 

Mas essa ontologia desvela menos o que funda os seres do que o que os leva, por um instante, a uma forma precária e secretamente já os mina por dentro, para os destruir. 

Em relação à vida, 

  • os seres não passam de figuras transitórias 
  • e o ser que eles mantêm, durante o episódio de sua existência, 
  • nada mais é que sua presunção, sua vontade de subsistir. 

De sorte que, para o conhecimento, o ser das coisas é ilusão, véu que se deve rasgar, para se reencontrar a violência muda e invisível que os devora na noite. A ontologia do aniquilamento dos seres vale, portanto, como crítica do conhecimento; 

  • mas trata-se menos de fundar o fenômeno, de dizer ao mesmo tempo seu limite e sua lei, de reportá-lo à finitude que o torna possível, 
  • do que de dissipá-lo e destruí-lo como a própria vida destrói os seres: pois todo o seu ser é só aparência. 

Vê-se constituir-se assim um pensamento que se opõe, quase em cada um de seus termos, ao que estava ligado à formação de uma historicidade econômica. 

Vimos como esta última se apoiava sobre uma tríplice teoria 

  • das necessidades irredutíveis, 
  • da objetividade do trabalho 
  • e do fim da história. 

Aqui vemos, ao contrário, desenvolver-se 

  • um pensamento em que a individualidade, com suas formas, seus limites e suas necessidades, não passa de um momento precário, votado à destruição, formando, em tudo e por tudo, um simples obstáculo que, na via desse aniquilamento, tem de ser afastado; 
  • um pensamento em que a objetividade das coisas não passa de aparência, quimera da percepção, ilusão que é preciso dissipar e restituir à pura vontade sem fenômeno que as fez nascer e as suportou por um instante; 
  • um pensamento, enfim, para o qual o recomeço da vida, suas retomadas incessantes, sua obstinação, excluem que se lhe estabeleça um limite no curso do tempo, tanto mais que o próprio tempo, com suas divisões cronológicas e seu calendário quase espacial, não é, sem dúvida, mais que uma ilusão do conhecimento. 

Lá onde um pensamento prevê o fim da história, o outro anuncia o infinito da vida; 

onde um reconhece a produção real das coisas pelo trabalho, o outro dissipa as quimeras da consciência; 

onde um afirma com os limites do indivíduo as exigências de sua vida, o outro os apaga no murmúrio da morte. 

Será essa oposição o sinal de que, a partir do século XIX, o campo do saber não pode mais dar lugar a uma reflexão homogênea e uniforme em todos os seus pontos? 

Será preciso admitir que, doravante, cada forma de positividade tem a “filosofia” que lhe convém: 

  • a economia, a de um trabalho marcado pelo signo da necessidade, mas destinado finalmente à grande recompensa do tempo; 
  • a biologia, a de uma vida marcada por essa continuidade que só forma os seres para os desfazer, achando-se com isso liberada de todos os limites da História? 

E as ciências da linguagem, uma filosofia das culturas, de sua relatividade e de seu poder singular de manifestação?

II. Ricardo

Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico II - Ricardo

David Ricardo, 1772-1823

David Ricardo (Londres18 de Abril de 1772 — Gatcombe Park11 de setembro de 1823) foi um economista e político britânico – um dos mais influentes economistas clássicos, ao lado de Thomas MalthusAdam Smith e James Mill.[1] Ricardo e sua família tem origens sefarditas que remontam a Holanda e Portugal.[2]

Na análise de Adam Smith, 

o trabalho devia seu privilégio ao poder que se lhe reconhecia de estabelecer entre os valores das coisas uma medida constante:

permitia fazer equivaler na troca objetos de necessidade cujo aferimento de outro modo teria sido exposto à mudança ou submetido a uma essencial relatividade. 

No entanto, só podia assumir tal papel à custa de uma condição: 

era preciso supor que

  • a quantidade de trabalho indispensável para produzir uma coisa fosse igual 
  • à quantidade de trabalho que essa coisa, em retorno, pudesse comprar no processo de troca.

Ora, como justificar essa identidade, em que fundá-Ia a não ser sobre uma certa assimilação, admitida na sombra mais que esclarecida, entre 

    • o trabalho como atividade de produção 
    • e o trabalho como mercadoria que se pode comprar e vender? 

Nesse segundo sentido, ele não pode ser utilizado como medida constante, pois “experimenta tantas variações quanto as mercadorias ou bens com os quais pode ser comparado”(1). 

Essa confusão, em Adam Smith, tinha sua origem no primado concedido à representação: 

  • toda mercadoria representava certo trabalho, 
  • e todo trabalho podia representar certa quantidade de mercadoria. 

A atividade dos homens e o valor das coisas comunicavam-se no elemento transparente da representação.

É aí que a análise de Ricardo encontra seu lugar
e a razão de sua importância decisiva.
Ela não é a primeira a organizar
um lugar importante para o trabalho no jogo da economia; mas faz explodir a unidade da noção,
e distingue, pela primeira vez,
de uma forma radical, 

  • essa força, esse esforço, esse tempo do operário que se compram e se vendem, 
  • e essa atividade que está na origem do valor das coisas. 

Ter-se-á pois, 

  • por um lado, o trabalho que os operários oferecem, que os empresários aceitam ou demandam e que é retribuído pelos salários; 
  • por outro, ter-se-á o trabalho que extrai os metais, produz os bens, fabrica os objetos, transporta as mercadorias e forma assim valores permutáveis que antes dele não existiam e sem ele não teriam aparecido. 

Certamente, para Ricardo como para Smith, o trabalho pode realmente medir a equivalência das mercadorias que passam pelo circuito das trocas: 

“Na infância das sociedades, o valor permutável das coisas ou a regra que fixa a quantidade que se deve dar de um objeto por outro só depende da quantidade comparativa de trabalho que foi empregada na produção de cada um deles.”(2) 

A diferença, porém, entre Smith e Ricardo está no seguinte: 

  • para o primeiro, o trabalho, porque analisável em jornadas de subsistência, pode servir de unidade comum a todas as outras mercadorias (de que fazem parte os próprios bens necessários à subsistência); 
  • para o segundo, a quantidade de trabalho permite fixar o valor de uma coisa,
    • não apenas porque este seja representável em unidades de trabalho, 
    • mas primeiro e fundamentalmente porque o trabalho como atividade de produção é “a fonte de todo valor”. 

Já não pode este ser definido, como na idade clássica, a partir do sistema total de equivalências e da capacidade que podem ter as mercadorias de se representarem umas às outras. 

O valor deixou de ser signo,
tornou-se um produto. 

Se as coisas valem tanto quanto o trabalho que a elas se consagrou, ou se, pelo menos, seu valor está em proporção a esse trabalho, 

  • não é porque o trabalho seja um valor fixo, constante e permutável todos os céus e em todos os tempos, 
  • mas sim porque todo valor, qualquer que seja, extrai sua origem do trabalho.

E a melhor prova disso está em que 

  • o valor das coisas aumenta com a quantidade de trabalho que lhes temos de consagrar se as quisermos produzir; 
  • porém não muda com o aumento ou baixa dos salários pelos quais o trabalho se troca como qualquer outra mercadoria(3). 

Circulando nos mercados, trocando-se uns por outros, os valores realmente têm ainda um poder de representação. Extraem esse poder, porém, de outra parte – desse trabalho mais primitivo e radical do que toda representação e que, portanto, não pode definir-se pela troca. 

  • Enquanto no pensamento clássico o comércio e a troca servem de base insuperável para a análise das riquezas (e isso mesmo ainda em Adam Smith, para quem a divisão do trabalho é comandada pelos critérios da permuta), 
  • desde Ricardo, a possibilidade da troca está assentada no trabalho;
    • e a teoria da produção, 
    • doravante, deverá sempre preceder a da circulação. 

Daí, três consequências que importa reter. 

A primeira é a instauração de uma série causal cuja forma é radicalmente nova. 

No século XVIII, não se ignorava, de modo algum, o jogo das determinações econômicas: explicava-se como a moeda podia dissipar-se ou afluir, os preços subirem ou baixarem, a produção crescer, estagnar ou diminuir; mas todos esses movimentos eram definidos a partir de um espaço em quadro onde os valores se podiam representar uns aos outros; os preços aumentavam quando os elementos representantes cresciam mais depressa que os elementos representados; a produção diminuía quando os instrumentos de representação diminuíam em relação às coisas a serem representadas etc. Tratava-se sempre de uma causalidade circular e de superfície, pois que não concernia jamais senão aos poderes recíprocos do analisando e do analisado. 

A partir de Ricardo, o trabalho, desnivelado em relação à representação, e instalando-se em uma região onde ela não tem mais domínio, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria. 

A quantidade de trabalho necessária para a fabricação de uma coisa (ou para sua colheita, ou para seu transporte) e que determina seu valor depende das formas de produção: segundo o grau de divisão no trabalho, a quantidade e a natureza dos instrumentos, o volume de capital de que dispõe o empresário e o que ele investiu nas instalações de sua fábrica, a produção será modificada; em certos casos será dispendiosa; em outros, o será menos(4). Mas, como em todos os casos, esse custo (salários, capital e rendimentos, lucros) é determinado pelo trabalho já efetuado e aplicado a essa nova produção, vê-se nascer uma grande série linear e homogênea que é a da produção. Todo trabalho tem um resultado que, sob uma forma ou outra, é aplicado a um novo trabalho cujo custo ele define; e esse novo trabalho, por sua vez, entra na formação de um valor etc. Essa acumulação em série rompe pela primeira vez com as determinações recíprocas, as únicas que atuavam na análise clássica das riquezas. Introduz, por isso mesmo, a possibilidade de um tempo histórico contínuo, ainda que de fato, como veremos, Ricardo só pense na evolução futura sob a forma de um afrouxamento e, em última análise, de uma suspensão total da história. 

Ao nível das condições de possibilidade do pensamento, Ricardo, ao dissociar formação e representatividade do valor, permitiu a articulação da economia com a história. 

As “riquezas”, em vez de se distribuírem num quadro e de constituírem assim um sistema de equivalência, organizam-se e se acumulam numa cadeia temporal: todo valor se determina não segundo os instrumentos que permitem analisá-lo, mas segundo as condições de produção que o fizeram nascer; e, mais ainda, essas condições são determinadas por quantidades de trabalho aplicadas para produzi-Ias. Antes mesmo que a reflexão econômica estivesse ligada à história dos acontecimentos ou das sociedades num discurso explícito, a historicidade penetrou, e por longo tempo sem dúvida, o modo de ser da economia. Esta, em sua positividade, não está mais ligada a um espaço simultâneo de diferenças e de identidades, mas ao tempo de produções sucessivas. 

Quanto à segunda conseqüência, não menos decisiva, diz respeito à noção de raridade. 

Para a análise clássica, a raridade era definida em relação à necessidade: admitia-se que a raridade se acentuava ou se deslocava na medida em que as necessidades aumentavam ou tomavam formas novas; para os que têm fome, raridade do trigo; para os ricos que frequentam a sociedade, raridade do diamante. Quanto a essa raridade, os economistas do século XVIII – quer fossem fisiocratas quer não – pensavam que a terra, ou o trabalho da terra, permitia superá-Ia, ao menos em parte: é que a terra tem a maravilhosa propriedade de poder cobrir necessidades bem mais numerosas do que aquelas dos homens que a cultivam. 

No pensamento clássico,

há raridade porque os homens se representam objetos que não possuem; 

mas há riqueza porque a terra produz, com certa abundância, objetos que não são logo consumidos e que podem então representar outros nas trocas e na circulação. 

Ricardo inverte os termos dessa análise: 

a aparente generosidade da terra só é de fato devida à sua avareza crescente; 

e o que é primeiro não é a necessidade e a representação da necessidade no espírito dos homens, 

é pura e simplesmente uma carência originária. 

Com efeito, o trabalho – isto é, a atividade econômica só apareceu na história do mundo no dia em que os homens se acharam numerosos demais para poderem nutrir-se dos frutos espontâneos da terra. Não tendo com que subsistir, alguns morriam e muitos outros estariam mortos se não se pusessem a trabalhar a terra. E, na medida em que a população se multiplicava, novas faixas da floresta deviam ser abatidas, desbravadas e cultivadas. A cada instante de sua história, a humanidade só trabalha sob a ameaça da morte: toda população, se não encontra novos recursos, está fadada a extinguir-se; e inversamente, à medida que os homens se multiplicam, empreendem trabalhos mais numerosos, mais longínquos, mais difíceis, menos imediatamente fecundos. Como a pendência da morte se faz mais temível à proporção que as subsistências necessárias se tornam de mais difícil acesso, o trabalho, inversamente, deve crescer em intensidade e utilizar todos os meios de se tomar mais prolífico. Assim, o que torna a economia possível e necessária é uma perpétua e fundamental situação de raridade: em face de uma natureza que por si mesma é inerte e, salvo numa parte minúscula, estéril, o homem arrisca sua vida. 

Não é mais nos jogos da representação que a economia encontra seu princípio, mas do lado dessa região perigosa onde a vida afronta a morte. Ela remete, pois, a essa ordem de considerações bastante ambíguas a que se pode chamar antropológicas: reporta-se, com efeito, às propriedades biológicas de uma espécie humana, acerca da qual Malthus, na mesma época que Ricardo, mostrou que tende sempre a crescer caso não se lhe traga remédio ou coerção; reporta-se também à situação desses seres vivos que se arriscam a não encontrar na natureza que os rodeia aquilo com que assegurar sua existência; ela designa enfim o trabalho e a dureza mesma desse trabalho como o único meio de negar a carência fundamental e triunfar por um instante sobre a morte. A positividade da economia se aloja nesse vão antropológico. 

O Homo oeconomicus não é aquele que se representa suas próprias necessidades bem como os objetos capazes de as saciar; é aquele que passa, usa e perde sua vida escapando da iminência da morte. É um ser finito: e assim como, desde Kant, a questão da atitude se tornou mais fundamental que a análise das representações (já não podendo esta ser senão derivada em relação àquela), desde Ricardo a economia repousa, de maneira mais ou menos explícita, numa antropologia que tenta atribuir à finitude formas concretas. 

A economia do século XVIII estava relacionada a uma máthêsis como ciência geral de todas as ordens possíveis; a do século XIX está referida a uma antropologia como discurso sobre a finitude natural do homem. 

Por isso mesmo, a necessidade e o desejo retiram-se para o lado da esfera subjetiva – para essa região que, na mesma época, está em via de se tomar o objeto da psicologia. 

É lá, precisamente, que, na segunda metade do século XIX, os marginalistas irão buscar a noção de utilidade. Julgar-se-á então que Condillac, ou Graslin, ou Fortbonnais, “já” eram “psicologistas”, visto que analisavam o valor a partir da necessidade; e, do mesmo modo, julgar-se-á que os fisiocratas foram os primeiros antepassados de uma economia que, desde Ricardo, analisou o valor a partir dos custos de produção. 

De fato, ter-se-á saído da configuração que tornava simultaneamente possíveis Quesnay e Condillac; terse-á escapado ao reino dessa epistémê que assentava o conhecimento na ordem das representações; e ter-se-á entrado em outra disposição epistemológica, a que distingue, não sem referi-Ias uma à outra, uma psicologia das necessidades representadas e uma antropologia da finitude natural. 

Enfim, a última conseqüência concerne à evolução da economia. 

Ricardo mostra que não se deve interpretar como fecundidade da natureza o que marca, e de uma forma sempre mais insistente, sua essencial avareza. 

A renda fundiária, na qual todos os economistas, até o próprio Adam Smith(5), viam o signo de uma fecundidade própria à terra, só existe na medida exata em que o trabalho agrícola se toma cada vez mais duro, cada vez menos “rentável”. 

À medida que se é compelido, pelo crescimento ininterrupto da população, a desbravar terras menos fecundas, a colheita dessas novas unidades de trigo exige mais trabalho: seja porque os cultivos devam ser mais profundos, seja porque a superfície semeada deva ser mais vasta, seja porque se necessite de mais adubo; o custo da produção é portanto muito mais elevado para estas últimas colheitas do que para as primeiras, que foram obtidas, na origem, em terras ricas e fecundas. Ora, esses bens, tão difíceis de obter, não são menos indispensáveis que os outros, se não se quiser que certa parte da humanidade morra de fome. 

É, portanto, o custo de uma produção de trigo em terras mais estéreis que determinará o preço do trigo em geral, mesmo se foi obtido com duas ou três vezes menos trabalho. 

Daí, para as terras fáceis de cultivar, um aumento de beneficio, que permite a seus proprietários arrendá-Ias retirando antecipadamente um importante rendimento. A renda fundiária é o efeito não de uma natureza prolífica, mas de uma terra avara. Ora, essa avareza não cessa de tornar-se cada dia mais sensível: a população, com efeito, se desenvolve; começa-se a lavrar terras cada vez mais pobres; os custos de produção aumentam; aumentam os preços agrícolas e com eles as rendas fundiárias. 

Sob essa pressão, é bem possível – necessário mesmo – que também o salário nominal dos operários comece a crescer a fim de cobrir as despesas mínimas de subsistência; mas, por essa mesma razão, o salário real não poderá praticamente elevar-se acima do que é indispensável para que o operário se vista, se aloje e se alimente. 

E, finalmente, o lucro dos empresários baixará na medida mesma em que a renda fundiária aumentar e em que a retribuição operária permanecer fixa. Baixaria mesmo indefinidamente a ponto de desaparecer, se não se caminhasse para um limite; com efeito, a partir de certo momento os lucros industriais serão demasiado baixos para que se faça trabalhar novos operários; na falta de salários suplementares, a mão-de-obra não poderá mais crescer, a população ficará estagnada; não será necessário desbravar novas terras ainda mais infecundas que as precedentes: a renda fundiária atingir seu teto e não exercerá mais sua costumeira pressão sobre os rendimentos industriais, que poderão então se estabilizar. 

A História enfim se tornará estanque. 

A finitude do homem será definida – de uma vez por todas, isto é, por um tempo indefinido

Paradoxalmente, é a historicidade introduzida na economia por Ricardo que permite pensar essa imobilização da História. 

O pensamento clássico concebia para a economia um futuro sempre aberto e sempre cambiante; mas tratava-se, de fato, de uma modificação de tipo espacial: o quadro que, pensava-se, as riquezas formavam ao se desenvolverem, e ao serem trocadas e ordenadas, podia muito bem ampliar-se permanecia, porém, o mesmo quadro, cada elemento perdendo um pouco de sua superfície relativa mas entrando em relação com novos elementos. 

Em contrapartida, é o tempo cumulativo da população e da produção, é a história ininterrupta da raridade que, a partir do século XIX, permite pensar o empobrecimento da História, sua inércia progressiva, sua petrificação e, dentro em breve, sua imobilidade rochosa. 

Vê-se que papel a História e a antropologia desempenham uma em relação à outra. Só há história (trabalho, produção, acumulação e crescimento dos custos reais) na medida em que o homem como ser natural é finito: finitude que se prolonga muito além dos limites primitivos da espécie e das necessidades imediatas do corpo, mas que não cessa de acompanhar, ao menos em surdina, todo o desenvolvimento das civilizações. 

Quanto mais o homem se instala no cerne do mundo, quanto mais avança na posse da natureza, tanto mais fortemente também é acossado pela finitude, tanto mais se aproxima de sua própria morte. 

A História não permite ao homem evadir-se de seus limites iniciais – salvo na aparência e se se der ao limite o sentido mais superficial; se se considerar, porém, a finitude fundamental do homem, perceber-se-á que sua situação antropológica não cessa de dramatizar cada vez mais sua História, de torná-Ia mais perigosa e de aproximá-Ia, por assim dizer, de sua própria impossibilidade. 

No momento em que toca tais confins, a História só pode deter-se, vibrar um instante sobre seu eixo e imobilizar-se para sempre. 

Mas isso pode produzir-se de dois modos: 

  • seja porque ela alcance progressivamente, e com uma lentidão sempre mais acentuada, um estado de estabilidade que sanciona, no indefinido do tempo, aquilo para o que ela sempre marchou, aquilo que no fundo de si ela jamais cessou de ser desde o começo; 
  • seja porque, ao contrário, ela atinja um ponto de reversão onde só se fixa na medida em que suprime o que continuamente fora até então.

Na primeira solução (representada pelo “pessimismo” de Ricardo), 

a História funciona ante as determinações antropológicas como uma espécie de grande mecanismo compensador; 

  • aloja-se, é certo, na finitude humana, mas aí aparece à maneira de uma figura positiva e em relevo; 
  • permite ao homem superar a raridade a que está votado. 

Como essa carência se torna cada dia mais rigorosa, o trabalho se torna mais intenso; 

  • a produção aumenta em cifras absolutas, 
  • mas, ao mesmo tempo que ela e no mesmo movimento, também os custos de produção – isto é, as quantidades de trabalho necessário para produzir um mesmo objeto. 

De sorte que deverá inevitavelmente chegar um momento em que o trabalho não é mais sustentado pela mercadoria que ele produz (não custando esta mais que o alimento do operário que a obtém). 

A produção não pode mais preencher a falta. 

Então, 

  • a raridade vai limitar-se ela própria (por uma estabilização demográfica) 
  • e o trabalho vai ajustar-se exatamente às necessidades (por uma repartição determinada das riquezas). 

Doravante, a finitude e a produção vão superpor-se exatamente numa figura única. Todo labor suplementar seria inútil; todo excedente de população pereceria. A vida e a morte serão assim colocadas exatamente uma contra a outra, superfície contra superfície, imobilizadas e como que reforçadas ambas por seu impulso antagonista. 

A História terá conduzido a finitude do homem até esse ponto-limite em que ela aparecerá enfim em sua pureza; 

  • já não terá margem que lhe permita escapar-se a si mesma, nem esforço a fazer para forjar um porvir, nem novas terras abertas a homens futuros; 
  • sob a grande erosão da História, o homem será pouco a pouco despojado de tudo o que pode escondê-lo a seus próprios olhos; 
  • terá exaurido todas essas possibilidades que confundem um pouco e esquivam sob as promessas do tempo sua nudez antropológica; 
  • por longos caminhos, mas inevitáveis e constringentes, a História terá conduzido o homem até essa verdade que o detém sobre si mesmo. 

Na segunda solução (representada por Marx), 

a relação da História com a finitude antropológica é decifrada segundo a direção inversa. 

A História desempenha então um papel negativo: 

  • é ela, com efeito, que acentua as pressões da necessidade, que faz crescer as carências, coagindo os homens a trabalhar e a produzir sempre mais, sem receberem mais do que o que lhes é indispensável para viver, e algumas vezes um pouco menos. 
  • De sorte que, com o tempo, o produto do trabalho se acumula, escapando sem trégua àqueles que o executam:
    • estes produzem infinitamente mais do que essa parte do valor que lhes cabe sob forma de salário 
    • e dão assim ao capital a possibilidade de novamente comprar trabalho. 

Assim cresce sem cessar o número daqueles que a História mantém nos limites de suas condições de existência; 

  • e, por isso mesmo, essas condições não cessam de tomar-se mais precárias e de aproximar-se do que tornará a própria existência impossível; 
  • a acumulação do capital, 
  • o crescimento das empresas e de sua capacidade, 
  • a pressão constante sobre os salários, 
  • o excesso da produção 
  • reduzem o mercado de trabalho, diminuindo sua retribuição e aumentando o desemprego. 

Repelida pela miséria aos confins da morte, toda uma classe de homens faz, como que a nu, a experiência do que sejam a necessidade, a fome e o trabalho. 

  • No que os outros atribuem à natureza ou à ordem espontânea das coisas, 
  • eles sabem reconhecer o resultado de uma história e a alienação de uma finitude que não tem essa forma. 

É essa verdade da essência humana que eles podem, por essa razão – e que só eles podem – reassumir a fim de a restaurar. O que só poderá ser obtido pela supressão ou, ao menos, pela reversão da História tal como ela se desenrolou até o presente: somente então começará um tempo que não terá mais nem a mesma forma, nem as mesmas leis, nem a mesma forma de transcorrer. 

Mas, sem dúvida, pouco importa a alternativa entre o “pessimismo” de Ricardo e a promessa revolucionária de Marx. Tal sistema de opções nada mais representa senão duas maneiras possíveis de percorrer as relações entre a antropologia e a História, tais como a economia as instaura através das noções de raridade e de trabalho. 

Para Ricardo, 

  • a História preenche o vão disposto pela finitude antropológica e manifestado por uma perpétua carência, 
  • até o momento em que seja atingido o ponto de uma estabilização definitiva; 

segundo a leitura marxista, 

  • a História, espoliando o homem de seu trabalho, faz surgir em relevo a forma positiva de sua finitude – sua verdade material enfim liberada. 

Certamente, compreende-se sem dificuldade como, ao nível da opinião, as escolhas reais se distribuíram, porque alguns optaram pelo primeiro tipo de análise e outros pelo segundo. 

Mas trata-se somente de diferenças derivadas que procedem em tudo e por tudo de uma inquirição e de um tratamento doxológicos. 

No nível profundo do saber ocidental, o marxismo não introduziu nenhum corte real; 

alojou-se sem dificuldade, como uma figura plena, tranquila, confortável e, reconheça-se, satisfatória por um tempo (o seu), no interior de uma disposição epistemológica que o acolheu favoravelmente (pois foi ela justamente que lhe deu lugar) e que ele não tinha, em troca, nem o propósito de perturbar nem sobretudo o poder de alterar, por pouco que fosse, pois que repousava inteiramente sobre ela. 

O marxismo está no pensamento do século XIX como peixe n’ água: o que quer dizer que noutra parte qualquer deixa de respirar. 

Se ele se opõe às teorias “burguesas” da economia e se, nessa oposição, projeta contra elas uma reversão radical da História, esse conflito e esse projeto têm por condição de possibilidade não a retomada de toda a História nas mãos, mas um acontecimento que toda a arqueologia pode situar com precisão e que prescreveu simultaneamente, segundo o mesmo modo, a economia burguesa e a economia revolucionária do século XIX. 

Seus debates podem agitar algumas ondas e desenhar sulcos na superfície: são tempestades num copo d’ água. O essencial é que, no começo do século XIX, constituiu-se uma disposição do saber em que figuram, a um tempo, 

  • a historicidade da economia (em relação com as formas de produção), 
  • a finitude da existência humana (em relação com a raridade e o trabalho) 
  • e o aprazamento de um fim da História – quer por afrouxamento indevido quer por reversão radical. 

História, antropologia e suspensão do devir se pertencem segundo uma figura que define para o pensamento do século XIX uma de suas redes maiores. 

Sabe-se, por exemplo, que papel essa disposição desempenhou para reanimar a boa vontade fatigada dos humanismos; sabe-se de que modo fez renascer as utopias de um acabamento. 

No pensamento clássico, a utopia funcionava antes como um devaneio de origem: 

é que o frescor do mundo devia assegurar o desdobramento ideal de um quadro onde cada coisa estaria presente em seu lugar, com suas vizinhanças, suas diferenças próprias, suas equivalências imediatas; 

nessa luz primeira, as representações não deviam ser ainda destacadas da viva, aguda e sensível presença daquilo que elas representam. 

No século XIX, a utopia concerne ao crepúsculo do tempo mais que à sua aurora: 

é que o saber não é mais constituído ao modo do quadro, mas ao da série, do encadeamento e do devir; 

quando vier, com a noite prometida, a sombra do desenlace, a erosão lenta ou a violência da História fará realçar, em sua imobilidade rochosa, a verdade antropológica do homem; 

o tempo dos calendários poderá certamente continuar; 

mas será como que vazio, pois a historicidade se terá superposto exatamente à essência humana. 

O escoar do devir, com todos os seus recursos de drama, de olvido, de alienação, será captado numa finitude antropológica que aí encontra em troca sua manifestação iluminada. 

A finitude com sua verdade se dá no tempo; e, desde logo, o tempo é finito. 

O grande devaneio de um termo da História é a utopia dos pensamentos causais, 

como o sonho das origens era a utopia dos pensamentos classificadores. 

Essa disposição foi por longo tempo constringente; e, no fim do século XIX, Nietzsche a fez cintilar uma última vez, incendiando-a. 

Retomou o fim dos tempos para dele fazer a morte de Deus e a errância do último homem; retomou a finitude antropológica, mas para fazer fulgir o arremesso prodigioso do super-homem; retomou a grande cadeia contínua da História, mas para curvá-Ia no infinito do retorno. 

A morte de Deus, a iminência do super-homem, a promessa e o terror do grande ano se esforçam em vão por retomar, como que termo a termo, os elementos que se dispõem no pensamento do século XIX e formam sua rede arqueológica, mas não é menos certo que inflamam todas essas formas estáveis, desenham com seus restos calcinados rostos estranhos, impossíveis talvez; 

e, a uma luz de que não se sabe ainda ao certo 

  • se reaviva o último incêndio 
  • ou se indica a aurora, 

vê-se abrir o que pode ser o espaço do pensamento contemporâneo. 

Foi Nietzsche, em todo o caso, que queimou para nós, e antes mesmo que tivéssemos nascido, as promessas mescladas da dialética e da antropologia.

 

I. As novas empiricidades

Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico I - As novas empiricidades

Eis que nos adiantamos
bem para além do acontecimento histórico que se impunha situar
– bem para além das margens cronológicas
dessa ruptura que divide, em sua profundidade,
a epistémê do mundo ocidental
e isola para nós o começo
de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades. 

É que o pensamento que nos é contemporâneo
e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
se acha ainda muito dominado 

pela impossibilidade,
trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
de fundar as sínteses no espaço da representação 

e pela obrigação
correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
de abrir o campo transcendental da subjetividade
e de constituir inversamente,
para além do objeto,
esses “quase-transcendentais” que são para nós
a Vida, o Trabalho, a Linguagem. 

Para fazer surgir 

  • essa obrigação 
  • e essa impossibilidade 

na aspereza de sua irrupção histórica, 

  • era preciso deixar a análise correr ao longo de todo o pensamento que encontra sua fonte em semelhante abertura; 
  • era preciso que tal intento reduplicasse apressadamente o destino ou o pendor do pensamento moderno para atingir finalmente seu ponto de declínio: 

esta claridade de hoje, ainda pálida mas talvez decisiva, que nos permite, se não contornar por inteiro, ao menos dominar fragmentariamente e ter um pouco sob controle aquilo que, desse pensamento formado no limiar da idade moderna, chega ainda até nós, nos investe e serve de solo contínuo ao nosso discurso. 

Entretanto, a outra metade do acontecimento – a mais importante sem dúvida – pois ela concerne em seu ser mesmo, em seu enraizamento, às positividades sobre as quais se arraigam nossos conhecimentos empíricos – ficou em suspenso; e é ela que é preciso agora analisar. 

Numa primeira fase 

– a que cronologicamente se estende de 1775 a 1795 e cuja configuração se pode designar através das obras de Smith, de Jussieu e de Wilkins – os conceitos de trabalho, de organismo e de sistema gramatical foram introduzidos – ou reintroduzidos com um estatuto singular – na análise das representações e no espaço tabular onde esta até então se desenrolava. 

Sem dúvida, sua função era ainda somente autorizar essa análise, permitir o estabelecimento das identidades e das diferenças, e fornecer o instrumento – como a medida qualitativa – de uma ordenação. 

Todavia, 

  • nem o trabalho, 
  • nem o sistema gramatical, 
  • nem a organização viva 

podiam ser definidos ou assegurados pelo simples jogo da representação se decompondo, se analisando, se recompondo e assim representando-se a si mesma numa pura reduplicação; o espaço da análise não podia, pois, deixar de perder sua autonomia. 

O quadro, doravante, deixando de ser o lugar de todas as ordens possíveis, a matriz de todas as relações, a forma de distribuição de todos os seres em sua individualidade singular, já não constitui para o saber senão uma fina película de superfície; 

  • as vizinhanças que ele manifesta, 
  • as identidades elementares que circunscreve e cuja repetição é por ele mostrada, 
  • as semelhanças que desprende e expõe, 
  • as constâncias que permite percorrer, 

nada mais são que os efeitos de certas sínteses, ou organizações, ou sistemas 

que residem muito além de todas as repartições que se podem ordenar a partir do visível. 

A ordem que se dá ao olhar, com o quadriculado permanente de suas distinções, não é mais que uma cintilação superficial por sobre uma profundeza. 

O espaço do saber ocidental acha-se agora prestes a balançar: 

  • a taxinomia 

cuja grande camada universal se estendia em correlação com a possibilidade de uma máthêsis e que constituía o tempo forte do saber – ao mesmo tempo sua possibilidade primeira e o termo de sua perfeição – 

vai ordenar-se segundo uma verticalidade obscura: 

esta definirá a lei das semelhanças, prescreverá as vizinhanças e as descontinuidades, fundará as disposições perceptíveis e desviará todos os grandes desdobramentos horizontais da taxinomia para a região um pouco acessória das consequências. 

Assim, a cultura européia inventa para si uma profundeza em que 

  • a questão não será mais a das identidades, dos caracteres distintivos, das plataformas permanentes com todos os seus caminhos e percursos possíveis, 
  • mas a das grandes forças ocultas desenvolvidas a partir de seu núcleo primitivo e inacessível, 
  • mas a da origem, da causalidade e da história. 

Doravante, as coisas só virão à representação do fundo dessa espessura recolhida em si, emaranhadas talvez e tornadas mais sombrias por sua obscuridade, porém fortemente enlaçadas a si mesmas, reunidas ou divididas, agrupadas sem recurso pelo vigor que lá, naquele fundo, se oculta. 

As figuras visíveis, seus liames, os brancos que as isolam e contornam seu perfil

não mais se oferecerão a nosso olhar
senão totalmente compostos,
já articulados
nessa noite subterrânea que as fomenta com o tempo. 

Então – e esta é a outra fase do acontecimento – 

o saber, em sua positividade, muda de natureza e de forma. 

Seria falso – sobretudo insuficiente – atribuir essa mutação 

  • à descoberta de objetos ainda desconhecidos como o sistema gramatical do sânscrito, 
  • ou a relação, no ser vivo, entre as disposições anatômicas e os planos funcionais, 
  • ou ainda o papel econômico do capital. 

Nem seria mais exato imaginar que 

  • a gramática geral tornou-se filologia, 
  • a história natural, biologia, 
  • e a análise das riquezas, economia política, 

porque todos esses modos de conhecimento retificaram seus métodos, se acercaram mais de perto do seu objeto, racionalizaram seus conceitos, escolheram melhores modelos de formalização – em suma, porque se teriam desprendido de sua pré-história por uma espécie de auto-análise da própria razão. 

O que mudou, na curva do século,
e sofreu uma alteração irreparável
foi o próprio saber
como modo de ser prévio e indiviso
entre o sujeito que conhece
e o objeto do conhecimento; 

  • se se começa a estudar o custo da produção, e não mais se utiliza a situação ideal e primitiva da permuta para analisar a formação do valor, é porque, ao nível arqueológico,
    • a produção como figura fundamental no espaço do saber 
    • substituiu-se à troca, 
  • fazendo aparecer,
    • por um lado, novos objetos cognoscíveis (como o capital) 
    • e prescrevendo, por outro, novos conceitos e novos métodos (como a análise das formas de produção). 

Do mesmo modo, 

  • se se estuda, a partir de Cuvier, a organização interna dos seres vivos, e se, para tanto, se utilizam métodos da anatomia comparada, é porque
    • a Vida, como forma fundamental do saber, fez aparecer novos objetos
      • (como a relação do caráter com a função) 
      • e novos métodos ( como a busca das analogias). 

Enfim, 

  • se Grimm e Bopp tentam definir as leis da alternância vocálica ou da mutação das consoantes, é porque
    • o Discurso como modo do saber veio a ser substituído pela Linguagem, que define objetos até então inaparentes
      • (famílias de línguas em que os sistemas gramaticais são análogos) 
      • e prescreve métodos que não haviam ainda sido empregados (análise das regras de transformação das consoantes e das vogais). 

A produção, a vida, a linguagem
– não se devem buscar aí
objetos que se tivessem,
como que por seu próprio peso
e sob o efeito de uma insistência autônoma,
imposto do exterior a um conhecimento
que durante um tempo por demais longo
os negligenciara;
também não se devem ver aí
conceitos construídos pouco a pouco,
graças a novos métodos,
através do progresso de ciências
que marcham em direção
à sua racionalidade própria. 
Trata-se de modos fundamentais do saber
que suportam em sua unidade sem fissura
a correlação segunda e derivada
de ciências e de técnicas novas
com objetos inéditos. 

A constituição desses modos fundamentais está sem dúvida enterrada longe, na espessura das camadas arqueológicas: é possível, contudo, descortinar alguns dos seus sinais através das obras 

  • de Ricardo para a economia
  • de Cuvier para a biologia
  • de Bopp para a filologia.

5. História do nascimento do livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’, contada por Michel Foucault

Uma história do nascimento do livro 'As palavras e as coisas',
contada pelo próprio autor, Michel Foucault, no Prefácio,
inclusive o relato das dificuldades enfrentadas.

1 - A ideia que deu origem ao livro
'As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas

No Prefácio do ‘As palavras e as coisas’, Michel Foucault faz como que um quadro sinóptico do livro inteiro mencionando conceitos importantes; a história do nascimento do ‘As palavras e as coisas’ contada por Foucault no Prefácio começa com uma exposição sobre o que ele chama de ‘familiaridades’ do pensamento, diz ele que “do nosso: daquele que tem a nossa idade e a nossa geografia” que seriam abaladas pelo mágico texto de uma certa enciclopédia chinesa.

Fizemos uma animação de 7:27m na qual na mesma figura representamos esse pensamento ao qual Foucault se refere como sendo o nosso, aquele com a nossa idade e geografia, e um outro pensamento com o qual também estamos familiarizados até pela circunstância de uma contaminação de entendimentos historicamente distintos.

A animação mostra ao mesmo tempo em que o texto prossegue as diferenças, estruturalmente o que se ganha o perde com uma ou outra dessas configurações.

O texto dessa história do nascimento desse livro começa alertando para os perigos da desordem – para além daquela do incongruente e da aproximação do que não convém -, a desordem da utilização simultânea de múltiplas ordens parecidas mas a tal ponto diferentes que torna-se impossível encontrar-lhes um espaço de acolhimento, definir por baixo de umas e outras, um lugar comum. (*)

Há no relato completo dessa história do Prefácio:(**)

  • o conceito de ordem: duas alternativas distintas;
  • uma série de comentários sobre os referenciais do pensamento – Utopia e Heterotopia – em dois casos diferentes de configurações do pensamento;
  • as duas sintaxes envolvidas nas configurações do pensamento;
    • a que permite a construção das frases
    • e a que autoriza a manter juntas, ao lado e em frente umas das outras, as palavras e as coisas;

O entendimento desses conceitos abordados na historia do nascimento do livro no Prefácio depende da compreensão das duas leituras possíveis para o fenômeno ‘operações’ e respectivas análises de valor, e a influência delas nos dois princípios para trabalho coexistentes entre nós.

(*) na animação que fizemos para navegar entre o texto de Foucault no Prefácio e as formulações que temos de modelos de operações e de organizações, há um exemplo de modelo de organização bastante representativo dessa utilização de múltiplas ordens parecidas.

(**) Nessa pequena história do nascimento do ‘As palavras e as coisas’ Foucault se utiliza dos conceitos de ordem e de sintaxes. Mas no livro estão ainda os conceitos de Verbo, de Classificar, História, os Espaços Gerais do Saber, respectivamente para as configurações do pensamento – aquele com o qual queiramos ou não pensamos, e o anterior a este. Veja esses conceitos duplos aqui.

Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes - abrangências muito diferentes
]
Caos como um tipo de ordem instável
em que as sequências temporais são muito complexas e revelam estruturas
que nos permitem melhor entender o mundo que nos cerca

Designações primitivas
(inoperantes no Instanciamento) 

Representação objeto do Instanciamento
recuperada do Repositório

Ambiente de onde são importados 
os recursos e insumos de todos os tipos,
consumidos durante o Instanciamento

Circuito das trocas 
operação inteiramente no interior do
Domínio do Discurso e da Representação

Circuito das trocas 
operação inteiramente no interior do
Domínio do Discurso e da Representação

Representação da empiricidade 
objeto da operação de Instanciamento
recuperada do Repositório, antes da operação

Representação da empiricidade   
objeto da operação de Instanciamento
recuperada do Repositório, depois da operação

Propriedades da empiricidade 
objeto da operação de Instanciamento
idênticas às da representação recuperada do Repositório,
antes da operação

Propriedades da empiricidade  
objeto da operação de Instanciamento
idênticas às da representação recuperada do Repositório,
depois da operação

Operação de instanciamento de representação
de empiricidade objeto pré-existente no Repositório
(sem alteração no modo de ser fundamental da empiricidade)

Processos, atividades, tasks
suporte da Forma de produção
desencadeados durante a operação de instanciamento

Evento (i) de início
da operação de instanciamento
da representação da empiricidade objeto

Evento (f) de fim  
da operação de instanciamento
da representação da empiricidade objeto

Operação de instanciamento ocorre
sem alteração  no modo de ser fundamental
da empiricidade objeto

Operação de instanciamento ocorre
sem alteração  no modo de ser fundamental
da empiricidade objeto

Domínio do Discurso e da Representação
(perfil amarelo)

Domínio do Pensamento e da Língua
(perfil vermelho)

Visão, utopia,
limite da estratégia, etc

Homem
na posição de sujeito

Compromisso de obtenção 
da representação para esta empiricidade objeto

Operação transcorre
com alteração do modo de ser fundamental
da empiricidade objeto

Empiricidade objeto
(antes da operação)

Propriedades da empiricidade objeto
sim e não originais constitutivas
(inexistentes antes da operação)

Propriedades da empiricidade objeto
sim e não originais constitutivas
(existentes depois da operação) 

Designações primitivas
(ativas e parte da origem da linguagem)

Repositório
linguagem de uso

Evento de início da operação
de construção da representação
para a empiricidade objeto

Evento de fim da operação
de construção da representação
para a empiricidade objeto

Empiricidade objeto 
(depois da operação) 

Forma de produção
(elemento central do modelo de operação)

Processos, atividades, tasks
como elementos de suporte
à Forma de produção

Sucessão de analogias
coleção relacionada de objetos análogos
que compõem representação em construção

Lugar de nascimento do que é empírico

Lugar de nascimento do que é empírico

Domínio do Discurso e da Representação
(perímetro amarelo)

Domínio do Pensamento e da Língua 
(perímetro vermelho)

Representação A
(pré-existente)

Representação B
(pré-existente)

Quadro ordenado
(ordem arbitrária selecionada)

Categoria selecionada na ordem arbitrária
que guarda similitude com aparências

Representação R 
(composição de (a) e (b), pré-existentes)  

Circuito das trocas 

Domínio do Discurso e da Representação 

Domínio do Discurso e da Representação

Circuito das trocas

Pacote de coisas
selecionadas por "aparências" 
Entradas

Evento (i) de início
do instanciamento de (r)  

VC - Volume de controle
espaço orientado onde ocorre a operação

Evento (f) de final
do instanciamento de (r)

Propriedades "aparências" 
não-originais e não-constitutivas das coisas
existentes antes da operação

Propriedades "aparências" 
não-originais e não-constitutivas das coisas
existentes depois da operação

Pacote de coisas
selecionadas por "aparências" 
Saídas 

Paleta de ideias ou elementos de imagem
presentes na configuração de pensamento clássico

Las meninas, Diego Velázquez, 1656; óleo sobre tela; Museu do Prado, Madrid, Espanha

O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

Proposição instanciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
designações primitivas inativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes e ativados; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
recuperada desde o Repositório para objeto desta operação
Proposição explicativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
Proposição enunciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção inexistentes; linguagem de ação ou raiz não contém a representação para essa empiricidade objeto
a proposição no pensamento clássico
ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca
a proposição no pensamento moderno: ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca
ECA-moderno
Características do pensamento moderno
o de depois de 1825
ECA-Clássico
Características do pensamento clássico
o de antes de 1775
homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775,
considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
como um gênero, ou uma espécie
os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
no livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
caminho do Instanciamento da representação, com valor já atribuído;
que tem início novamente no interior do Circuito das trocas
fontes de valor para a representação em construção: a) designações primitivas; b) linguagem de ação ou taiz.

Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
do pensamento
funcionamento das operações no pensamento clássico
Modelo de
Operação de produção
relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
e o sistema Input-Output
do LE da figura.
Modelo da 
Organização de produção
Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
múltiplos sistemas de categorias
Modelo de operações
e de organização
Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
Modelo de  Operação
contábil-financeira
O modelo de operação
no sistema contábil-financeiro
Modelo da  Organização
ponto de vista financeiro
a organização no sistema contábil-financeiro

Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
de operação do pensamento
O funcionamento das operações no pensamento moderno
Modelo de
Operação de produção
relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e 'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'
Modelo da 
Organização de produção
o modelo de organização 'Mapa da atividade semicondutores', da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
instanciamento de representação
O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
do movimento Reengenharia

O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

Assim, estes três pares,

  • função e norma,
  • conflito e regra,
  • significação e sistema,

cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

  • do nível da psicologia,
  • da sociologia
  • ou da análise das linguagens

é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

  • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 III. Os três modelos
Michel Foucault 

O Triedro dos saberes: eixos e faces
espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
O interior ao Triedro dos saberes
o espaço das Ciências humanas

Aquém do objeto

Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

  • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
existem desde sempre e para sempre,
e integram o Universo em uma visão única.

Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

Diante do objeto

No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

  • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

  • Ciências da vida (Biologia):


    função-norma
    ;

  • Ciências do trabalho (Economia):


    conflito-regra;

  • Ciências da Linguagem (Filologia):

    significação-sistema.

Além do objeto

No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

  • da Vida-(Biologia),
  • do Trabalho-(Economia)
  • e da Linguagem-(Filologia).

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

  • Ciências da vida  (Biologia):
    função-norma;

    +
    Ciências do trabalho (Economia):

    conflito-regra;
    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    significação-sistema.

Sob ciências humanas como:

  • economia política;
  • sociologia,
  • psicologia e psicanálise

estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

- Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno - caminho da Construção da representação
- Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
O Lugar de nascimento do que é empírico
lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
O Circuito das trocas
as chaves horizontais amarelas
onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
não se altera

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é
o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

[veja citação 2 à esquerda]

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

3assim também a História,
a partir do século XIX,
define o
lugar de nascimento
do que é empírico,
lugar onde,
aquém
de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

- Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno - caminho da Construção da representação
- Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é
o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

[veja citação 2 à esquerda]

assim também a História,
a partir do século XIX,
define o
lugar de nascimento
do que é empírico,
lugar onde,
aquém de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

Questões/Perguntas

_thumb história do livro

A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,
 – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

tratamento dado ao homem em nossa cultura

Os tratamentos dados ao homem em nossa cultura, no pensamento clássico e no moderno, segundo Michel Foucault; 

e as ideias – ou elementos de imagem – requeridos para compor estruturalmente modelos de operações e modelos de organizações
com os respectivos tratamentos dados ao homem

homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775, considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
como um gênero, ou uma espécie
homem no sistema de operações do pensamento moderno, o de depois de 1825 considerado em sua duplicidade de papéis:
1. raiz e fundamento de toda positividade
2. elemento do que é empírico.

“Instaura-se
uma forma de reflexão
bastante afastada
do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão
segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado,
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
V. O cogito e o impensado
Michel Foucault 

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

“No pensamento clássico,
aquele para quem
a representação existe,
e que nela se representa a si mesmo,
aí se reconhecendo
por imagem ou reflexo,
aquele que trama
todos os fios entrecruzados
da “representação em quadro” -,
esse [o ser do homem]
jamais se encontra lá presente.

Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.

Sem dúvida,
as ciências naturais
trataram do homem como 

  • de uma espécie
  • ou de um gênero

a discussão
sobre o problema das raças,
no século XVIII, o testemunha.
A gramática e a economia,
por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade,
de desejo,
ou de memória
e de imaginação.”

Mas não havia
consciência epistemológica

do homem como tal.

“Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.”

“O modo de ser do homem,
tal como se constituiu
no pensamento moderno,
permite-lhe desempenhar dois papéis:
está, ao mesmo tempo,

  • no fundamento
    de todas as positividades,
  • presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
    no elemento
    das coisas empíricas.

Esse fato
– e não se trata aí
da essência em geral do homem,
mas pura e simplesmente
desse a priori histórico que,
desde o século XIX,
serve de solo quase evidente
ao nosso pensamento –
esse fato é, sem dúvida, decisivo
para o estatuto a ser dado
às “ciências humanas”,
a esse corpo de conhecimentos
(mas mesmo esta palavra
é talvez demasiado forte:
digamos,
para sermos mais neutros ainda,
a esse conjunto de discursos)
que toma por objeto o homem
no que ele tem de empírico.”

É possível pensar as condições em que se dá a subjetividade de um ‘homem’ tratado como espécie, ou gênero?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX – O homem e seus duplos;
II. O lugar do rei
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 I. O triedro dos saberes
Michel Foucault 

Veja o ponto “2. as possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações de troca’ e respectivas possibilidades de análise de valor que elas nos permitem fazer”

Parece ser a opção de leitura da ‘operação de troca’ deslocada para um ponto antes das existência dos objetos da troca o que arrasta o ser do homem e cada objeto da troca para a Forma de reflexão que se instaura em nossa cultura.

as possibilidades de leitura do fenômeno 'operações de troca' e as respectivas possibilidades de análises de valor

O fenômeno ‘operações’ (em qualquer área): visões com duas abrangências muito diferentes dependendo da leitura que fazemos.

As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ – de qualquer tipo – e a análise das diferentes origens do valor carregado pelas proposições para as representações em função da inserção do ponto de início de leitura de ‘operações’; 

Duas visões, duas leituras do fenômeno ‘operações’:
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes – duas abrangências muito diferentes

Note-se que as condições para a ocorrência da troca – a existência simultânea dos dois objetos de troca, o que é dado e o que é recebido – são satisfeitas em duas situações:

  • 1. no pensamento clássico pelo posicionamento do ponto de início de leitura sob essa condição, quer dizer, a existência prévia do que é dado e do que é recebido;
  • 2. no pensamento moderno, pela satisfação dessa pré-condição no início do Instanciamento da representação, porém com a condição da execução anterior da Construção da representação, também incluída no escopo da operação. 

Nos pontos marcados por setas amarelas para baixo (1) e (2) as pré-condições para a ocorrência da troca são dadas, qualquer que seja a estrutura de pensamento – clássico ou moderno – segundo o pensamento de Michel Foucault.

O que não muda entre essas duas possibilidades

A proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações e suas duas possibilidades de carregamento de valor, quanto às respectivas origens

A proposição é para a linguagem
o que a representação é
para o pensamento:
sua forma, ao mesmo tempo
mais geral e mais elementar,
porquanto, desde que a decomponhamos, não reencontraremos mais o discurso,
mas seus elementos
como tantos materiais dispersos.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV  – Falar;
tópico III – Teoria do verbo
Michel Foucault 

(…) Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O que sim muda entre essas duas possibilidades

A origem do valor carregado pelo veículo de carregamento de valor na representação: a proposição, sempre, porém em linguagens essencialmente diferentes e representações com origens de valor distintas.

“Valer, para o pensamento clássico,
é primeiramente valer alguma coisa,
poder substituir essa coisa num processo de troca.

A moeda só foi inventada,
os preços só foram fixados e só se modificam
na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples
apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta,
quando cada um dos dois parceiros
reconhece um valor
para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois,
que as coisas permutáveis,
com seu valor próprio,
existam antecipadamente nas mãos de cada um,
para que a dupla cessão e a dupla aquisição
finalmente se produzam.

Mas, por outro lado,

  • o que cada um come e bebe,
    aquilo de que precisa para viver
    não tem valor
    enquanto não o cede;
  • e aquilo de que não tem necessidade
    é igualmente desprovido de valor
    enquanto não for usado
    para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

  • (atual [troca imediata]
  • ou possível [permutabilidade]),

isto é, no interior

  1. da troca
    [representação existente]
  2. ou da permutabilidade
    [representação possível]
    .

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O funcionamento da troca em cada uma das duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operação’: no ato mesmo da troca; ou anterior à troca, na criação das condições de troca

“Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

  1. leitura já dadas as condições de troca;
  2. leitura na permutabilidade, isto é na criação de condições de troca

1 uma analisa o valor
no ato mesmo da troca,
no ponto de cruzamento
entre o dado e o recebido;

  • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra
    • toda a essência da linguagem no interior da proposição;

3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

2 outra analisa-o
como anterior à troca
e como condição primeira
para que esta possa ocorrer.

  • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das
    • designações primitivas
    • linguagem de ação ou raiz;

4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

fora de si mesma e como que

    • na natureza, ou nas   
    • analogias das coisas;

a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

Esta segunda leitura para ‘operações’
– que orienta a análise de valor
desde antes do momento da troca -,
não é possível sem a presença do homem
na estrutura dos modelos.

Isso fica bastante claro com a descrição da forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Esses dois pontos de inserção da leitura da operação de troca
mostrados nos modelos de operações

Colocando o ponto de inserção de leitura do fenômeno ‘operações’ antes da existência dos objetos envolvidos na troca, ocorre uma portentosa ampliação no escopo da operação – de qualquer natureza -, incorporando toda a etapa de construção de representação nova. Veja isso aqui.

a forma de reflexão que se instaura em nossa cultura

o lugar onde ocorrem as operações de troca tais como as vemos nas leituras que fazemos

- Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno - caminho da Construção da representação
- Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
O Lugar de nascimento do que é empírico
lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
O Circuito das trocas
as chaves horizontais amarelas
onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
não se altera

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é
o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

[veja citação 2 à esquerda]

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

3assim também a História,
a partir do século XIX,
define o
lugar de nascimento
do que é empírico,
lugar onde,
aquém
de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

Questões/Perguntas

_thumb história do livro

A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,  – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço no caminho,
encontradas por Foucault durante seu trabalho no livro
‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’

exemplos de modelos de operações e de organizações muito usados ainda hoje, mostrando esses dois obstáculos presentes entre nós atualmente.

os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
Michel Foucault
1926-1984

“Eis que nos adiantamos
bem para além do acontecimento histórico
que se impunha situar
– bem para além das margens cronológicas dessa ruptura
que divide, em sua profundidade,
a epistémê do mundo ocidental
e isola para nós o começo de certa
maneira moderna de conhecer as empiricidades.

É que o pensamento que nos é contemporâneo
e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
se acha ainda muito dominado

1 pela impossibilidade
trazida à luz por volta 
do fim do século XVIII, 
de fundar as sínteses
no espaço da representação:

2 e pela obrigação 
correlativa, simultânea, 

mas logo dividida contra si mesma, 
de abrir o campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, 
para além do objeto, 

esses “quase-transcendentais” 
que são para nós 
Vida, o Trabalho, a Linguagem.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;

Capítulo VIII – Trabalho, vida e linguagem;
tópico I – As novas empiricidades

no pensamento clássico
aquém do objeto
antes de 1775

no pensamento moderno
diante do objeto
depois de 1825

espaço interior
Triedro dos saberes
para além do objeto
reservado às
Ciências humanas

comparações de diferentes configurações de pensamento feitas por Michel Foucault
A impossibilidade
[no pensamento clássico,
LE da figura]
contra a sim-possibilidade
[no pensamento moderno,
LD da figura]
de fundar as sínteses
[da empiricidade objeto]
no espaço da representação.
o espaço interno do
Triedro dos saberes
– o habitat das ciências humanas –
mostrando o modelo constituinte composto e comum a todas as Ciências Humanas

Os obstáculos no caminho de Foucault 

aquém do objeto

diante do objeto

para além do objeto

0 Foucault havia anteriormente identificado o perfil do pensamento no período clássico, com uma configuração tal que a capacidade (ou a possibilidade – e mesmo a intenção) de fundar as sínteses – dos objetos de operações cujas representações resultassem dessas operações – no espaço da representação não era sequer cogitada:

  • em razão dos pressupostos adotados,

e principalmente, em razão 

  • do tipo de leitura feita do fenômeno ‘operações’ das trocas, 
    • na leitura então feita, o ponto de início do fenômeno  ‘operações’, estava inserido no exato momento em que a troca tem todas as condições para acontecer; (os dois objetos da troca – o dado e o obtido –  tinham representações disponíveis e já carregadas de valor).

1 Michel Foucault relata a seguinte situação:

  • ele havia delineado um tipo de pensamento ‘com o qual queiramos ou não pensamos’, um pensamento que segundo ele ‘tem a nossa idade e a nossa geografia’,
    • com a possibilidade de fundar as sínteses (da empiricidade objeto da operação) no espaço da representação;

para conseguir fundar as sínteses no espaço da representação,

  • foi necessário alterar profundamente todos os pressupostos

e a leitura feita do que seja uma operação e a análise de valor, exigiram:

  • o deslocamento do ponto de inserção da análise desde o ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
  • para um ponto antes da possibilidade da troca, quando os elementos que dão as condições de efetivação dessa troca, ainda não existissem,

incorporando à análise, a operação de construção da representação nova. 

E ele havia percebido que esse pensamento com o qual queiramos ou não pensamos

  • estava muito contaminadodominado, mesmo –
    • justamente pela impossibilidade de fazer isso (essa fundação das sínteses do objeto da operação no espaço da representação), sendo esta impossibilidade  uma característica do pensamento clássico.

2 Ele percebia ainda uma obrigação a cumprir:

  • a de abrir o campo transcendental da subjetividade
    • e constituir, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem.

Ele descobre que operações nos domínios das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem podem ser expressos completamente em cada domínio, por pares de modelos constituintes:

  • Vida(Biologia)
    • função-norma;
  • Trabalho(Economia)
    • conflito-regra;
  • Linguagem(Filologia)
    • significação sistema;

e que os modelos constituintes das Ciências humanas são sempre compostos por uma combinação desses três pares de modelos constituintes.

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

  • Ciências da vida  (Biologia):
    [função-norma];

    +
    Ciências do trabalho (Economia):
    [conflito-regra];
    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    [significação-sistema].

Podemos ver a atualidade dessa percepção de Foucault
com Exemplos de modelos para operações e organizações
construídos sobre estruturas de conceitos
uns que não permitem, e outros que ao contrário sim permitem
a fundação das sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação.

Veja isso aqui.

Os tratamentos dados ao homem em nossa cultura, no pensamento clássico e no moderno, segundo Michel Foucault; 

e as ideias – ou elementos de imagem – requeridos para compor estruturalmente modelos de operações e modelos de organizações
com os respectivos tratamentos dados ao homem

homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775, considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
como um gênero, ou uma espécie
homem no sistema de operações do pensamento moderno, o de depois de 1825 considerado em sua duplicidade de papéis:
1. raiz e fundamento de toda positividade
2. elemento do que é empírico.

“Instaura-se
uma forma de reflexão
bastante afastada
do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão
segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado,
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
V. O cogito e o impensado
Michel Foucault 

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

“No pensamento clássico,
aquele para quem
a representação existe,
e que nela se representa a si mesmo,
aí se reconhecendo
por imagem ou reflexo,
aquele que trama
todos os fios entrecruzados
da “representação em quadro” -,
esse [o ser do homem]
jamais se encontra lá presente.

Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.

Sem dúvida,
as ciências naturais
trataram do homem como 

  • de uma espécie
  • ou de um gênero

a discussão
sobre o problema das raças,
no século XVIII, o testemunha.
A gramática e a economia,
por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade,
de desejo,
ou de memória
e de imaginação.”

Mas não havia
consciência epistemológica

do homem como tal.

“Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.”

“O modo de ser do homem,
tal como se constituiu
no pensamento moderno,
permite-lhe desempenhar dois papéis:
está, ao mesmo tempo,

  • no fundamento
    de todas as positividades,
  • presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
    no elemento
    das coisas empíricas.

Esse fato
– e não se trata aí
da essência em geral do homem,
mas pura e simplesmente
desse a priori histórico que,
desde o século XIX,
serve de solo quase evidente
ao nosso pensamento –
esse fato é, sem dúvida, decisivo
para o estatuto a ser dado
às “ciências humanas”,
a esse corpo de conhecimentos
(mas mesmo esta palavra
é talvez demasiado forte:
digamos,
para sermos mais neutros ainda,
a esse conjunto de discursos)
que toma por objeto o homem
no que ele tem de empírico.”

É possível pensar as condições em que se dá a subjetividade de um ‘homem’ tratado como espécie, ou gênero?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX – O homem e seus duplos;
II. O lugar do rei
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 I. O triedro dos saberes
Michel Foucault 

Veja o ponto “2. as possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações de troca’ e respectivas possibilidades de análise de valor que elas nos permitem fazer”

Parece ser a opção de leitura da ‘operação de troca’ deslocada para um ponto antes das existência dos objetos da troca o que arrasta o ser do homem e cada objeto da troca para a Forma de reflexão que se instaura em nossa cultura.

O fenômeno ‘operações’ (em qualquer área): visões com duas abrangências muito diferentes dependendo da leitura que fazemos.

As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ – de qualquer tipo – e a análise das diferentes origens do valor carregado pelas proposições para as representações em função da inserção do ponto de início de leitura de ‘operações’; 

Duas visões, duas leituras do fenômeno ‘operações’:
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes – duas abrangências muito diferentes

Note-se que as condições para a ocorrência da troca – a existência simultânea dos dois objetos de troca, o que é dado e o que é recebido – são satisfeitas em duas situações:

  • 1. no pensamento clássico pelo posicionamento do ponto de início de leitura sob essa condição, quer dizer, a existência prévia do que é dado e do que é recebido;
  • 2. no pensamento moderno, pela satisfação dessa pré-condição no início do Instanciamento da representação, porém com a condição da execução anterior da Construção da representação, também incluída no escopo da operação. 

Nos pontos marcados por setas amarelas para baixo (1) e (2) as pré-condições para a ocorrência da troca são dadas, qualquer que seja a estrutura de pensamento – clássico ou moderno – segundo o pensamento de Michel Foucault.

O que não muda entre essas duas possibilidades

A proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações e suas duas possibilidades de carregamento de valor, quanto às respectivas origens

A proposição é para a linguagem
o que a representação é
para o pensamento:
sua forma, ao mesmo tempo
mais geral e mais elementar,
porquanto, desde que a decomponhamos, não reencontraremos mais o discurso,
mas seus elementos
como tantos materiais dispersos.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV  – Falar;
tópico III – Teoria do verbo
Michel Foucault 

(…) Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O que sim muda entre essas duas possibilidades

A origem do valor carregado pelo veículo de carregamento de valor na representação: a proposição, sempre, porém em linguagens essencialmente diferentes e representações com origens de valor distintas.

“Valer, para o pensamento clássico,
é primeiramente valer alguma coisa,
poder substituir essa coisa num processo de troca.

A moeda só foi inventada,
os preços só foram fixados e só se modificam
na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples
apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta,
quando cada um dos dois parceiros
reconhece um valor
para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois,
que as coisas permutáveis,
com seu valor próprio,
existam antecipadamente nas mãos de cada um,
para que a dupla cessão e a dupla aquisição
finalmente se produzam.

Mas, por outro lado,

  • o que cada um come e bebe,
    aquilo de que precisa para viver
    não tem valor
    enquanto não o cede;
  • e aquilo de que não tem necessidade
    é igualmente desprovido de valor
    enquanto não for usado
    para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

  • (atual [troca imediata]
  • ou possível [permutabilidade]),

isto é, no interior

  1. da troca
    [representação existente]
  2. ou da permutabilidade
    [representação possível]
    .

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O funcionamento da troca em cada uma das duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operação’: no ato mesmo da troca; ou anterior à troca, na criação das condições de troca

“Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

  1. leitura já dadas as condições de troca;
  2. leitura na permutabilidade, isto é na criação de condições de troca

1 uma analisa o valor
no ato mesmo da troca,
no ponto de cruzamento
entre o dado e o recebido;

  • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra
    • toda a essência da linguagem no interior da proposição;

3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

2 outra analisa-o
como anterior à troca
e como condição primeira
para que esta possa ocorrer.

  • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das
    • designações primitivas
    • linguagem de ação ou raiz;

4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

fora de si mesma e como que

    • na natureza, ou nas   
    • analogias das coisas;

a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

Esta segunda leitura para ‘operações’
– que orienta a análise de valor
desde antes do momento da troca -,
não é possível sem a presença do homem
na estrutura dos modelos.

Isso fica bastante claro com a descrição da forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Esses dois pontos de inserção da leitura da operação de troca
mostrados nos modelos de operações

Colocando o ponto de inserção de leitura do fenômeno ‘operações’ antes da existência dos objetos envolvidos na troca, ocorre uma portentosa ampliação no escopo da operação – de qualquer natureza -, incorporando toda a etapa de construção de representação nova. Veja isso aqui.

As características das duas configurações do pensamento:

  • a do pensamento clássico, de antes de 1775;
  • e a do pensamento moderno, de depois de 1825

características de características, ou características de segunda ordem,
das configurações do pensamento em cada caso.

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

_Estrutura IO-transformação
Os princípios organizadores
sob o pensamento clássico:
o de antes de 1775
‘Caráter’ e ‘Similitude’
Características do pensamento clássico, o de antes de 1775
Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
o de depois de 1825
‘Analogia’ e ‘Sucessão’
Características do pensamento moderno, o de depois de 1825

“Instaura-se
uma forma de reflexão
bastante afastada
do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão
segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado,
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
V. O cogito e o impensado
Michel Foucault 

“Assim o círculo se fecha.

Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

Mas que são esses sinais? 

Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

  • que há aqui um caráter 

no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

  • – É a semelhança

Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

  • o signo da simpatia resida na analogia, 
  • o da analogia na emulação, 
  • o da emulação na conveniência, 

que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

  • a marca da simpatia… 

A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

De sorte que se vêem surgir,
como princípios organizadores
desse espaço de empiricidades, 

  • a Analogia 
  • e a Sucessão

de uma organização a outra,
o liame, com efeito,
não pode mais ser
a identidade de um
ou vários elementos,
mas a identidade
da relação entre os elementos
(onde a visibilidade
não tem mais papel)
e da função que asseguram;
ademais, se porventura essas organizações se avizinham
por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
localizações próximas
num espaço de classificação,
mas sim porque
foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
no devir das sucessões.
Enquanto, no pensamento clássico,
a seqüência das cronologias
não fazia mais que percorrer
o espaço prévio e mais fundamental
de um quadro
que de antemão apresentava
todas as suas possibilidades,
doravante
as semelhanças contemporâneas
e observáveis simultaneamente
no espaço não serão mais que
as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
de analogia em analogia.
A ordem clássica
distribuía num espaço permanente
as identidades
e as diferenças não-quantitativas
que separavam e uniam as coisas:
era essa a ordem
que reinava soberanamente,
mas a cada vez
segundo formas e leis
ligeiramente diferentes,
sobre o discurso dos homens,
o quadro dos seres naturais
e a troca das riquezas.

A partir do século XIX,
a História
vai desenrolar
numa série temporal
as analogias
que aproximam umas das outras
as organizações distintas.

É essa História que,
progressivamente,
imporá suas leis

  • à análise da produção,
  • à dos seres organizados, enfim,
  • à dos grupos linguísticos.

A História dá lugar
às organizações analógicas,
assim como a Ordem
abria o caminho
das identidades
e das diferenças sucessivas.

Essa forma de reflexão surgida será decorrência da segunda leitura do que seja uma operação de troca e portanto não pode prescindir do homem e do objeto?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo II – A prosa do mundo;
II. As assinalações
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

os lugares onde ocorrem as operações: 

  • Lugar de nascimento do que é empírico
    – operações de Construção de representações;
    • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades sim muda
  • Circuito onde ocorrem as trocas‘ ou Mercado
    – operações de Instanciamento de representações já existentes;
    • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.
Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno – caminho da Construção da representação
Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, apenas no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, e apenas no caminho da Construção da representação

O ‘Circuito das trocas’,
ou ‘Mercado’
as chaves amarelas no LE da figura, lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
O Lugar de nascimento do que é empírico – fora e antes do Mercado –
lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
e onde se dá a articulação
do pensamento do homem,
com o impensado
O Circuito das trocas
as chaves horizontais amarelas
no LD da figura, onde ocorrem operações durante as quais
o ‘modo de ser fundamental’
não se altera; é novamente o Mercado, agora no pensamento moderno

‘modo de ser fundamental das empiricidades’ é o conceito chave aqui.

No pensamento clássico, o de antes de 1775, pelos pressupostos adotados, é impossível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades cuja definição escapa ao escopo destas operações.

Estas operações transcorrem no interior do Circuito das trocas, a chave amarela horizontal, lugar onde não há alteração no modo como as coisas se apresentam à operação.

No pensamento moderno, o de depois de 1825, pelos pressupostos adotados é sim possível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades objeto da operação de Construção da representação que, se nova nesse domínio e ambiente, é o próprio escopo destas operações.

Operações no caminho da Construção da representação transcorrem no interior do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, as chaves coloridas verticais, em um espaço que engloba os lugares  desde onde se fala e do falado. O sucesso dessas operações altera ‘o modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto, e com isso, faz-se História.

No pensamento moderno, o de depois de 1825, em uma operação de Instanciamento de representação objeto cuja construção da representação foi anteriormente feita e incorporada ao Repositório, a representação objeto de Instanciamento é recuperada do Repositório.

Assim, a operação de Instanciamento não altera o ‘modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto de instanciamento.

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é

o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber

para eventuais conhecimentos
e para ciências possíveis.

3 assim também
a História,
a partir do século XIX,
define o

lugar de nascimento
do que é empírico,

lugar onde,
aquém
de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

os princípios organizadores dos modelos de operações que fazemos

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

_Estrutura IO-transformação
Os princípios organizadores
sob o pensamento clássico:
o de antes de 1775
‘Caráter’ e ‘Similitude’
Características do pensamento clássico
o de antes de 1775

“Assim o círculo se fecha.

Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

Mas que são esses sinais? 

Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

  • que há aqui um caráter 

no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

  • – É a semelhança

Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

  • o signo da simpatia resida na analogia, 
  • o da analogia na emulação, 
  • o da emulação na conveniência, 

que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

  • a marca da simpatia… 

A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
o de depois de 1825
‘Analogia’ e ‘Sucessão’
Características do pensamento moderno
o de depois de 1825

De sorte que se vêem surgir,
como princípios organizadores
desse espaço de empiricidades, 

  • a Analogia 
  • e a Sucessão

de uma organização a outra,
o liame, com efeito,
não pode mais ser
a identidade de um
ou vários elementos,
mas a identidade
da relação entre os elementos
(onde a visibilidade
não tem mais papel)
e da função que asseguram;
ademais, se porventura essas organizações se avizinham
por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
localizações próximas
num espaço de classificação,
mas sim porque
foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
no devir das sucessões.
Enquanto, no pensamento clássico,
a seqüência das cronologias
não fazia mais que percorrer
o espaço prévio e mais fundamental
de um quadro
que de antemão apresentava
todas as suas possibilidades,
doravante
as semelhanças contemporâneas
e observáveis simultaneamente
no espaço não serão mais que
as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
de analogia em analogia.
A ordem clássica
distribuía num espaço permanente
as identidades
e as diferenças não-quantitativas
que separavam e uniam as coisas:
era essa a ordem
que reinava soberanamente,
mas a cada vez
segundo formas e leis
ligeiramente diferentes,
sobre o discurso dos homens,
o quadro dos seres naturais
e a troca das riquezas.

A partir do século XIX,
a História
vai desenrolar
numa série temporal
as analogias
que aproximam umas das outras
as organizações distintas.

É essa História que,
progressivamente,
imporá suas leis

  • à análise da produção,
  • à dos seres organizados, enfim,
  • à dos grupos linguísticos.

A História dá lugar
às organizações analógicas,
assim como a Ordem
abria o caminho
das identidades
e das diferenças sucessivas.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo II – A prosa do mundo;
II. As assinalações
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

os lugares contidos dentro do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’:

  • o lugar ‘desde onde se fala
  • e o lugar ‘do falado‘;

consistentes com os blocos do ‘operar‘ e do ‘suporte ao operar‘ de Humberto Maturana

Esses dois lugares – o ‘desde onde se fala’ e o ‘do falado’ –
juntos delimitam o espaço onde se dá a articulação
do pensamento do homem com o impensado feita
no domínio do Pensamento e da Língua
e sua ligação com o domínio do Discurso e da Representação

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

O ‘Circuito das trocas’, ou ‘Mercado’
lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico

Lugar desde onde se fala

Lugar do falado

são sub-espaços do Lugar de nascimento do que é empírico o que implica que o pensamento está funcionando com o entendimento do pensamento moderno, o de depois de 1825, a coluna ao lado, portanto.

  • Lugar desde onde se fala não pode ser delineado sob o pensamento clássico pela falta da ideia e do elemento de imagem ‘homem’, aquele que fala, raiz e fundamento de toda positividade, e também da ideia do objeto resultado da articulação do pensamento com o impensado, feita pelo homem,;
  • e o Lugar do falado, analogamente, não pode ser delineado no LE da figura. 

todo o espaço  corresponde, no LE da figura, ao domínio todo em que ocorrem as operações sob o pensamento clássico, a saber, o domínio do Discurso e da Representação.

A leitura do que sejam Operações sob o entendimento no pensamento clássico pressupõe o ponto de inserção para análise no exato cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca, cuja condição de possibilidade está, desse modo, dada.

Lugar deste onde se fala:
ideias que formulam a proposição /
(sujeito e predicado do sujeito);
Lugar do falado:
ideias que dão suporte na experiência ao instanciamento da representação
no domínio e ambiente

Lugar do nascimento do que é empírico: espaço ocupado por:

  • Lugar desde onde se fala;
  • Lugar do falado

O Lugar de nascimento do que é empírico, como o nome sugere, está situado antes do circuito das trocas, e em seu interior ocorre a construção de representação nova.

Essa visão do que sejam operações corresponde à leitura de operações, ou visão desse fenômeno como desde um ponto de inserção anterior à troca

Lugar desde onde se fala

As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidas na formulação da proposição estão contidas no espaço chamado de Lugar desde onde se fala:

  • sujeito: o homem na posição de raiz de toda positividade
  • predicado do sujeito
    • verbo: Forma de produção, o elemento central da operação de construção da representação;
    • atributo: a representação em construção, nas posições extremas da operação de construção.

Esse espaço coincide com o espaço chamado por Humberto Maturana de ‘operar’, o retângulo vermelho na figura ao lado, parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas no interior do domínio do Pensamento e da Língua.

Lugar do falado

As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidos na sustentação da Forma de produção na experiência estão no lugar do falado:

  • elementos de suporte na experiência à Forma de produção, onde se encontram
    • processos, atividades, tasks

A operação de construção da representação escolhe os elementos de suporte na experiência à Forma de produção, que deve ser capaz de produzir quando implementada, uma instância da representação com o operar vislumbrado – ou o mais próximo disso possível. Humberto Maturana chama esse espaço de ‘suporte ao operar’, o retângulo amarelo na figura ao lado. 

O Lugar do falado é parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas suas ideias – ou elementos de imagem – fazem parte do domínio do Discurso e da Representação.

“É preciso, portanto,
tratar esse verbo
como um ser misto,

ao mesmo tempo
palavra entre as palavras,

preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência
e de concordância;


e depois,


em recuo em relação a elas todas,

numa região que

  • não é
    aquela do falado

  • mas aquela 
    donde se fala.

Ele está na orla do discurso,
na juntura entre

  • aquilo que é dito

  • e aquilo que se diz,

exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

Há correspondências que precisam ser anotadas, entre elas:

  • no princípio dual de trabalho de David Ricardo
    • aquela atividade que está na origem do valor das coisas 
    • tem suas ideias – ou seus elementos de imagem no lugar desde onde se fala
  • no LD – lado direito da figura 2 de Humberto Maturana
    • os dois blocos do ‘Explicar com Reformular’ em que Maturana divide suas explicações
      • sobre o que acontecia com o ser vivo,
      • e o modo como ele o via no seu espaço de distinções
    • correspondem apropriadamente com o que Foucault chama respectivamente de 
      • Lugar desde onde se fala e 
      • Lugar do falado.

Processo e Mercado são os conceitos largamente utilizados;
e ao mesmo tempo não se ouve falar 

  • em Forma de produção
  • ou em Lugar de nascimento do que é empírico,
  • e menos ainda em Nexo da produção

como ideias – ou elementos de imagem – em modelos de operações e organizações

no pensamento clássico
aquém do objeto
antes de 1775

no pensamento moderno
diante do objeto
depois de 1825

espaço interior Triedro dos saberes
para além do objeto
reservado às Ciências humanas

Aquém do objeto:
Processo

Diante do objeto:
Forma de produção

Além do objeto
Nexo da operação

o elemento central em operações
no pensamento clássico
Processo
o elemento central em operações
no pensamento moderno
Forma de produção
o Nexo da produção,
o elemento central do modelo de organização no formato SSS
  • Elemento central:
    • Processo

entendido sob o primeiro conceito de verbo explicado por Michel Foucault, como elemento gerador de um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si, que o mais que faz é indicar a coexistência de duas representações.

  • característica emergente: 
    • fluxo
  • metáfora 
    • transformação única
  • Elemento central:
    • Forma de produção

entendida sob o segundo conceito de verbo explicado por Michel Foucault, tratado como um ser misto, inicialmente palavra entre palavras, preso às mesmas regras às mesmas regras, obedecendo como elas às mesmas leis de regência e concordância, e depois, em recuo em relação a elas todas, numa região que não é aquela do falado, mas aquela donde se fala.

  • característica emergente:
    • permanência
  • metáfora
    • conversão ou duas transformações
  • Elemento central:
    • Nexo da produção

a formulação para além do objeto associa o sistema cujo resultado é o produto, aquilo que se quer obter, com o instrumento imprescindível para obtê-lo.

  • propriedades emergentes:
    • simetria, simbiose e sinergia

Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais nada, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Verbo’;
para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

Ideias – ou elementos de imagem – centrais no LE e no LD da figura
Processo o elemento central no pensamento clássico
Forma de produção o elemento central no pensamento moderno, com as
designações primitivas e a linguagem de ação ou raiz

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

Aquém do objeto

Conceito de Verbo ‘Processo’
na configuração de pensamento
do período clássico, antes de 1775

Verbo como
Processo

“A única coisa que o verbo afirma
é a coexistência de duas representações:
por exemplo, 

  • a do verde
    e da árvore,

  • a do homem
    e da existência

    ou da morte; 

é por isso que
o tempo dos verbos

não indica
aquele [tempo]

em que as coisas existiram
no absoluto,

mas um sistema relativo
de anterioridade ou de simultaneidade
das coisas entre si.”

Diante e Além do objeto

Conceito de Verbo ‘Forma de produção’
na configuração de pensamento
do período moderno, depois de 1825

Verbo como
Forma de produção

“É preciso, portanto,
tratar esse verbo
como um ser misto,

ao mesmo tempo
palavra entre as palavras,

preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência
e de concordância;


e depois,


em recuo em relação a elas todas,

  • numa região que não é
    aquela do falado

  • mas aquela
    donde se fala.

Ele está na orla do discurso,
na juntura entre

  • aquilo que é dito

  • e aquilo que se diz,

exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”

Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, para o que seja um ‘Verbo’, e a total consistência entre o segundo conceito/tratamento e ‘Forma de produção’

  • por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Classificar’;
para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

Aquém
do objeto

O conceito de ‘Classificar’
no pensamento clássico
o de antes de 1775

‘Classificar’
no pensamento clássico

Aquém do objeto,
isto é,
no pensamento filosófico Classico
o de antes de 1775

nessa faixa do espectro de modelos
que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

Classificar
é referir

  • o visível
  • a si mesmo,

encarregando um dos elementos
de representar os outros.”

Diante e Além
do objeto

O conceito de ‘Classificar’
no pensamento moderno
o de depois de 1825

‘Classificar’
no pensamento moderno

Diante, e Além do objeto, 
isto é, 
no pesamento filosófico moderno,
o de depois de 1825

nessa faixa do espectro de modelos 
que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

“Em um movimento
que faz revolver a análise

Classificar
é referir

  • o visível 
  • ao invisível 

– como a sua razão profunda -, 

e depois,
alçar de novo
dessa secreta arquitetura,
em direção aos seus
sinais manifestos,
que são dados
à superfície dos corpos.”

Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

pares de modelos constituintes das ciências do eixo epistemológico fundamental

  • da Vida(Biologia) [função-norma],
  • do Trabalho(Economia) [conflito-regra]
  • e da Linguagem(Filologia) [significação-sistema]

e o modelo constituinte padrão, comum a todas das ciências humanas; um modelo composto por uma combinação entre esses três pares de modelos constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem

no pensamento clássico
antes de 1775
aquém do objeto

no pensamento moderno
depois de 1825
diante do objeto

no pensamento moderno
também depois de 1825
para além do objeto

não há modelos constituintes sob o pensamento clássico

O Triedro dos saberes: eixos e faces
espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
O interior ao Triedro dos saberes
o espaço das Ciências humanas

Aquém do objeto

Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
existem desde sempre e para sempre,
e integram o Universo em uma visão única.

Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

Diante do objeto

A modelagem em cada área do saber é feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

  • Ciências da vida (Biologia):


    [função-norma]
    ;

  • Ciências do trabalho (Economia):


    [conflito-regra];

  • Ciências da Linguagem (Filologia):

    [significação-sistema].

Além do objeto

No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências
da Vida
-(Biologia), do Trabalho-(Economia) e da Linguagem-(Filologia).

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

  • Ciências da vida  (Biologia):
    [função-norma];

    +
    Ciências do trabalho (Economia):
    [conflito-regra];

    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    [significação-sistema].

Proposição: o bloco construtivo

  • padrão,
  • genérico
  • e fundamental

oferecido pela gramática da língua para construção de representações.

Esse bloco construtivo ‘proposição’ carrega valor para as representações, mas faz isso de ao menos dois modos diferentes e com duas visões distintas para o que sejam ‘operações’.

“Valer, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que

  • a dupla cessão
  • e a dupla aquisição

finalmente se produzam.

Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra,

  • é preciso que elas existam já carregadas de valor;
    • e, contudo, o valor só existe no interior da representação
      (atual ou possível), isto é,
    • no interior da troca ou da permutabilidade.

“A proposição é
para a linguagem
o que a representação é
para o pensamento
sua forma,
ao mesmo tempo
mais geral
e mais elementar
porquanto,
desde que a decomponhamos,
não encontremos mais o discurso
mas seus elementos
como tantos materiais dispersos

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. IV – Falar;
tópico: III – A teoria do verbo
Michel Foucault

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

a proposição no pensamento clássico
ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca

a toda a essência da linguagem  encerrada – diretamente – na própria proposição;

junto com esse ‘encerramento’ vão as ideias – ou elementos de imagem – necessários para a formulação da proposição, que assim, não participam do modelo de operações.

a proposição no pensamento moderno ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca

a descoberta da essência da linguagem  fora dela mesma, linguagem; a proposição formulada no modelo por suas ideias ou elementos de imagem presentes; inicialmente vazia, apenas um enunciado, é preenchida de valor a partir de duas fontes:

  • as designações primitivas;
  • a linguagem de ação ou raiz

ambas assinaladas na figura.

“Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

1 uma analisa o valor

  • no ato mesmo da troca,

no ponto de cruzamento
entre o dado e o recebido;

  • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da
    • proposição;

3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

2 outra analisa-o

  • como anterior à troca 

e como condição primeira
para que esta possa ocorrer.

  • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem
    do lado das
    • designações primitivas
    • linguagem de ação ou raiz;

4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

  • fora de si mesma e como que
    • na natureza, ou nas   
    • analogias das coisas;

a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor,

  • antes da troca
  • e das medidas recíprocas da necessidade.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

Ideias – ou elementos de imagem – requeridos para a
Formulação da proposição, e valor carregado 

Ideias – ou elementos de imagem requeridos para formulação da proposição ausentes da estrutura do modelo de operação.

Valor carregado diretamente na proposição.

impossibilidade de formulação da proposição com ideias – ou elementos de imagem – requeridos, pela ausência do homem em sua duplicidade de papéis, e pela noção de objeto descrito por suas propriedades originais e constitutivas.

Proposição formulada com ideias ou elementos de imagem pertencentes à estrutura interna do modelo de operações;

Valor carregado pela proposição com origem fora da linguagem

  • designações primitivas

a busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, para a representação da empiricidade objeto no domínio e ambiente em que a operação acontece. 

  • linguagem de ação ou raiz

todo o conteúdo do Repositório de proposições explicativas da experiência formuladas de acordo com as regras da língua, à disposição da construção de novas representações.

Os tipos de sistemas que dão suporte a operações,
em função da configuração do pensamento:

  • no pensamento clássico: o sistema Input-Output, ou um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si;
  • no pensamento moderno: um sistema construído no interior do Lugar de nascimento do que é empírico, lugar onde as empiricidades objeto das operações adquirem ‘o ser que lhes é próprio’.

no pensamento clássico
antes de 1775
verbo ‘Processo

no pensamento moderno
depois de 1825
verbo ‘Forma de produção

questão/pergunta

Operação clássica sob o conceito de Verbo ‘Processo’
na configuração de pensamento
do período clássico, antes de 1775

“A única coisa
que o verbo afirma

é a coexistência de duas representações:
por exemplo, 

  • a do verde
    e da árvore,

  • a do homem
    e da existência

    ou da morte; 

é por isso
que o tempo dos verbos

não indica
aquele [tempo]

em que as coisas existiram
no absoluto,

mas um sistema relativo
de anterioridade ou de simultaneidade
das coisas entre si.”

Operação moderna sob o conceito de
Verbo ‘Forma de produção’
na configuração de pensamento
do período moderno, depois de 1825

“É preciso, portanto,
tratar esse verbo
como um ser misto,

ao mesmo tempo
palavra entre as palavras,

preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência
e de concordância;


e depois,


em recuo em relação a elas todas,

  • numa região que não é
    aquela do falado

  • mas aquela
    donde se fala.

Ele está na orla do discurso,
na juntura entre

  • aquilo que é dito

  • e aquilo que se diz,

exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

O tipo de sistema

O conceito acima é explícito em fornecer uma descrição do tipo de sistema para operações sob o pensamento clássico.

Trata-se de 

  • um sistema relativo
    de anterioridade ou de simultaneidade
    das coisas entre si; 

uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

asdf

Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

O tipo de leitura

asdf

Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

asdf

Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

o tempo nas operações, em função dos sistemas
em cada segmento do espectro de modelos

no pensamento clássico
antes de 1775
aquém do objeto

no pensamento moderno
depois de 1825
diante e para além do objeto

no pensamento moderno
também depois de 1825
diante e para além do objeto

formulação reversível
e somente 
instanciamento
da representação;
deus Chronos

formulação irreversível
e operação de construção
da representação 
deus Kairós

formulação reversível
 e operação instanciamento
da representação
deus Chronos

pensamento clássico, o de antes de 1775
tempo calendário no sistema Input-Output
operação de instanciamento de representação anteriormente formulada
pensamento moderno, o de depois de 1825
tempo absoluto sistema absoluto
no caminho da Construção da representação
pensamento moderno, o de depois de 1825
tempo relativo, sistema relativo ou absoluto,
no caminho do Instanciamento da representação

Aquém do objeto

Diante ou para além do objeto

Nota: a existência precede as distinções feitas na operação.

Tempo na formulação e no instanciamento da representação:

  • formulação reversível durante a formulação;
  • tempo calendário, ou tempo relativo no sentido de que
    • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f),
    • a posição calendário do outro evento (f) ou (i) pode ser calculada com as propriedades aparentes disponíveis antes e depois da operação;
  • irreversibilidades somente na etapa de instanciamento da representação

Não há nada que possa ser afirmado, posto, disposto e repartido no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis e assim não se pode falar em ‘modo de ser fundamental’ do que quer que seja. 

Assim, no pensamento clássico, não é possível adotar esse conceito ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ como elemento ordenador da história, que é compreendida como sucessão de fatos assim como se sucedem.

caminho da
Construção da representação
Nota: a existência se constitui com as distinções feitas na operação

Durante essa operação, a empiricidade objeto da operação, sim, muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

Tempo no caminho da Construção da representação, durante a formulação da representação:

  • formulação irreversível durante a formulação;
  • tempo absoluto no sentido de que a empiricidade objeto ‘assume o ser que lhe é próprio’ em decorrência da operação, e então:
    • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f)
    • não é possível o cálculo da inserção calendário do outro evento (f) ou (i) a partir dessa inserção calendário do evento anterior em virtude da não disponibilidade das propriedades antes/depois da operação;
  •  irreversibilidades ocorrem na formulação da operação de construção da representação.

A empiricidade objeto da operação tem um novo ‘modo de ser fundamental’, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’.

Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da história, durante esse tipo de operações, sim, faz-se história.

 caminho do
Instanciamento da representação

Nota: a existência volta a preceder as distinções feitas na operação.
 

Durante essa operação a empiricidade objeto não muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

Tempo  no caminho do Instanciamento da representação previamente existente no Repositório e dele recuperada para a posição de empiricidade objeto na presente operação de instanciamento:

  • formulação volta a ser reversível; (é possível descartar uma formulação de instanciamento e formular outra com novas escolhas, sem perdas;
  • tempo volta a ser tempo calendário, ou tempo relativo;
  • irreversibilidades no caminho do Instanciamento da representação ocorrem em decorrência do desencadeamento dos elementos de suporte na experiência à Forma de produção.

A empiricidade objeto da operação tem exatamente o mesmo ‘modo de ser fundamental’ com que foi recuperada do repositório, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’ exatamente da mesma forma como havia sido acrescentada ao repositório.

Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da História, durante esse tipo de operações não se faz história.

Modelagem de operações e organizações organizadas pelo par sujeito-objeto, com operações específicas e separadas para cada um desses pares, porém relacionadas:

 

  • um modelo para a operação e organização para o objeto esperado pelo Cliente (Produto);
  • e um modelo para a operação e organização  para o instrumento capaz de obter o Produto, bem como obter o objeto esperado pelo Acionista (Benefícios de toda espécie, Lucros)

Mapa geral das operações na disposição SSS

Modelagem para uma organização incluindo o objeto esperado de interesse do Cliente
e o instrumento capaz de obtê-lo, e também o objeto esperado de interesse do Acionista
identificando o nexo da produção

Argumento: a modelagem de operações
organizada pelo par sujeito-objeto

Construção da estrutura de operações na disposição SSS – Simétrica, Simbiótica e Sinérgica

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Ut elit tellus, luctus nec ullamcorper mattis, pulvinar dapibus leo.

Cronologia básica da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura ocidental entre os anos 1775-1825 segundo Michel Foucault.

  • fases e ponto de ruptura desse evento;
  • linha de tempo com as defasagens entre conquistas no pensamento e respectivo uso nas áreas técnicas;
  • alguns autores importantes de um e de outro lado desse evento;
  • ponto de entrada do homem em nossa cultura;
  • alguns autores citados como referências em modelos sociais, econômicos e políticos
Michel Foucault
1926-1984

“E foi realmente necessário 
um acontecimento fundamental
– um dos mais radicais, sem dúvida, 1
que ocorreram na cultura ocidental,
para que se desfizesse a positividade do saber clássico
e se constituísse uma positividade de que, por certo,
não saímos inteiramente.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
tópico I. A idade da história

Cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
defasagens entre conquistas no pensamento filosófico e respectiva utilização prática

cronologia básica da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

A descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, segundo o pensamento de Michel Foucault
uma linha de tempo mostrando os intervalos de tempo entre o desenvolvimento de conhecimento e sua aplicação prática

O ponto de surgimento do homem em nossa cultura

 “É somente na segunda fase que as palavras, as classes e as riquezas adquirirão um modo de ser que não é mais compatível com o da representação.

Em contra partida, o que se modifica muito cedo, desde as análises de Adam Smith, de A.-L. de Jussieu ou de Viq d’Azyr, na época de Jones ou de Anquetil-Duperron,

  • é a configuração das positividades: a maneira como, no interior de cada uma,
    • os elementos representativos funcionam uns em relação aos outros, 
    • a maneira como asseguram seu duplo papel de designação e de articulação, 
    • como chegam, pelo jogo das comparações, a estabelecer uma ordem. “

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap.VII – Os limites da representação
tópico I. A idade da história

Datas e fases da descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, e surgimento do homem no pensamento em nossa cultura segundo o pensamento de Michel Foucault.

Alguns autores fundamentos filosóficos do liberalismo, e autores chave do pensamento moderno posicionados em relação à descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Algumas personagens importantes para entendimento da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Michel Foucault ao delinear sua arqueologia das ciências humanas, propósito do ‘As palavras e as coisas’, com certeza tomou conhecimento do trabalho desses autores.

  • autores clássicos:
    • Adam Smith,
    • John Locke, 
    • David Hume, 
    • J. J. Rousseau, 
    • Jeremy Bentham, 
    • e J. M. Keynes (este, expressamente classificado por Foucault como não moderno)
  • autores modernos:
    • David Ricardo
    • Sigmund Schlomo Freud 
    • entre muitos outros.

Michel Foucault menciona ainda em destaque, como artífices do pensamento moderno e fontes para o seu próprio pensamento:

  • Georges Cuvier, naturalista, 1769-1832
  • Franz Bopp, linguista, 1792-1867
  • David Ricardo, economista, 1772-1823

Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
do pensamento
funcionamento das operações no pensamento clássico
Modelo de
Operação de produção
relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
e o sistema Input-Output
do LE da figura.
Modelo da 
Organização de produção
Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
múltiplos sistemas de categorias
Modelo de operações
e de organização
Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
Modelo de  Operação
contábil-financeira
O modelo de operação
no sistema contábil-financeiro
Modelo da  Organização
ponto de vista financeiro
a organização no sistema contábil-financeiro

Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
de operação do pensamento
O funcionamento das operações no pensamento moderno
Modelo de
Operação de produção
relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’
Modelo da 
Organização de produção
o modelo de organização ‘Mapa da atividade semicondutores’, da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
instanciamento de representação
O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
do movimento Reengenharia

O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

Assim, estes três pares,

  • função e norma,
  • conflito e regra,
  • significação e sistema,

cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

  • do nível da psicologia,
  • da sociologia
  • ou da análise das linguagens

é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

  • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 III. Os três modelos
Michel Foucault 

O Triedro dos saberes: eixos e faces
espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
O interior ao Triedro dos saberes
o espaço das Ciências humanas

Aquém do objeto

Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

  • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
existem desde sempre e para sempre,
e integram o Universo em uma visão única.

Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

Diante do objeto

No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

  • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

  • Ciências da vida (Biologia):


    função-norma
    ;

  • Ciências do trabalho (Economia):


    conflito-regra;

  • Ciências da Linguagem (Filologia):

    significação-sistema.

Além do objeto

No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

  • da Vida-(Biologia),
  • do Trabalho-(Economia)
  • e da Linguagem-(Filologia).

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

  • Ciências da vida  (Biologia):
    função-norma;

    +
    Ciências do trabalho (Economia):

    conflito-regra;
    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    significação-sistema.

Sob ciências humanas como:

  • economia política;
  • sociologia,
  • psicologia e psicanálise

estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

A descrição feita por Michel Foucault de duas possibilidades
de posicionamento do pensamento com relação a valor

“Valor, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisição finalmente se produzam.

Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor; e, contudo, o valor só existe no interior da representação (atual ou possível), isto é, no interior da troca ou da permutabilidade.

Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

  1. uma analisa o valor no ato mesmo da troca, no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
  2. outra analisa-o como anterior à troca e como condição primeira para que esta ossa ocorrer.

Os dois pontos de partida distintos adotados pelo pensamento para análise de valor

1. a primeira possibilidade de leitura

A análise de valor no ato mesmo da troca,
no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido

2. a segunda possibilidade de leitura

A análise de valor como anterior à troca
e como condição primeira para que esta possa ocorrer.

A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da proposição;

  • no [neste] primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tomando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

a outra, [corresponde] a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das designações primitivas – linguagem de ação ou raiz(*);

  • na outra [nesta] forma de análise, a linguagem está enraizada fora de si mesma e como que na natureza ou nas analogias das coisas; a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.

Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho do Instanciamento da representação

Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento clássico, antes de 1775

Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho da Construção da representação

Anexo ao e-mail dirigido a Morris Kachani

Anexo ao e-mail dirigido a Morris Kachani

O que exatamente Foucault via quanto a modos distintos de absorver o mundo,
tais como descritos na Cartilha (o ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’)

Em nenhum momento Foucault solicita ao seu leitor que faça um ato de fé no que ele diz. Foucault argumenta sempre, a partir de dados levantados quanto ao modo de ser do pensamento em uma vasta plêiade de autores contemporâneos às mudanças. 

Foucault via no conjunto de teorias, modelos e sistemas em nossa cultura, um espectro de modelos com três segmentos, que decorre dessa visão, e que aponta para o futuro; e que lhe sugeria a necessidade de distinções entre esses diferentes modos de ser do pensamento, e todo o trabalho com a arqueologia feita no ‘As palavras e as coisas’: 

“Eis que nos adiantamos bem para além do acontecimento  histórico que se impunha situar – bem para além das margens cronológicas dessa ruptura que divide, em sua profundidade, a epistémê do mundo ocidental e isola para nós o começo de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades. 

É que o pensamento que nos é contemporâneo
e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
se acha ainda muito dominado 

  • pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
    de fundar as sínteses no espaço da representação.
  • e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
    de abrir o campo transcendental da subjetividade
    e de constituir, inversamente, para além do objeto,
    esses quase-transcendentais que são para nós a Vida, o Trabalho, a Linguagem.

    As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas (a Cartilha)
    Capítulo 7 – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

Veja isso em Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço, encontrados por Michel Foucault em seu caminho, com especial destaque para o segundo obstáculo, o cumprimento da obrigação de abertura do campo transcendental da subjetividade constituindo modelos das ciências humanas.

Como se vê pelo ponto em que se insere na ‘Cartilha’ essa citação, o capítulo 7 de um trabalho em dez capítulos, quando escreveu esse trecho Foucault já tinha bem adiantado seu trabalho no ‘As palavras e as coisas’; nesse momento ele aponta dois obstáculos, duas pedras de tropeço que precisou enfrentar e que tiveram o poder de dilatar em muito o tempo necessário para fazer esse livro; ele via:  

    1. uma impossibilidade, a de fundar as sínteses [da representação para a empiricidade objeto de cada operação] no espaço da representação
    2. e uma obrigação a ser cumprida:
      a de abrir o campo transcendental da subjetividade
      e de
      constituir, inversamente, para além do objeto,
      os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem 

O espectro de modelos com três segmentos: AQUÉM, DIANTE e ALÉM do objeto

O espectro de modelos com três segmentos, que abriga teorias, modelos e sistemas desde o século XVII até o século XXI, usando essa análise de Michel Foucault decorre desse momento intenso de Foucault.   

    • AQUÉM do objeto – teorias, modelos e sistemas com a impossibilidade
      de fundar as sínteses dos objetos das operações no espaço da representação;
    • DIANTE do objeto – teorias, modelos e sistemas sem essa impossibilidade, com a possibilidade,
      de fundar as sínteses dos objetos das operações, no espaço da representação;
    • para ALÉM do objeto – teorias, modelos e sistemas nos quais 
      foi aberto o campo transcendental da subjetividade e foram constituídos
      os “quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem:
      estes, os modelos no domínio das ciências humanas. 

A história do nascimento do ‘As palavras e as coisas’,
contada por Michel Foucault no Prefácio desse livro, e associada a imagens

Veja essa história em uma animação que está em 

Uma história do nascimento do livro ‘As palavras e as coisas,
contada pelo próprio autor no Prefácio

A ideia aqui é sobrepor o texto dessa historinha a uma imagem em que estão representadas as estruturas exigidas pelos modelos de operações em dois perfís 

  • a ideia que deu origem ao livro: um texto de Borges;
  • efeitos desse texto sobre as familiaridades do pensamento que tem a nossa idade e a nossa geografia abalando todos os planos e todas as superfícies ordenadas que tornam para nós sensata a profusão dos seres; e fazendo vacilar e inquietando por muito tempo, nossa prática milenar do Mesmo e do Outro;
  • o texto da Enciclopédia chinesa uma taxinomia sob o pensamento clássico;
  • o limite do nosso pensamento: a impossibilidade de pensar isso. 
  • Que coisa é impossível pensar? e de que impossibilidade se trata?
  • a desordem pior que aquela do incongruente, ou da aproximação daquilo que não convém:
  • seria a utilização de um grande número de ordens possíveis na dimensão sem lei nem geometria do heteróclito;
  • o consolo das Utopias;
  • a inquietação causada pelas heterotopias;
    • porque solapam secretamente a linguagem;
    • porque impedem de nomear as coisas, porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, 
    • porque arruínam de antemão a sintaxe
      • e não somente a sintaxe que constrói as frases
      • também aquela sintaxe, menos manifesta, que autoriza manter juntas, ao lado e em frente umas das outras, as palavras e as coisas.
Neste trabalho mostramos como essas coisas mencionadas nesse texto se relacionam com modelos de operações, e também modelos de organizações.
Colocamos ao fundo da narrativa desse texto do Prefácio as diferentes configurações do pensamento em modelos de operações e de organizações, e como vão se alterando à medida que a narrativa prossegue.

A descontinuidade epistemológica em nossa cultura posicionada por Foucault entre 1775 e 1825

Veja isto em Cronologia da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura entre 1775 e 1825, segundo Michel Foucault

Alterações no fenômeno ‘operações’, as duas origens de valor nas representações, as correspondentes configurações na própria linguagem e consequentes diferenças no funcionamento do pensamento, e seus modelos em cada caso

Veja isso em 
Para entender melhor os elementos de imagem 
  • ‘designações primitivas’
  • e ‘linguagem de ação ou raiz’
que representam as origens de valor atribuído à proposição, veja

A forma de reflexão que se instaura no pensamento em nossa cultura

“Instaura-se uma forma de reflexão,
bastante afastada do cartesianismo e da análise kantiana,
em que está em questão, pela primeira vez,
o ser do homem, nessa dimensão segundo a qual
o pensamento se dirige ao impensado
e com ele se articula.”

Cartilha; Cap. 9. O homem e seus duplos; V – O “cogito” e o impensado

Foucault, nesse excerto da Cartilha, coloca o ser do homem (o sujeito) dirigindo-se ao objeto, o impensado, na posição de atributo do predicado do sujeito. 

Nota: Essa forma de reflexão que se instaura não se dirige ao intangível!  
Mas dirige-se ao impensado, objeto em relação ao qual o Pensamento pode muito.
(Ref. Entrevista de Jorge Forbes)

Veja as bases de sustentação e essa forma de reflexão em   

Os  perfis das duas configurações do pensamento, segundo o pensamento de Michel Foucault:
e Os dois tipos de reflexão assumidos pelo pensamento

Comentários sobre a entrevista de Jorge Forbes ao canal Inconsciente coletivo

  • o título do vídeo da entrevista de Jorge Forbes com o anúncio da maior revolução nos laços sociais dos últimos 2800 anos;
  • o incômodo de Jorge Forbes com a noção de ‘norma’ e o modelo composto padrão e genérico, constituinte das ciências humanas, modelos estes que ocupam o espectro para ALÉM do objeto;
  • o totalmente dispensável rótulo ‘terra1’, se seu significado for o modo de ser do pensamento ‘anterior’, ou o pensamento filosófico clássico, o de antes de 1775.
  • a frase de efeito Freud explica ⇒ Freud implica claramente depende do tipo de pensamento no qual está inserida e da respectiva visão do que sejam operações.

O título do vídeo da entrevista de Jorge Forbes com o anúncio da maior revolução nos laços sociais dos últimos 2800 anos;

Essa alusão a uma revolução nos laços sociais dos últimos 2800 anos é desconsideração histórica do modo como se alterou ao longo do tempo o modo de ser fundamental do pensamento e suas condições de possibilidade. 

Sugiro a Jorge Forbes que leia a Cartilha. 

Nesse meio tempo, podemos ver uma 

Cronologia da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura entre 1775 e 1825

segundo Michel Foucault, na qual movimentos do pensamento muito mais recentes e importantes surgiram em tempo muito mais recente.

Esse título do vídeo da entrevista de Jorge Forbes imediatamente me lembra do movimento Reengenharia, e da capa do livro de mesmo nome de Michael Hammer “– Esqueça o que você sabe sobre como as empresas devem funcionar: quase tudo está errado” trombeteava ele. Seja em Hammer, ou em Forbes, nos dois casos havia e há, a denúncia, como se atual fosse, de uma revolução ocorrida em passado remoto. A Cartilha mostra como e por que isso é verdade.

Se estou entendendo o que ele chama de ‘época anterior’ isso já tem um nome: pensamento filosófico clássico, o de antes de 1775 segundo a Cartilha. E chamado por esse nome, suficiente, podemos prescindir do nome fantasia terra1. Usando ‘pensamento filosófico clássico’ podemos fazer o relacionamento com o modo de ser do pensamento de autores importantes desse período, como Adam Smith, John Locke, Jeremy Bentham, etc.  E usando a contraparte ‘pensamento moderno’ – que possivelmente Forbes chamará de terra2 sem necessidade e com desvantagens – podemos estabelecer relações com pensadores como David Ricardo, Franz Bopp, Georges Cuvier, Sigmund Freud, John Maynard Keynes, entre muitos outros.

o incômodo de Jorge Forbes com a noção de ‘norma’ e o modelo composto padrão e genérico, constituinte das ciências humanas, modelos estes que ocupam o espectro para ALÉM do objeto;

“Me incomoda a noção de norma no sentido de que você sai de um laço social estandardizado, padronizado, rígido, hierárquico, linear, focado, que são algumas das características que eu entendo da época anterior que eu chamo de terra1.” Ref. Jorge Forbes, em Estamos vivendo a maior revolução dos laços sociais dos últimos 2800 anos do canal Inconsciente coletivo.

Quanto ao incômodo de Forbes com a noção de ‘norma’, isso me remete imediatamente de novo à Cartilha, que me permite uma visão de conjunto muito mais completa e útil para quem pensa em formular e configurar, e depois operar com sucesso, modelos no domínio das ciências humanas: a ‘norma’ que incomoda Forbes, é a expressão das condições requeridas por uma ‘função’ que visa a estabilidade temporal, em mais de um aspecto, compartilhada, da solução conseguida para a obtenção prática dessa função.

Vale a pena examinar o que se configura quase como 

Um ‘manual’ para projeto e construção de modelos no domínio das ciências humanas

em três tempos:

  • o espaço geral dos saberes sob o pensamento moderno chamado por Foucault de Triedro dos saberes; com as faces e eixos do Triedro dos saberes;
  • a classe de modelos das ciências humanas;
  • o uso dos pares de modelos constituintes fora do domínio próprio em que foram formados.

examinando o modelo constituinte padrão das ciências humanas composto de uma combinação ponderada dos pares constituintes das ciências do eixo epistemológico fundamental, as ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem:

“Assim, estes três pares, função e norma, conflito e regra, significação e sistema, cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem.” Cartilha; Cap. 10 – As ciências humanas; tópico I – O triedro dos saberes

Esse excerto da Cartilha dá-nos conta de que esses três pares de modelos constituintes, das ciências 

  • da Vida (Biologia) par constituinte  [função-norma] 
  • do Trabalho (Economia)  par constituinte [conflito-regra]
  • da Linguagem (Filologia) par constituinte  [significação-sistema] 

estão na base de toda e qualquer ciência humana, incluindo a economia política, e a biopolítica, e também a análise da produção. 

Forbes supostamente está analisando o que acontece nas, e com as organizações empresariais e, portanto, está elaborando bem no campo de uma ciência humana capaz disso. Essa ciência humana que segundo Foucault, tem esse modelo constituinte padrão no qual 

  • o par constituinte dominante é escolhido por quem formula o modelo, 
  • e os coeficientes que determinam o mix da composição no modelo específico, que estabelecem a proporção em que entram no modelo os três pares constituintes são também escolhidos pelo analista formulador. 

Isso evidencia que esse incômodo de Forbes com a ‘norma’ precisa ser bastante ampliado quando se fala de laços sociais porque estes estão afetos, 

  • desde logo às ‘funções’ normatizadas pela ‘norma’ (o par constituinte do quase-transcendental Vida), 

mas também estão regidos pelos pares constituintes dos outros dois quase-transcendentais: 

  • [conflito-regra] da Economia, 
  • e [significação-sistema] da Filologia.

É claro que podemos desconsiderar esse mapeamento admirável do espaço dos saberes moderno feito por Foucault e pensar de modo compartimentado e muito mais incompleto. 

Mas por que exatamente faríamos isso?

Sobre as qualidades que Forbes atribui à época anterior, que ele chama de terra1

  1. estandardização,
  2. padronização,
  3. rigidez,
  4. hierarquia,
  5. linearidade,
  6. focalização

Por favor acompanhe a operação que ocorre no caminho da Construção da representação, que acontece no interior do Lugar do nascimento do que é empírico, sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, da qual resulta uma nova representação para a empiricidade objeto dessa operação, um modelo pertencente ao segmento DIANTE do objeto. Isso pode ser visto 

Funcionamento das operações para configurações do pensamento de antes e de depois
da descontinuidade epistemológica ocorrida entre os anos 1775-1825

Agora, quanto às condições de possibilidade do pensamento para o depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825, especificamente os princípios organizadores do pensamento nesse período, veja o que diz Foucault:

 “De sorte que se vêem surgir,
como princípios organizadores desse espaço de empiricidades,
a Analogia e a Sucessão:
de uma organização a outra,
o liame, com efeito, não pode ser mais a identidade de um ou vários elementos,
mas a identidade da relação entre os elementos
(onde a visibilidade não tem mais papel) e da função que asseguram; (…)
Cartilha; Cap. 7. Os limites da representação; tópico I. A idade da história

Se acompanhamos a mecânica de funcionamento de uma operação de construção de representação (projeto) para alguma coisa – Foucault chama essa coisa de empiricidade objeto) sabemos que é impossível concluir essa construção de uma representação sem construir uma hierarquia.

Toda e qualquer representação construída tendo Analogia e Sucessão como princípios organizadores do pensamento terá como resultado um objeto análogo composto de uma coleção de objetos análogos relacionados entre si em uma hierarquia.

Para focalizar esta argumentação, deixo de comentar os outros atributos de terra1.

Sobre a frase  “Freud explica ⇒ Freud implica”

Essa frase (de efeito) depende da visão de operações adotada, que o vídeo de Forbes não permite  perceber claramente qual seja. Dito do modo como foi dito: 

  • se posta sob o perfil da configuração do pensamento filosófico clássico, o de antes de 1775 segundo Foucault, a frase se justifica; 
  • mas sob o perfil do pensamento filosófico moderno, o de depois de 1825,  ‘explicação’ consiste em uma busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites isto é, pelos elementos de sustentação na experiência de uma Forma de produção, e o resultado é a construção de representação nova. Logo, não é mais verdade que no ‘explica’, agora sob o perfil do pensamento filosófico moderno, tenhamos um saber anterior ao ato, porque é exatamente o ato o elemento constituinte de saber novo que não existia antes.

Acabamos de ver o funcionamento da operação de construção de uma representação (projeto) para uma empiricidade objeto. Fica claro – entendida essa sistemática de funcionamento – que a operação tem início sem conhecimento sobre o que é objeto de explicação, e termina com esse conhecimento.

Comentários sobre a narrativa de Christian Dunker no video do canal Falando nisso 254 – Neoliberalismo e sofrimento

  • matriz que sustenta a noção de sujeito na modernidade composta por autores todos inseridos no modo de ser do pensamento clássico;
  • indicação de Adam Smith e David Ricardo juntos, como pertencentes ao bloco de sustentação da noção de sujeito na modernidade;

matriz que sustenta a noção de sujeito na modernidade composta por autores todos inseridos no modo de ser do pensamento clássico;

“Antes do fim do século XVIII, o homem não existia.
Não mais que a potência da vida, a fecundidade do trabalho
ou a espessura histórica da linguagem. (…)
Certamente poder-se-ia dizer que
a gramática geral, a história natural, a análise das riquezas
eram, num certo sentido, maneiras de reconhecer o homem,
mas é preciso discernir.
Sem dúvida, as ciências naturais –
trataram do homem
como de uma espécie ou de um gênero:
a discussão sobre o problema das raças, no século XVIII, a testemunha.
A gramática e a economia, por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade, de desejo, ou de memória e de imaginação.
Mas não havia consciência epistemológica do homem como tal.
A episteme clássica se articula segundo linhas que de modo algum
isolam o domínio próprio e específico do homem.”
Cartilha; Cap. 9 – O homem e seus duplos; II. O lugar do rei

“Nem vida, nem ciência da vida na época clássica; tampouco filologia.
Mas sim uma história natural, uma gramática geral.
Do mesmo modo,
não há economia política porque,
na ordem do saber, a produção não existe. “ 
Cartilha; Cap. 6 – Trocar; tópico I – A análise das riquezas

Isso é o que nos ensina a Cartilha. Mesmo assim, há quem fale de uma certa matriz de autores, na análise de Foucault, todos clássicos, – e que, portanto trataram do homem como de uma espécie ou de um gênero – mas que mesmo assim, formam a base para a noção de sujeito na modernidade. Como seria um sujeito na modernidade, visto como uma espécie ou um gênero? (Ref. Canal Falando nisso, 254 – Liberalismo e sofrimento, de Christian Dunker

indicação de Adam Smith e David Ricardo juntos, como pertencentes ao bloco de sustentação da noção de sujeito na modernidade;

“A diferença, porém, entre Smith e Ricardo está no seguinte: 

  • para o primeiro, o trabalho, porque analisável em jornadas de subsistência, pode servir de unidade comum a todas as outras mercadorias (de que fazem parte os próprios bens necessários à subsistência);
  • para o segundo, a quantidade de trabalho permite fixar o valor de uma coisa, não apenas porque este seja representável em unidades de trabalho, mas primeiro e fundamentalmente 
    • porque o trabalho como atividade de produção
      é “a fonte de todo valor”.

“Enquanto no pensamento clássico o comércio e a troca servem de base insuperável para a análise das riquezas (e isso mesmo ainda em Adam Smith, para quem a divisão do trabalho é comandada pelos critérios da permuta),  desde Ricardo, a possibilidade da troca está assentada no trabalho;
e a teoria da produção, doravante, deverá sempre preceder a da circulação.”
Cartilha, Cap. 8. Trabalho, vida e linguagem; tópico II – Ricardo

Vê-se que a amplitude da visão do que sejam operações, em David Ricardo, é muito maior se comparada à amplitude da visão de Adam Smith. Para Ricardo toda ‘aquela atividade que está na raiz do valor das coisas’, a produção, está incluída, juntamente e ao lado de trabalho como mercadoria, o que não acontece em Adam Smith.

Mesmo assim, no vídeo Falando nisso 254, e no contexto da análise da incidência do trabalho na formação da subjetividade, Adam Smith e Ricardo são tomados juntos e indiferenciados, como pertencentes ao mesmo bloco ‘matriz’ que permitiria a construção da noção de sujeito na modernidade!

Comentários sobre a narrativa de Christian Dunker no vídeo do canal Falando nisso 150 – Signo, significação e significado

  • a indicação das bases das psicanálises de Freud e de Lacan respectivamente na representação e fora dela
  • as duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações’ segundo o posicionamento do ponto de início de leitura no cruzamento das disponibilidades do que é dado e o que é recebido na troca ou antes do momento da troca, quando um dos objetos envolvidos não está disponível e correspondentes origens do valor carregado pela proposição.

Na Cartilha, Foucault não hesita em classificar Freud como um autor moderno, e o pensamento clássico como ‘aquele para o qual a representação existe’. Mesmo assim, há quem diga que a base da economia psíquica de Freud, em sua psicanálise, era na representação (como base, a representação é uma característica de modelos clássicos), e a inovação de Lacan teria sido a de formular a sua psicanálise desde fora da representação (uma característica de modelos modernos, mas que a psicanálise de Freud, segundo Foucault, já apresentava. Então, afinal, o que foi que fez Lacan? (Ref. Canal Falando nisso, 150 – Signo, significação e significado.

Não adianta atentarmos para “aparências” (propriedades não originais e não-constitutivas) do que vemos ou ouvimos; e ao falar de mudanças, vamos precisar de propriedades sim-originais e sim-constitutivas, que não são evidentes em teorias, modelos e sistemas prontos, já configurados e em utilização. Raramente temos consciência sobre quais sejam as condições de possibilidade no pensamento para o modelo de absorção do mundo que queiramos ou não, usamos. Pode haver uma contaminação em modelos simultaneamente utilizados em nosso ambiente.

Quem passou pela operação de alfabetização para leitura dos modelos à disposição para absorver o mundo e sabe diferenciá-los, colocado diante de uma história nova, ou de uma música nunca ouvida, antes de mais nada procura identificar quais são suas condições de possibilidade no pensamento para depois avaliar as especificidades da obra formulada e configurada que tem diante de si.

A grande maioria das pessoas, porém, aborda imediatamente a formidável produção do pensamento – a história ou a música nunca lidas e nunca ouvidas, já pronta, e difundida. E muito provavelmente faz isso – embora sem perceber – mas usando exatamente o mesmo modelo não questionado com o qual absorveu o mundo desde sempre.

Sim, precisamos estar atentos àquilo que dá condições de possibilidade no pensamento ao nosso próprio modelo padrão e que nos permite ver o que vemos e ouvir o que ouvimos. E precisamos nos dispor a ajustar as condições de possibilidade do nosso pensamento, as do modelo padrão que usamos, alterando-o para atender às exigências específicas da mudança. Isso pode dar origem a um novo modelo, com o qual nos seja possível absorver novos textos e novas partituras, eventualmente os trazidos pela mudança anunciada; sem essa disposição de questionamento, continuaremos a absorver o mundo do mesmo modo de sempre e a inovação ficará reduzida a mero modismo de pouca duração. Há muitos exemplos de revoluções que acabaram esquecidas.

as duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações’ segundo o posicionamento do ponto de início de leitura no cruzamento das disponibilidades do que é dado e o que é recebido na troca ou antes do momento da troca, quando um dos objetos envolvidos não está disponível e correspondentes origens do valor carregado pela proposição.

No vídeo 150 – Signo, significação e significado, a narrativa percebe uma alternativa importante, a saber, as bases na representação ou fora da representação de uma produção do pensamento como a psicanálise.

Embora no pensamento de Michel Foucault na Cartilha a psicanálise de Freud tenha sua base já fora da representação, e provavelmente isso também  ocorreria com a de Lacan se Foucault tivesse podido comentar o trabalho dele, mas o movimento desde base na representação para base fora da representação é importante.
 
Porém, no vídeo 254 – Neoliberalismo e sofrimento, esse importante movimento do pensamento passa completamente despercebido.

A despeito disso, o movimento ocorreu. E foi determinante já no pensamento de David Ricardo, em 1817.

as duas configurações da linguagem correspondentes às duas possibilidades de inserção do ponto de início de leitura do fenômeno ‘operações’, que se distinguem pelas duas diferentes origens para o valor atribuído às proposições e por elas carregado para a representação.

Veja agora os dois princípios para o que seja trabalho, o de Adam Smith e o de David Ricardo, e note que entre os dois há como distinção exatamente essas duas configurações da linguagem com as duas diferentes origens do valor atribuído às proposições e por elas carregado para as representações.

Os dois princípios para o que seja trabalho utilizados simultaneamente em nossa cultura

O sambinha de uma nota só (com três ritmos):
Mercado, Processo, Riquezas; quando poderia ser uma sinfonia com Lugar de nascimento do que é empírico, Forma de produção e Análise da produção

Vejo ainda nos discursos atuais, explicativos dessas construções do pensamento, por exemplo os do liberalismo, ou teorias socioeconômicas, ou ainda os da produção, algumas unanimidades quanto ao uso, e percebo também unanimidades quanto ao não-uso ou desuso de determinados conceitos, provavelmente indicadores da extrema generalidade do desalinhamento filosófico existente:

ü  Mercado, Processo, Riquezas, são conceitos que formam uma unanimidade
pelo seu uso;

ü  Lugar de nascimento do que é empírico, Forma de produção e Análise da produção, são conceitos que formam unanimidade também,
mas pelo seu desuso, ou pelo seu não uso.

Michel Foucault no ‘As palavras e as coisas’ é específico em relação a esses conceitos.

Veja a seguinte relação de proporcionalidade envolvendo os conceitos de Mercado e de Lugar de nascimento do que é empírico:

  • Mercado (entendido como o circuito onde ocorrem as trocas)
  • está para Lugar de nascimento do que é empírico, (entendido como o lugar onde a empiricidade objeto de uma operação ‘assume o ser que lhe é próprio’ tendo alterado o seu ‘modo de ser fundamental’);

assim como

  • o pensamento clássico (o de antes de 1775) 
  • está para o pensamento moderno (o de depois de 1825).

Veja esta outra relação envolvendo os conceitos de Processo, Forma de produção, e os princípios de trabalho de Adam Smith e de David Ricardo:

  • Processo (como elemento central de modelos de operações na idade clássica)
  • está para a Forma de produção (o elemento central em modelos de operação de construção de representações novas) 

assim como

  •  o Princípio Monolítico de Trabalho de Adam Smith, de 1776, 
  • está para o Princípio Dual de trabalho de David Ricardo, de 1817.

 

Quatro exemplos de modelos descritivos da produção existentes, e usados, alguns deles muito, e baseados na representação e fora dela, sem que ninguém reclame dessa confusão epistemológica.

  • modelos com estrutura clássica (segmento do espectro AQUÉM do objeto)
    • modelo descritivo da produção de Elwood S. Buffa e modelo de Organização empresarial típica;
    • modelo de operações e modelo da organização, da contabilidade;
    • modelo FEPSC/SIPOC da Six Sigma
  • modelos com estrutura moderna (modelos no segmento do espectro DIANTE do objeto)
    • modelo descritivo da produção do Kanban;
    • o Mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments, de Michael Hammer 
  • modelos no espaço das Ciências humanas (modelos no segmento do espectro
    para ALÉM do objeto)

Psicanálise e etnologia

Psicanálise e etnologia

“A psicanálise, com efeito,
mantém-se o mais próximo possível
desta função crítica acerca da qual se viu   
que era interior a todas as ciências humanas.

Dando-se por tarefa
fazer falar através da consciência o discurso do inconsciente,
a psicanálise avança na direção desta região fundamental
onde se travam as relações entre a representação e a finitude.
Enquanto todas as ciências humanas
só se dirigem ao inconsciente virando-lhe as costas,
esperando que ele se desvele à medida que se faz,
como que por recuos, a análise da consciência,
já a psicanálise aponta diretamente para ele, de propósito deliberado
– não em direção ao que deve explicitar-se pouco a pouco
na iluminação progressiva do implícito,
mas em direção ao que está aí e se furta,
que existe com a solidez muda de uma coisa, de um texto fechado sobre si mesmo,
ou de uma lacuna branca num texto visível e que assim se defende.

Não há que supor que o empenho freudiano
seja o componente de uma interpretação do sentido
e de uma dinâmica da resistência ou da barreira;
seguindo o mesmo caminho que as ciências humanas,
mas com o olhar voltado em sentido contrário,
a psicanálise se encaminha em direção ao momento
– inacessível, por definição, a todo conhecimento teórico do homem,
a toda apreensão contínua em termos de significação, de conflito ou de função
em que os conteúdos da consciência se articulam com,
ou antes, ficam abertos para a finitude do homem.
Isto quer dizer que, ao contrário das ciências humanas que,
retrocedendo embora em direção ao inconsciente,
permanecem sempre no espaço do representável,
a psicanálise avança para transpor a representação,
extravasá-la do lado da finitude e fazer assim surgir,
lá onde se esperavam

  • as funções portadoras de suas normas
  • os conflitos carregados de regras 
  • e as significações formando sistema

o fato nu de que pode haver 

  • sistema (portanto, significação), 
  • regra (portanto, oposição), 
  • norma (portanto, função). 

E, nessa região onde a representação fica em suspenso,
à margem dela mesma, aberta, de certo modo ao fechamento da finitude,
desenham-se as três figuras pelas quais 

  • a vida, com suas funções e suas normas, vem fundar-se na repetição muda da Morte, 
  • os conflitos e as regras, na abertura desnudada do Desejo, 
  • as significações e os sistemas, numa linguagem que é ao mesmo tempo Lei.

Sabe-se como psicólogos e filósofos denominaram tudo isso:
mitologia freudiana. 

Era realmente necessário que este empenho de Freud assim lhes parecesse;
para um saber que se aloja no representável,
aquilo que margeia e define, em direção ao exterior,
a possibilidade mesma da representação não pode ser senão mitologia.

Mas, quando se segue, no seu curso, o movimento da psicanálise,
ou quando se percorre o espaço epistemológico em seu conjunto,
vê-se bem que estas figuras – imaginárias, sem dúvida, para um olhar míope –
são as próprias formas da finitude, tal como é analisada no pensamento moderno:

  • não é a morte aquilo a partir de que o saber em geral é possível de sorte tal que ela seria, do lado da psicanálise, a figura desta reduplicação empírico-transcendental que caracteriza na finitude o modo de ser do homem? 
  • Não é o desejo o que permanece sempre impensado no coração do pensamento? 
  • E esta Lei-Linguagem (ao mesmo tempo fala e sistema da fala) que a psicanálise se esforça por fazer falar, não é aquilo em que toda significação assume uma origem mais longínqua que ela mesma, mas também aquilo cujo retorno
    é prometido no ato mesmo da análise? 

É bem verdade que nem esta Morte, nem este Desejo, nem esta Lei
podem jamais encontrar-se no interior do saber que percorre em sua positividade
o domínio empírico do homem; mas a razão disto é que designam
as condições de possibilidade de todo saber sobre o homem”

As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. 10. As ciências humanas; tópico V – Psicanálise e etnologia

Espírito com que lhes escrevo

Espírito com que lhes escrevo

Escrevo-lhes tendo em mente

  • ‘A sociedade dos poetas mortos’, duas cenas desse filme que gostaria que revissem.
  •  ‘O louco e o poeta’, e por falar em poetas – os mortos e os vivos, acho importante lembrar este  excerto encontrado no ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’, de Michel Foucault, que em se tratando desse autor, também vale a pena reler para criar o clima receptivo para o que vem a seguir.

O que se segue consiste em uma relação entre:

  1. o meu entendimento pessoal do pensamento de Michel Foucault no magistral livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’; e
  2. uma coleção de modelos de operações e de organizações – alguns antológicos – no campo da produção, da gestão da produção e modelos da economia financeira.

Entre a) o meu entendimento pessoal do pensamento de Foucault;  e b) a coleção de modelos, isto é, o pensamento de projetistas de teorias, modelos e sistemas tal como posto em prática nos chamados domínios ‘técnicos’; a relação é feita por meio de um critério composto de elementos – características de características, ou características de segunda ordem -, dos modelos dessa coleção; são os seguintes os elementos integrantes desse critério: referencial, princípios organizadores do pensamento e métodos, para cada modelo; e estes elementos estão discriminados por Foucault para o pensamento em cada período histórico nos últimos dois séculos em nossa cultura. Funcionam como denominadores comuns entre modelos ‘da mesma idade e mesma geografia’, e o melhor, entre diferentes áreas do conhecimento, daí seu potencial integrador.

Esse critério, com esses elementos componentes, não é único, mas permite discernir, como diz Foucault ‘o modo de ser fundamental das empiricidades’ em cada período histórico; e lembremos que esse conceito, ‘modo de ser fundamental das empiricidades’, isto é, ‘aquilo que permite que elas sejam afirmadas, postas, dispostas, e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis’ As palavras e as coisas; Cap 7. Os limites da representação; tópico I – A idade da história; é o elemento ordenador da História a partir de um certo evento– uma descontinuidade epistemológica em nossa cultura, escolhido em substituição a outro conceito de história antes entendida como a sucessão de fatos tais como se constituíram.

Considero então que diante da necessidade de conseguir  um alinhamento do ponto de vista do pensamento filosófico entre, de um lado, desenvolvimentos feitos em áreas como a economia, a análise e gestão da produção, a sociologia e a psicanálise, entre outras; e de outro lado, o pensamento de filósofos em cada período histórico ao longo do tempo nos últimos dois séculos, esse critério de identificação e distinção pode ajudar bastante.

Veja, como evidência dessa necessidade de alinhamento, uma Cronologia da descontinuidade epistemológica situada por Michel Foucault entre 1775 e 1825, evento que ele chama de ‘evento fundador da nossa modernidade no pensamento’, e que tem os conceitos de história diferentes antes e depois dele. A cronologia desse evento mostra períodos em que as configurações do pensamento em nossa cultura mudaram fortemente.

Antes de mais argumentos acho que é interessante descobrir, mais sinteticamente, o que é que Foucault via de diferente entre as teorias, modelos e sistemas ao longo do tempo, e que o levava a considerar alguns tão diferentes dos outros. Uma boa pista para entender isso é Os dois obstáculos ou as duas pedras de tropeço encontrados por Michel Foucault em seu trabalho no ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’, nas palavras dele mesmo.

Em suma ele via só duas coisas: uma impossibilidade; e uma obrigação a ser cumprida.

  • A impossibilidade era a de certas configurações do pensamento, de serem incapazes de fundarem as sínteses (dos objetos do pensamento em suas operações) no espaço da representação;
    • o que nos leva a identificar modelos com essa impossibilidade;
    • e modelos sem essa impossibilidade, ou sim capazes de fundar as sínteses, etc. etc.
  • E a obrigação que ele via, corresponde ao portentoso passo adiante dado por ele, e que coroa toda a arqueologia das ciências humanas feita no ‘As palavras e as coisas’, descortinando para nós todo o espaço, o habitat das ciências humanas: a obrigação consistia em
    • abrir o campo transcendental da subjetividade,
    • e constituir, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem.

Assim, formando um trio: Vida, Trabalho e Linguagem – compondo uma região epistemológica fundamental. Diferente de Vida = [Desejo, Trabalho e Linguagem].

Essa impossibilidade e o cumprimento dessa obrigação já lançam alguma luz sobre teorias, modelos e sistemas porque permitem agrupá-los em três segmentos:

  • segmento AQUÉM do objeto – modelos sem a possibilidade de fundar as sínteses … ;
  • segmento DIANTE do objeto – modelos agora com a possibilidade de fundar as sínteses … ;
  • e para ALÉM do objeto – modelos construídos a partir dos quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem já constituídos, ou modelos das ciências humanas.

E especificamente sobre a noção de Riqueza

“Em contrapartida, existe, nos séculos XVII e XVIII,
uma noção que nos permaneceu familiar,
embora tenha perdido para nós sua precisão essencial. 
Nem é de “noção” que se deveria falar a seu respeito,
pois não tem lugar no interior de um jogo de conceitos econômicos
que ela deslocaria levemente, confiscando um pouco de seu sentido ou corroendo sua extensão.  Trata-se antes de um domínio geral:
de uma camada bastante coerente e muito bem estratificada,
que compreende e aloja, como tantos objetos parciais, as noções
de valor, de preço, de comércio, de circulação, de renda, de interesse
Esse domínio, solo e objeto da “economia” na idade clássica, é o da riqueza. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. 6 – Trocar; tópico I – A análise das riquezas

O anacronismo muito comum em economistas, filósofos, historiadores das ciências, sintonizados com o liberalismo clássico e em suas variantes (Paulo Guedes) (Eduardo Moreira, Mônica De Bolle etc.) tão difundidos atualmente.

“Inútil colocar-lhe questões vindas de uma economia de tipo diferente,
organizada, por exemplo, em torno da produção ou do trabalho;
inútil igualmente analisar seus diversos conceitos
(mesmo e sobretudo se seus nomes em seguida se perpetuaram,
com alguma analogia de sentido),
sem levar em conta o sistema em que assumem sua positividade.” 
As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. 6 – Trocar; tópico I – A análise das riquezas

Sobre esses espaços do saber em que as mudanças no ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ se disseminaram, segundo o pensamento de Michel Foucault, o ‘As palavras e as coisas’ o livro descreve dois espaços gerais do saber, entendendo o espaço do saber aberto em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica com uma lógica: o bicho homem para que se constitua em humano precisa haver-se com a vida, o trabalho e a linguagem; assim, as ciências da Vida (Biologia) do Trabalho (Economia) e da Linguagem (Filologia) compõem a região epistemológica fundamental. E nesse percurso em direção à humanização, ele pode lançar mão dos conhecimentos em todas as outras áreas, formando o que Foucault chama de Triedro dos saberes. Veja As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. X – As ciências humanas; tópico I

Veja Os dois espaços gerais do saber em cada segmento do espectro de modelos

Voltando ao vídeo 254, a façanha de Lacan na reformulação da psicanálise é ambientada ‘na linguagem’ e com entidades afeitas à fala. 

Michel Foucault mostra como isso funciona mostrando As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ na análise do que sejam ‘operações de troca’ e valor; com exemplos em imagens, figuras feitas para modelos muito usados.

 Eu acredito que essas coisas ditas por Michel Foucault podem e precisam ser cotejadas com teorias, modelos e sistemas existentes em nosso meio e em várias áreas, muito práticos e alguns largamente utilizados, (basta ter critério, – ou olhos devidamente armados -, para ver claramente) principalmente nos domínios da produção, da economia e também no campo dos levantamentos contábeis do setor econômico-financeiro.

Essa possibilidade de relacionamento com modelos muito usados é o que torna tais afirmativas feitas por Foucault independentes do que ele próprio tenha ou não dito.

O Projeto Formulador é um estudo que pretende justamente esse cotejamento, para identificar essas relações entre o que pensam os muitos filósofos que povoam o ‘As palavras e as coisas’ e os modelos descritivos da produção, ou os sistemas de gestão de operações ou projeto de organizações empresariais, como exemplos.

Por essas razões o que se segue pode valer a pena de ser considerado.

Esse paralelo entre o pensamento de filósofos e o de projetistas de modelos descritivos da produção ou de modelos de gestão, toma características gerais como referencial, princípios organizadores e métodos de configurações diferentes de pensamento e encontra esses mesmos elementos nos modelos de operações e de organizações antológicos existentes e muito usados atualmente.

 e com isso a possibilidade do uso dessa galeria de modelos reais relacionados com o pensamento de filósofos para promover um alinhamento filosófico que ajude a deslindar coisas complicadas como são teorias, modelos e sistemas sócio-político-econômicos como são os associados ao liberalismo e suas variantes.

Eu vejo o ‘As palavras e as coisas’ como que uma cartilha que alfabetiza quem pretende ler e entender teorias, modelos e sistemas principalmente no campo das ciências humanas. Assim, considero que em uma exposição sobre teorias, modelos e sistemas relacionados ao liberalismo e neoliberalismo, como essa que é feita no vídeo Falando nisso 254, a referência bibliográfica do ‘As palavras e as coisas’ se impõe, mormente quando o ‘Nascimento da biopolítica’, do mesmo autor é citado.

Biopolítica pertence à classe especial de saberes denominados ‘ciências humanas’ e podemos adotar duas estratégias para desvendá-las:

  1. aprender desde uma cartilha como ‘As palavras e as coisas’ como se constituiu essa classe de saberes em nossa cultura, como funciona seu modelo constituinte baseado nos pares constituintes das ciências da Vida (Biologia) [função-norma], do Trabalho (Economia) [conflito-regra] e da Linguagem (Filologia) [significação-sistema] e então abordar modelos nesse campo já formulados e configurados, e pior, em uso.
  2. partir diretamente, com sem armas e sem bagagem, para a análise de modelos altamente complicados como são os das ciências humanas, tomando-os já formulados e configurados, e em plena operação, e sem termos como suporte ao nosso pensamento e capacidade de análise, os ensinamentos da cartilha de alfabetização para leitores desse tipo de produções do pensamento.

Pois a meu julgamento no vídeo 254 adota-se a segunda estratégia.

E o que se segue tem o objetivo de mostrar aquilo que podemos ganhar, nós todos, se aquiescermos em aprender um pouco com Michel Foucault nesse grande livro tão mal compreendido.

As diferenças entre os dois princípios de trabalho: o de Adam Smith, de 1776 e o de David Ricardo, de 1817

As diferenças entre os dois princípios de trabalho: o de Adam Smith, de 1776 e o de David Ricardo, de 1817; e a importância da análise de David Ricardo

Comparações entre os dois princípios de trabalho,
e a importância do princípio de trabalho de David Ricardo segundo Michel

Comparação, feita por Michel Foucault,
entre os princípios de trabalho
o de Adam Smith, de 1776 e o de David Ricardo, 1817

comparações entre Adam Smith
e David Ricardo,
por Michel Foucault
A importância de David Ricardo,
segundo Michel Foucault

1 Primeira possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

No lado esquerdo o valor que chega à representação através da proposição é carregado nela diretamente, até porque não há intenção de formular operações levando em conta como elemento organizador o objeto tomado como descrito por suas propriedades originais e constitutivas, isto é, de modo relacionado com o objeto. 

Na visão de ‘operações’ no pensamento clássico não há a ideia de objeto como constituído por suas propriedades sim-originais e sim-constitutivas, pelos pressupostos considerados.

Refiro-me ao Princípio Monolítico de trabalho de Adam Smith. Na avaliação de Foucault, nesta alternativa de leitura do que seja trabalho a partir da linguagem toda a essência da linguagem está na proposição.

Toda a essência da linguagem está no interior da proposição.

A proposição já nasce emprenhada do valor que carrega.

2 Segunda possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

No princípio de trabalho de David Ricardo é visível a modelagem de uma proposição, usando ideias – ou elementos de imagem – todos eles em posições operacionais na estrutura do modelo.

  • o sujeito, o empresário;
  • e seu predicado
    • o atributo, representado na figura pela representação do objeto da operação; 
    • o verbo: representado na figura pela Forma de produção

Essa mesma essência da linguagem encontra raízes fora dela mesma, do lado das

  • designações primitivas;
  • linguagem de ação ou raiz

No lado direito, sim, existem, ideias – ou elementos de imagem, que modelam padronizada e genericamente o elemento construtivo padrão fundamental para construção de representações – a proposição – e o escopo da operação é justamente articular o impensado, pelo pensamento, no espaço da representação. Refiro-me agora ao Princípio Dual de trabalho de David Ricardo. 

A proposição assim que formulada está vazia, inclusive do valor que pode carregar; consiste tão somente em uma arquitetura que é comum a toda e qualquer proposição no curso desse tipo de operação.

Essa modelagem padronizada, genérica, organizadora de uma ordem única ao longo de toda a operação, descobre a essência da linguagem fora dela, nas operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, às quais Foucault denomina “designações primitivas – linguagem de ação ou raiz”.

Relacionamento entre

  • o Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo e o modelo de operações proposto no LD da Figura 2, a nossa Plataforma para exposição;
  • as fontes externas á linguagem e ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’ no LD da Figura 2, com:
    • designações primitivas e
    • linguagem de ação ou de uso, 
Relação entre
o texto do Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo,
de 1817, e as ideias - ou elementos de imagem -
do modelo de operações no LD da figura
Os elementos de imagem, as ideias,
que permitem formular o modelo de operações
desde fora da linguagem
a partir das designações primitivas
- e da linguagem de ação ou de raiz(*)

Carta ao site ‘Inconsciente coletivo’

Carta ao site 'Inconsciente coletivo'

O prefácio do ‘As palavras e as coisas’

Desde o Prefácio do ‘As palavras e as coisas’ Foucault nos oferece dois momentos muito ricos:

Essa animação pretende associar as ideias encontradas nesse texto, e respectivos elementos de imagem, plotados em figuras, a modelos de operações e de organizações existentes, que permitem reduzir seu alto grau de abstração e com isso facilitam o entendimento daquilo que Foucault coloca diante de nós com esse livro e ressalta a força da sua arqueologia.

A animação à qual o link acima dá acesso tem 7 min:27 seg de duração procurando relacionar o texto com modelos de operações e suas estruturas. E fala de coisas como:

  • Limites do nosso pensamento pela comparação quase que caricatural com outra configuração de pensamento e a impossibilidade de pensar determinadas coisas;
    • – Que coisa é impossível pensar? e
    • – De que impossibilidades se trata? 
  • Que há desordem pior do que a do incongruente e a da aproximação do que não convém:

é a desordem em que consistem os fragmentos de um grande número de ordens possíveis todas presentes na dimensão sem lei nem geometria do heteróclito,
(a animação mostra um par de modelos, um para a operações de produção e outro para uma organização empresarial típica, na qual esse grande número de ordens fica evidenciado)

·     o papel fundamental das Utopias no pensamento

·      a inquietação causada pelas heterotopias (modelos clássicos em geral) que:

    • solapam secretamente a linguagem
    • impedem de nomear isto e aquilo;
    • fracionam os nomes comuns ou os emaranham;
    • arruínam de antemão a sintaxe –
      (note bem, arruínam duas sintaxes e não apenas uma!):
      • não somente aquela sintaxe que constrói as frases;
      • mas aquela outra sintaxe, menos manifesta, que autoriza manter juntas, ao lado e em frente, umas das outras, as palavras e as coisas.
        (esta sintaxe só funciona na configuração do pensamento moderno, o de depois de 1825, e com a noção de objeto presente na estrutura do modelo de operações)


A – A minha questão propriamente dita

Falta um alinhamento filosófico entre argumentos usados nas discussões feitas sobre teorias, modelos e sistemas relacionados ao liberalismo e variantes, e isso não se restringe à discussão conduzida no vídeo 254.

como ademais, alinhamento desse tipo não costuma ser feito generalizadamente em discussões desse tipo, como se pode ver adiante 
    • pelo uso unanime no domínio da economia, de conceitos característicos do pensamento filosófico clássico, o de antes de 1775, segundo Michel Foucault, como ‘Mercado‘, ‘Processo‘, ‘Riquezas‘;
    • e pela não utilização, também unânime, de conceitos que caracterizam a configuração de pensamento surgida depois de 1825, segundo esse mesmo autor, como
      Lugar de nascimento do que é empírico’, Forma de produção, e Análise de produção’

Há entre os vídeos ‘Falando nisso’ 150 e 254 tomados em conjunto, um exemplo desse tratamento inconsistente e heterogêneo porque diferente em cada um, a respeito do mesmo movimento fundamental de pensamento, presente igualmente em nossa cultura: o movimento  feito por Lacan, ao alterar, desde na representação, em que ele via estar a psicanálise de Freud, para fora da representação, na psicanálise por ele formulada, encontra congêneres em outras áreas do pensamento.

Esse movimento feito por Lacan na psicanálise não é restrito a esse domínio, mas antes caracteriza a configuração do pensamento no pós descontinuidade epistemológica situada entre os anos de 1775 e 1825, e todas as áreas do saber em nossa cultura ocidental.

Tomo esses dois vídeos, o 150 e o 254, do canal Falando nisso, de Christian Dunker, como elementos de explanação dessa questão: a necessidade de alinhamento filosófico das discussões, levando em conta as mudanças como diz Foucault ‘do modo de ser fundamental das positividades’ antes e depois desse evento ao qual esse autor atribui a força de evento fundador da nossa modernidade no pensamento.

Sobre essas discussões:

I. no vídeo Falando nisso – 150: Signo, significante e significado de 08/10/2017, 

está em destaque um movimento no pensamento feito por Lacan:

I.1 manifestado pelo incômodo dele, Lacan, com a base fundamental da psicanálise de Freud, que ele via como sediada na representação;

I.2 e consumado pela decisão dele de criar uma outra psicanálise, no campo da linguagem, usando conceitos atinentes à fala, e agora sediada fora da representação.

II. no vídeo Falando nisso – 254: Neoliberalismo e sofrimento de 31/08/2019, 

teorias, modelos e sistemas ligados ao liberalismo não são questionados quanto às respectivas bases fundamentais – se fundados na representação ou se fora dela, e portanto sem uma verificação se mudança do mesmo teor e fundamentalidade que o desse movimento de pensamento feito por Lacan na psicanálise teria ou não ocorrido com essas produções do pensamento ligadas ao liberalismo. Note-se que o vídeo 150 é anterior ao 254.

    • II.1 Faltam as necessárias verificações, a serem feitas em todo o período de tempo abrangido pela discussão, sobre quais são as bases no pensamento em que se sustentam cada uma das teorias, modelos e sistemas relacionados ao liberalismo e neoliberalismo (e suas variantes).
    • II.2 Ao final do áudio deste vídeo 254 está a afirmação de que o liberalismo envolve uma psicologia. Entretanto, ao tempo em que a alteração feita por Lacan implica em uma alteração no modo como conhecemos o que dizemos conhecer, – uma alteração epistemológica, fica-se à espera do surgimento de mais do que uma psicologia, do mesmo modo que teríamos, e coexistentes, duas psicanálises diferentes.

Reflexões sobre o movimento feito por Lacan em sua psicanálise – desde modelo com base na representação para modelo baseado fora dela  

À primeira vista podem parecer duas coisas:

  • que a psicanálise de Lacan está ‘na linguagem’ e modelada com elementos atinentes à fala; e que a de Freud não está, ou que esta independa da linguagem ao contrário daquela.
  • e que a representação é a base da psicanálise de Freud, mas que a psicanálise de Lacan prescinde totalmente dessa ideia de representação, o que é falso.

Esta ideia, a representação, está em ambas as duas psicanálises, como não poderia deixar de ser dada a nossa condição humana. E a linguagem também está presente em ambas, obviamente, e o que muda é a configuração da linguagem usada em cada caso; melhor dizendo, muda a origem do valor carregado pela proposição às representações, em cada caso. E valor é o parâmetro que é considerado na decisão sobre se a troca pode ou não ser efetuada.

Dado que a alteração feita por Lacan em sua psicanálise está em que as proposições na linguagem por ele escolhida, carregam às representações valor cuja origem é externa à linguagem. Essa origem externa à linguagem do valor carregado na representação permite uma operação – de qualquer tipo inclusive de troca – muito mais ampla, porque pode se iniciar em um ponto em que a representação não existe. 

E aí está o interesse dessa linguagem, porque ela permite vislumbrar uma operação de troca que no lugar de analisar assim, diretamente, a troca de um objeto por outro, permite prospectar a permutabilidade de um objeto cuja representação ainda não existe, e dependendo dessa prospecção, levar o objeto ao Circuito das trocas, ou ao Mercado. 

Ou seja, a operação clássica do pensamento, que tinha como pressuposto a existência de todas as representações no início da operação, agora foi muito ampliada – exatamente pela alteração feita na linguagem, para considerar a operação de construção de representações para objetos ainda não representados.

O significado e o funcionamento do movimento feito por Lacan na psicanálise, à luz do pensamento de Michel Foucault no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.

Michel Foucault discorre sobre o significado e o funcionamento, com as razões e porquês, de um movimento de pensamento como o feito por Lacan e descreve

as duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações’ e as correspondentes origens de valor das proposições e da representação tanto na linguagem da psicanálise de Freud como na outra linguagem sobre a qual estaria a psicanálise de Lacan. Esse texto está em ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas, no Capítulo 6 – Trocar; tópico V. A formação do valor.

Por atingir a linguagem em seu âmago – nas origens do valor atribuído à proposição e carregado por ela para a representação, esse movimento é absolutamente geral e atinge todas as regiões do saber. Em resumo, o pensamento de Foucault nesse texto diz o seguinte:

Uma operação de troca envolve dois objetos, um deles dado pelo outro em operação de troca. Essa operação de troca, como fenômeno, guarda, portanto, relação próxima com as operações de obtenção de cada um desses dois objetos.

Podemos ver o que sejam operações, – sejam elas as de troca ou aquelas outras de obtenção de objetos eventualmente destinados a operações de trocas, segundo duas possibilidades de inserção do ponto de início de leitura dos fenômenos ‘operações’ e ‘operações de troca’. A escolha do posicionamento desses pontos de início de leitura do fenômeno operações, as de obtenção ou as de troca, é feita (se nos posicionamos do ponto de vista da troca) em função da disponibilidade ou não dos dois objetos requeridos para que essa operação de troca possa ocorrer,

  • Se sim, existem os dois objetos requeridos pela operação de troca: 

o ponto de leitura da operação pode ser posicionado no exato momento do cruzamento (do andamento das respectivas operações de obtenção) entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca; ou então

  • Se não existe pelo menos um dos objetos requeridos pela operação de troca: 

o ponto de leitura da operação precisa ser posicionado antes desse momento do cruzamento quando o objeto ainda não existe; e nesse momento inicia-se a prospecção da permutabilidade desse objeto ainda inexistente quando sua representação for construída, instanciada, e então for levado ao Circuito das trocas (ou Mercado). Faz-se, então, uma aposta de que esse objeto poderá, no futuro, fazer par com um outro em uma operação de troca em que um é dado e outro é recebido.

Obviamente que na segunda possibilidade – objeto ainda não disponível – o valor não pode ser proveniente da representação dele, que também não existe. O pensamento precisa, então, descobrir outra origem de valor para a representação que terá de construir, e isso se dá pela incorporação daquele tipo de atividade ‘que está na origem do valor das coisas’ e que só aparece com David Ricardo. E a operação de obtenção do objeto faltante é acionada e a representação para esse objeto é construída.

A cada uma dessas possibilidades de inserção do ponto de início de leitura do fenômeno ‘operações’ corresponde uma diferente origem do valor carregado pela proposição para a representação – existente ou em construção. E valor é o parâmetro que deve ser considerado para a decisão sobre se a troca será efetivada ou não.

As duas origens de valor atribuído à proposição e por ela carregado para a representação são os seguintes:

  • no ponto de cruzamento entre o objeto que é dado e o objeto que é recebido,

o valor é atribuído diretamente à proposição que o carrega para a representação;

  • no ponto de início da prospecção da permutabilidade do objeto ainda não disponível para troca, – e portanto da operação de construção da representação para o objeto não disponível -, 

o valor é carregado para a proposição a partir de sua origem obtida em:

    • designações primitivas;
    • linguagem de ação ou raiz (linguagem de uso).

Mercado, Processo, Riquezas: unanimidades como conceitos;

falta uma cartografia do espaço em que ocorrem operações: ‘Circuito das trocas’, ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, ‘Forma de produção’, Lugar desde onde se fala’, ‘Lugar do falado’

Há uma série de unanimidades quando se fala de teorias, modelos e sistemas ligados ao liberalismo e variantes; e ao mesmo tempo falta uma cartografia que mapeie o espaço em que ocorrem operações, seja aquelas de obtenção de coisas, sejam as operações de troca de objetos uns pelos outros:

  • A primeira é quanto à utilização da ideia de Mercado.

Entendendo Mercado como diz Foucault, como o ‘Circuito das trocas’, essa segunda possibilidade com o posicionamento do ponto de início de leitura da operação antes de o objeto estar disponível – a usada por Lacan, arrasta para o centro do cenário de operações o ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, anterior ao ‘Circuito das trocas’ ou Mercado.

  • outra unanimidade é a ideia de Processo.

O elemento central de operações que ocorrem no ‘Circuito das trocas’, ou Mercado é Processo. 

“Assim como a Ordem no pensamento clássico não era a harmonia visível das coisas, seu ajustamento, sua regularidade ou sua simetria constatados, mas o espaço próprio de seu ser e aquilo que, antes de todo conhecimento efetivo, as estabelecia no saber, assim também a História, a partir do século XIX, define o lugar de nascimento do que é empírico, lugar onde, aquém de toda cronologia estabelecida, ele assume o ser que lhe é próprio.” As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. 7 – Os limites da representação; tópico I – A idade da história

Michel Foucault fala de um certo ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, lugar onde exatamente aquele objeto que ainda não está disponível para uma operação de troca, como na segunda possibilidade acima, ‘assume o ser que lhe é próprio’, isto é, tem a respectiva representação construída. Veja a citação acima.

  • Forma de produção: o elemento central do modelo de operações sob o pensamento moderno

Mas entendendo o que ocorre no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, com seus subespaços ‘Lugar desde onde se fala’ e ‘Lugar do falado’, vemos que o elemento central desta operação de obtenção do objeto faltante para troca,  que pode ser entendida como uma prospecção da permutabilidade desse objeto, esse elemento central agora é ‘Forma de produção’ em vez de ‘Processo’. E logo será possível associar ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ e ‘Forma de produção’;  e estas duas ideias, ao Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo.

E praticamente ninguém fala do que seja ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, e pouco se fala de ‘Forma de produção‘ porque não cabem no pensamento monolítico de Adam Smith.

Processo e Forma de produção como verbos, segundo a teoria do verbo no ‘As palavras e as coisas’ de Michel Foucault

Com a intenção de diminuir possíveis dúvidas entre os conceitos de ‘Processo’ e o de ‘Forma de produção’, essas duas ideias, elementos centrais em configurações de pensamento diferentes, têm a natureza de verbos. Pois veja abaixo dois tratamentos dados por Foucault a verbos.

  • Para o verbo ‘Processo’

“A única coisa que o verbo afirma é a coexistência de duas representações: por exemplo, a do verde e da árvore, a do homem e da existência ou da morte; é por isso que o tempo dos verbos não indica aquele em que as coisas existiram no absoluto, mas um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si.” As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. IV – Falar; tópico III.  A teoria do verbo

Não por acaso, a estrutura Input-Output e seu sistema combinam à perfeição com um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si, e a visão de operações como uma transformação de Entradas em Saídas.

  • Para o verbo ‘Forma de produção’

“É preciso, portanto, tratar esse verbo como um ser misto, ao mesmo tempo palavra entre as palavras, preso às mesmas regras, obedecendo como elas às leis de regência e de concordância; e depois, em recuo em relação a elas todas, numa região que não é aquela do falado mas aquela donde se fala.” As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. IV – Falar; tópico III.  A teoria do verbo

Estamos diante da Forma de produção, um ser misto que habita o interior do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, e neste, o interior do ‘Lugar desde onde se fala’, pertencente ao domínio do Pensamento e da Língua.

  • e há uma unanimidade fortemente associada às teorias liberais: Riquezas

“Nem vida, nem ciência da vida na época clássica;
tampouco filologia.
Mas sim uma história natural, uma gramática geral.

Do mesmo modo, não há economia política
porque, na ordem do saber, a produção não existe.

Em contrapartida, existe, nos séculos XVII e XVIII,
uma noção que nos permaneceu familiar,
embora tenha perdido para nós sua precisão essencial.

Nem é de “noção” que se deveria falar a seu respeito,
pois não tem lugar no interior de um jogo de conceitos econômicos
que ela deslocaria levemente, confiscando um pouco de seu sentido
ou corroendo sua extensão.

Trata-se antes de um domínio geral:
de uma camada bastante coerente e muito bem estratificada,
que compreende e aloja, como tantos objetos parciais,
as noções de valor, de preço, de comércio, de circulação, de renda, de interesse.

Esse domínio, solo e objeto da “economia” na idade clássica, é o da riqueza.

Inútil colocar-lhe questões vindas de uma economia de tipo diferente, organizada, por exemplo, em torno da produção ou do trabalho; inútil igualmente analisar seus diversos conceitos (mesmo e sobretudo se seus nomes em seguida se perpetuaram, com alguma analogia de sentido), sem levar em conta o sistema em que assumem sua positividade.”  As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. 6 – Trocar; tópico I – A análise das riquezas

As visões de operações de todo tipo, incluindo as operações de troca envolvendo pares de objetos, quando na representação e quando fora da representação

Essas duas possibilidades de leitura da operação de troca correspondem a visões do fenômeno da troca e das operações de obtenção e de instanciamento dos dois objetos envolvidos e portanto são refletidas nos modelos das operações que ocorrem em cada caso. O fenômeno da troca sobrepõe-se ao fenômeno da obtenção e instanciamento respectivamente dos dois objetos.

Relação dessas duas visões de operações e de origens da linguagem com o pensamento de Adam Smith e David Ricardo

Podemos considerar o fenômeno operações como operação de obtenção de objeto, simplesmente, e também como operação de troca, com o par de objetos que também precisam ser obtidos. O posicionamento do ponto inicial de leitura do fenômeno operações, – nos dois casos -, pode ser feito no ponto em que um dos objetos envolvidos na troca ainda não está disponível, antes da possibilidade da troca. Isso implica em uma formidável ampliação da visão que temos do fenômeno ‘operação’ e ‘operação de troca’.

A visão desse fenômeno se expande e passa a incluir todo o caminho da Construção da representação (projeto) do objeto ainda não disponível.

Esse ponto de início está posicionado antes do momento em que uma troca é possível.

Pois foi exatamente essa formidável expansão de horizontes tanto na ‘operação de obtenção’ de um dos objetos, como também na ‘operação de troca’ de um par de objetos um pelo outro, em que esse objeto esteja envolvido, que foi feita por David Ricardo, em 1817, ampliando o conceito de trabalho se tivermos como referência o pensamento de Adam Smith, de 1776.

E exatamente por isso Ricardo e Smith não podem ser tratados em um mesmo bloco.

Se a cartilha do liberalismo for a de Adam Smith e Locke, como comumente se propala, Ricardo está fora.

Não pertencem ao mesmo bloco se considerarmos como critério o modo como cada um deles ‘conhece’ o que seja trabalho, epistemologicamente distinto. Não dá para entender uma teoria, modelo ou sistema que tenha como fundadores simultaneamente Smith e Ricardo sem perceber que, a despeito de muitas semelhanças e congruências, toma-los no mesmo bloco é desconhecer o movimento feito por Lacan na psicanálise.

Veja nesta página os dois princípios de trabalho, o de Adam Smith, de 1776, e o de David Ricardo, de 1817, posicionados por Michel Foucault de lados opostos da Descontinuidade epistemológica por ele situada entre os anos de 1775 e 1825.

 B – A ausência do homem nas teorias, modelos e sistemas sob o pensamento filosófico clássico, o de antes de 1775, segundo Michel Foucault

Michel Foucault é direto, claro e taxativo sem deixar margem a dúvidas. Veja as seguintes citações dele no ‘As palavras e as coisas”:

“Antes do fim do século XVIII, o homem não existia. Não mais que a potência da vida, a fecundidade do trabalho ou a espessura histórica da linguagem. É uma criatura muito recente que a demiurgia do saber fabricou com suas mãos há menos de 200 anos: mas ele envelheceu tão depressa que facilmente se imaginou que ele esperara na sombra, durante milênios, o momento de iluminação em que seria enfim conhecido. Certamente poder-se-ia dizer que a gramática geral, a história natural, a análise das riquezas eram, num certo sentido, maneiras de reconhecer o homem, mas é preciso discernir. Sem dúvida, as ciências naturais trataram do homem como de uma espécie ou de um gênero: a discussão sobre o problema das raças, no século XVIII, o testemunha.  As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico II – O lugar do rei


“É por isso, sem dúvida, que a história natural, na época clássica, não se pode constituir como biologia. Com efeito, até o fim do século XVIII, a vida não existe. Apenas existem seres vivos. Estes formam uma, ou antes, várias classes na série de todas as coisas do mundo: e se se pode falar da vida, é somente como de um caráter – no sentido taxinômico da palavra – na universal distribuição dos seres.” Cap. V – Classificar; VII – O discurso da natureza

O surgimento do homem em nossa cultura: o tipo de reflexão que se instaura em nossa cultura, marcando a entrada em nossa modernidade no pensamento

“Instaura-se uma forma de reflexão, bastante afastada do cartesianismo e da análise kantiana, em que está em questão, pela primeira vez, o ser do homem, nessa dimensão segundo a qual o pensamento, se dirige ao impensado, e com ele se articula.” Cap. 9. O homem e seus duplos; tópico V – O “cogito” e o impensado

“A partir de Ricardo, o trabalho, desnivelado em relação à representação, e instalando-se em uma região onde ela não tem mais domínio, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria.”  Cap. 8. Trabalho, Vida e Linguagem; tópico II. Ricardo

Todos os autores considerados como fundamentos do liberalismo estão posicionados por Foucault no período clássico do pensamento filosófico em nossa cultura.

C – Os dois obstáculos enfrentados por Foucault: a impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação e a obrigação de constituir, para além do objeto, os quase transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem:

  • obstáculo 1: a impossibilidade encontrada em certa configuração do pensamento, de fundar as sínteses  – do objeto da operação de pensamento, através de sua representação (projeto) -,
    no espaço da representação;
  • obstáculo 2: a obrigação de abrir o campo transcendental da subjetividade e constituir, para além do objeto, dos quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem

um espectro de modelos pode ser traçado entendendo esses obstáculos descritos por Foucault

Esses são os dois obstáculos ou pedras de tropeço que Foucault teve de enfrentar em seu trabalho no ‘As palavras e as coisas’. Veja aqui o que ele diz:

“Eis que nos adiantamos bem para além do acontecimento histórico que se impunha situar – bem para além das margens cronológicas dessa ruptura que divide, em sua profundidade, a epistémê do mundo ocidental e isola para nós o começo de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades. É que o pensamento que nos é contemporâneo e com o qual, queiramos ou não, pensamos, se acha ainda muito dominado pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII, de fundar as sínteses no espaço da representação e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma, de abrir o campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, para além do objeto, esses “quase-transcendentais” que são para nós a Vida, o Trabalho, a Linguagem.” Cap. 8 – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I – As novas empiricidades

Segmentos de um espectro de modelos:

  • AQUÉM do objeto: modelos incapazes de fundar as sínteses no espaço da representação
  • DIANTE do objeto: modelos capazes de fundar as sínteses no espaço da representação;
  • Para ALÉM do objeto: modelos nos quais os “quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem estão constituídos

Um primeiro critério ‘macro’ para separar teorias, modelos e sistemas quanto a suas propriedades originais e constitutivas.

D – Adam Smith e David Ricardo

“Na análise de Adam Smith, o trabalho devia seu privilégio ao poder que se lhe reconhecia de estabelecer entre os valores das coisas uma medida constante: permitia fazer equivaler na troca objetos de necessidade cujo aferimento de outro modo teria sido exposto à mudança ou submetido a uma essencial relatividade. No entanto, só podia assumir tal papel à custa de uma condição: era preciso supor que a quantidade de trabalho indispensável para produzir uma coisa fosse igual à quantidade de trabalho que essa coisa, em retorno, pudesse comprar no processo da troca. Ora, como justificar essa identidade, em que fundá-la a não ser sobre uma certa assimilação, admitida na sombra mais que esclarecida, entre o trabalho como atividade de produção e o trabalho como mercadoria que se pode comprar e vender? Nesse segundo sentido, ele não pode ser utilizado como medida constante, pois “experimenta tantas variações quanto as mercadorias ou bens com os quais pode ser comparado”1. Essa confusão, em Adam Smith, tinha sua origem no primado concedido à representação: toda mercadoria representava certo trabalho, e todo trabalho podia representar certa quantidade de mercadoria. A atividade dos homens e o valor das coisas comunicavam-se no elemento transparente da representação. É aí que a análise de Ricardo encontra seu lugar e a razão de sua importância decisiva. Ela não é a primeira a organizar um lugar importante para o trabalho no jogo da economia; mas faz explodir a unidade da noção, e distingue, pela primeira vez, de uma forma radical, essa força, esse esforço, esse tempo do operário que se compram e se vendem, e essa atividade que está na origem do valor das coisas. Ter-se-á pois, por um lado, o trabalho que os operários oferecem, que os empresários aceitam ou demandam e que é retribuído pelos salários; por outro, ter-se-á o trabalho que extrai os metais, produz os bens, fabrica os objetos, transporta as mercadorias e forma assim valores permutáveis que antes dele não existiam e sem ele não teriam aparecido. Certamente, para Ricardo como para Smith, o trabalho pode realmente medir a equivalência das mercadorias que passam pelo circuito das trocas: “Na infância das sociedades, o valor permutável das coisas ou a regra que fixa a quantidade que se deve dar de um objeto por outro só depende da quantidade comparativa de trabalho que foi empregada na produção de cada um deles.” A diferença, porém, entre Smith e Ricardo está no seguinte: para o primeiro, o trabalho, porque analisável em jornadas de subsistência, pode servir de unidade comum a todas as outras mercadorias (de que fazem parte os próprios bens necessários à subsistência); para o segundo, a quantidade de trabalho permite fixar o valor de uma coisa, não apenas porque este seja representável em unidades de trabalho, mas primeiro e fundamentalmente porque o trabalho como atividade de produção é “a fonte de todo valor”. Já não pode este ser definido, como na idade clássica, a partir do sistema total de equivalências e da capacidade que podem ter as mercadorias de se representarem umas às outras. O valor deixou de ser signo, tomou-se um produto.” Cap. 8 – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico II. Ricardo

Insistindo com 4 citações de Foucault e comentários

Insistindo com Christian, com 4 citações de Foucault

Insisto em que leia o comentário que fiz sobre os objetos dos temas abordados nos vídeos Falando nisso 150 e 254, buscando estabelecer entre eles um paralelo. Faço isso antes de tudo pelo seu trabalho, pela sua capacidade de comunicação com as pessoas, pela seriedade que todo esse seu comportamento me transmite. 

Eu vejo o ‘As palavras e as coisas’ um livro seminal. Quem lê esse livro e entende o que nele é dito, não volta mais a ser o mesmo depois disso.

Isso significa entre outras coisas o seguinte:

Há uma unanimidade na utilização frequente de certas ideias quando se trata de modelos sócio-econômico-políticos: Mercado, Processo, Riquezas são largamente usados.

Mas ‘em Foucault’ como dizem os acadêmicos, 

  • Mercado nos remete imediatamente ao ‘Circuito das trocas’; 
  • Processo nos remete a um tipo de verbo que atua sobre um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade  das coisas entre si – a famosa estrutura Input-Output; 
  • e Riquezas nos remete não a um conceito mas a um domínio confuso que abrange uma quantidade de conceitos todos sob o pensamento clássico, o de antes de 1775.

E há uma outra unanimidade, agora da não utilização de outros conceitos: Lugar de nascimento do que é empírico, Forma de produção, a estrutura de conceitos do pensamento moderno, o de depois de 1825 que integram a Análise da produção.

Lugar de nascimento do que é empírico; Forma de produção; Análise da produção 

Dou a palavra a Michel Foucault em quatro passagens desse grande livro e depois comento rapidamente:

  1. “Antes do fim do século XVIII, o homem não existia. Não mais que a potência da vida, a fecundidade do trabalho ou a espessura histórica da linguagem. (…) Certamente poder-se-ia dizer que a gramática geral, a história natural, a análise das riquezas eram, num certo sentido, maneiras de reconhecer o homem, mas é preciso discernir. Sem dúvida, as ciências naturais trataram do homem como de uma espécie ou de um gênero: a discussão sobre o problema das raças, no século XVIII, o testemunha.” IX – O homem e seus duplos; tópico II – O lugar do rei
  2. “Nem vida, nem ciência da vida na época clássica; tampouco filologia. Mas sim uma história natural, uma gramática geral. Do mesmo modo, não há economia política porque, na ordem do saber, a produção não existe. Em contrapartida, existe, nos séculos XVII e XVIII, uma noção que nos permaneceu familiar, embora tenha perdido para nós sua precisão essencial. Nem é de “noção” que se deveria falar a seu respeito, pois não tem lugar no interior de um jogo de conceitos econômicos que ela deslocaria levemente, confiscando um pouco de seu sentido ou corroendo sua extensão. Trata-se antes de um domínio geral: de uma camada bastante coerente e muito bem estratificada, que compreende e aloja, como tantos objetos parciais, as noções de valor, de preço, de comércio, de circulação, de renda, de interesse. Esse domínio, solo e objeto da “economia” na idade clássica, é o da riqueza. Inútil colocar-lhe questões vindas de uma economia de tipo diferente, organizada, por exemplo, em torno da produção ou do trabalho; inútil igualmente analisar seus diversos conceitos (mesmo e sobretudo se seus nomes em seguida se perpetuaram, com alguma analogia de sentido), sem levar em conta o sistema em que assumem sua positividade. Cap. 6 – Trocar; tópico I – A análise das riquezas
  3. “Instaura-se uma forma de reflexão bastante afastada do cartesianismo e da análise kantiana, em que está em questão, pela primeira vez, o ser do homem, nessa dimensão segundo a qual o pensamento se dirige ao impensado e com ele se articula.” Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico V. O “cogito” e o impensado
  4. “A partir de Ricardo, o trabalho, desnivelado em relação à representação, e instalando-se em uma região onde ela não tem mais domínio, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria.” Cap. VIII. Trabalho, Vida e Linguagem; tópico II. Ricardo
  5. “Classificar, portanto, não será mais referir o visível a si mesmo, encarregando um de seus elementos de representar os outros; será, num movimento que faz revolver a análise, reportar o visível ao invisível, como à sua razão profunda, depois alçar de novo dessa secreta arquitetura em direção aos seus sinais manifestos, que são dados à superfície dos corpos.” Cap. VII – Os limites da representação; Tópico III – A organização dos seres

Sobre as citações (A), (B) e (C)

Não consigo vislumbrar como é possível falar de subjetividade ou de subjetivação hoje, nos mesmos termos de autores imersos em uma cultura em que o homem era tratado como uma espécie, ou um gênero.

E Foucault é claríssimo em posicionar Adam Smith, Locke, Hume, Bentham, Rousseau, como autores clássicos tendo como critério o tratamento dado ao homem nos respectivos trabalhos todos antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825. Nenhum deles utilizava esta forma de reflexão da citação (C).

Sobre as citações (C) e (D).

Eu associo – usando o pensamento de Foucault– o pensamento de Lacan em sua psicanálise fora da representação ao que dizem as citações (B) e (C):

  1. a essa forma de reflexão que se instaura (B) é também construída em região em que a representação não tem mais domínio; e
  2. E esse locus e esse tipo de organização do trabalho atribuídas a David Ricardo, cuja formulação assim como a de Lacan, instala-se em uma região onde a representação não tem mais domínio e organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria.

“A partir de Lacan, a psicanálise, desnivelada em relação à representação, e instalando-se em uma região onde ela não tem mais domínio, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria”

Aí Michel Foucault ajuda muito: ele posiciona Adam Smith, 1776 e David Ricardo, 1817 de lados opostos de uma descontinuidade epistemológica descrita por ele como tendo ocorrido entre 1775 e 1825. Daí que a pretensão e o objetivo do vídeo 254, citando Michel Foucault como referência, não deveriam permitir o tratamento de Adam Smith e David Ricardo no mesmo bloco.

de um lado, e os autores chamados de pais do liberalismo Locke, Hume, etc. como imersos em uma cultura de antes do século XVIII,   

 
Notifications
Clear all

Projeto Formulador Fórum

Categoria Principal
Posts
Tópicos

Fórum Principal

This is a simple parent forum
2
1
Compartilhar:

espaço para discussão de conceitos

icone-MFoucault-01
Michel Foucault 1926-1984

A percepção da contaminação do pensamento com o qual pensamos, pela impossibilidade de fundar as sínteses na representação

“Eis que nos adiantamos bem para além
do acontecimento histórico que se impunha situar
– bem para além das margens cronológicas
dessa ruptura que divide, em sua profundidade,
a epistémê do mundo ocidental
e isola para nós o começo
de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades.

É que o pensamento que nos é contemporâneo
e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
se acha ainda muito dominado
pela impossibilidade,
trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
de fundar as sínteses no espaço da representação
e pela obrigação
correlativa, simultânea,

mas logo dividida contra si mesma,
de abrir o campo transcendental da subjetividade
e de constituir inversamente,
para além do objeto,
esses “quase-transcendentais” que são para nós
a Vida, o Trabalho, a Linguagem.”

A nova forma de reflexão se instaura no pensamento em nossa cultura, o motor constituinte “dessa maneira moderna de conhecer empiricidades”

“Instaura-se um tipo de reflexão
bastante afastado do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
tópico I. As novas empiricidades

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. IX – O homem e seus duplos ;
tópico V – O “cogito” e o impensado.

  • a impossibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé clássica.
  • essa impossibilidade de fundar as sínteses implica na seleção da visão de ‘operações’ e análise de valor no exato ponto de cruzamento entre o dado e o recebido, e para a primeira possibilidade de análise de valor. 
  • a possibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé moderna.
  • essa possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação implica em uma visão de ‘operações’ e análise de valor antes do ponto de cruzamento acima, o que leva o modelo para a segunda possibilidade de análise de valor.
  • essa forma de reflexão que se instaura no pensamento em nossa cultura exige duas coisas: 
    • o ‘ser do homem’;
    • o impensado e sua contrapartida no espaço da representação

a percepção  dessa contaminação, dominação mesmo,
do pensamento com o qual ‘queiramos ou não‘ pensamos,
– hoje em dia, e aqui e agora –
por configurações de pensamento
com a possibilidade, e também
com impossibilidade
de fundar as sínteses – da empiricidade objeto – 
no espaço da representação
muda completamente os domínios e os lugares onde ocorrem as operações,
 as paletas de ideias ou elementos de imagem, assim como as estruturas e os relacionamentos entre eles.

A primeira pedra de tropeço
no caminho de Michel Foucault
comparações feitas por Foucault de diferentes configurações de pensamento
Uma operação, de pensamento, de produção, etc. com a paleta de ideias e a estrutura do pensamento moderno, de depois da descontinuidade epistemológica ocorrida no período 1775-1825, segundo Michel Foucault

Há diferentes modelos
que formulamos para 
visões de ocorrências 
no espaço-tempo x, y, z e t.

Ao suspeitar
da contaminação do pensamento
– do nosso, daquele com o qual queiramos ou não pensamos –
por essa impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, ele manifesta sua percepção de que de fato isso acontece em volta de nós e conosco.

Esses modelos,
diferentes em seus fundamentos,
são usados juntos
e/ou simultaneamente
no mesmo domínio e ambiente 
em um pensamento
contaminado
por duas epistemologias,
ou por duas maneiras
de conhecer
aquilo que dizemos
que conhecemos.

Existem modelos,
todos em uso atualmente,
que podem ser agrupados
em duas famílias:

  • aqueles com a possibilidade
  • e aqueles com a impossibilidade 

 de fundar as sínteses
 – da empiricidade objeto da operação-
no espaço da representação.

Essa a distinção entre modelos
  com e modelos sem essa possibilidade
de fundar as sínteses
[da empiricidade objeto da operação]
no espaço da representação,
que Michel Foucault faz sugere que analisemos os modelos de operações e de organizações existentes, isto é, nos modelos que usamos hoje, em busca de características de características, ou características de segunda ordem, pelas quais podem ser associados com o pensamento antes, depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825, oferecendo os necessários elementos para identificação.

A figura na coluna do meio acima mostra a configuração do pensamento (o clássico,  de antes de 1775), com a impossibilidade de fundar as sínteses (da(s) empiricidade(s) objeto da operação) no espaço da representação.

Clicando nessa figura, a animação mostrará as alterações em toda a configuração do pensamento, para levantar essa impossibilidade.

A alteração se passa no lado direito da figura. 

A primeira coisa que muda é o tipo de reflexão que se instaura. 

Como decorrência, muda toda a paleta de ideias, ou elementos de imagem; 

Muda ainda o perfil do pensamento em cada configuração: 

  • o referencial
      • a ordem pela ordem
      • dá lugar à utopia do não articulado;
  • os princípios organizadores
      • que eram Caráter e Similitude
      • passam a ser Analogia e Sucessão;
  • e os métodos,
      • que eram identidade e semelhança
      • passam a ser Análise e Síntese.

Lista de posts

Psicanálise e etnologia

Psicanálise e etnologia “A psicanálise, com efeito, mantém-se o mais próximo possível desta função crítica acerca da qual se viu   que era interior a todas as ciências

Leia mais »

Espírito com que lhes escrevo

Espírito com que lhes escrevo Escrevo-lhes tendo em mente duas cenas do filme ‘A sociedade dos poetas mortos’, que gostaria que revissem. e por falar

Leia mais »

dez (10) pontos para contextualização entre Prefácio e texto do livro
'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'

1. A Forma de Reflexão que se instaura em nossa cultura
2. Proposição: o bloco padrão genérico e fundamental
para construção de representações
3. Princípios organizadores do pensamento de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
4. O Conceito de verbo no pensamento clássico,
o de antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
5. O conceito de verbo no pensamento moderno, o de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
6. As duas sintaxes mencionadas por Foucault no Prefácio
6.1 A sintaxe que autoriza a construção das frases
6.2 A sintaxe que autoriza manter juntas
as palavras e as coisas
7. O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith,
de 1776
8. O princípio dual de trabalho de David Ricardo,
de 1817
8.1 A importância de David Ricardo,

Nosso roteiro (Michel Foucault) e nossa inspiração (Humberto Maturana)

Influências e inspirações

1 a influência de Vilém Flusser no livro ‘Filosofia da caixa preta’: 

uso das funções reversíveis Imaginação e Conceituação para navegar, ida e volta, entre 

textos ↔ imagens ↔ e ocorrências espacio-temporais; 

e ainda, não menos importante

    • as imagens tradicionais, as imagens técnicas, as classes de abstrações que usamos cotidianamente;
Vilém-Flusser-Portrait-008
Vilém Flusser
1920-1991

2 as sugestões de Humberto Maturana nos livros: Cognição, Ciência e Vida cotidiana; Emoções e Linguagem na Educação e na Política; ‘De máquinas e de seres vivos’:

objeções e propostas de mudança feitas por Maturana ao fazer dos pesquisadores em IA do MIT do final dos anos ’50, aceitação de algumas das críticas feitas, e aparentemente, uma alteração de rota;

Humberto Maturana
1928-

3 a influência especialmente muito forte de Michel Foucault no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’:

a descoberta de duas pedras de tropeço durante seu trabalho nesse livro, a saber:

    • uma impossibilidade (ainda em nossos dias) de fundar as sínteses no espaço da representação, presente no nosso pensamento cotidiano;
    • e uma obrigação de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida(Biologia), Trabalho(Economia) e Linguagem(Filologia).
Michel Foucault
1926-1984

 

A Figura 2 original de Maturana

Figura 2 – Diagrama ontológico; Reflexões epistemológicas, do livro Cognição, Ciência e Vida cotidiana;
pi Figura 2 – O explicar e a experiência; Linguagem, Emoções e Ética nos Afazeres Politicos,
do livro Emoções e Linguagem na Educação e na Política

Esquadrinhamento da Figura 2 de Maturana para ajustes

A Figura 2 – Diagrama ontológico ou O explicar e a experiência, de Maturana 
esquadrinhamento da figura com comentários e propostas de alterações
usando o pensamento de Michel Foucault

 

O circuito ida e volta possibilitado por funções
Imaginação e Conceituação reversíveis

classes de abstrações:
Graus da abstração;
Dimensões próprias a cada caso

Roteiro e inspiração

 

  • Estar na linguagem segundo Humberto Maturana

    Estar na linguagem é uma coordenação de coordenações consensuais de ações

  • Pedra fundamental do pensamento de Maturana no início do seu trabalho

    A pedra fundamental do pensamento de Humberto Maturana

HM foto 1

Humberto Maturana Romesin
1928 –

  • Um salto para fora do cartesianismo

    Salto para fora do cartesianismo: Vilém Flusser em Pensamento e Reflexão

  • As imagens tradicionais

  • As imagens técnicas, as construídas por aparelhos

    Imagem técnica – aquele tipo de imagem produzida por um aparelho.

vilem

Vilém Flusser
1920-1991

Fale conosco

O sistema SIPOC/FEPSC

O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

- História, modo de ser fundamental das empiricidades,
. o Circuito das trocas e o Lugar de nascimento do que é empírico
. Pensamento conservador e pensamento progressista

Posição relativa do par sujeito-objeto e o modelo de operações

Aquém 

história como sucessão de fatos
tais como se sucederam

História como sucessão de fatos tais como se sucederam

Diante e Além

história como alterações no ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades

História como mudança no 'modo de ser fundamental'

Duas possibilidades de leitura de operações;
duas origens de valor (interna e externa na linguagem) para representações

Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes - duas abrangências muito diferentes

Ciência e Tecnologia dependem da Filosofia e são funções das ferramentas de pensamento de que dispõe a configuração do pensamento utilizada em sua geração.

Os três movimentos do pensamento segundo Vilém Flusser

Usando o pensamento de Vilém Flusser:

  • Pensamento é um transformador do duvidoso em língua;
  • Filosofia, ou Reflexão, é texto produzido pelo pensamento ao voltar-se contra si mesmo para corrigir-se e renovar-se.
  • ciência, como o resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo, para compreendê-lo, é texto filosófico aplicado. 
  • e tecnologia, como resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo para modificá-lo, é texto científico aplicado; 

Descontinuidades epistemológicas refletem conquistas humanas no pensamento e são aprimoramentos na maneira que usamos para conhecer.  Há portanto uma relação entre, de um lado, o modo como colocamos em marcha nosso desejo de transformar o duvidoso em língua a cada nível, e de outro lado, a filosofia que temos, e a Ciência que temos, ou a tecnologia de que dispomos. Filosofia, Ciência e Tecnologia são funções do como como vemos o mundo e as coisas.

Michel Foucault (*) descreve uma descontinuidade epistemológica (uma alteração no modo como nos voltamos para o mundo para conhecer o que dizemos que conhecemos), e aponta com toda clareza diferentes jogos de ferramentas de pensamento ou estruturas conceituais, características de uma e de outra dessas epistemologias, de um e de outro lado desse evento. E aponta um período em nossa cultura ocidental, em que o pensamento esteve dominado por uma característica do período anterior.

A solução de questões trazidas à luz por essa nova maneira de conhecer (a nova epistemologia) não poderão ser resolvidas se correspondentes ciência e tecnologia não forem desenvolvidas também.

Pensamento conservador e progressista

Acompanhando o trabalho arqueológico de Michel Foucault em direção a essa classe especial de saberes, a esse conjunto de discursos chamado de ciências humanas, vê-se que em certo período consolidou-se um tipo de pensamento em cuja configuração a etapa de construção de novas representações foi incorporada. Antes disso, essa etapa de construção da representação nova ficava fora do escopo do pensamento, e depois disso essa etapa permaneceu definitivamente incorporada.

Para a configuração de pensamento que deixa fora do seu escopo a etapa de construção de novas representações a alternativa é conviver com tudo o que existe desde sempre e para sempre, tomando as coisas como pré-existentes e pertencentes ao Universo. Esse modo de pensar tem características de conservadorismo, enquanto aquela outra configuração do pensamento que inclui em seu escopo a geração de novas representações, as características de progressismo.

Neste trabalho algumas – bastantes – características de uma e de outra dessas duas características de configurações do pensamento foram apresentadas o que de certa forma pode ser usado para qualificar com algo mais do que a qualidade ‘conservador’ um pensamento de direita; e com a qualidade ‘progressista’ um pensamento de esquerda, delineando com mais precisão uma e outra dessas configurações.

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

Panorama visto desde meu posto de observação

É real hoje, aqui, agora, e entre nós, a percepção – feita por Foucault – do domínio/contaminação do pensamento – ‘com o qual queiramos ou não pensamos‘ – pela impossibilidade de fundar as sínteses (do pensamento sobre a empiricidade objeto da operação) no espaço da representação(*).

Esse tipo de pensamento dominante, aquele com a impossibilidade de fundar as sínteses, é ao mesmo tempo o tipo de pensamento que não inclui a operação de construção de novas representações. E a estrutura das operações sem essa etapa reforça essa impossibilidade. Nesse contexto modelos com e modelos sem essa impossibilidade são tratados como se variações sobre o mesmo tema fossem, e não produções do pensamento completamente diferentes.

Estamos projetando e usando hoje, modelos para operações e organizações, de produção e outras, com o pensamento de exatos dois séculos atrás.

Para que isso possa ser percebido pelo projetista de modelos em diversas áreas é necessário o rompimento das condições em que se dá essa contaminação e esse domínio de uma das configurações de pensamento sobre a outra, obliterando justamente aquela que corresponde a uma conquista humana no pensamento. Para que isso aconteça é necessário que seja atendido um requisito: a construção de um critério para identificação e comparação de modelos, e sua aplicação no caso presente.

Daqui de onde vejo as coisas, é unânime a visão das coisas em termos de processo. Ninguém fala de nada além de processos: mapeia-se processos, otimiza-se processos, etc. etc. o que quer que seja, mas sempre processos. Sem que nos demos conta de como sejam as diferentes estruturas das operações em que tais ‘processos’ ocupam posição operacional. 

Michel Foucault pode fornecer os elementos necessários para a construção desse critério. Nossa intenção aqui é destacar em Foucault o que pode ser usado para o estabelecimento de uma relação pensamento – e sua aplicação na modelagem de operações em organizações. 

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

Cronologia do evento fundador da nossa modernidade no pensamento;
linha de tempo com os períodos de contaminação do pensamento
por configurações diferentes.

uma cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
o evento fundador da nossa modernidade no pensamento
Linha de tempo das conquistas humanas no pensamento e respectiva utilização prática

Acoplamentos estruturais do sistema descrito no LD - o Explicar com Reformular: os internos e aqueles com o ambiente externo

Diante e para Além do objeto

Acoplamento estrutural interno:
condições de possibilidade
Acoplamento estrutural interno:
pontos de acoplamento
Acoplamento estrutural externo:
parcial quando há diferenças nas estruturas
  • os domínios do Operar – retângulo vermelho; e do Suporte ao operar – domínio amarelo, que compõem o ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ parte do ‘Explicar com ‘Reformular’ a empiricidade objeto, durante o caminho da Construção da representação, são exemplo do primeiro acoplamento interno. Acoplamento semelhante ocorre durante o caminho do Instanciamento da representação.(*)

     

  • há ainda acoplamentos externos ‘por cima’, lateralmente, e por baixo da estrutura no LD da figura nos dois caminhos o da Construção e o do Instanciamento. O acoplamento externo ‘por cima’ depende da estrutura com a qual se dará acopamento, e pode ser parcial.

Playground para projetistas de modelos: uma coleção de modelos de diversos tipos, para aplicação dos conceitos apresentados

Uma coleção com mais de duas dúzias de modelos, (*) para descobrir com que tipo de pensamento foram feitos:

  • se COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; ou
  • ou se SEM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação

(*) Proposta de metodologia para o planejamento e implantação de manufatura integrada por computador
de Bremer, C. F. USP SC fev 1995; entre outras fontes

Estruturas dos modelos, resultantes da utilização do referencial,dos princípios organizadores e dos métodos usados pelo pensamento, por segmento de modelos 

Aquém do objeto

Modelo de operações de Buffa e modelo de uma organização adaptado de Mauro Zilbovicius

Diante do objeto

Modelo de operações do Kanban e modelo de organização da Reengenharia

Além do objeto

Modelo de uma ciência humana Análise da produção como exemplo de qualquer outro modelo de ciência humana
Estrutura matricial – Quadro de categorias clássico. Utilização de várias ordens ligeiramente diferentes em um mesmo modelo de operações.
Estrutura hierárquica característica do objeto análogo composto substitutivo ao vislumbrado. Utilização de uma única ordem ao longo do modelo.
Mesmas características dos modelos para o segmento Diante do objeto, mas aqui, com um modelo constituinte combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.

O modelo 5W2H, de um lado, e de outro, o modelo de operações do Kanban
e o modelo proposto no LD da Figura 2: usos diferentes para as mesmas ideias
ou elementos de imagem envolvidos na formulação da proposição

Aquém do objeto

Diante e Além do objeto

Modelo Provision Workbench, da Proforma
Modelo de operações de produção do Kanban
Modelo proposto para 'uma certa maneira de conhecer empiricidades'

O exame dessas três figuras mostra que ideias, elementos de imagem, homônimos, podem ser usados de modo diferente em modelos feitos sob estruturas conceituais diferentes.

No modelo 5W e 2H no lado esquerdo acima, o destaque dado pelo losango em vermelho é nosso. Não estava na figura original. A figura é organizada por um sistema de categorias composto pelas 7 perguntas 5W2H. 

O modelo da produção do Kanban é sim-discriminativo com relação ao elemento componente do objeto da operação de produção, e é formulado como uma proposição instanciativa de um objeto previamente projetado, e portanto cuja representação foi anteriormente construída

O modelo de operações de construção de representação para empiricidade objeto (LD da figura) é feito calcado no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo; está evidenciada a formulação no formato de uma proposição. A origem de valor adotada está nas designações primitivas ( conjunto de operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites) e da linguagem de uso (o Repositório)

O pensamento de outros grandes pensadores:
John Dewey e seus dois modos de ver o mundo;
Ilya Prigogine e o conceito de caos para a ciência moderna

Diante do objeto

Ver [homem e experiência] e [natureza] vistos juntos
Os conceitos de caos, na ciência moderna;
e de Arte como a formulação com leis e eventos

As duas animações acima – a nosso ver – apenas mostram que tanto John Dewey na sua visão [homem] [experiência] e [natureza] juntos; quanto Ilya Prigogine  na sua visão do que seja caos na ciência moderna, estão pensando com uma configuração de pensamento COM a possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, o que não era comum para a ciência clássica, toda reversível.

Sistema Formulador

Aquém do objeto

Modelo relacional de dados do Microsoft Project 4.0

Diante do objeto

Módulo central do Sistema Formulador

O Sistema Formulador:

É um ante-projeto de um sistema para gestão de projetos com estrutura conceitual consistente com o pensamento moderno. 
O módulo principal do sistema é uma unidade lógica que relaciona entidades envolvidas na proposição enunciadora de operações, mantidas em banco de dados, e gera sistematicamente o modelo de operações. O Microsoft Project, então, importa o modelo gerado como se fosse próprio, e a gestão continua, agora com um modelo gramaticalmente correto e criteriosamente estruturado.

Este é um ante-projeto de um sistema de gestão COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; esse sistema pode evoluir para um sistema visual de gestão e outros aplicativos.

Destaque para dois modelos existentes:
1) LE, o SIPOC (FEPSC) do SixSigma; 2) LD e o Visão da PHD, da PHD Brasil
e no centro, as diferenças entre eles

Aquém do objeto

O diagrama FEPSC (SIPOC) mostrando a estrutura

diferenças

Comparação

Diante do objeto

A Visão da PHD

Comparação do modelo SIPOC ou FEPSC – SixSigma(*) com o modelo Visão da PHD(**) do ponto de vista das estruturas respectivas.
A animação central mostra o que falta – estruturalmente – ao SixSigma para ter a estrutura do modelo da direita.

(*) Gestão integrada de processos e da tecnologia da informação; capítulo Identificação, análise e melhoria de processos críticos Figura 3.1 Representação da FEPSC, de Roberto Gilioli Rotondaro
Coordenadores: Fernando José Barbin Laurindo e Roberto Gilioli Rotondaro, Editora Atlas, jan/2006
(**) A Visão da PHD, da empresa PHD Brasil

O mapa de operações de produção do Kanban;
e o mapa da organização segundo a Reengenharia

Diante do objeto

Modelo de operações
do Kanban

Modelo de operações do Kanban

Mapa da organização
segundo a Reengenharia

Mapa da Reengenharia (modificado) e comentado

Temos à esquerda, o modelo do Kanban com a referência (*) abaixo. e á direita, a Figura 7.1 do livro Reengenharia, referência (**) abaixo. São organizados sobre a proposição, e pertencem à configuração do pensamento moderno.  Você pode certificar-se  da veracidade dessas duas afirmativas neste ponto (17).

(*) Artigo ‘A comparison of Kanban and MRP concepts for the control of Repetitive Manufacturing Systems’ de:
James W. Rice da Western Kentucky University e Takeo Yoshikawa da Yolohama National University
(**) Reengenharia – revolucionando a empresa: em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência 
de Michael Hammer e James Champy

Exemplos de modelos existentes, e muito usados,
nas diferentes estruturas conceituais

Aquém do objeto

Diante do objeto

Modelos de: operação de produção; e organização típica
Modelos de: operação contábil/financeira e modelo de organização
Modelos de: operação de produção do Kanban; e modelo de organização da Reengenharia

Exemplos de modelos muito conhecidos para operações e para as organizações

  • operação: Operações de produção, de Elwood S. Buffa;
  • organização: adaptação de Organização típica.
  • operação: operação contábil financeira débito e crédito;
  • organização: Ativo, Passivo e Resultados.
  • operação: modelo do Kanban;
  • organização: mapa da reengenharia.

A proposição como o bloco construtivo padrão  (Lego)
fundamental para a construção de representações

Aquém do objeto

Proposição ausente
do sistema Input-Output

Diante do objeto

A proposição no caminho
da Construção da representação

Além do objeto

A proposição no caminho
do Instanciamento da Representação

‘A proposição é, para a linguagem,
o que a representação é para o pensamento:
sua forma ao mesmo tempo mais geral e mais elementar porquanto, desde que a decomponhamos, não encontraremos mais o discurso, mas seus elementos como tantos materiais dispersos.’(*)

“A língua é
a mais complexa,
a mais milagrosa,
a mais estranha,
a mais gigantesca e variada
invenção humana.” (**)

(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

 


(**) Frases de Millor Fernandes

Os dois conceitos para o que seja um verbo:
verbo Processo, e verbo Forma de produção

Aquém do objeto
verbo ‘Processo

Verbo tratado como Processo

Diante e Além do objeto
verbo ‘Forma de produção’

Verbo tratado como Forma de produção

“A única coisa que o verbo afirma
é a coexistência de duas representações; 
por exemplo
a do verde e da árvore,
a do homem e da existência ou da morte. 

É por isso que o tempo dos verbos
não indica aquele em que
as coisas aconteceram no absoluto, 
mas um sistema relativo  
de anterioridade
ou simultaneidade 
das coisas entre si.”
(*)

“O limiar da linguagem
está onde surge o verbo.
É preciso portanto 
tratar esse verbo como um ser misto, 
ao mesmo tempo palavra entre palavras,
preso às mesmas regras 
de regência
e de concordância;
e depois, em recuo em relação a elas todas, 
numa região que não é aquela do falado 
mas aquela donde se fala.
Ele está na orla do discurso, na juntura entre 
aquilo que é dito e aquilo que se diz; 
exatamente lá onde os signos 
estão em via de se tornar linguagem.
(*)

(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

Os dois conceitos para o que seja 'Classificar'

Aquém do objeto

Classificar como uma referência
do visível a si mesmo

Diante e Além do objeto

Classificar como uma referência
do visível ao invisível

Classificar é referir
o visível a si mesmo,
encarregando um dos elementos
de representar os outros.(*)

Classificar é referir
o visível ao invisível
– como a sua razão profunda –
e depois, alçar de novo dessa secreta arquitetura, em direção aos seus sinais manifestos, que são dados
à superfície dos corpos.
(*)


(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
cap. VII – Os limites da representação;
tópico III. A organização dos seres; sub-item 3

Os dois princípios filosóficos para o que seja de trabalho

Aquém do objeto
Adam Smith, de 1776(*)

Princípio monolítico de trabalho
de Adam Smith, de 1776

Diante e Além do objeto
David Ricardo, de 1817(**)

Princípio dual de trabalho
de David Ricardo, de 1817


As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas; 
(*) Capítulo VII – Os limites da representação;
tópico II. A medida do trabalho;


As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
(**) Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem;
tópico II. Ricardo

Elementos centrais em cada formulação por segmento do espectro

Aquém do objeto
PROCESSO

Diante do objeto
Forma de produção

Além do objeto
NEXO DA PRODUÇÃO

Processo: elemento central
no modelo de operação clássico
Forma de produção: elemento central
no modelo de operações moderno
Nexo da produção: resultante da visão
SSS da organização

Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais qualquer providência, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento (laboratório piloto, fábrica) com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar; tópico II. Gramática geral
Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; I. As novas empiricidades

Espaços Gerais do Saber
em cada segmento do espectro

Aquém do objeto

Diante do objeto

Além do objeto

Espaço Geral do Saber Clássico
Espaço Geral do Saber no pensamento Moderno
Espaço interior do Triedro do Saber

As mudanças nas configurações do pensamento promoveram reposicionamentos das positividades umas em relação às outras, resultando em três espaços gerais do saber.(*)

(*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo III – Representar; tópico VI. Mathésis e Taxinomia;
Capítulo X – As ciências humanas; tópico I – O triedro dos saberes; 
de Michel Foucault

O tempo em cada uma das faixas do espectro;
e para as diferentes etapas das operações indicadas

Aquém
do objeto
qualquer operação

Diante 
do objeto
caminho da Construção 

Diante 
do objeto
caminho da Instanciamento

Tempo no LE, em qualquer operação no sistema Input-Output, sob o deus Chronos
Tempo LD, operação no caminho da Construção da representação,
sob o deus Kairós
Tempo LD, operação no caminho do Instanciamento da representação,
novamente sob o deus Chronos

Tempo, em cada um dos segmentos do espectro, muda:

  • aquém do objeto, na estrutura input-output sob o pensamento clássico, temos um tempo relativo, ou um tempo calendário, cujo deus é Chronos;
  • diante do objeto mas no caminho da Construção da representação, sob o pensamento filosófico moderno, temos um tempo absoluto, um tempo não-calendário, cujo deus é Kairós;
  • e ainda diante, e também além do objeto, tempos um tempo que volta a ser relativo, calendário, e a soberania volta a ser a de Chronos.

O espaço dado ao homem - 'naquilo que ele tem de empírico' -
na estrutura dos modelos

Aquém do objeto

Diante e Além do objeto

Sistema clássico de pensamento:
sem espaço em sua estrutura
para os dois papéis do homem.
Os dois papéis do homem
presentes e operativos na estrutura
d'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'

Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia. (…)
Sem dúvida,
as ciências naturais trataram do homem
como de uma espécie ou de um gênero.”

As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico II. O lugar do rei

‘Na medida, porém, em que as coisas giram sobre si mesmas, reclamando para seu devir não mais que o princípio de sua inteligibilidade e abandonando o espaço da representação, o homem, por seu turno, entra e pela primeira vez,
no campo do saber ocidental’ (*)

“O modo de ser do homem, tal como se constituiu no pensamento moderno, permite-lhe desempenhar dois papéis: está, ao mesmo tempo, 

  • no fundamento de todas as positividades,
  • presente, de uma forma
    que não se pode sequer dizer privilegiada,
    no elemento das coisas empíricas.” (**)

 (*) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas; 
Prefácio

(**) As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;  
Capítulo X – As ciências humanas;
I. O triedro dos saberes

Desenvolvimento das operações
por segmento do espectro de modelos

Aquém do objeto

Diante do objeto

Além do objeto

  • no sistema Input-Output; usando uma ordem arbitrariamente escolhida;
  • e com propriedades não-originais e não-constitutivas das coisas, as chamadas ‘aparências’;
  • No sistema correspondente ao que Foucault chama de ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’, que tem como elemento construtivo padrão fundamental a proposição, da qual herda as categorias de ideias ou elementos de imagem de primeiro nível;
  • e com propriedades sim-originais e sim-constitutivas daquilo que se constitui na existência em decorrência das operações.
  • No sistema formulado no campo das ciências humanas, com modelos constituintes compostos por uma combinação dos modelos constituintes das ciências que integram a região epistemológica fundamental, as ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.
  • Nexo da operação.

Veja mais detalhes nas animações que podem ser encontradas nas páginas de detalhe deste tópico.

Funcionamento do pensamento
em cada um dos segmentos desse espectro

Antes do objeto

Diante do objeto

Além do objeto

Operação no sistema Input-Output
sobre representações pré-existentes
Operação de construção de representação não existente no repositório
Operação de instanciamento de representação pré-existente no repositório

Paletas com o conjunto completo de ideias ou elementos de imagem necessários para a formulação das respectivas imagens das ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t ; incluindo relacionamentos entre esses elementos de imagem.(*)

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
tópico I. As novas empiricidades, de Michel Foucault

Estruturas de conceitos em cada ambiente de formulação identificado pela possibilidade ou pela impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação

Posição em relação ao par sujeito-objeto

Estrutura conceitual
para o pensamento clássico
Estrutura conceitual
para o pensamento moderno

Referencial:

  • Ordem pela ordem;

Princípios organizadores: 

  • Caráter e similitude;

Métodos:

  • Identidade e semelhança

Referencial:

  • Utopia;

Princípios organizadores: 

  • Analogia e Sucessão;

Métodos:

  • Análise e Síntese

‘Assim, estes três pares,
função-norma,
conflito-regra,
significação-sistema,

cobrem, por completo,
o domínio inteiro
do conhecimento do homem.'(*)

São essas as ferramentas de que se arma o pensamento – em cada segmento do espectro de modelos, para produzir as imagens que servem de mapas, para orientação na construção das representações.

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

Imaginação e Conceituação - funções humanas reversíveis:
Imagens tradicionais e Técnicas

Imagens tradicionais

Imagens técnicas

Classes de abstrações

As imagens tradicionais
Imagens técnicas, as imagens produzidas por aparelhos (computadores)
Classes de abstrações
  • Imaginação e Conceituação, funções humanas reversíveis que todos temos para codificar e decodificar imagens tradicionais e textos;
    • idolatria é o uso continuado de imagens que, quando decodificadas, não mais nos levam à visão da ocorrência no espaço-tempo x, y, z e t, isto é, imagens que não mais nos servem de guias para o mundo, mas de biombos;
    • textolatria é o uso continuado de textos que, quando decodificados, não mais nos levam às imagens que fizemos para as ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t
  • e as Imagens técnicas, especiais, aquelas imagens produzidas por aparelhos (computadores em destaque); as Imagens técnicas exigem, para seu entendimento, uma Conceituação especial.(*)

(*) Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia;
Capítulos I – A imagem; e II – A imagem técnica,
de Vilém Flusser 

Modelos constituintes de modelos
em cada uma das faixas desse espectro

Posição relativa modelo de operações - sujeito-objeto

Aquém

não há modelos constituintes nesse segmento do espectro, já que, pelos pressupostos adotados (Universo, realidade única) nada é constituído na existência em decorrência das operações feitas

Diante

modelo constituinte composto pelo par constituinte correspondente ao campo em que o modelo é formulado, tomados isoladamente em cada área: 

  • Vida (Biologia) –
    [função-norma]; 
  • Trabalho (Economia) –
    [conflito-regra]; 
  • Linguagem (Filologia)- [significação-sistema]

para Além

campo das Ciências Humanas com modelos constituintes formados por uma combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, tomados todos em conjunto em cada modelo, dada ênfase a uma das áreas das ciências da região epistemológica fundamental

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

 

O espectro de modelos, segundo essa possibilidade de sim-fundar, ou não-fundar, as sínteses no espaço da representação: Aquém, Diante e para Além do objeto - os segmentos do espectro de modelos de visões de ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t

O modo como Foucault descreve o problema que encontrou em seu trabalho pode ser mapeado em um espectro de modelos agrupados segundo os dois fatores por ele percebidos:  fator 1, com duas regiões quanto à fundação das sínteses na representação e com três regiões quanto à posição relativa ao objeto e ao sujeito: 
Aquém, Diante e para Além do objeto. 

Fundação das sínteses no espaço da representação

Impossibilidade

Possibilidade

Aquém

do objeto
(e do sujeito)

Diante

do objeto
(e do sujeito)

para Além

do objeto
(e do sujeito)

Fator 1 – o domínio/contaminação do pensamento com o uso simultâneo de configurações de pensamento 

  • com a  impossibilidade 
  • e também com a possibilidade,

de fundar as sínteses da representação da empiricidade objeto, no espaço da representação’; com duas regiões em um espectro de modelos:

Fator 2 – dar conta da obrigação correlativa (…) de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os “quase-transcendentais”

com as seguintes regiões no espectro de modelos:

 1. região do espectro: ‘Aquém do objeto’ (na impossibilidade);

 2. região do espectro: ‘Diante do objeto’ (na possibilidade)

    • da Vida, (Biologia) par constituinte função-norma
    • do Trabalho, (Economia) par conflito-regra
    • e da Linguagem. (Filologia) par significação-sistema

 3. região do espectro: ‘para Além do objeto’, (na possibilidade) e no campo das ciências humanas, no espaço interior do triedro dos saberes.

outra região no espectro de modelos, com modelo constituinte único composto dos três pares constituintes das três regiões epistemológicas fundamentais

- A pedra de tropeço no caminho de Michel Foucault e
- Os caminhos (e alterações de rota) de Maturana

Michel Foucault
1926-1984

“É que o pensamento que nos é contemporâneo e com o qual, queiramos ou não, pensamos, se acha ainda muito dominado 

  • pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII, de fundar as sínteses [da empiricidade objeto do pensamento] no espaço da representação;
  • e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
    de abrir o 
    campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, para além do objeto, esses “quase-transcendentais” que são para nós a Vida, o Trabalho, e a Linguagem.”  (*)
Humberto Maturana
1928-

“Substituir 

  • a noção de input-output 
  • pela de acoplamento estrutural 

foi um passo importante na boa direção por evitar a armadilha da linguagem clássica de fazer do organismo um sistema de processamento de informação.
(…) Contudo é uma formulação fraca por não propor uma alternativa construtiva e deixar a interação na bruma de uma simples perturbação. (…) Frequentemente se tem feito a crítica de que a autopoiese leva a uma posição solipsista. (**)

(*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico: I. As novas empiricidades
(**) De máquinas e de seres vivos: autopoiese – a organização do vivo; Prefácio à segunda edição; tópico Além da autopoiese; sub-tópico: Enacção e cognição, de Francisco José Garcia Varela

Rua Dona Inácia Uchôa, 365
04110-021 São Paulo SP
Fone: (11) 5573-2312
Cel: (11) 97512-6317
e-mail: srm@projeto-formulador.xyz

Rua Dona Inácia Uchôa, 365
04110-021 São Paulo SP
Fone: 11 5573-2312
Cel: 11 97512-6317

Fale conosco

Rua Dona Inácia Uchôa, 365
04110-021 São Paulo SP
Fone: (11) 5573-2312 Cel: (11) 97512-6317
e-mail: srm@projeto-formulador.xyz

Modelo descritivo da produção clássico

Paleta de ideias ou elementos de imagem
presentes na configuração de pensamento clássico

Paleta de ideias ou elementos de imagem presentes na
configuração de pensamento moderno caminho Construção