Questões que justificam o estudo de modelos de operações (pensamento)
com apoio de Michel Foucault

Algumas boas razões para este estudo de modelos de operações (configurações do pensamento) com o apoio de filósofos como Michel Foucault
Vilém Flusser e Michel Foucault apontam formas de reflexão que se instauram (em adição, ou em substituição a outras existentes anteriormente.
- veja o que Flusser chama de ‘Salto para fora do cartesianismo‘;
- veja como Foucault descreve a ‘Forma de reflexão que se instaura‘;
e observe quais são as ideias, ou elementos de imagem requeridos para formular modelos sob essa forma de reflexão.
Literalmente há uma unanimidade, atualmente, quanto ao uso (e abuso) do conceito de ‘Processo’; igualmente, o mesmo ocorre com o modo de ver operações: estas são vistas praticamente sempre, como uma transformação de Entradas em Saídas, ou como um processamento de informações.
Mostramos aqui que adotando as formas de reflexão apontadas por Flusser e Foucault, operações adquirem uma aparência totalmente diferente dessa. Veja e compare:
- visão de operações como Entradas ⇒ Processo ⇒ Saídas, com propriedade emergente Fluxo, e ocorrendo no interior do espaço ‘Circuito das trocas’;
- visão de operações como um par de transformações, ou uma conversão dependendo da operação em curso:
- no caminho da Construção de representação nova para empiricidade objeto, com propriedade emergente Permanência; e ocupando o espaço ‘Lugar de nascimento do que é empírico’
- no caminho do Instanciamento da representação já existente no Repositório de proposições explicativas formuladas de acordo com as regras da língua, voltando a ter propriedade emergente Fluxo, e ocupando o espaço interior ao ‘Circuito das trocas’;
Nota: as animações a que os links acima dão acesso foram feitas sem áudio de narração.
No Prefácio do livro ‘As palavras e as coisas’, Michel Foucault refere-se a dois tipos de sintaxe envolvidos no funcionamento de operações. Podem ser operações de produção, de pensamento, de ensino, do que quer que seja. Veja quais são esses tipos de sintaxe:
- no pensamento clássico, o de antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
- a formulação das operações sob o entendimento do pensamento clássico não admite uma sintaxe propriamente; ‘extingue as palavras nelas próprias‘,
- no pensamento moderno, o de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
A figura que serve de fundo para essas animações que os links acima acessam é a Figura 2 – Diagrama ontológico que está no capítulo ‘Reflexões epistemológicas’ do livro ‘Cognição e Vida cotidiana’; ou ainda é também a Figura 2 agora com o título ‘O explicar e a experiência’, no capítulo ‘Linguagem emoções e ética nos afazeres políticos’ do livro ‘Emoções e linguagem na educação e na politica’, ambos os livros de Humberto Maturana.
Menciono essa figura e sua origem neste ponto, porque a visão comparativa entre os lados esquerdo e direito, respectivamente o pensamento clássico e o moderno, permitem identificar o que o LD tem a mais em relação ao LE, para a instauração da linguagem via a formulação das operações.
Há dois conceitos, ou pode ser que um conceito e dois tratamentos para o que seja um verbo.
“A única coisa que o verbo afirma é a coexistência de duas representações; por exemplo, a do verde e da árvore, a do homem e da existência ou da morte; é por isso que o tempo dos verbos não indica aquele em que as coisas existiram no absoluto, mas um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si.”
“É preciso, portanto, tratar esse verbo como um ser misto, ao mesmo tempo palavra entre as palavras, preso às mesmas regras, obedecendo como elas às leis de regência e de concordância; e depois, em recuo em relação a elas todas, numa região que não é aquela do falado mas aquela donde se fala. Ele está na orla do discurso, na juntura entre aquilo que é dito e aquilo que se diz, exatamente lá onde os signos estão em via de se tomar linguagem.”
As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. IV – Falar; tópico III – A teoria do verbo
Podemos ver claramente, com a ajuda de imagens, figuras, que tornem possível entender conceitos geométricos como esse ‘em recuo em relação a elas todas’ especificando regiões espaciais que podem e devem ser identificadas, o que sugere um desnivelamento de algumas coisas em relação a outras, como e por que um conceito está para o pensamento clássico e seu sistema input-output e o outro para o pensamento moderno, com operações formuladas em coerência com o Princípio dual de trabalho de David Ricardo.
O tempo nas configurações do pensamento é função do lugar onde a operação ocorre.
Conceito chave para entender o tempo em função do lugar onde a operação ocorre é o que Foucault chama de ‘modo de ser fundamental das empiricidades’.
- ‘Modo de ser fundamental das empiricidades‘, segundo Foucault, é aquilo que permite que elas sejam afirmadas, postas, dispostas e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.
- os tipos de propriedades usadas para descrever o que acontece durante as operações:
- propriedades não-originais e não-constitutivas são usadas para descrever o que acontece nas operações sem preocupação com origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, dentro do pressuposto de que tudo existe, desde sempre e para sempre, criado por Deus e integrando o Universo.
- propriedades sim-originais e sim-constitutivas são usadas para descrever os resultados da operação em busca de origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites para a empiricidade objeto da operação. O pressuposto agora admite múltiplas realidades, a construção de novas representações, e toda representação construída permanece em um repositório de proposições explicativas formuladas de acordo com as regras da língua provisoriamente, até que se evidencie a necessidade de uma reformulação.
Quanto ao lugar onde ocorrem, uma operação pode ocorrer no ‘Lugar de nascimento do que é empírico‘ e no ‘Circuito das trocas‘.
- ‘Lugar de nascimento do que é empírico‘ obviamente, é o lugar onde as coisas empíricas nascem, e portanto, é o lugar onde suas propriedades sim-originais e sim-constitutivas são determinadas. Assim, as coisas, as empiricidades objeto das operações, são tratadas por suas propriedades sim-originais e sim-constitutivas já que são estas que precisam surgir com o sucesso da operação. E como decorrência da determinação desse tipo de propriedades, o ‘modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto da operação muda, é alterado em decorrência do sucesso da operação.
- ‘Circuito das trocas‘ é o lugar onde ocorrem operações em que as propriedades sim-originais e sim-constitutivas não se alteram, e por isso mesmo, ficam fora do escopo dessas operações, que funcionam com propriedades não-originais e não-constitutivas, ou no modo como Maturana pensou isso, as “aparências”. Como decorrência dessa estabilidade nas propriedades sim-originais e sim-constitutivas (ou de todo, da não consideração delas) nessas operações no interior do ‘Circuito das trocas’ o ‘modo de ser fundamental’ do que quer que seja não muda em decorrência desse tipo de operação: tudo continua sendo afirmado, posto, disposto, etc. etc. da maneira de sempre.
Dentro do acima, é necessário estudar o tempo nas seguintes situações:
um tempo relativo, tempo calendário, dado por uma operação reversível durante sua formulação, e irreversível na etapa de instanciamento que ocorre no interior do Circuito das trocas. Propriedade emergente Fluxo.
- no pensamento filosófico moderno;
um tempo absoluto, e portanto não-calendário, dado por uma operação irreversível já na sua formulação em virtude da alteração (irreversível) do ‘modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto da operação. Ocorre no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, lugar onde, com o sucesso das operações, o ‘modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto da operação é alterado nesse domínio e nesse ambiente em que a operação ocorre. Propriedade emergente Permanência.
o tempo volta a ser relativo, tempo novamente calendário, dado por uma operação reversível durante sua formulação, e irreversível na etapa de instanciamento propriamente dita que ocorre no interior do Circuito das trocas. Propriedade emergente volta a ser Fluxo.
Bem, no que se refere ao que seja ‘Classificar’ Foucault é muito claro.
E pensando em modelar operações, construir modelos para elas seguindo o modo como as vemos, ‘Classificar’ é um conceito muito importante.
Veja o que diz Michel Foucault:
“Classificar, portanto,
não será mais referir o visível a si mesmo, encarregando um de seus elementos de representar os outros;
será, num movimento que faz revolver a análise, reportar o visível ao invisível, como à sua razão profunda, depois alçar de novo dessa secreta arquitetura em direção aos seus sinais manifestos, que são dados à superfície dos corpos.”
As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres
Comentários abaixo fazem referência:
- ao Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo
- e principalmente às diferenças entre esse princípio de Ricardo e o de Adam Smith,
estabelecidas por Michel Foucault:
“O modo de ser do homem, tal como se constituiu no pensamento moderno, permite-lhe desempenhar dois papéis:
- está, ao mesmo tempo, no fundamento de todas as positividades,
comentário: esse papel do homem corresponde ao seu engajamento em uma atividade de produção e ‘trabalho como atividade de produção é a fonte de todo valor ‘;
- presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
no elemento das coisas empíricas.
nessa posição o trabalho que o homem oferece e o empresário compra é representável em unidades de trabalho por ser do tipo analisável em jornadas de subsistência, e que por isso pode ser expresso em unidades comuns de valor entre todas as mercadorias.
As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. X – As ciências humanas; tópico I. O triedro dos saberes
Esta animação mostra as ideias, ou elementos de imagem, necessários para a formulação de operações em modelos que levem em conta essa duplicidade de papéis. Sem essa paleta de elementos de imagem, a formulação de modelos de operações em que o homem está presente é pouco mais que retórica.
Modelos de operações – em cada caso concreto de cada dado modelo – ocupam um segmento de um espectro de modelos organizado pela posição do par sujeito-objeto no projeto do dado modelo:
- segmento AQUÉM,
- segmento DIANTE,
- e segmento para ALÉM do objeto.
A análise/projeto de modelos em qualquer um desses segmentos exige do analista/projetista que consiga descobrir em que segmento está trabalhando. E para isso, é necessário ter em mente os entendimentos possíveis, ou as características das epistemes.
Modelos em economia política, em sociologia, em psicologia, em política, de maneira geral, modelos no domínio das ciências humanas, têm modelo constituinte bastante complexo porque é uma combinação, ponderada, dos pares de modelos constituintes das ciências que compõem a região epistemológica fundamental.
Então, claramente, modelos no domínio das ciências humanas são função dos modelos das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, cada um destes com modelo constituinte formado por um par constituinte apenas, diferente para cada uma dessas ciências.
Parece sensato, em vista disso, compreender a fundo como funcionam os pares constituintes das ciências da Vida (Biologia), do Trabalho (Economia) e da Linguagem (Filologia) levando esse conhecimento prévio para a análise de ciências com modelos muito mais exigentes do pensamento.
- Trabalho tal como visto por David Ricardo em seu princípio dual, com dois componentes:
- essa força, esse esforço, esse tempo do operário que se compram e se vendem, (um trabalho que pode ser reduzido a jornadas de subsistência e pode servir de unidade comum de valor entre todas as mercadorias);
- e essa atividade que está na origem do valor da coisas: (trabalho agora visto como atividade de produção e origem do valor das coisas).
A Previdência social trata da subsistência após período útil para o trabalho, daquelas pessoas, daqueles homens quem se envolveram em operações de produção oferecendo sua força, seu esforço, seu tempo, que venderam a quem se dispôs a comprar.
E quem comprou essa força, o esforço, o tempo de quem tinha para vender foram os controladores das operações de produção.
Os empresários, os controladores das operações de produção, estão fora da reforma da Previdência.
Referências sobre fundamentos filosóficos do Liberalismo
- John Locke, 1632-1704 é considerado por muitos como o inspirador do Liberalismo.
- Não é difícil encontrar também Adam Smith como base filosófica do Liberalismo.
- há ainda outras citações que mencionam David Hume, Adam Smith, David Ricardo, Jeremy Bentham e Wilhelm Humbolt e outros, como sendo os principais autores do liberalismo clássico.
Acompanhando a análise feita por Foucault do que ele chama de ‘vento fundador da nossa modernidade no pensamento’, a descontinuidade epistemológica de 1775-1825, vê-se sem dificuldade que ‘o pensamento que nos é contemporâneo, e com o qual queiramos ou não, pensamos’ tem, sim a capacidade de fundar as sínteses [da representação] no domínio da Representação.
Assim sendo (e entendido) há algo de errado na fundamentação filosófica do Liberalismo tal como é apresentado na maioria das vezes.
Causa um certo desconforto a indicação de referências que listam conjuntamente Adam Smith e David Ricardo. Tal aproximação não convém, já que os entendimentos de um e de outro são substancialmente distintos.
Os modelos de operações e de organizações comumente usados em demonstrativos econômico-financeiros são:
- para operações: Débito e Crédito;
- para organizações: Ativo, Passivo e Resultado.
Esses modelos são consistentes com a maneira de entendimento do pensamento filosófico de antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825, o pensamento clássico, portanto.
Não há sinal neles do homem em sua duplicidade de papéis, e do objeto especialmente durante a operação de construção de representação nova.
Análises econômico-financeiras tratam de trocas. Não descrevem alterações no modo de ser fundamental do objeto das operações e escopo das organizações, especificamente no modo como esses objetos podem ser afirmados, postos, dispostos e repartidos no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.
Não há sinal nessa configuração de pensamento para o Lugar de nascimento do que é empírico.
Seu lugar de transcorrência é o Circuito das trocas.