A história do nascimento do livro ‘As palavras e as coisas’

A história do nascimento do livro 'As palavras e as coisas' de Michel Foucault, baseada no relato feito por ele mesmo no Prefácio, com imagens.

1 - A ideia que deu origem ao livro 'As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas'
2 - A imagem que Michel Foucault tinha na cabeça ao escrever
o livro 'As palavras e as coisas'
3 - dez (10) pontos selecionados no texto do livro e ilustrados, para contextualizar o Prefácio com o restante do livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'
4 - Exemplos de modelos antológicos, de modelos muito usados
concebidos sob entendimentos (epistemes) muito diferentes
5 - As duas dificuldades enfrentadas por Michel Foucault
no desenvolvimento deste livro.
Comentários

    Metáforas adequadas para operações em cada segmento do espectro de modelos:
    transformação ou conversão; processo ou forma de produção

    Metáforas adequadas e propriedades emergentes dos modelos de operações
    em cada segmento do espectro de modelos

    Transformação (única) ou Processamento de informações:
    a estrutura Input-Output no pensamento clássico, de antes de 1775
    propriedade aparente - Fluxo; metáfora Transformação -unica

    Visão da operação clássica
    Transformação única de Entradas em Saídas,
    ou Processamento de informações

    Conversão ou um par de transformações de mesmo sinal
    no caminho da Construção da representação, pensamento moderno, depois de 1825
    propriedade aparente Permanência; metáfora: Conversão

    Visão da operação do pensamento moderno
    no caminho da Construção da representação
    A metáfora adequada às operações no caminho
    da Construção de representação
    para a empiricidade objeto

    Conversão ou um par de transformações de sinais trocados
    caminho do Instanciamento da representação, pensamento moderno, depois de 1825
    propriedade aparente: Fluxo; metáfora: Conversão

    Visão da operação do pensamento moderno
    no caminho do Instanciamento da representação
    A metáfora adequada às operações
    no caminho do Instanciamento da representação

    Os dois princípios filosóficos para o que seja ‘Trabalho’
    dando fundamento filosófico simultaneamente a modelos muito usados hoje em dia

    Os dois conceitos filosóficos para o que seja 'Trabalho':
    o de Adam Smith, de 1776, e o de David Ricardo, de 1817

    Veja abaixo as diferenças entre os dois princípios de trabalho, o de Adam Smith e o de David Ricardo, usando as palavras de Michel Foucault

    Aquém do objeto
    Adam Smith, 1776

    Princípio monolítico de trabalho de Adam Smith,
    publicado no Riqueza das Nações, de 1776

    Diante e  Além do objeto
    David Ricardo, 1817

    Princípio dual de trabalho de David Ricardo, publicado no Principle of Political Economy and Taxation, em 1817

    Na análise de Adam Smith, o trabalho devia seu privilégio ao poder que se lhe reconhecia de estabelecer entre os valores das coisas urna medida constante: 

    • permitia fazer equivaler na troca objetos de necessidade cujo aferimento de outro modo teria sido exposto à mudança ou submetido a uma essencial relatividade. 

    No entanto, só podia assumir tal papel à custa de uma condição: 

    era preciso supor 

    • que a quantidade de trabalho indispensável para produzir uma coisa 
    • fosse igual à quantidade de trabalho que essa coisa, em retorno, pudesse comprar no processo da troca. 

    Ora, como justificar essa identidade, em que fundá-Ia a não ser sobre uma certa assimilação, admitida na sombra mais que esclarecida, entre 

    • o trabalho como atividade de produção
    • e o trabalho como mercadoria que se pode comprar e vender? 

    Nesse segundo sentido, ele não pode ser utilizado como medida constante, pois “experimenta tantas variações quanto as mercadorias ou bens com os quais pode ser comparado”. 

    Essa confusão, em Adam Smith, tinha sua origem no primado concedido à representação: 

    • toda mercadoria representava certo trabalho,

    • e todo trabalho
      podia representar certa quantidade de mercadoria. 

    A atividade dos homens e o valor das coisas comunicavam-se no elemento transparente da representação.

    É aí que a análise de Ricardo encontra seu lugar e a razão de sua importância decisiva. 

    Ela não é a primeira a organizar um lugar importante para o trabalho no jogo da economia; mas faz explodir a unidade da noção, e distingue, pela primeira vez, de uma forma radical, 

    1. essa força, esse esforço, esse tempo do operário que se compram e se vendem,
    2. e essa atividade que está na origem do valor das coisas.

    Ter-se-á pois, por um lado,

    • o trabalho que os operários oferecem, que os empresários aceitam ou demandam e que é retribuído pelos salários;

    por outro, ter-se-á

    • o trabalho que extrai os metais, produz os bens, fabrica os objetos, transporta as mercadorias e forma assim valores permutáveis que antes dele não existiam e sem ele não teriam aparecido.

    “A partir de Ricardo,
    o trabalho,
    desnivelado em relação à representação,
    e instalando-se
    em uma região
    onde ela não tem mais domínio,
    organiza-se
    segundo uma causalidade
    que lhe é própria.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. VII – Trabalho, Vida e Linguagem
    tópico II – Ricardo

    Essa diferença
    quanto a bases fundamentais
    de produções do pensamento:
    na representação ou fora dela
    é exatamente a objeção
    de Lacan à psicanálise de Freud.

    Elementos integrantes dos modelos de operação de um e outro lado,
    vão refletir-se concretamente em diferenças estruturais
    de modelos práticos feitos com pensamento configurado de uma ou de outra forma.

    O elemento central no Princípio Monolítico de Trabalho de Adam Smith, de 1776, é Processo, um verbo, que ‘a única coisa que afirma é a anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si’ Por isso, o tempo de ‘Processo’ não indica aquele tempo em que as coisas existiram no absoluto, mas antes indica um tempo relativo.

    O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith analisa valor no ato mesmo da troca, no momento em que a permuta é possível. Deixa de fora, portanto, toda a operação de construção de representação para empiricidade objeto nova.

    Esse momento caracteriza-se pela existência simultânea dos objetos envolvidos na troca:

    • o que é dado;
    • e o que é recebido;

    Operação modelada sob esse princípio transcorre toda no interior do 

    • Lugar onde ocorrem as trocas,
      • o popularmente conhecido Mercado

    e no interior do 

    • domínio do Discurso e da Representação

    O elemento central no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo, de 1817, é a Forma de produção. A maneira escolhida para a produção do objeto a ser dado na operação de troca.

    O apontador de início da análise de valor está posicionado no início da produção, em um momento, portanto,em que 

    • a ‘coisa’ ainda não existe; 

    o apontador está posicionado em um ponto anterior à existência do objeto da troca e a operação procura as condições nas quais a permutabilidade pode acontecer.

    Operação modelada sob este princípio de David Ricardo transcorre toda no interior do

    • Lugar de nascimento do que é empírico
    • com seus sub-espaços
      • Lugar desde onde se fala
      • no domínio do Pensamento e da Língua, e
      • Lugar do falado
      • no domínio do Discurso e da Representação

    A construção da representação para essa ‘coisa’ – ou empiricidade objeto da operação de produção correspondente à Forma de produção – é feita desde fora da linguagem, por meio de:

    • designações primitivas;

    são as operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, que resultam na identificação e ou desenvolvimento dos elementos de suporte na experiência à Forma de produção.

    • linguagem de ação ou de uso;

    é o conteúdo do Repositório de proposições explicativas formuladas de acordo com as regras da língua, uma coleção de representações relacionadas a empiricidades objeto anteriormente tratadas, que permanece disponível a qualquer tempo no domínio e ambiente em que a presente operação acontece.

    Veja

    O fenômeno da operação de troca:
    amplitudes da visão do fenômeno da troca em cada caso
    e as duas origens de valor para a proposição na linguagem,
    ou as linguagens de acordo com ascduas alternativas de fontes para de valor

    a descrição feita por Michel Foucault das duas possibilidades de leitura abertas para o pensamento, simultaneamente, para entender operações e valor a partir da linguagem. Um resumo vai abaixo:

    O pensamento de Foucault em resumo diz o seguinte:

    Podemos ver o que sejam operações, segundo duas possibilidades de inserção do ponto de início do fenômeno ‘operações’ e ‘operações de troca’, segundo a disponibilidade ou não dos dois objetos envolvidos em uma troca. A cada possibilidade de inserção do ponto de início do fenômeno corresponde uma diferente origem do valor carregado pela proposição para a representação.

    Ora, uma operação de troca envolve dois objetos e como fenômeno, portanto, guarda relação com as operações de obtenção de cada um desses dois objetos, e está sobreposta a estas.

    Assim, uma operação pode ser vista:

    • No exato momento do cruzamento (do andamento das respectivas operações) entre o que é dado e o que é recebido na troca; ou
    • Antes desse momento, quando pelo menos um dos objetos ainda não está disponível, e nesse momento inicia-se a prospecção da sua permutabilidade. Faz-se, então, uma aposta de que esse objeto poderá, no futuro, fazer par com um outro em uma operação em que um é dado e outro é recebido em uma dupla troca.

    As duas origens de valor carregado pela proposição para a representação são os seguintes:

    • no ponto de cruzamento entre o objeto que é dado e o objeto que é recebido, o valor é atribuído diretamente à proposição que o carrega para a representação;
    • no ponto de início da prospecção da permutabilidade do objeto ainda não disponível para troca, o valor é carregado para a proposição a partir de sua origem em:
      • designações primitivas;
      • linguagem de ação ou raiz (linguagem de uso).

    Veja nos modelos de operações desta página, que ‘designações primitivas e linguagem de ação ou raiz são ideias que admitem os respectivos elementos de imagem, e estão colocados nas figuras, em posições operacionais e integrantes da estrutura do modelo. 

    E veja que essas duas fontes originárias do valor associado à proposição só têm espaço no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo.

    A segunda possibilidade de leitura de ‘operações’ e ‘operações de troca’ não funciona sem as ideias de sujeito e de objeto da operação colocados em posições operacionais na estrutura da operação.

    1 Primeira possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

    No lado esquerdo o valor que chega à representação através da proposição é carregado nela diretamente, até porque não há intenção de formular operações levando em conta como elemento organizador o objeto tomado como descrito por suas propriedades originais e constitutivas, isto é, de modo relacionado com o objeto. 

    Na visão de ‘operações’ no pensamento clássico não há a ideia de objeto como constituído por suas propriedades sim-originais e sim-constitutivas, pelos pressupostos considerados.

    Refiro-me ao Princípio Monolítico de trabalho de Adam Smith. Na avaliação de Foucault, nesta alternativa de leitura do que seja trabalho a partir da linguagem toda a essência da linguagem está na proposição.

    Toda a essência da linguagem está no interior da proposição.

    A proposição já nasce emprenhada do valor que carrega.

    2 Segunda possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

    No princípio de trabalho de David Ricardo é visível a modelagem de uma proposição, usando ideias – ou elementos de imagem – todos eles em posições operacionais na estrutura do modelo.

    • o sujeito, o empresário;
    • e seu predicado
      • o atributo, representado na figura pela representação do objeto da operação; 
      • o verbo: representado na figura pela Forma de produção

    Essa mesma essência da linguagem encontra raízes fora dela mesma, do lado das

    • designações primitivas;
    • linguagem de ação ou raiz

    No lado direito, sim, existem, ideias – ou elementos de imagem, que modelam padronizada e genericamente o elemento construtivo padrão fundamental para construção de representações – a proposição – e o escopo da operação é justamente articular o impensado, pelo pensamento, no espaço da representação. Refiro-me agora ao Princípio Dual de trabalho de David Ricardo. 

    A proposição assim que formulada está vazia, inclusive do valor que pode carregar; consiste tão somente em uma arquitetura que é comum a toda e qualquer proposição no curso desse tipo de operação.

    Essa modelagem padronizada, genérica, organizadora de uma ordem única ao longo de toda a operação, descobre a essência da linguagem fora dela, nas operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, às quais Foucault denomina “designações primitivas – linguagem de ação ou raiz”.

    Relacionamento entre

    • o Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo e o modelo de operações proposto no LD da Figura 2, a nossa Plataforma para exposição;
    • as fontes externas á linguagem e ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’ no LD da Figura 2, com:
      • designações primitivas e
      • linguagem de ação ou de uso, 
    Relação entre
    o texto do Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo,
    de 1817, e as ideias - ou elementos de imagem -
    do modelo de operações no LD da figura
    Os elementos de imagem, as ideias,
    que permitem formular o modelo de operações
    desde fora da linguagem
    a partir das designações primitivas
    - e da linguagem de ação ou de raiz(*)

    Comparações entre os dois princípios de trabalho,
    e a importância do princípio de trabalho de David Ricardo segundo Michel Foucault

    Comparação, feita por Michel Foucault,
    entre os princípios de trabalho
    o de Adam Smith, de 1776 e o de David Ricardo, 1817

    comparações entre Adam Smith
    e David Ricardo,
    por Michel Foucault

    1 Primeira possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

    Inserção do ponto de leitura de operações e análise de valor no exato cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

    A importância de David Ricardo,
    segundo Michel Foucault

    2 Segunda possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

    Na animação acima vê-se nas palavras de Michel Foucault a inclusão daquela atividade que está na origem do valor das coisas como característica do Princípio Dual de trabalho de David Ricardo.

    Isso implica em que a inserção do ponto de leitura de operações e análise de valor está colocado antes da existência do que é dado e do que é recebido, e portanto antes do cruzamento entre os dois, na operação de troca.

    Isso coloca toda a operação no princípio de Ricardo fora do circuito das trocas e no espaço reservado ao ‘Lugar de nascimento do que é empírico’.

    Comentários

      A descontinuidade epistemológica de 1775-1825:
      a forma dos modelos de operações em cada configuração do pensamento

      Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
      no ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’

      Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço, encontrados por Michel Foucault em seu trabalho

      os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
      no livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'
      Michel Foucault 1926-1984
      Michel Foucault
      1926-1984

      “É que o pensamento
      que nos é contemporâneo

      e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
      se acha ainda muito dominado

      1

      pela impossibilidade,

      trazida à luz
      por volta do fim do século XVIII,

      de fundar as sínteses

      [da empiricidade
      objeto da operação] 

      no espaço da representação

      2

      e pela obrigação

      correlativa, simultânea,
      mas logo dividida
      contra si mesma,

      de abrir o campo transcendental
      da subjetividade e
       

      de constituir
      inversamente,
      para além do objeto,

      esses “quase-transcendentais”
      que são para nós
      a Vida, o Trabalho, a Linguagem.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;

      Capítulo VIII – Trabalho, vida e linguagem;
      tópico I – As novas empiricidades

      O problema está na coexistência de configurações de pensamento:

      • com a possibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação;
      • e simultaneamente, e no mesmo espaço,
        sem essa possibilidade, isto é, com a impossibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação. 

      O pensamento que chamamos ‘nosso’, aquele que tem ‘a nossa idade e geografia’ e com o qual ‘queiramos ou não, pensamos’, sim, tem a possibilidade de fundar as sínteses da empiricidade objeto da operação, no espaço da representação. 

      Esse é o pensamento cuja configuração corresponde ao depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825. Trata-se da configuração de pensamento que se consolidou no início do século XIX.

      Em contrapartida, a configuração de pensamento comum até o final do século XVIII, chamado de pensamento clássico, não tem essa possibilidade, ou apresenta a impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação.

      Temos modelos que atestam essa contaminação

      Esse “para além do objeto” autoriza a suposição de que a possibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto] no espaço da representação foi conseguida pelo pensamento; 

      • o que implica no posicionamento do apontador de início da visão que temos do que sejam operações antes da possibilidade da troca e portanto antes da disponibilidade dos objetos envolvidos nela.
      • implica ainda em que a fonte de valor na linguagem seja proveniente de fontes externas a ela, e tenham origem
        • nas designações primitivas;
        • na linguagem de uso.

      Isso se confirma quando vemos o modelo constituinte composto proposto por Foucault para ser o modelo constituinte comum a todas as ciências humanas.

      Ele é um modelo combinação dos pares constituintes das ciências da região epistemológica fundamental:

      Vida (Biologia) par [função-norma];

      Trabalho (Economia) par [conflito-regra];

      Linguagem (Filologia) par [significação-sistema]. 

      Prefácio

      Prefácio

      1 - A ideia que deu origem ao livro 'As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas

      A figura ao lado dá acesso a uma animação cujo propósito é relacionar

      • a ideia que, segundo Foucault, teria dado origem ao ‘As palavras e as coisas’;
      • a imagens, figuras que relacionam diferentes conjuntos de ideias, ou elementos de imagem, especialmente reunidos em paletas para modelar operações em diferentes modos de ver as coisas que surgem à medida em que o texto se desenvolve.
      2 - A imagem que Michel Foucault tinha na cabeça
      ao escrever o livro 'As palavras e as coisas'
      3 - dez (10) pontos selecionados no texto do livro e ilustrados, para contextualizar o Prefácio com o restante do livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'

      (o texto do Prefácio, formatado)

      Este livro nasceu de um texto de Borges. Do riso que, com sua leitura, perturba todas as familiaridades do pensamento

      – do nosso: daquele que tem nossa idade e nossa geografia,

      abalando todas as superfícies ordenadas, e todos os planos que tornam sensata para nós a profusão dos seres, fazendo vacilar e inquietando. por muito tempo, nossa prática milenar do Mesmo e do Outro.

      Esse texto cita “uma certa enciclopédia chinesa“ onde será escrito que “os animais se dividem em:

      • a) pertencentes ao imperador; 
      • b) embalsamados, 
      • c) domesticados, 
      • d) leitões, 
      • e) sereias, 
      • f) fabulosos, 
      • g) cães em liberdade, 
      • h) incluídos na presente classificação, 
      • i) que se agitam como loucos, 
      • j) inumeráveis, 
      • k) desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo, 
      • l) et cetera, 
      • m) que acabam de quebrar a bilha, 
      • n) que de longe parecem moscas”.

      No deslumbramento dessa taxinomia, o que de súbito atingimos, o que, graças ao apólogo, nos é indicado como o encanto exótico de um outro pensamento,
      é o limite do nosso: 

      • a impossibilidade patente de pensar isso. 

      Que coisa, pois, é impossível pensar; e de que impossibilidade se trata? 

      A cada uma destas singulares rubricas podemos dar um sentido preciso e um conteúdo determinável; 

      • algumas envolvem realmente seres fantásticos – animais fabulosos ou sereias; 
      • mas, justamente em lhes conferindo um lugar à parte, a enciclopédia chinesa localiza seus poderes de contágio; 
      • distingue com cuidado os animais bem reais (que se agitam como loucos ou que acabam de quebrar a bilha) 
      • e aqueles que só têm lugar no imaginário. 

      As perigosas misturas são conjuradas, 

      • insígnias e fábulas reencontram seu alto posto; 
      • nenhum anfíbio inconcebível, 
      • nenhuma asa arranhada, 
      • nenhuma pele escamosa, 
      • nada dessas faces polimorfas e demoníacas, 
      • nenhum hálito em chamas. 

      Ali, a monstruosidade não altera nenhum corpo real, em nada modifica o bestiário da imaginação; 

      • não se esconde na profundeza de algum poder estranho. 
      • Sequer estaria presente em alguma parte dessa classificação, 
      • se não se esgueirasse em todo o espaço vazio, 
      • em todo o branco intersticial que separa os seres uns dos outros. 

      Não são os animais “fabulosos” que são impossíveis,
      pois que são designados como tais, 

      mas a estreita distância segundo a qual são justapostos aos cães em liberdade ou àqueles que de longe parecem moscas. 

      O que transgride toda imaginação,
      todo pensamento possível,
      é simplesmente a série alfabética (a, b, c, d)
      que liga a todas as outras
      cada uma dessas categorias.
      Tampouco se trata da extravagância
      de encontros insólitos. 

      Sabe-se o que há de desconcertante na proximidade dos extremos ou, muito simplesmente, na vizinhança súbita das coisas sem relação; 

      a enumeração que as faz entrechocar-se possui, por si só, um poder de encantamento:

       “Já não estou em jejum, diz Eustenes. Por todo o dia de hoje estarão a salvo da minha saliva: Aspides, Anfisbenas, Anerudutos, Abedessimões, Alartas, Amóbatas, Apinaos, Alatrobãs, Aractes, Astérios, Alcarates, Arges, Aranhas, Ascálabos, Atélabos, Ascalabotas, Aemorróides…”. 

      Mas todos esses vermes e serpentes, todos esses seres de podridão e de viscosidade fervilham, como as sílabas que os nomeiam, na saliva de Eustenes: 

      é aí que todos têm seu lugar-comum, como, sobre a mesa de trabalho, o guarda-chuva e a máquina de costura; 

      se a estranheza de seu encontro é manifesta,
      ela o é na base 

        • deste e
        • deste em
        • deste sobre

      cuja solidez e evidência garantem a possibilidade de uma justaposição. 

      Era decerto improvável que as hemorroidas, as aranhas e as amóbatas viessem um dia se misturar sob os dentes de Eustenes: mas, afinal de contas, nessa boca acolhedora e voraz, tinham realmente como se alojar e encontrar o palácio  de sua coexistência.

       A monstruosidade que Borges faz circular na sua enumeração consiste, ao contrário,
      em que o próprio espaço comum dos encontros
      se acha arruinado. 

      O impossível não é a vizinhança das coisas,
      é o lugar mesmo onde elas poderiam avizinhar-se. 

      Os animais “i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo ” – onde poderiam eles jamais se encontrar; a não ser na voz imaterial que pronuncia sua enumeração, a não ser na página que a transcreve? 

      Onde poderiam eles se justapor; senão no não-lugar da linguagem? 

      Mas esta, ao desdobrá-los, não abre mais que um espaço impensável. 

      A categoria central dos animais “[h] incluídos na presente classificação” indica bem, pela explícita referência a paradoxos conhecidos, que jamais se chegará a definir; entre cada um desses conjuntos e aquele que os reúne a todos, uma relação estável de conteúdo e continente: 

      se todos os animais classificados se alojam, sem exceção, numa das casas da distribuição, todas as outras não estarão dentro desta? 

      E esta, por sua vez, em que espaço reside? 

      O absurdo arruína o e da enumeração, afetando de impossibilidade o em onde se repartiram as coisas enumeradas.

      • Borges não acrescenta nenhuma figura ao atlas do impossível; 
      • não faz brilhar em parte alguma o clarão do encontro poético; 
      • esquiva apenas a mais discreta, mas a mais insistente das necessidades; 
      • subtrai o chão, o solo mudo onde os seres podem justapor-se. 

      Desaparecimento mascarado, ou, antes, irrisoriamente indicado pela série abecedária de nosso alfabeto, que se supõe servir de fio condutor (o único visível) às enumerações de uma enciclopédia chinesa…

      Numa palavra, o que se retira é a célebre “tábua de trabalho”; e, restituindo a Roussel uma escassa parte do que lhe é sempre devido, emprego esta palavra “tábua” em dois sentidos superpostos: 

      • mesa niquelada, encerada, envolta em brancura, faiscante sob o sol de vidro que devora as sombras – lá onde, por um instante, para sempre talvez, o guarda-chuva encontra a máquina de costura; 
      • e quadro que permite ao pensamento operar com os seres uma ordenação, uma repartição em classes, um agrupamento nominal pelo que são designadas suas similitudes e suas diferenças – lá onde, desde o fundo dos tempos, a linguagem se entrecruza com o espaço. 

      Esse texto de Borges fez-me rir durante muito tempo, não sem um mal-estar evidente e difícil de vencer:

      • Talvez porque no seu rastro nascia a suspeita de que há desordem pior que aquela do incongruente e da aproximação do que não convém; 
      • seria a desordem que faz cintilar os fragmentos de um grande número de ordens possíveis na dimensão, sem lei nem geometria, do heteróclito

        e importa entender esta palavra [heteróclito] no sentido mais próximo de sua etimologia: as coisas aí são “deitadas “, “colocadas “, “dispostas” em lugares a tal ponto diferentes, que é impossível encontrar-lhes um espaço de acolhimento, definir por baixo de umas e outras um lugar comum. 

      As utopias consolam: é que, 

      • se elas não têm lugar real, 
      • desabrocham, contudo, num espaço maravilhoso e liso; 
      • abrem cidades com vastas avenidas, 
      • jardins bem plantados, 
      • regiões fáceis, 

      ainda que o acesso a elas seja quimérico. 

      As heterotopias inquietam, sem dúvida porque 

      • solapam secretamente a linguagem, 
      • porque impedem de nomear isto e aquilo, 
      • porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, 
      • porque arruínam de antemão a “sintaxe!’, 
        • e não somente aquela que constrói as frases 
        • – aquela, menos manifesta, que autoriza “manter juntos” (ao lado e em frente umas das outras) as palavras e as coisas. 

      Eis por que as utopias

      • permitem as fábulas e os discursos:
        • situam-se na linha reta da linguagem,
        • na dimensão fundamental da fábula; 

      as heterotopias (encontradas tão frequentemente em Borges) 

      • dessecam o propósito, 
      • estancam as palavras nelas próprias, 
      • contestam, desde a raiz, toda possibilidade de gramática; 
      • desfazem os mitos 
      • e imprimem esterilidade ao lirismo das frases. 

      Parece que certos afásicos não chegam a classificar de maneira coerente as meadas de lãs multicores que se lhes apresentam sobre a superfície de uma mesa;

      como se esse retângulo unificado não pudesse servir de espaço homogêneo e neutro onde as coisas viessem ao mesmo tempo 

          • manifestar a ordem contínua de suas identidades ou de suas diferenças 
          • e o campo semântico de sua denominação.

      Eles formam, nesse espaço unido, onde as coisas normalmente se distribuem e se nomeiam, uma multiplicidade de pequenos domínios granulosos e fragmentários onde semelhanças sem nome aglutinam as coisas em ilhotas descontínuas; 

      • num canto, colocam as meadas mais claras, 
      • noutro, as vermelhas, 
      • aqui, aquelas que têm uma consistência mais lanosa, 
      • ali, aquelas mais longas, ou as que tendem ao violeta, 
      • ou as que foram enroladas em novelo. 

      Mas, mal são esboçados, todos esses agrupamentos se desfazem, pois a orla de identidade que os sustenta, por mais estreita que seja, é ainda demasiado extensa para não ser instável; e, infinitamente, o doente 

      • reúne e separa, 
      • amontoa similitudes diversas, 
      • destrói as mais evidentes, 
      • dispersa as identidades, 
      • superpõe critérios diferentes, 
      • agita-se, 
      • recomeça, 
      • inquieta-se 
      • e chega finalmente à beira da angústia. 

      O embaraço que faz rir quando se lê Borges é por certo aparentado ao profundo mal-estar daqueles cuja linguagem está arruinada: 

      ter perdido o “comum” do lugar e do nome.
      Atopia, afasia.

      No entanto, o texto de Borges aponta para outra direção; a essa distorção da classificação que nos impede de pensá-Ia, a esse quadro sem espaço coerente Borges dá como pátria mítica uma região precisa, cujo simples nome constitui para o Ocidente uma grande reserva de utopias. 

      A China, em nosso sonho,
      não é justamente o lugar privilegiado do espaço? 

      Para nosso sistema imaginário, a cultura chinesa é a mais meticulosa, a mais hierarquizada, a mais surda aos acontecimentos do tempo, a mais vinculada ao puro desenrolar da extensão; pensamos nela como numa civilização de diques e de barragens sob a face eterna do céu; vemo-la estendida e imobilizada sobre toda a superfície de um continente cercado de muralhas. 

      Sua própria escrita não reproduz em linhas horizontais o voo fugidio da voz; ela ergue em colunas a imagem imóvel e ainda reconhecível das próprias coisas. 

      Assim é que a enciclopédia chinesa citada por Borges e a taxinomia que ela propõe 

      • conduzem a um pensamento sem espaço, a palavras e categorias mas que, em essência, repousam sobre um espaço solene, todo sobrecarregado de figuras complexas, de caminhos emaranhados, de locais estranhos, de secretas passagens e imprevistas comunicações; 
      • haveria assim, na outra extremidade da terra que habitamos, uma cultura votada inteiramente à ordenação da extensão, 
        • mas que não distribuiria a proliferação dos seres em nenhum dos espaços onde nos é possível nomear; falar; pensar: 

      Quando instauramos uma classificação refletida, quando dizemos que o gato e o cão se parecem menos que dois galgos, mesmo se ambos estão adestrados ou embalsamados, mesmo se os dois correm como loucos e mesmo se acabam de quebrar a bilha, qual é, pois, o solo a partir do qual podemos estabelecê-lo com inteira certeza? 

      Em que “tábua”, segundo qual espaço de identidades, de similitudes, de analogias, adquirimos o hábito de distribuir tantas coisas diferentes e parecidas sem tempo nem lugar ?  

      Que coerência é essa – que se vê logo não ser nem determinada por um encadeamento a priori e necessário, nem imposta por conteúdos imediatamente sensíveis? 

      Pois não se trata de ligar consequências, mas sim 

      • de aproximar e isolar; 
      • de analisar; 
      • ajustar e encaixar conteúdos concretos; 

      nada mais tateante, nada mais empírico (ao menos na aparência) que a instauração de uma ordem entre as coisas; 

      • nada que exija um olhar mais atento, uma linguagem mais fiel e mais bem modulada; 
      • nada que requeira com maior insistência que se deixe conduzir pela proliferação das qualidades e das formas. 

      E, contudo, um olhar desavisado bem poderia aproximar algumas figuras semelhantes e distinguir outras em razão de tal ou qual diferença: 

      de fato não há, mesmo para a mais ingênua experiência, nenhuma similitude, nenhuma distinção que não resulte de uma operação precisa e da aplicação de um critério prévio. 

      Um “sistema dos elementos ” – uma definição dos segmentos sobre os quais poderão aparecer as semelhanças e as diferenças, os tipos de variação de que esses segmentos poderão ser afetados, o limiar; enfim, acima do qual haverá diferença e abaixo do qual haverá similitude – é indispensável para o estabelecimento da mais simples ordem. 

      A ordem é ao mesmo tempo 

      • aquilo que se oferece nas coisas como sua lei interior; 
        • a rede secreta segundo a qual elas se olham de algum modo umas às outras 
      • e aquilo que só existe através do crivo de um olhar; 
        • de uma atenção, de uma linguagem; 

      e é somente nas casas brancas desse quadriculado que ela se manifesta em profundidade como já presente, esperando em silêncio o momento de ser enunciada. 

      Os códigos fundamentais de uma cultura  

      • – aqueles que regem sua linguagem, 
      • seus esquemas perceptivos, 
      • suas trocas, 
      • suas técnicas, 
      • seus valores, 
      • a hierarquia de suas práticas –

      fixam, logo de entrada, para cada homem, as ordens empíricas com as quais terá de lidar e nas quais se há de encontrar. 

      Na outra extremidade do pensamento, teorias científicas ou interpretações de filósofos explicam 

      • por que há em geral uma ordem, 
      • a que lei geral obedece, 
      • que princípio pode justificá-Ia, 
      • por que razão é esta a ordem estabelecida e não outra. 

      Mas, entre essas duas regiões tão distantes, reina um domínio que, apesar de ter sobretudo um papel intermediário, não é menos fundamental: é mais confuso, mais obscuro e, sem dúvida, menos fácil de analisar: 

      É aí que uma cultura, 

      • afastando-se insensivelmente das ordens empíricas que lhe são prescritas por seus códigos primários, 
      • instaurando uma primeira distância em relação a elas, 
      • fá-Ias perder sua transparência inicial, 
      • cessa de se deixar passivamente atravessar por elas, 
      • desprende-se de seus poderes imediatos e invisíveis, 
      • libera-se o bastante para constatar que essas ordens não são talvez as únicas possíveis nem as melhores: 

      de tal sorte que se encontre diante do fato bruto de que há, sob suas ordens espontâneas, coisas que são em si mesmas ordenáveis, que pertencem a uma certa ordem muda, em suma, que há ordem. 

      Como se, libertando-se por uma parte de seus grilhões linguísticos, perceptivos, práticos, a cultura aplicasse sobre estes um segundo grilhão que os neutralizasse, que, duplicando-os, os fizesse aparecer ao mesmo tempo que os excluísse e, no mesmo movimento, se achasse diante do ser bruto da ordem. 

      É em nome dessa ordem que os códigos da linguagem, da percepção, da prática são criticados e parcialmente invalidados. 

      É com base nessa ordem, assumida como solo positivo, que se construirão as teorias gerais da ordenação das coisas e as interpretações que esta requer: 

      Assim, entre o olhar já codificado e o conhecimento reflexivo, há uma região mediana que libera a ordem no seu ser mesmo: 

      • é aí que ela aparece, segundo as culturas e segundo as épocas, 
      • contínua e graduada ou fracionada e descontínua, 
      • ligada ao espaço ou constituída a cada instante pelo impulso do tempo, 
      • semelhante a um quadro de variáveis ou definida por sistemas separados de coerências, 
      • composta de semelhanças que se aproximam sucessivamente ou se espelham mutuamente, organizada em torno de diferenças crescentes etc. 

      De tal sorte que essa região “mediana “, na medida em que manifesta os modos de ser da ordem, pode apresentar-se como a mais fundamental: 

      • anterior às palavras, às percepções e aos gestos, incumbidos então de traduzi-Ia com maior ou menor exatidão ou sucesso (razão pela qual essa experiência da ordem, sem seu ser maciço e primeiro, desempenha sempre um papel crítico); 
      • mais sólida, mais arcaica, menos duvidosa, sempre mais “verdadeira” que as teorias que lhes tentam dar uma forma explícita, uma explicação exaustiva, ou um fundamento filosófico. 

      Assim, em toda cultura,
      entre  

      o uso do que se poderia chamar
      os códigos ordenadores

      e as reflexões sobre a ordem, 

      há a experiência nua da ordem e de seus modos de ser: 

      No presente estudo, é essa experiência que se pretende analisar:

      Trata-se de mostrar o que ela veio a se tornar; desde o século XVI, no meio de uma cultura como a nossa: de que maneira, refazendo, como que contra a corrente, 

      • o percurso da linguagem tal como foi falada, 
      • dos seres naturais, tais como foram percebidos e reunidos, 
      • das trocas, tais como foram praticadas,

      nossa cultura manifestou que havia ordem

      e que às modalidades dessa ordem deviam 

      • as permutas suas leis, 
      • os seres vivos sua regularidade, 
      • as palavras seu encadeamento e seu valor representativo; 

      que modalidades de ordem foram reconhecidas, colocadas, vinculadas ao espaço e ao tempo, para formar o suporte positivo de conhecimento tais que vão dar 

      • na gramática e na filologia, 
      • na história natural e na biologia, 
      • no estudo das riquezas e na economia política. 

      Tal análise, como se vê, não compete à história das idéias ou das ciências: é antes um estudo que se esforça por encontrar 

      • a partir de que foram possíveis conhecimentos e teorias; 
      • segundo qual espaço de ordem se constituiu o saber; 
      • na base de qual a priori histórico e no elemento de qual positividade puderam aparecer idéias, constituir-se ciências, refletir-se experiências em filosofias, formar-se racionalidades, 
      • para talvez se desarticularem e logo desvanecerem. 

      Não se tratará, portanto, de conhecimentos descritos no seu progresso em direção a uma objetividade na qual nossa ciência de hoje pudesse enfim se reconhecer; 

      • o que se quer trazer à luz é o campo epistemológico, a epistémê onde os conhecimentos, encarados fora de qualquer critério referente a seu valor racional ou a suas formas objetivas, enraízam sua positividade e manifestam assim uma história que não é a de sua perfeição crescente, mas, antes, a de suas condições de possibilidade; 
      • neste relato, o que deve aparecer são, no espaço do saber; as configurações que deram lugar às formas diversas do conhecimento empírico. 

      Mais que de uma história no sentido tradicional da palavra,
      trata-se de uma “arqueologia “(1). 

      Ora, esta investigação arqueológica mostrou duas grandes descontinuidades na epistémê da cultura ocidental: 

      aquela que inaugura a idade clássica
      (por volta dos meados do século XVII) 

      e aquela que, no início do século XIX,
      marca o limiar de nossa modernidade. 

      A ordem, sobre cujo fundamento pensamos, não tem o mesmo modo de ser que a dos clássicos. 

      • Por muito forte que seja a impressão que temos de um movimento quase ininterrupto da ratio européia desde o Renascimento até nossos dias, 
      • por mais que pensemos que a classificação de Lineu, mais ou menos adaptada, pode de modo geral continuar a ter uma espécie de validade, 
      • que a teoria do valor de Condillac se encontra em parte no marginalismo do século XIX,
      • que Keynes realmente sentiu a afinidade de suas próprias análises com as de Cantillon, 
      • que o propósito da Gramática geral
        (tal como o encontramos nos autores de Port-Royal ou em Bauzée) não está tão afastado de nossa atual linguística 

      – toda esta quase-continuidade ao nível das idéias e dos temas não passa, certamente, de um efeito de superfície; 

      • no nível arqueológico, vê-se que o sistema das positividades mudou de maneira maciça na curva dos séculos XVIII e XIX 

      Não que a razão tenha feito progressos; 

      • mas o modo de ser das coisas e da ordem que, distribuindo-as, oferece-as ao saber; é que foi profundamente alterado. 

      Se a história natural de Tournefort, de Lineu e de Buffon tem relação com alguma coisa que não ela mesma, não é com a biologia, a anatomia comparada de Cuvier ou o evolucionismo de Darwin, mas com a gramática geral de Bauzée, com a análise da moeda e da riqueza tal como a encontramos em Law, em Véron de Fortbonnais ou em Turgot. 

      Os conhecimentos chegam talvez a se engendrar; as ideias a se transformar e a agir umas sobre as outras (mas como? até o presente os historiadores não no-lo disseram); 

      uma coisa, em todo o caso, é certa: 

      • a arqueologia, dirigindo-se ao espaço geral do saber; 
      • a suas configurações e ao modo de ser das coisas que aí aparecem, 

      define sistemas de simultaneidade, assim como a série de mutações necessárias e suficientes para circunscrever o limiar de uma positividade nova. 

      Assim, a análise pôde mostrar a coerência que existiu,
      durante toda a idade clássica, entre 

      • a teoria da representação 
      • e as da linguagem, das ordens naturais, da riqueza e do valor: 

      É esta configuração que, a partir do século XIX, muda inteiramente; 

      • a teoria da representação desaparece como fundamento geral de todas as ordens possíveis; 
      • a linguagem, por sua vez, como quadro espontâneo e quadriculado primeiro das coisas, como suplemento indispensável entre a representação e os seres, desvanece-se; 
      • uma historicidade profunda penetra no coração das coisas, isola-às e as define na sua coerência própria. Impõe-lhes formas de ordem que são implicadas pela continuidade do tempo; 
      • a análise das trocas e da moeda cede lugar ao estudo da produção, 
      • a do organismo toma dianteira sobre a pesquisa dos caracteres taxinômicos; 
      • e, sobretudo, a linguagem perde seu lugar privilegiado e torna-se, por sua vez, uma figura da história coerente com a espessura de seu passado. 

      Na medida, porém,
      em que as coisas giram sobre si mesmas,
      reclamando para seu devir
      não mais que o princípio de sua inteligibilidade
      e abandonando o espaço da representação,
      o homem, por seu turno,
      entra, e pela primeira vez,
      no campo do saber ocidental. 

      Estranhamente, o homem – cujo conhecimento passa, a olhos ingênuos, como a mais velha busca desde Sócrates – não é, sem dúvida, nada mais que uma certa brecha na ordem das coisas, uma configuração, em todo o caso, desenhada pela disposição nova que ele assumiu recentemente no saber: 

      Daí nasceram todas as quimeras dos novos humanismos, todas as facilidades de uma “antropologia “, entendida como reflexão geral, meio positiva, meio filosófica, sobre o homem. 

      Contudo, é um reconforto e um profundo apaziguamento pensar que o homem não passa de uma invenção recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra de nosso saber; e que desaparecerá desde que este houver encontrado uma forma nova. 

      Vê-se que esta investigação responde um pouco, como em eco, ao projeto de escrever uma história da loucura na idade clássica; 

      • ela tem, em relação ao tempo, as mesmas articulações, tomando como seu ponto de partida o fim do Renascimento 
      • e encontrando, também ela, na virada do século XIX; o limiar de uma modernidade de que ainda não saímos. 

      Enquanto, na história da loucura, se interrogava a maneira como uma cultura pode colocar sob uma forma maciça e geral a diferença que a limita, 

      trata-se aqui de observar a maneira como ela experimenta a proximidade das coisas, Como ela estabelece o quadro de seus parentescos e a ordem segundo a qual é preciso percorrê-los. 

      Trata-se, em suma, de uma história da semelhança: 

      sob que condições o pensamento clássico pôde refletir; entre as coisas, relações de similaridade ou de equivalência que fundam e justificam as palavras, as classificações, as trocas? 

      A partir de qual a priori histórico foi possível definir o grande tabuleiro das identidades distintas que se estabelece sobre o fundo confuso, indefinido, sem fisionomia e como que indiferente, das diferenças? 

      A história da loucura seria a história do Outro 

      – daquilo que, para uma cultura é ao mesmo tempo interior e estranho, a ser portanto excluído (para conjurar-lhe o perigo interior), encerrando-o porém (para reduzir-lhe a alteridade); 

      a história da ordem das coisas seria a história do Mesmo 

      – daquilo que, para uma cultura, é ao mesmo tempo disperso e aparentado, a ser portanto distinguido por marcas e recolhido em identidades. 

      E se se pensar que a doença é, ao mesmo tempo, 

      • a desordem, a perigosa alteridade no corpo humano e até o cerne da vida, 
      • mas também um fenômeno da natureza que tem suas regularidades, suas semelhanças e seus tipos 

      – vê-se que lugar poderia ter uma arqueologia do olhar médico. 

      • Da experiência-limite do Outro às formas constitutivas do saber médico 
      • e, destas, à ordem das coisas e ao pensamento do Mesmo, 
      • o que se oferece à análise arqueológica é todo o saber clássico, 
      • ou melhor; 
        • esse limiar que nos separa do pensamento clássico e constitui nossa modernidade. 

      Nesse limiar apareceu pela primeira vez esta estranha figura do saber que se chama homem e que abriu um espaço próprio às ciências humanas. 

      Tentando trazer à luz esse profundo desnível da cultura ocidental,
      é a nosso solo silencioso e ingenuamente imóvel
      que restituímos suas rupturas, sua instabilidade, suas falhas; 

      e é ele que se inquieta novamente sob nossos passos.

      Capítulo II – A prosa do mundo

      Capítulo II - A prosa do mundo

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      Capítulo II. A prosa do mundo; tópico V. O ser da linguagem Desde o estoicismo, o sistema dos signos no mundo ocidental fora ternário, já

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      Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
      sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
      sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
      com duas amplitudes - abrangências muito diferentes
      Proposição enunciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
      designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção inexistentes; linguagem de ação ou raiz não contém a representação para essa empiricidade objeto
      ]
      Caos como um tipo de ordem instável
      em que as sequências temporais são muito complexas e revelam estruturas
      que nos permitem melhor entender o mundo que nos cerca

      Paleta de ideias ou elementos de imagem
      presentes na configuração de pensamento clássico

      Las meninas, Diego Velázquez, 1656; óleo sobre tela; Museu do Prado, Madrid, Espanha

      O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

      Proposição instanciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
      designações primitivas inativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes e ativados; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
      recuperada desde o Repositório para objeto desta operação
      Proposição explicativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
      designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
      a proposição no pensamento clássico
      ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca
      a proposição no pensamento moderno: ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca
      ECA-moderno
      Características do pensamento moderno
      o de depois de 1825
      ECA-Clássico
      Características do pensamento clássico
      o de antes de 1775
      homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775,
      considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
      como um gênero, ou uma espécie
      os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
      no livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
      caminho do Instanciamento da representação, com valor já atribuído;
      que tem início novamente no interior do Circuito das trocas
      fontes de valor para a representação em construção: a) designações primitivas; b) linguagem de ação ou taiz.

      Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

      Funcionamento
      do pensamento
      funcionamento das operações no pensamento clássico
      Modelo de
      Operação de produção
      relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
      e o sistema Input-Output
      do LE da figura.
      Modelo da 
      Organização de produção
      Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
      múltiplos sistemas de categorias
      Modelo de operações
      e de organização
      Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
      Modelo de  Operação
      contábil-financeira
      O modelo de operação
      no sistema contábil-financeiro
      Modelo da  Organização
      ponto de vista financeiro
      a organização no sistema contábil-financeiro

      Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

      Funcionamento
      de operação do pensamento
      O funcionamento das operações no pensamento moderno
      Modelo de
      Operação de produção
      relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e 'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'
      Modelo da 
      Organização de produção
      o modelo de organização 'Mapa da atividade semicondutores', da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
      O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
      instanciamento de representação
      O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
      do movimento Reengenharia

      O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

      Assim, estes três pares,

      • função e norma,
      • conflito e regra,
      • significação e sistema,

      cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

      Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

      • do nível da psicologia,
      • da sociologia
      • ou da análise das linguagens

      é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

      • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

      Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

      Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo X  – As ciências humanas;
       III. Os três modelos
      Michel Foucault 

      O Triedro dos saberes: eixos e faces
      espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
      O interior ao Triedro dos saberes
      o espaço das Ciências humanas

      Aquém do objeto

      Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

      • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

      Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
      existem desde sempre e para sempre,
      e integram o Universo em uma visão única.

      Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

      Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

      Diante do objeto

      No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

      • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

      No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

      • Ciências da vida (Biologia):


        função-norma
        ;

      • Ciências do trabalho (Economia):


        conflito-regra;

      • Ciências da Linguagem (Filologia):

        significação-sistema.

      Além do objeto

      No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

      Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

      • da Vida-(Biologia),
      • do Trabalho-(Economia)
      • e da Linguagem-(Filologia).

      O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

      O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

      • Ciências da vida  (Biologia):
        função-norma;

        +
        Ciências do trabalho (Economia):

        conflito-regra;
        +
        Ciências da Linguagem (Filologia):
        significação-sistema.

      Sob ciências humanas como:

      • economia política;
      • sociologia,
      • psicologia e psicanálise

      estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

      - Lugar do nascimento do que é empírico:
      pensamento moderno - caminho da Construção da representação
      - Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

      Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

      Encontra-se 

      • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
      • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

      Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

      Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

      O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
      lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
      O Lugar de nascimento do que é empírico
      lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
      e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
      O Circuito das trocas
      as chaves horizontais amarelas
      onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
      não se altera

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      2Assim como a Ordem
      no pensamento clássico
      não era
      a harmonia visível
      das coisas,
      seu ajustamento,
      sua regularidade
      ou sua simetria constatados,
      mas o espaço próprio de seu ser
      e aquilo que,
      antes de todo
      conhecimento efetivo,
      as estabelecia no saber,

      1″Mas vê-se bem
      que a História
      não deve ser aqui entendida
      como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

      ela é
      o modo de ser fundamental
      das empiricidades,

      aquilo a partir de que elas são

      • afirmadas,
      • postas,
      • dispostas
      • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

      [veja citação 2 à esquerda]

      A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

      Qual será a explicação para isso?

      Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

      Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

      3assim também a História,
      a partir do século XIX,
      define o
      lugar de nascimento
      do que é empírico,
      lugar onde,
      aquém
      de toda cronologia estabelecida,
      ele assume o ser
      que lhe é próprio.

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VII – Os limites da representação;
      I. A idade da história
      Michel Foucault 

      - Lugar do nascimento do que é empírico:
      pensamento moderno - caminho da Construção da representação
      - Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

      Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

      Encontra-se 

      • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
      • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

      Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

      Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      2Assim como a Ordem
      no pensamento clássico
      não era
      a harmonia visível
      das coisas,
      seu ajustamento,
      sua regularidade
      ou sua simetria constatados,
      mas o espaço próprio de seu ser
      e aquilo que,
      antes de todo
      conhecimento efetivo,
      as estabelecia no saber,

      1″Mas vê-se bem
      que a História
      não deve ser aqui entendida
      como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

      ela é
      o modo de ser fundamental
      das empiricidades,

      aquilo a partir de que elas são

      • afirmadas,
      • postas,
      • dispostas
      • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

      [veja citação 2 à esquerda]

      assim também a História,
      a partir do século XIX,
      define o
      lugar de nascimento
      do que é empírico,
      lugar onde,
      aquém de toda cronologia estabelecida,
      ele assume o ser
      que lhe é próprio.

      A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

      Qual será a explicação para isso?

      Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

      Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VII – Os limites da representação;
      I. A idade da história
      Michel Foucault 

      Questões/Perguntas

      _thumb história do livro

      A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,
       – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

      - Lugar do nascimento do que é empírico:
      pensamento moderno - caminho da Construção da representação
      - Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

      Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

      Encontra-se 

      • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
      • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

      Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

      Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

      O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
      lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
      O Lugar de nascimento do que é empírico
      lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
      e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
      O Circuito das trocas
      as chaves horizontais amarelas
      onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
      não se altera

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      2Assim como a Ordem
      no pensamento clássico
      não era
      a harmonia visível
      das coisas,
      seu ajustamento,
      sua regularidade
      ou sua simetria constatados,
      mas o espaço próprio de seu ser
      e aquilo que,
      antes de todo
      conhecimento efetivo,
      as estabelecia no saber,

      1″Mas vê-se bem
      que a História
      não deve ser aqui entendida
      como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

      ela é
      o modo de ser fundamental
      das empiricidades,

      aquilo a partir de que elas são

      • afirmadas,
      • postas,
      • dispostas
      • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

      [veja citação 2 à esquerda]

      A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

      Qual será a explicação para isso?

      Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

      Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

      3assim também a História,
      a partir do século XIX,
      define o
      lugar de nascimento
      do que é empírico,
      lugar onde,
      aquém
      de toda cronologia estabelecida,
      ele assume o ser
      que lhe é próprio.

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VII – Os limites da representação;
      I. A idade da história
      Michel Foucault 

      Questões/Perguntas

      _thumb história do livro

      A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,  – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

      Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço no caminho,
      encontradas por Foucault durante seu trabalho no livro
      ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’

      exemplos de modelos de operações e de organizações muito usados ainda hoje, mostrando esses dois obstáculos presentes entre nós atualmente.

      os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
      no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
      Michel Foucault
      1926-1984

      “Eis que nos adiantamos
      bem para além do acontecimento histórico
      que se impunha situar
      – bem para além das margens cronológicas dessa ruptura
      que divide, em sua profundidade,
      a epistémê do mundo ocidental
      e isola para nós o começo de certa
      maneira moderna de conhecer as empiricidades.

      É que o pensamento que nos é contemporâneo
      e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
      se acha ainda muito dominado

      1 pela impossibilidade
      trazida à luz por volta 
      do fim do século XVIII, 
      de fundar as sínteses
      no espaço da representação:

      2 e pela obrigação 
      correlativa, simultânea, 

      mas logo dividida contra si mesma, 
      de abrir o campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, 
      para além do objeto, 

      esses “quase-transcendentais” 
      que são para nós 
      Vida, o Trabalho, a Linguagem.

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;

      Capítulo VIII – Trabalho, vida e linguagem;
      tópico I – As novas empiricidades

      no pensamento clássico
      aquém do objeto
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      diante do objeto
      depois de 1825

      espaço interior
      Triedro dos saberes
      para além do objeto
      reservado às
      Ciências humanas

      comparações de diferentes configurações de pensamento feitas por Michel Foucault
      A impossibilidade
      [no pensamento clássico,
      LE da figura]
      contra a sim-possibilidade
      [no pensamento moderno,
      LD da figura]
      de fundar as sínteses
      [da empiricidade objeto]
      no espaço da representação.
      o espaço interno do
      Triedro dos saberes
      – o habitat das ciências humanas –
      mostrando o modelo constituinte composto e comum a todas as Ciências Humanas

      Os obstáculos no caminho de Foucault 

      aquém do objeto

      diante do objeto

      para além do objeto

      0 Foucault havia anteriormente identificado o perfil do pensamento no período clássico, com uma configuração tal que a capacidade (ou a possibilidade – e mesmo a intenção) de fundar as sínteses – dos objetos de operações cujas representações resultassem dessas operações – no espaço da representação não era sequer cogitada:

      • em razão dos pressupostos adotados,

      e principalmente, em razão 

      • do tipo de leitura feita do fenômeno ‘operações’ das trocas, 
        • na leitura então feita, o ponto de início do fenômeno  ‘operações’, estava inserido no exato momento em que a troca tem todas as condições para acontecer; (os dois objetos da troca – o dado e o obtido –  tinham representações disponíveis e já carregadas de valor).

      1 Michel Foucault relata a seguinte situação:

      • ele havia delineado um tipo de pensamento ‘com o qual queiramos ou não pensamos’, um pensamento que segundo ele ‘tem a nossa idade e a nossa geografia’,
        • com a possibilidade de fundar as sínteses (da empiricidade objeto da operação) no espaço da representação;

      para conseguir fundar as sínteses no espaço da representação,

      • foi necessário alterar profundamente todos os pressupostos

      e a leitura feita do que seja uma operação e a análise de valor, exigiram:

      • o deslocamento do ponto de inserção da análise desde o ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
      • para um ponto antes da possibilidade da troca, quando os elementos que dão as condições de efetivação dessa troca, ainda não existissem,

      incorporando à análise, a operação de construção da representação nova. 

      E ele havia percebido que esse pensamento com o qual queiramos ou não pensamos

      • estava muito contaminadodominado, mesmo –
        • justamente pela impossibilidade de fazer isso (essa fundação das sínteses do objeto da operação no espaço da representação), sendo esta impossibilidade  uma característica do pensamento clássico.

      2 Ele percebia ainda uma obrigação a cumprir:

      • a de abrir o campo transcendental da subjetividade
        • e constituir, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem.

      Ele descobre que operações nos domínios das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem podem ser expressos completamente em cada domínio, por pares de modelos constituintes:

      • Vida(Biologia)
        • função-norma;
      • Trabalho(Economia)
        • conflito-regra;
      • Linguagem(Filologia)
        • significação sistema;

      e que os modelos constituintes das Ciências humanas são sempre compostos por uma combinação desses três pares de modelos constituintes.

      O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

      • Ciências da vida  (Biologia):
        [função-norma];

        +
        Ciências do trabalho (Economia):
        [conflito-regra];
        +
        Ciências da Linguagem (Filologia):
        [significação-sistema].

      Podemos ver a atualidade dessa percepção de Foucault
      com Exemplos de modelos para operações e organizações
      construídos sobre estruturas de conceitos
      uns que não permitem, e outros que ao contrário sim permitem
      a fundação das sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação.

      Veja isso aqui.

      Os tratamentos dados ao homem em nossa cultura, no pensamento clássico e no moderno, segundo Michel Foucault; 

      e as ideias – ou elementos de imagem – requeridos para compor estruturalmente modelos de operações e modelos de organizações
      com os respectivos tratamentos dados ao homem

      homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775, considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
      como um gênero, ou uma espécie
      homem no sistema de operações do pensamento moderno, o de depois de 1825 considerado em sua duplicidade de papéis:
      1. raiz e fundamento de toda positividade
      2. elemento do que é empírico.

      “Instaura-se
      uma forma de reflexão
      bastante afastada
      do cartesianismo
      e da análise kantiana,
      em que está em questão,
      pela primeira vez,
      o ser do homem,
      nessa dimensão
      segundo a qual
      o pensamento
      se dirige ao impensado,
      e com ele se articula.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
      V. O cogito e o impensado
      Michel Foucault 

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      “No pensamento clássico,
      aquele para quem
      a representação existe,
      e que nela se representa a si mesmo,
      aí se reconhecendo
      por imagem ou reflexo,
      aquele que trama
      todos os fios entrecruzados
      da “representação em quadro” -,
      esse [o ser do homem]
      jamais se encontra lá presente.

      Antes do fim do século XVIII,
      o homem não existia.

      Sem dúvida,
      as ciências naturais
      trataram do homem como 

      • de uma espécie
      • ou de um gênero

      a discussão
      sobre o problema das raças,
      no século XVIII, o testemunha.
      A gramática e a economia,
      por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade,
      de desejo,
      ou de memória
      e de imaginação.”

      Mas não havia
      consciência epistemológica

      do homem como tal.

      “Antes do fim do século XVIII,
      o homem não existia.”

      “O modo de ser do homem,
      tal como se constituiu
      no pensamento moderno,
      permite-lhe desempenhar dois papéis:
      está, ao mesmo tempo,

      • no fundamento
        de todas as positividades,
      • presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
        no elemento
        das coisas empíricas.

      Esse fato
      – e não se trata aí
      da essência em geral do homem,
      mas pura e simplesmente
      desse a priori histórico que,
      desde o século XIX,
      serve de solo quase evidente
      ao nosso pensamento –
      esse fato é, sem dúvida, decisivo
      para o estatuto a ser dado
      às “ciências humanas”,
      a esse corpo de conhecimentos
      (mas mesmo esta palavra
      é talvez demasiado forte:
      digamos,
      para sermos mais neutros ainda,
      a esse conjunto de discursos)
      que toma por objeto o homem
      no que ele tem de empírico.”

      É possível pensar as condições em que se dá a subjetividade de um ‘homem’ tratado como espécie, ou gênero?

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IX – O homem e seus duplos;
      II. O lugar do rei
      Michel Foucault 

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo X  – As ciências humanas;
       I. O triedro dos saberes
      Michel Foucault 

      Veja o ponto “2. as possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações de troca’ e respectivas possibilidades de análise de valor que elas nos permitem fazer”

      Parece ser a opção de leitura da ‘operação de troca’ deslocada para um ponto antes das existência dos objetos da troca o que arrasta o ser do homem e cada objeto da troca para a Forma de reflexão que se instaura em nossa cultura.

      O fenômeno ‘operações’ (em qualquer área): visões com duas abrangências muito diferentes dependendo da leitura que fazemos.

      As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ – de qualquer tipo – e a análise das diferentes origens do valor carregado pelas proposições para as representações em função da inserção do ponto de início de leitura de ‘operações’; 

      Duas visões, duas leituras do fenômeno ‘operações’:
      sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
      sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
      com duas amplitudes – duas abrangências muito diferentes

      Note-se que as condições para a ocorrência da troca – a existência simultânea dos dois objetos de troca, o que é dado e o que é recebido – são satisfeitas em duas situações:

      • 1. no pensamento clássico pelo posicionamento do ponto de início de leitura sob essa condição, quer dizer, a existência prévia do que é dado e do que é recebido;
      • 2. no pensamento moderno, pela satisfação dessa pré-condição no início do Instanciamento da representação, porém com a condição da execução anterior da Construção da representação, também incluída no escopo da operação. 

      Nos pontos marcados por setas amarelas para baixo (1) e (2) as pré-condições para a ocorrência da troca são dadas, qualquer que seja a estrutura de pensamento – clássico ou moderno – segundo o pensamento de Michel Foucault.

      O que não muda entre essas duas possibilidades

      A proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações e suas duas possibilidades de carregamento de valor, quanto às respectivas origens

      A proposição é para a linguagem
      o que a representação é
      para o pensamento:
      sua forma, ao mesmo tempo
      mais geral e mais elementar,
      porquanto, desde que a decomponhamos, não reencontraremos mais o discurso,
      mas seus elementos
      como tantos materiais dispersos.

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV  – Falar;
      tópico III – Teoria do verbo
      Michel Foucault 

      (…) Em outras palavras,
      para que, numa troca,
      uma coisa possa representar outra,
      é preciso que elas existam
      já carregadas de valor;
      e, contudo,
      o valor só existe
      no interior da representação

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VI – Trocar;
      V. A formação do valor
      Michel Foucault 

      O que sim muda entre essas duas possibilidades

      A origem do valor carregado pelo veículo de carregamento de valor na representação: a proposição, sempre, porém em linguagens essencialmente diferentes e representações com origens de valor distintas.

      “Valer, para o pensamento clássico,
      é primeiramente valer alguma coisa,
      poder substituir essa coisa num processo de troca.

      A moeda só foi inventada,
      os preços só foram fixados e só se modificam
      na medida em que essa troca existe.

      Ora, a troca é um fenômeno simples
      apenas na aparência.

      Com efeito, só se troca numa permuta,
      quando cada um dos dois parceiros
      reconhece um valor
      para aquilo que o outro possui.

      Num sentido, é preciso, pois,
      que as coisas permutáveis,
      com seu valor próprio,
      existam antecipadamente nas mãos de cada um,
      para que a dupla cessão e a dupla aquisição
      finalmente se produzam.

      Mas, por outro lado,

      • o que cada um come e bebe,
        aquilo de que precisa para viver
        não tem valor
        enquanto não o cede;
      • e aquilo de que não tem necessidade
        é igualmente desprovido de valor
        enquanto não for usado
        para adquirir alguma coisa de que necessite.

      Em outras palavras,
      para que, numa troca,
      uma coisa possa representar outra,
      é preciso que elas existam
      já carregadas de valor;
      e, contudo,
      o valor só existe
      no interior da representação

      • (atual [troca imediata]
      • ou possível [permutabilidade]),

      isto é, no interior

      1. da troca
        [representação existente]
      2. ou da permutabilidade
        [representação possível]
        .

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VI – Trocar;
      V. A formação do valor
      Michel Foucault 

      O funcionamento da troca em cada uma das duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operação’: no ato mesmo da troca; ou anterior à troca, na criação das condições de troca

      “Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

      1. leitura já dadas as condições de troca;
      2. leitura na permutabilidade, isto é na criação de condições de troca

      1 uma analisa o valor
      no ato mesmo da troca,
      no ponto de cruzamento
      entre o dado e o recebido;

      • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra
        • toda a essência da linguagem no interior da proposição;

      3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

      2 outra analisa-o
      como anterior à troca
      e como condição primeira
      para que esta possa ocorrer.

      • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das
        • designações primitivas
        • linguagem de ação ou raiz;

      4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

      fora de si mesma e como que

        • na natureza, ou nas   
        • analogias das coisas;

      a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VI – Trocar;
      V. A formação do valor
      Michel Foucault 

      Esta segunda leitura para ‘operações’
      – que orienta a análise de valor
      desde antes do momento da troca -,
      não é possível sem a presença do homem
      na estrutura dos modelos.

      Isso fica bastante claro com a descrição da forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

      Esses dois pontos de inserção da leitura da operação de troca
      mostrados nos modelos de operações

      Colocando o ponto de inserção de leitura do fenômeno ‘operações’ antes da existência dos objetos envolvidos na troca, ocorre uma portentosa ampliação no escopo da operação – de qualquer natureza -, incorporando toda a etapa de construção de representação nova. Veja isso aqui.

      As características das duas configurações do pensamento:

      • a do pensamento clássico, de antes de 1775;
      • e a do pensamento moderno, de depois de 1825

      características de características, ou características de segunda ordem,
      das configurações do pensamento em cada caso.

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      _Estrutura IO-transformação
      Os princípios organizadores
      sob o pensamento clássico:
      o de antes de 1775
      ‘Caráter’ e ‘Similitude’
      Características do pensamento clássico, o de antes de 1775
      Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
      o de depois de 1825
      ‘Analogia’ e ‘Sucessão’
      Características do pensamento moderno, o de depois de 1825

      “Instaura-se
      uma forma de reflexão
      bastante afastada
      do cartesianismo
      e da análise kantiana,
      em que está em questão,
      pela primeira vez,
      o ser do homem,
      nessa dimensão
      segundo a qual
      o pensamento
      se dirige ao impensado,
      e com ele se articula.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
      V. O cogito e o impensado
      Michel Foucault 

      “Assim o círculo se fecha.

      Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

      As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

      Mas que são esses sinais? 

      Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

      • que há aqui um caráter 

      no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

      Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

      • – É a semelhança

      Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

      Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

      Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

      • o signo da simpatia resida na analogia, 
      • o da analogia na emulação, 
      • o da emulação na conveniência, 

      que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

      • a marca da simpatia… 

      A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

      De sorte que se vêem surgir,
      como princípios organizadores
      desse espaço de empiricidades, 

      • a Analogia 
      • e a Sucessão

      de uma organização a outra,
      o liame, com efeito,
      não pode mais ser
      a identidade de um
      ou vários elementos,
      mas a identidade
      da relação entre os elementos
      (onde a visibilidade
      não tem mais papel)
      e da função que asseguram;
      ademais, se porventura essas organizações se avizinham
      por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
      localizações próximas
      num espaço de classificação,
      mas sim porque
      foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
      no devir das sucessões.
      Enquanto, no pensamento clássico,
      a seqüência das cronologias
      não fazia mais que percorrer
      o espaço prévio e mais fundamental
      de um quadro
      que de antemão apresentava
      todas as suas possibilidades,
      doravante
      as semelhanças contemporâneas
      e observáveis simultaneamente
      no espaço não serão mais que
      as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
      de analogia em analogia.
      A ordem clássica
      distribuía num espaço permanente
      as identidades
      e as diferenças não-quantitativas
      que separavam e uniam as coisas:
      era essa a ordem
      que reinava soberanamente,
      mas a cada vez
      segundo formas e leis
      ligeiramente diferentes,
      sobre o discurso dos homens,
      o quadro dos seres naturais
      e a troca das riquezas.

      A partir do século XIX,
      a História
      vai desenrolar
      numa série temporal
      as analogias
      que aproximam umas das outras
      as organizações distintas.

      É essa História que,
      progressivamente,
      imporá suas leis

      • à análise da produção,
      • à dos seres organizados, enfim,
      • à dos grupos linguísticos.

      A História dá lugar
      às organizações analógicas,
      assim como a Ordem
      abria o caminho
      das identidades
      e das diferenças sucessivas.

      Essa forma de reflexão surgida será decorrência da segunda leitura do que seja uma operação de troca e portanto não pode prescindir do homem e do objeto?

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo II – A prosa do mundo;
      II. As assinalações
      Michel Foucault 

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VII – Os limites da representação;
      I. A idade da história
      Michel Foucault 

      os lugares onde ocorrem as operações: 

      • Lugar de nascimento do que é empírico
        – operações de Construção de representações;
        • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades sim muda
      • Circuito onde ocorrem as trocas‘ ou Mercado
        – operações de Instanciamento de representações já existentes;
        • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.
      Lugar do nascimento do que é empírico:
      pensamento moderno – caminho da Construção da representação
      Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

      Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

      Encontra-se 

      • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
      • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, apenas no caminho do Instanciamento da representação.

      Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

      Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, e apenas no caminho da Construção da representação

      O ‘Circuito das trocas’,
      ou ‘Mercado’
      as chaves amarelas no LE da figura, lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
      O Lugar de nascimento do que é empírico – fora e antes do Mercado –
      lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
      e onde se dá a articulação
      do pensamento do homem,
      com o impensado
      O Circuito das trocas
      as chaves horizontais amarelas
      no LD da figura, onde ocorrem operações durante as quais
      o ‘modo de ser fundamental’
      não se altera; é novamente o Mercado, agora no pensamento moderno

      ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ é o conceito chave aqui.

      No pensamento clássico, o de antes de 1775, pelos pressupostos adotados, é impossível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades cuja definição escapa ao escopo destas operações.

      Estas operações transcorrem no interior do Circuito das trocas, a chave amarela horizontal, lugar onde não há alteração no modo como as coisas se apresentam à operação.

      No pensamento moderno, o de depois de 1825, pelos pressupostos adotados é sim possível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades objeto da operação de Construção da representação que, se nova nesse domínio e ambiente, é o próprio escopo destas operações.

      Operações no caminho da Construção da representação transcorrem no interior do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, as chaves coloridas verticais, em um espaço que engloba os lugares  desde onde se fala e do falado. O sucesso dessas operações altera ‘o modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto, e com isso, faz-se História.

      No pensamento moderno, o de depois de 1825, em uma operação de Instanciamento de representação objeto cuja construção da representação foi anteriormente feita e incorporada ao Repositório, a representação objeto de Instanciamento é recuperada do Repositório.

      Assim, a operação de Instanciamento não altera o ‘modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto de instanciamento.

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      2Assim como a Ordem
      no pensamento clássico
      não era
      a harmonia visível
      das coisas,
      seu ajustamento,
      sua regularidade
      ou sua simetria constatados,
      mas o espaço próprio de seu ser
      e aquilo que,
      antes de todo
      conhecimento efetivo,
      as estabelecia no saber,

      1″Mas vê-se bem
      que a História
      não deve ser aqui entendida
      como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

      ela é

      o modo de ser fundamental
      das empiricidades,

      aquilo a partir de que elas são

      • afirmadas,
      • postas,
      • dispostas
      • e repartidas no espaço do saber

      para eventuais conhecimentos
      e para ciências possíveis.

      3 assim também
      a História,
      a partir do século XIX,
      define o

      lugar de nascimento
      do que é empírico,

      lugar onde,
      aquém
      de toda cronologia estabelecida,
      ele assume o ser
      que lhe é próprio.

      A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

      Qual será a explicação para isso?

      Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

      Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VII – Os limites da representação;
      I. A idade da história
      Michel Foucault 

      os princípios organizadores dos modelos de operações que fazemos

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      _Estrutura IO-transformação
      Os princípios organizadores
      sob o pensamento clássico:
      o de antes de 1775
      ‘Caráter’ e ‘Similitude’
      Características do pensamento clássico
      o de antes de 1775

      “Assim o círculo se fecha.

      Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

      As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

      Mas que são esses sinais? 

      Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

      • que há aqui um caráter 

      no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

      Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

      • – É a semelhança

      Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

      Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

      Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

      • o signo da simpatia resida na analogia, 
      • o da analogia na emulação, 
      • o da emulação na conveniência, 

      que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

      • a marca da simpatia… 

      A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

      Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
      o de depois de 1825
      ‘Analogia’ e ‘Sucessão’
      Características do pensamento moderno
      o de depois de 1825

      De sorte que se vêem surgir,
      como princípios organizadores
      desse espaço de empiricidades, 

      • a Analogia 
      • e a Sucessão

      de uma organização a outra,
      o liame, com efeito,
      não pode mais ser
      a identidade de um
      ou vários elementos,
      mas a identidade
      da relação entre os elementos
      (onde a visibilidade
      não tem mais papel)
      e da função que asseguram;
      ademais, se porventura essas organizações se avizinham
      por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
      localizações próximas
      num espaço de classificação,
      mas sim porque
      foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
      no devir das sucessões.
      Enquanto, no pensamento clássico,
      a seqüência das cronologias
      não fazia mais que percorrer
      o espaço prévio e mais fundamental
      de um quadro
      que de antemão apresentava
      todas as suas possibilidades,
      doravante
      as semelhanças contemporâneas
      e observáveis simultaneamente
      no espaço não serão mais que
      as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
      de analogia em analogia.
      A ordem clássica
      distribuía num espaço permanente
      as identidades
      e as diferenças não-quantitativas
      que separavam e uniam as coisas:
      era essa a ordem
      que reinava soberanamente,
      mas a cada vez
      segundo formas e leis
      ligeiramente diferentes,
      sobre o discurso dos homens,
      o quadro dos seres naturais
      e a troca das riquezas.

      A partir do século XIX,
      a História
      vai desenrolar
      numa série temporal
      as analogias
      que aproximam umas das outras
      as organizações distintas.

      É essa História que,
      progressivamente,
      imporá suas leis

      • à análise da produção,
      • à dos seres organizados, enfim,
      • à dos grupos linguísticos.

      A História dá lugar
      às organizações analógicas,
      assim como a Ordem
      abria o caminho
      das identidades
      e das diferenças sucessivas.

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo II – A prosa do mundo;
      II. As assinalações
      Michel Foucault 

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VII – Os limites da representação;
      I. A idade da história
      Michel Foucault 

      os lugares contidos dentro do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’:

      • o lugar ‘desde onde se fala
      • e o lugar ‘do falado‘;

      consistentes com os blocos do ‘operar‘ e do ‘suporte ao operar‘ de Humberto Maturana

      Esses dois lugares – o ‘desde onde se fala’ e o ‘do falado’ –
      juntos delimitam o espaço onde se dá a articulação
      do pensamento do homem com o impensado feita
      no domínio do Pensamento e da Língua
      e sua ligação com o domínio do Discurso e da Representação

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      O ‘Circuito das trocas’, ou ‘Mercado’
      lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico

      Lugar desde onde se fala

      Lugar do falado

      são sub-espaços do Lugar de nascimento do que é empírico o que implica que o pensamento está funcionando com o entendimento do pensamento moderno, o de depois de 1825, a coluna ao lado, portanto.

      • Lugar desde onde se fala não pode ser delineado sob o pensamento clássico pela falta da ideia e do elemento de imagem ‘homem’, aquele que fala, raiz e fundamento de toda positividade, e também da ideia do objeto resultado da articulação do pensamento com o impensado, feita pelo homem,;
      • e o Lugar do falado, analogamente, não pode ser delineado no LE da figura. 

      todo o espaço  corresponde, no LE da figura, ao domínio todo em que ocorrem as operações sob o pensamento clássico, a saber, o domínio do Discurso e da Representação.

      A leitura do que sejam Operações sob o entendimento no pensamento clássico pressupõe o ponto de inserção para análise no exato cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca, cuja condição de possibilidade está, desse modo, dada.

      Lugar deste onde se fala:
      ideias que formulam a proposição /
      (sujeito e predicado do sujeito);
      Lugar do falado:
      ideias que dão suporte na experiência ao instanciamento da representação
      no domínio e ambiente

      Lugar do nascimento do que é empírico: espaço ocupado por:

      • Lugar desde onde se fala;
      • Lugar do falado

      O Lugar de nascimento do que é empírico, como o nome sugere, está situado antes do circuito das trocas, e em seu interior ocorre a construção de representação nova.

      Essa visão do que sejam operações corresponde à leitura de operações, ou visão desse fenômeno como desde um ponto de inserção anterior à troca

      Lugar desde onde se fala

      As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidas na formulação da proposição estão contidas no espaço chamado de Lugar desde onde se fala:

      • sujeito: o homem na posição de raiz de toda positividade
      • predicado do sujeito
        • verbo: Forma de produção, o elemento central da operação de construção da representação;
        • atributo: a representação em construção, nas posições extremas da operação de construção.

      Esse espaço coincide com o espaço chamado por Humberto Maturana de ‘operar’, o retângulo vermelho na figura ao lado, parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas no interior do domínio do Pensamento e da Língua.

      Lugar do falado

      As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidos na sustentação da Forma de produção na experiência estão no lugar do falado:

      • elementos de suporte na experiência à Forma de produção, onde se encontram
        • processos, atividades, tasks

      A operação de construção da representação escolhe os elementos de suporte na experiência à Forma de produção, que deve ser capaz de produzir quando implementada, uma instância da representação com o operar vislumbrado – ou o mais próximo disso possível. Humberto Maturana chama esse espaço de ‘suporte ao operar’, o retângulo amarelo na figura ao lado. 

      O Lugar do falado é parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas suas ideias – ou elementos de imagem – fazem parte do domínio do Discurso e da Representação.

      “É preciso, portanto,
      tratar esse verbo
      como um ser misto,

      ao mesmo tempo
      palavra entre as palavras,

      preso às mesmas regras,
      obedecendo como elas
      às leis de regência
      e de concordância;


      e depois,


      em recuo em relação a elas todas,

      numa região que

      • não é
        aquela do falado

      • mas aquela 
        donde se fala.

      Ele está na orla do discurso,
      na juntura entre

      • aquilo que é dito

      • e aquilo que se diz,

      exatamente lá onde os signos
      estão em via de se tornar linguagem.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar;
      tópico III. A teoria do verbo
      por Michel Foucault

      Há correspondências que precisam ser anotadas, entre elas:

      • no princípio dual de trabalho de David Ricardo
        • aquela atividade que está na origem do valor das coisas 
        • tem suas ideias – ou seus elementos de imagem no lugar desde onde se fala
      • no LD – lado direito da figura 2 de Humberto Maturana
        • os dois blocos do ‘Explicar com Reformular’ em que Maturana divide suas explicações
          • sobre o que acontecia com o ser vivo,
          • e o modo como ele o via no seu espaço de distinções
        • correspondem apropriadamente com o que Foucault chama respectivamente de 
          • Lugar desde onde se fala e 
          • Lugar do falado.

      Processo e Mercado são os conceitos largamente utilizados;
      e ao mesmo tempo não se ouve falar 

      • em Forma de produção
      • ou em Lugar de nascimento do que é empírico,
      • e menos ainda em Nexo da produção

      como ideias – ou elementos de imagem – em modelos de operações e organizações

      no pensamento clássico
      aquém do objeto
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      diante do objeto
      depois de 1825

      espaço interior Triedro dos saberes
      para além do objeto
      reservado às Ciências humanas

      Aquém do objeto:
      Processo

      Diante do objeto:
      Forma de produção

      Além do objeto
      Nexo da operação

      o elemento central em operações
      no pensamento clássico
      Processo
      o elemento central em operações
      no pensamento moderno
      Forma de produção
      o Nexo da produção,
      o elemento central do modelo de organização no formato SSS
      • Elemento central:
        • Processo

      entendido sob o primeiro conceito de verbo explicado por Michel Foucault, como elemento gerador de um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si, que o mais que faz é indicar a coexistência de duas representações.

      • característica emergente: 
        • fluxo
      • metáfora 
        • transformação única
      • Elemento central:
        • Forma de produção

      entendida sob o segundo conceito de verbo explicado por Michel Foucault, tratado como um ser misto, inicialmente palavra entre palavras, preso às mesmas regras às mesmas regras, obedecendo como elas às mesmas leis de regência e concordância, e depois, em recuo em relação a elas todas, numa região que não é aquela do falado, mas aquela donde se fala.

      • característica emergente:
        • permanência
      • metáfora
        • conversão ou duas transformações
      • Elemento central:
        • Nexo da produção

      a formulação para além do objeto associa o sistema cujo resultado é o produto, aquilo que se quer obter, com o instrumento imprescindível para obtê-lo.

      • propriedades emergentes:
        • simetria, simbiose e sinergia

      Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais nada, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

      Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

      o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Verbo’;
      para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

      Ideias – ou elementos de imagem – centrais no LE e no LD da figura
      Processo o elemento central no pensamento clássico
      Forma de produção o elemento central no pensamento moderno, com as
      designações primitivas e a linguagem de ação ou raiz

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      Aquém do objeto

      Conceito de Verbo ‘Processo’
      na configuração de pensamento
      do período clássico, antes de 1775

      Verbo como
      Processo

      “A única coisa que o verbo afirma
      é a coexistência de duas representações:
      por exemplo, 

      • a do verde
        e da árvore,

      • a do homem
        e da existência

        ou da morte; 

      é por isso que
      o tempo dos verbos

      não indica
      aquele [tempo]

      em que as coisas existiram
      no absoluto,

      mas um sistema relativo
      de anterioridade ou de simultaneidade
      das coisas entre si.”

      Diante e Além do objeto

      Conceito de Verbo ‘Forma de produção’
      na configuração de pensamento
      do período moderno, depois de 1825

      Verbo como
      Forma de produção

      “É preciso, portanto,
      tratar esse verbo
      como um ser misto,

      ao mesmo tempo
      palavra entre as palavras,

      preso às mesmas regras,
      obedecendo como elas
      às leis de regência
      e de concordância;


      e depois,


      em recuo em relação a elas todas,

      • numa região que não é
        aquela do falado

      • mas aquela
        donde se fala.

      Ele está na orla do discurso,
      na juntura entre

      • aquilo que é dito

      • e aquilo que se diz,

      exatamente lá onde os signos
      estão em via de se tornar linguagem.”

      Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, para o que seja um ‘Verbo’, e a total consistência entre o segundo conceito/tratamento e ‘Forma de produção’

      • por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar;
      tópico III. A teoria do verbo
      por Michel Foucault

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar;
      tópico III. A teoria do verbo
      por Michel Foucault

      o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Classificar’;
      para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      Aquém
      do objeto

      O conceito de ‘Classificar’
      no pensamento clássico
      o de antes de 1775

      ‘Classificar’
      no pensamento clássico

      Aquém do objeto,
      isto é,
      no pensamento filosófico Classico
      o de antes de 1775

      nessa faixa do espectro de modelos
      que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

      Classificar
      é referir

      • o visível
      • a si mesmo,

      encarregando um dos elementos
      de representar os outros.”

      Diante e Além
      do objeto

      O conceito de ‘Classificar’
      no pensamento moderno
      o de depois de 1825

      ‘Classificar’
      no pensamento moderno

      Diante, e Além do objeto, 
      isto é, 
      no pesamento filosófico moderno,
      o de depois de 1825

      nessa faixa do espectro de modelos 
      que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

      “Em um movimento
      que faz revolver a análise

      Classificar
      é referir

      • o visível 
      • ao invisível 

      – como a sua razão profunda -, 

      e depois,
      alçar de novo
      dessa secreta arquitetura,
      em direção aos seus
      sinais manifestos,
      que são dados
      à superfície dos corpos.”

      Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

      pares de modelos constituintes das ciências do eixo epistemológico fundamental

      • da Vida(Biologia) [função-norma],
      • do Trabalho(Economia) [conflito-regra]
      • e da Linguagem(Filologia) [significação-sistema]

      e o modelo constituinte padrão, comum a todas das ciências humanas; um modelo composto por uma combinação entre esses três pares de modelos constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem

      no pensamento clássico
      antes de 1775
      aquém do objeto

      no pensamento moderno
      depois de 1825
      diante do objeto

      no pensamento moderno
      também depois de 1825
      para além do objeto

      não há modelos constituintes sob o pensamento clássico

      O Triedro dos saberes: eixos e faces
      espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
      O interior ao Triedro dos saberes
      o espaço das Ciências humanas

      Aquém do objeto

      Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

      Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
      existem desde sempre e para sempre,
      e integram o Universo em uma visão única.

      Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

      Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

      Diante do objeto

      A modelagem em cada área do saber é feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

      No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

      • Ciências da vida (Biologia):


        [função-norma]
        ;

      • Ciências do trabalho (Economia):


        [conflito-regra];

      • Ciências da Linguagem (Filologia):

        [significação-sistema].

      Além do objeto

      No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências
      da Vida
      -(Biologia), do Trabalho-(Economia) e da Linguagem-(Filologia).

      O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

      • Ciências da vida  (Biologia):
        [função-norma];

        +
        Ciências do trabalho (Economia):
        [conflito-regra];

        +
        Ciências da Linguagem (Filologia):
        [significação-sistema].

      Proposição: o bloco construtivo

      • padrão,
      • genérico
      • e fundamental

      oferecido pela gramática da língua para construção de representações.

      Esse bloco construtivo ‘proposição’ carrega valor para as representações, mas faz isso de ao menos dois modos diferentes e com duas visões distintas para o que sejam ‘operações’.

      “Valer, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

      Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

      Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

      Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que

      • a dupla cessão
      • e a dupla aquisição

      finalmente se produzam.

      Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

      Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra,

      • é preciso que elas existam já carregadas de valor;
        • e, contudo, o valor só existe no interior da representação
          (atual ou possível), isto é,
        • no interior da troca ou da permutabilidade.

      “A proposição é
      para a linguagem
      o que a representação é
      para o pensamento
      sua forma,
      ao mesmo tempo
      mais geral
      e mais elementar
      porquanto,
      desde que a decomponhamos,
      não encontremos mais o discurso
      mas seus elementos
      como tantos materiais dispersos

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VI – Trocar;
      V. A formação do valor
      Michel Foucault 

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Cap. IV – Falar;
      tópico: III – A teoria do verbo
      Michel Foucault

      no pensamento clássico
      antes de 1775

      no pensamento moderno
      depois de 1825

      questão/pergunta

      a proposição no pensamento clássico
      ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca

      a toda a essência da linguagem  encerrada – diretamente – na própria proposição;

      junto com esse ‘encerramento’ vão as ideias – ou elementos de imagem – necessários para a formulação da proposição, que assim, não participam do modelo de operações.

      a proposição no pensamento moderno ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca

      a descoberta da essência da linguagem  fora dela mesma, linguagem; a proposição formulada no modelo por suas ideias ou elementos de imagem presentes; inicialmente vazia, apenas um enunciado, é preenchida de valor a partir de duas fontes:

      • as designações primitivas;
      • a linguagem de ação ou raiz

      ambas assinaladas na figura.

      “Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

      1 uma analisa o valor

      • no ato mesmo da troca,

      no ponto de cruzamento
      entre o dado e o recebido;

      • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da
        • proposição;

      3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

      2 outra analisa-o

      • como anterior à troca 

      e como condição primeira
      para que esta possa ocorrer.

      • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem
        do lado das
        • designações primitivas
        • linguagem de ação ou raiz;

      4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

      • fora de si mesma e como que
        • na natureza, ou nas   
        • analogias das coisas;

      a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor,

      • antes da troca
      • e das medidas recíprocas da necessidade.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VI – Trocar;
      V. A formação do valor
      Michel Foucault 

      Ideias – ou elementos de imagem – requeridos para a
      Formulação da proposição, e valor carregado 

      Ideias – ou elementos de imagem requeridos para formulação da proposição ausentes da estrutura do modelo de operação.

      Valor carregado diretamente na proposição.

      impossibilidade de formulação da proposição com ideias – ou elementos de imagem – requeridos, pela ausência do homem em sua duplicidade de papéis, e pela noção de objeto descrito por suas propriedades originais e constitutivas.

      Proposição formulada com ideias ou elementos de imagem pertencentes à estrutura interna do modelo de operações;

      Valor carregado pela proposição com origem fora da linguagem

      • designações primitivas

      a busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, para a representação da empiricidade objeto no domínio e ambiente em que a operação acontece. 

      • linguagem de ação ou raiz

      todo o conteúdo do Repositório de proposições explicativas da experiência formuladas de acordo com as regras da língua, à disposição da construção de novas representações.

      Os tipos de sistemas que dão suporte a operações,
      em função da configuração do pensamento:

      • no pensamento clássico: o sistema Input-Output, ou um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si;
      • no pensamento moderno: um sistema construído no interior do Lugar de nascimento do que é empírico, lugar onde as empiricidades objeto das operações adquirem ‘o ser que lhes é próprio’.

      no pensamento clássico
      antes de 1775
      verbo ‘Processo

      no pensamento moderno
      depois de 1825
      verbo ‘Forma de produção

      questão/pergunta

      Operação clássica sob o conceito de Verbo ‘Processo’
      na configuração de pensamento
      do período clássico, antes de 1775

      “A única coisa
      que o verbo afirma

      é a coexistência de duas representações:
      por exemplo, 

      • a do verde
        e da árvore,

      • a do homem
        e da existência

        ou da morte; 

      é por isso
      que o tempo dos verbos

      não indica
      aquele [tempo]

      em que as coisas existiram
      no absoluto,

      mas um sistema relativo
      de anterioridade ou de simultaneidade
      das coisas entre si.”

      Operação moderna sob o conceito de
      Verbo ‘Forma de produção’
      na configuração de pensamento
      do período moderno, depois de 1825

      “É preciso, portanto,
      tratar esse verbo
      como um ser misto,

      ao mesmo tempo
      palavra entre as palavras,

      preso às mesmas regras,
      obedecendo como elas
      às leis de regência
      e de concordância;


      e depois,


      em recuo em relação a elas todas,

      • numa região que não é
        aquela do falado

      • mas aquela
        donde se fala.

      Ele está na orla do discurso,
      na juntura entre

      • aquilo que é dito

      • e aquilo que se diz,

      exatamente lá onde os signos
      estão em via de se tornar linguagem.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar;
      tópico III. A teoria do verbo
      por Michel Foucault

      O tipo de sistema

      O conceito acima é explícito em fornecer uma descrição do tipo de sistema para operações sob o pensamento clássico.

      Trata-se de 

      • um sistema relativo
        de anterioridade ou de simultaneidade
        das coisas entre si; 

      uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

      asdf

      Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

      O tipo de leitura

      asdf

      Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

      asdf

      Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

      o tempo nas operações, em função dos sistemas
      em cada segmento do espectro de modelos

      no pensamento clássico
      antes de 1775
      aquém do objeto

      no pensamento moderno
      depois de 1825
      diante e para além do objeto

      no pensamento moderno
      também depois de 1825
      diante e para além do objeto

      formulação reversível
      e somente 
      instanciamento
      da representação;
      deus Chronos

      formulação irreversível
      e operação de construção
      da representação 
      deus Kairós

      formulação reversível
       e operação instanciamento
      da representação
      deus Chronos

      pensamento clássico, o de antes de 1775
      tempo calendário no sistema Input-Output
      operação de instanciamento de representação anteriormente formulada
      pensamento moderno, o de depois de 1825
      tempo absoluto sistema absoluto
      no caminho da Construção da representação
      pensamento moderno, o de depois de 1825
      tempo relativo, sistema relativo ou absoluto,
      no caminho do Instanciamento da representação

      Aquém do objeto

      Diante ou para além do objeto

      Nota: a existência precede as distinções feitas na operação.

      Tempo na formulação e no instanciamento da representação:

      • formulação reversível durante a formulação;
      • tempo calendário, ou tempo relativo no sentido de que
        • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f),
        • a posição calendário do outro evento (f) ou (i) pode ser calculada com as propriedades aparentes disponíveis antes e depois da operação;
      • irreversibilidades somente na etapa de instanciamento da representação

      Não há nada que possa ser afirmado, posto, disposto e repartido no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis e assim não se pode falar em ‘modo de ser fundamental’ do que quer que seja. 

      Assim, no pensamento clássico, não é possível adotar esse conceito ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ como elemento ordenador da história, que é compreendida como sucessão de fatos assim como se sucedem.

      caminho da
      Construção da representação
      Nota: a existência se constitui com as distinções feitas na operação

      Durante essa operação, a empiricidade objeto da operação, sim, muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

      Tempo no caminho da Construção da representação, durante a formulação da representação:

      • formulação irreversível durante a formulação;
      • tempo absoluto no sentido de que a empiricidade objeto ‘assume o ser que lhe é próprio’ em decorrência da operação, e então:
        • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f)
        • não é possível o cálculo da inserção calendário do outro evento (f) ou (i) a partir dessa inserção calendário do evento anterior em virtude da não disponibilidade das propriedades antes/depois da operação;
      •  irreversibilidades ocorrem na formulação da operação de construção da representação.

      A empiricidade objeto da operação tem um novo ‘modo de ser fundamental’, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’.

      Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da história, durante esse tipo de operações, sim, faz-se história.

       caminho do
      Instanciamento da representação

      Nota: a existência volta a preceder as distinções feitas na operação.
       

      Durante essa operação a empiricidade objeto não muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

      Tempo  no caminho do Instanciamento da representação previamente existente no Repositório e dele recuperada para a posição de empiricidade objeto na presente operação de instanciamento:

      • formulação volta a ser reversível; (é possível descartar uma formulação de instanciamento e formular outra com novas escolhas, sem perdas;
      • tempo volta a ser tempo calendário, ou tempo relativo;
      • irreversibilidades no caminho do Instanciamento da representação ocorrem em decorrência do desencadeamento dos elementos de suporte na experiência à Forma de produção.

      A empiricidade objeto da operação tem exatamente o mesmo ‘modo de ser fundamental’ com que foi recuperada do repositório, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’ exatamente da mesma forma como havia sido acrescentada ao repositório.

      Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da História, durante esse tipo de operações não se faz história.

      Modelagem de operações e organizações organizadas pelo par sujeito-objeto, com operações específicas e separadas para cada um desses pares, porém relacionadas:

       

      • um modelo para a operação e organização para o objeto esperado pelo Cliente (Produto);
      • e um modelo para a operação e organização  para o instrumento capaz de obter o Produto, bem como obter o objeto esperado pelo Acionista (Benefícios de toda espécie, Lucros)

      Mapa geral das operações na disposição SSS

      Modelagem para uma organização incluindo o objeto esperado de interesse do Cliente
      e o instrumento capaz de obtê-lo, e também o objeto esperado de interesse do Acionista
      identificando o nexo da produção

      Argumento: a modelagem de operações
      organizada pelo par sujeito-objeto

      Construção da estrutura de operações na disposição SSS – Simétrica, Simbiótica e Sinérgica

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      Cronologia básica da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura ocidental entre os anos 1775-1825 segundo Michel Foucault.

      • fases e ponto de ruptura desse evento;
      • linha de tempo com as defasagens entre conquistas no pensamento e respectivo uso nas áreas técnicas;
      • alguns autores importantes de um e de outro lado desse evento;
      • ponto de entrada do homem em nossa cultura;
      • alguns autores citados como referências em modelos sociais, econômicos e políticos
      Michel Foucault
      1926-1984

      “E foi realmente necessário 
      um acontecimento fundamental
      – um dos mais radicais, sem dúvida, 1
      que ocorreram na cultura ocidental,
      para que se desfizesse a positividade do saber clássico
      e se constituísse uma positividade de que, por certo,
      não saímos inteiramente.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VII – Os limites da representação;
      tópico I. A idade da história

      Cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
      defasagens entre conquistas no pensamento filosófico e respectiva utilização prática

      cronologia básica da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

      A descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, segundo o pensamento de Michel Foucault
      uma linha de tempo mostrando os intervalos de tempo entre o desenvolvimento de conhecimento e sua aplicação prática

      O ponto de surgimento do homem em nossa cultura

       “É somente na segunda fase que as palavras, as classes e as riquezas adquirirão um modo de ser que não é mais compatível com o da representação.

      Em contra partida, o que se modifica muito cedo, desde as análises de Adam Smith, de A.-L. de Jussieu ou de Viq d’Azyr, na época de Jones ou de Anquetil-Duperron,

      • é a configuração das positividades: a maneira como, no interior de cada uma,
        • os elementos representativos funcionam uns em relação aos outros, 
        • a maneira como asseguram seu duplo papel de designação e de articulação, 
        • como chegam, pelo jogo das comparações, a estabelecer uma ordem. “

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas
      Cap.VII – Os limites da representação
      tópico I. A idade da história

      Datas e fases da descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, e surgimento do homem no pensamento em nossa cultura segundo o pensamento de Michel Foucault.

      Alguns autores fundamentos filosóficos do liberalismo, e autores chave do pensamento moderno posicionados em relação à descontinuidade epistemológica de 1775-1825

      Algumas personagens importantes para entendimento da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

      Michel Foucault ao delinear sua arqueologia das ciências humanas, propósito do ‘As palavras e as coisas’, com certeza tomou conhecimento do trabalho desses autores.

      • autores clássicos:
        • Adam Smith,
        • John Locke, 
        • David Hume, 
        • J. J. Rousseau, 
        • Jeremy Bentham, 
        • e J. M. Keynes (este, expressamente classificado por Foucault como não moderno)
      • autores modernos:
        • David Ricardo
        • Sigmund Schlomo Freud 
        • entre muitos outros.

      Michel Foucault menciona ainda em destaque, como artífices do pensamento moderno e fontes para o seu próprio pensamento:

      • Georges Cuvier, naturalista, 1769-1832
      • Franz Bopp, linguista, 1792-1867
      • David Ricardo, economista, 1772-1823

      Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

      Funcionamento
      do pensamento
      funcionamento das operações no pensamento clássico
      Modelo de
      Operação de produção
      relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
      e o sistema Input-Output
      do LE da figura.
      Modelo da 
      Organização de produção
      Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
      múltiplos sistemas de categorias
      Modelo de operações
      e de organização
      Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
      Modelo de  Operação
      contábil-financeira
      O modelo de operação
      no sistema contábil-financeiro
      Modelo da  Organização
      ponto de vista financeiro
      a organização no sistema contábil-financeiro

      Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

      Funcionamento
      de operação do pensamento
      O funcionamento das operações no pensamento moderno
      Modelo de
      Operação de produção
      relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’
      Modelo da 
      Organização de produção
      o modelo de organização ‘Mapa da atividade semicondutores’, da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
      O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
      instanciamento de representação
      O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
      do movimento Reengenharia

      O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

      Assim, estes três pares,

      • função e norma,
      • conflito e regra,
      • significação e sistema,

      cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

      Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

      • do nível da psicologia,
      • da sociologia
      • ou da análise das linguagens

      é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

      • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

      Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

      Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo X  – As ciências humanas;
       III. Os três modelos
      Michel Foucault 

      O Triedro dos saberes: eixos e faces
      espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
      O interior ao Triedro dos saberes
      o espaço das Ciências humanas

      Aquém do objeto

      Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

      • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

      Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
      existem desde sempre e para sempre,
      e integram o Universo em uma visão única.

      Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

      Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

      Diante do objeto

      No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

      • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

      No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

      • Ciências da vida (Biologia):


        função-norma
        ;

      • Ciências do trabalho (Economia):


        conflito-regra;

      • Ciências da Linguagem (Filologia):

        significação-sistema.

      Além do objeto

      No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

      Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

      • da Vida-(Biologia),
      • do Trabalho-(Economia)
      • e da Linguagem-(Filologia).

      O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

      O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

      • Ciências da vida  (Biologia):
        função-norma;

        +
        Ciências do trabalho (Economia):

        conflito-regra;
        +
        Ciências da Linguagem (Filologia):
        significação-sistema.

      Sob ciências humanas como:

      • economia política;
      • sociologia,
      • psicologia e psicanálise

      estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

      A descrição feita por Michel Foucault de duas possibilidades
      de posicionamento do pensamento com relação a valor

      “Valor, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

      Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

      Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

      Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisição finalmente se produzam.

      Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

      Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor; e, contudo, o valor só existe no interior da representação (atual ou possível), isto é, no interior da troca ou da permutabilidade.

      Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

      1. uma analisa o valor no ato mesmo da troca, no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
      2. outra analisa-o como anterior à troca e como condição primeira para que esta ossa ocorrer.

      Os dois pontos de partida distintos adotados pelo pensamento para análise de valor

      1. a primeira possibilidade de leitura

      A análise de valor no ato mesmo da troca,
      no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido

      2. a segunda possibilidade de leitura

      A análise de valor como anterior à troca
      e como condição primeira para que esta possa ocorrer.

      A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da proposição;

      • no [neste] primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tomando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

      a outra, [corresponde] a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das designações primitivas – linguagem de ação ou raiz(*);

      • na outra [nesta] forma de análise, a linguagem está enraizada fora de si mesma e como que na natureza ou nas analogias das coisas; a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.

      Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho do Instanciamento da representação

      Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento clássico, antes de 1775

      Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho da Construção da representação

      As palavras e as coisas: uma série de pontos selecionados


      • os dois obstáculos ou pedras de tropeço encontradas por Michel Foucault em seu trabalho no ‘As palavras e as coisas’;
        • uma impossibilidade – ainda atual, que contamina e até domina o nosso pensamento – de fundar as sínteses no espaço da representação;
        • e uma obrigação de abrir o campo transcendental da subjetividade e constituir, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem.




      • os dois princípios filosóficos para trabalho:
        • o de Adam Smith, de 1776, no pensamento clássico, no início da primeira fase da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
        • e o de David Ricardo, de 1817, após a fase de ruptura e adiantada a segunda fase da descontinuidade epistemológica de 1775-1825 e portanto já no pensamento moderno





      • anatomia ou cartografia dos modelos: os diferentes lugares onde o pensamento acontece;
        • o Lugar de nascimento do que é empírico
          (anterior e fora do espaço do Mercado);
        • o Circuito onde ocorrem as trocas (Mercado)


      • propriedades emergentes dos modelos de operações e organizações:
        • fluxo de coisas – selecionadas por “aparências” ou propriedades não-originais e não-constitutivas – de e para uma região orientada do espaço;
        • permanência da representação objeto construída para a empiricidade objeto – com propriedades sim-originais e sim-constitutivas –  no Repositório.

      • metáforas adequadas para operações:
        • pensamento clássico: transformação única – Entradas em Saídas ou processamento de informação, sistema Input-Output; 
        • ou pensamento moderno: uma conversão – ou um par de transformações simultâneas, sistema absoluto.

      IV. Bopp

      Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico IV - Bopp

      Franz Bopp, 1791-1867

      Franz Bopp (Mogúncia1791 — Berlim1867) foi um linguista alemão e professor de filologia e sânscrito na Universidade de Berlim.

      Foi um dos principais criadores da gramática comparada, em Sobre o sistema de conjugação do sânscrito comparado aos das línguas grega, latina, persa e germânica (1816) demonstrou a afinidade genética que existe entre essas línguas, deduzindo os princípios gerais de sua formação. 

      Sua monumental Gramática comparada das línguas indo-europeias (18331852), traduzida para o francês por Michel Bréal, exerceu uma influência profunda.

      “Mas o ponto decisivo que tudo aclarará
      é a estrutura interna das línguas
      ou a gramática comparada, 

      a qual nos dará soluções totalmente novas
      sobre a genealogia das línguas, 

      da mesma forma como
      a anatomia comparada 

      espargiu uma grande luz
      sobre a história natural.”(30) 

      Schlegel bem o sabia: a constituição da historicidade na ordem da gramática fez-se segundo o mesmo modelo que na ciência dos seres vivos.

       E, na verdade, nada há nisso de surpreendente, pois que, ao longo de toda a idade clássica, as palavras com que se pensava que as línguas eram compostas e os caracteres pelos quais se tentava constituir uma ordem natural, haviam recebido, identicamente, o mesmo estatuto: 

      • só existiam pelo valor representativo que detinham, 
      • bem como pelo poder de análise, de reduplicação, de composição e de ordenação 

      que se lhes reconhecia em relação às coisas representadas. 

      Com Jussieu e Lamarck primeiramente, com Cuvier em seguida, o caráter perdera sua função representativa, ou antes, se ele podia ainda “representar” e permitir o estabelecimento de relações de vizinhança ou de parentesco, 

      • não era pela virtude própria de sua estrutura visível 
      • nem dos elementos descritíveis de que era composto, 

      mas porque fora primeiro reportado a uma organização de conjunto e a uma função que ele assegura de maneira direta ou indireta, principal ou colateral, “primária” ou “secundária”. 

      No domínio da linguagem, a palavra sofre, mais ou menos na mesma época, uma transformação análoga: 

      • certamente, ela não deixa de ter um sentido e de poder “representar” alguma coisa no espírito de quem a utiliza ou a escuta; 
      • esse papel, porém, não é mais constitutivo da palavra no seu ser mesmo, na sua arquitetura essencial, no que lhe permite tomar lugar no interior de uma frase e aí ligar-se a outras palavras mais ou menos diferentes. 

      Se a palavra pode figurar num discurso em que ela quer dizer alguma coisa, 

      • não será por virtude de uma discursividade imediata que ela deteria propriamente e por direito de nascimento, 
      • mas porque na sua forma mesma, nas sonoridades que a compõem, nas mudanças que sofre segundo a função gramatical que ocupa, nas modificações enfim a que se acha sujeita através do tempo, obedece a certo número de leis estritas que regem de maneira semelhante todos os outros elementos da mesma língua; 
      • de sorte que a palavra só está vinculada a uma representação, na medida em que primeiramente faz parte da organização gramatical pela qual a língua define e assegura sua coerência própria. 

      Para que a palavra possa dizer o que ela diz, é preciso que pertença a uma totalidade gramatical que, em relação a ela, é primeira, fundamental e determinante. 

      Esse desnível da palavra, essa espécie de salto para trás, para fora das funções representativas, foi, certamente, por volta do fim do século XVIII, um dos acontecimentos importantes da cultura ocidental. 

      E um daqueles também que mais passaram despercebidos. 

      Facilmente se dirige a atenção para os primeiros momentos da economia política, para a análise de Ricardo sobre a renda fundiária e o custo da produção: 

      reconhece-se aqui que o acontecimento teve grandes dimensões, pois, pouco a pouco, ele não somente permitiu o desenvolvimento de uma ciência, como também acarretou certo número de mutações econômicas e políticas. 

      Tampouco se descuida demasiado das formas novas assumidas pelas ciências da natureza; 

      • e se é verdade que, por uma ilusão retrospectiva, valoriza-se Lamarck em detrimento de Cuvier, 
      • se é verdade que se percebe mal que a “vida” atinge pela primeira vez, com as Leçons d’anatomie comparée, seu limiar de positividade, 
      • tem-se, contudo, a consciência ao menos difusa de que a cultura ocidental começou a dirigir, desde aquele momento, um olhar novo sobre o mundo dos seres vivos.

       Em contrapartida, 

      • o isolamento das línguas indo-européias, 
      • a constituição de uma gramática comparada, 
      • o estudo das flexões, 
      • a formação das leis de alternância vocálica e de mutação consonântica  
      • – em suma, toda a obra filológica de Grimm, de Schlegel, de Rask e de Bopp 

      permanece às margens de nossa consciência histórica, como se ela tivesse tão-somente fundado uma disciplina um pouco lateral e esotérica – como se, de fato, não fosse todo o modo de ser da linguagem (e da nossa) que se modificara através deles. 

      Sem dúvida, não se deve buscar justificar um tal esquecimento a despeito da importância da mudança, mas, ao contrário, a partir dela e da cega proximidade que esse acontecimento conserva sempre para nossos olhos mal desprendidos ainda de suas luzes costumeiras. 

      É que, na época mesma em que se produziu, já estava envolto, se não em segredo, ao menos numa certa discrição.

      Talvez as mudanças no modo de ser da linguagem sejam como as alterações que afetam a pronúncia, a gramática ou a semântica: 

      • por mais rápidas que sejam, jamais são claramente apreendidas por aqueles que falam e cuja linguagem, no entanto, já veicula essas mutações; 
      • só se toma consciência delas de viés, por momentos; 
      • e, ademais, a decisão só é finalmente indicada de modo negativo:
        • pelo desuso radical e imediatamente perceptível da linguagem que se empregava. 

      Sem dúvida, não é possível a uma cultura tomar consciência, de modo temático e positivo, de que sua linguagem cessa de ser transparente às suas representações para espessar-se e receber um peso próprio. 

      Quando se continua a discorrer, de que modo se saberia – senão através de alguns indícios obscuros que se interpretam com dificuldade e mal – que a linguagem (aquela mesma de que se serve) está em via de adquirir uma dimensão irredutível à pura discursividade? 

      Por todas essas razões, certamente, o nascimento da filologia permaneceu, na consciência ocidental, muito mais discreto que o da biologia e da economia política. 

      Contudo, fazia parte da mesma transmutação arqueológica. 

      Contudo, suas consequências talvez se tenham estendido muito mais longe ainda em nossa cultura, pelo menos nas camadas subterrâneas que a percorrem e a sustentam. 

      Como se formou essa positividade filológica?

      Quatro segmentos teóricos nos assinalam sua constituição no começo do século XIX 

      – na época do Ensaio sobre a língua e a filosofia dos indianos de Schlegel (1808), da Deutsche Grammatik de Grimm (1818) e do livro de Bopp sobre o Sistema de conjugação do sânscrito (1816). 

      1. O primeiro desses segmentos concerne à maneira como uma língua pode caracterizar-se internamente
      e distinguir-se das outras. 

      Na época clássica, podia-se definir a individualidade de uma língua a partir de vários critérios: 

      • proporção entre os diferentes sons utilizados para formar palavras (há línguas de predominância vocálica e outras de predominância consonântica), 
      • privilégio concedido a certas categorias de palavras (línguas de substantivos concretos, línguas de substantivos abstratos etc.), 
      • maneira de representar as relações (por preposições ou por declinações), 
      • disposição escolhida para colocar as palavras em ordem (quer se coloque de início, como os franceses, o sujeito lógico, quer se dê a primazia às palavras mais importantes, como em latim); 

      assim se distinguiam 

      • as línguas do Norte e as do Sul, 
      • as do sentimento e as da necessidade, 
      • as da liberdade e as da escravatura, 
      • as da barbárie e as da civilização, 
      • as do raciocínio lógico e as da argumentação retórica: 

      todas essas distinções entre as línguas nunca concerniam mais que à maneira como elas podiam analisar a representação e, em seguida, compor seus elementos. 

      Mas, a partir de Schlegel, as línguas, ao menos na sua tipologia mais geral, se definem pela maneira como ligam uns aos outros os elementos propriamente verbais que a compõem; 

      • entre esses elementos, alguns certamente são representativos;
        • possuem, em todo o caso, um valor de representação que é visível; 
      • mas outros não detêm nenhum sentido e servem somente, por uma certa composição, para determinar o sentido de um outro elemento na unidade do discurso. 

      É esse material feito de nomes, de verbos, de palavras em geral, mas também de sílabas, de sons – que as línguas reúnem para formar proposições e frases. 

      Mas a unidade material constituída pela disposição dos sons, das sílabas e das palavras não é regida pela pura e simples combinatória dos elementos da representação. 

      Ela tem seus princípios próprios e que diferem nas diversas línguas: a composição gramatical tem regularidades que não são transparentes à significação do discurso. 

      Ora, como a significação pode passar, quase integralmente, de uma língua para outra, são essas regularidades que vão permitir definir a individualidade de uma língua. 

      Cada uma tem um espaço gramatical autônomo; podem-se comparar esses espaços lateralmente, isto é, de uma língua para outra, sem ter de passar por um “meio” comum que seria o campo da representação com todas as suas subdivisões possíveis. 

      É fácil distinguir, de imediato, dois grandes modos de combinação entre os elementos gramaticais. 

      Um consiste em justapô-los de maneira que eles se determinem uns aos outros; 

      nesse caso, a língua é feita de uma poeira de elementos – em geral muito sucintos – que podem combinar-se de diferentes maneiras, cada uma dessas unidades guardando, porém, sua autonomia, a possibilidade, portanto, de romper o liame transitório que, no interior de uma frase ou de uma proposição, ela acaba de instaurar com uma outra. 

      A língua se define então pelo número de suas unidades e por todas as combinações possíveis que podem, no discurso, estabelecer-se entre elas; trata-se então de uma “reunião de átomos”, de uma “agregação mecânica operada por uma aproximação exterior”(31). 

      Existe outro modo de ligação entre os elementos de uma língua: é o sistema de flexões que altera internamente as sílabas ou as palavras essenciais – as formas radicais. 

      Cada uma dessas formas carrega consigo certo número de variações possíveis, determinadas de antemão; e, conforme as outras palavras da frase, conforme as relações de dependência ou de correlação entre essas palavras, conforme as vizinhanças e as associações, será utilizada esta ou aquela variável. 

      Aparentemente, esse modo de ligação é menos rico que o primeiro, pois que o número das possibilidades combinatórias é muito mais restrito; 

      • na realidade, porém, o sistema da flexão jamais existe sob sua forma pura e mais descarnada; 
      • a modificação interna do radical lhe permite receber por adição elementos que são, eles próprios, modificáveis interiormente, de sorte que, “cada raiz é verdadeiramente uma espécie de gérmen vivo; 
      • pois as relações sendo indicadas por uma modificação interior e sendo dado um livre campo ao desenvolvimento da palavra, esta palavra pode estender-se de maneira ilimitada”(32).

      A esses dois grandes tipos de organização linguística correspondem, 

      • por um lado, o chinês, em que “as partículas que designam as idéias sucessivas são monossílabos, tendo sua existência à parte” 
      • e, de outro, o sânscrito, cuja “estrutura é completamente orgânica, ramificando-se, por assim dizer, com a ajuda de flexões, de modificações interiores e de entrelaçamentos variados do radical”(33). 

      Entre esses modelos maiores e extremos, podem se repartir todas as outras línguas, quaisquer que sejam; cada uma terá necessariamente uma organização que a aproximará de um dos dois, ou que a manterá a igual distância, no meio do campo assim definido. 

      • Mais próximas do chinês, encontram-se o basco, o copta, as línguas americanas; elas ligam, uns aos outros, elementos separáveis; mas estes, em vez de permanecerem sempre em estado livre e como átomos verbais irredutíveis, “começam já a fundir-se na palavra”; 
      • o árabe se define por uma mistura entre o sistema das afixações e o das flexões; 
      • o celta é quase exclusivamente uma língua de flexão, mas nele se encontram ainda “vestígios de línguas afixas”. 

      Dir-se-á talvez que essa oposição já era conhecida no século XVIII e que se sabia desde muito tempo distinguir a combinatória das palavras chinesas nas declinações e conjugações de línguas como o latim e o grego.

      Objetar-se-á também que a oposição absoluta estabelecida por Schlegel não tardou a ser criticada por Bopp: 

      • lá onde Schlegel via dois tipos de línguas radicalmente inassimiláveis uma à outra, 
      • Bopp buscou uma origem comum; tenta estabelecer(34) que as flexões não são uma espécie de desenvolvimento interior e espontâneo do elemento primitivo, mas partículas que se aglomeraram à sílaba radical: o m da primeira pessoa em sânscrito (bhavâmi) ou o t da terceira (bhavâti) são efeito da adjunção do radical do verbo do pronome mâm (eu) e tâm (ele). 

      Mas o importante para a constituição da filologia não está tanto em saber se os elementos da conjugação puderam beneficiar-se, num passado mais ou menos longínquo, de uma existência isolada com um valor autônomo. 

      O essencial, e o que distingue as análises de Schlegel e de Bopp daquelas que, no século XVIII, podem aparentemente antecipar-se a elas(35) é que as sílabas primitivas não crescem (por adjunção ou proliferação internas) sem um certo número de modificações reguladas no radical. 

      • Numa língua como o chinês, há apenas leis de justaposição; 
      • mas em línguas em que os radicais estão sujeitos ao crescimento (quer sejam monossilábicos como no sânscrito ou polissilábicos como no hebraico),
        • encontram-se sempre formas regulares de variações internas. 

      Compreende-se que a nova filologia, tendo agora para caracterizar as línguas esses critérios de organização interior, haja abandonado as classificações hierárquicas que o século XVIII praticava: 

      • admitia-se então que havia línguas mais importantes que outras porque nelas a análise das representações era mais precisa ou mais fina. 

      Doravante todas as línguas se equivalem: elas têm somente organizações internas que são diferentes. Daí essa curiosidade por línguas raras, pouco faladas, mal “civilizadas”, de que Rask deu o testemunho na sua grande investigação através da Escandinávia, da Rússia, do Cáucaso, da Pérsia e da Índia.  

      2. O estudo dessas variações internas constitui o segundo segmento teórico importante. 

      Nas suas pesquisas etimológicas, a gramática geral estudava, é certo, as transformações das palavras e das sílabas através do tempo. 

      Mas esse estudo era limitado por três razões. 

      • lncidia mais sobre a metamorfose das letras do alfabeto do que sobre a maneira como os sons efetivamente pronunciados podiam ser modificados. Ademais, essas transformações eram consideradas como o efeito sempre possível, em qualquer tempo e sob todas as condições, de uma certa afinidade das letras entre si; 
      • admitia-se que o p e o b, o m e o n eram bastante vizinhos para que um pudesse substituir o outro; tais mudanças eram provocadas ou determinadas somente por essa duvidosa proximidade e pela confusão que podia seguir-se na pronúncia ou na audição. 
      • Enfim, as vogais eram tratadas como o elemento mais fluido e mais instável da linguagem, ao passo que as consoantes passavam por formar sua arquitetura sólida (o hebraico, por exemplo, não dispensa a escrita das vogais?). 

      Pela primeira vez, com Rask, Grimm e Bopp, a linguagem (embora não se busque reconduzi-Ia aos seus gritos originários) é tratada como um conjunto de elementos fonéticos. 

      Enquanto, para a gramática geral, a linguagem nascia quando o ruído da boca ou dos lábios se tornava letra, 

      doravante admite-se que há linguagem quando esses ruídos são articulados e divididos numa série de sons distintos.

      Todo o ser da linguagem é agora sonoro. 

      O que explica o interesse novo, manifestado pelos irmãos Grimm e por Raynouard, pela literatura não-escrita, as narrativas populares e os dialetos falados. Procura-se a linguagem o mais perto possível do que ela é: na fala – essa fala que a escrita desseca e imobiliza num lugar. 

      Toda uma mística está em via de nascer: a do verbo, do puro fulgor poético que passa sem rastro, deixando atrás de si apenas uma vibração suspensa por um instante. Na sua sonoridade passageira e profunda, a fala se torna soberana. E seus secretos poderes, reanimados pelo sopro dos profetas, opõem-se fundamentalmente (ainda que tolerem alguns entrecruzamentos) ao esoterismo da escrita que, por seu lado, supõe a permanência ressequida de um segredo no centro de labirintos visíveis. 

      A linguagem já não é propriamente esse signo – mais ou menos longínquo, semelhante e arbitrário – ao qual a Lógica de Port-Royal propunha, como modelo imediato e evidente, o retrato de um homem ou um mapa geográfico. 

      Adquiriu uma natureza vibratória que a destaca do signo visível para aproximá-Ia da nota musical. 

      E foi preciso justamente que Saussure contornasse esse momento da fala, que foi capital para toda a filologia do século XIX, para restaurar, para além das formas históricas, a dimensão da língua em geral e reabrir, acima de tanto esquecimento, o velho problema do signo que animara, sem interrupção, todo o pensamento desde Port-Royal até os últimos ideólogos. 

      No século XIX começa, pois, uma análise da linguagem tratada como um conjunto de sons liberados das letras que os podem transcrever(36). 

      Ela foi feita em três direções. 

      [i] Primeiro a tipologia das diversas sonoridades que são utilizadas numa língua: 

      para as vogais, por exemplo, oposição entre as simples e as duplas (alongadas como em â, ô; ou ditongadas como em ae, ai); entre as vogais simples, oposição entre as puras (a, i, o, u) e as flexionadas (e, õ, ü); entre as puras, há as que podem ter várias pronúncias (como o o) e as que só têm uma (a, i, u); enfim, entre estas últimas, umas estão sujeitas à mudança e podem receber o Um/ Qui (a eu); quanto ao i, permanece sempre fixo(37). 

      [ii] A segunda forma de análise incide sobre as condições que podem determinar uma mudança numa sonoridade; 

      • seu lugar no vocábulo é, em si mesmo, um fator importante: uma sílaba, se for terminal, protege menos facilmente sua permanência do que se constituir a raiz; 
      • as letras do radical, diz Grimm, têm vida longa; as sonoridades da desinência têm uma vida mais curta. 

      Mas, além disso, há determinações positivas, pois “a manutenção ou a mudança” de uma sonoridade qualquer “não é jamais arbitrária”(38). Essa ausência de arbitrário era para Grimm a determinação de um sentido (no radical de um grande número de verbos alemães o a se opõe ao i como o pretérito ao presente). 

      Para Bopp, ela é o efeito de um certo número de leis. Umas definem as regras de mudança quando duas consoantes se acham em contato: 

      “Assim, quando se diz em sânscrito ai-ti (ele come) no lugar de ad-ti (da raiz ad, comer), a mudança d e t tem por causa uma lei física.” 

      Outras definem o modo de ação de uma terminação sobre as sonoridades do radical: 

      “Por leis mecânicas, entendo principalmente as leis do peso e, em particular, a influência que o peso das desinências pessoais exerce sobre a sílaba precedente.”(39) 

      [iii] Finalmente, a última forma de análise incide sobre a constância das transformações através da História. 

      Grimm estabeleceu assim uma tabela de correspondência para as labiais, as dentais e as guturais entre o grego, o “gótico” e o alto-alemão: o p, o b, o f dos gregos tornam-se respectivamente f,p, b em gótico e b ou v, f e p em alto-alemão; t, d, th, em grego, tomam-se, em gótico, th, t, d, e, em alto-alemão, d, z, t. 

      Por esse conjunto de relações, os caminhos da história se acham prescritos; e, em vez de as línguas serem submetidas a essa medida exterior, a essas coisas da história humana que deviam, para o pensamento clássico, explicar suas mudanças, detêm elas próprias um princípio de evolução. 

      Aí, como alhures, é a “anatomia”(40) que fixa o destino. 

      3. Essa definição de uma lei das modificações consonânticas ou vocálicas permite estabelecer uma teoria nova do radical. 

      Na época clássica, as raízes eram assinaladas por um duplo sistema de constantes: 

      • as constantes alfabéticas que incidiam sobre um número arbitrário de letras (em certos casos, só havia uma) 
      • e as constantes significativas, que reagrupavam sob um tema geral uma quantidade indefinidamente extensível de sentidos vizinhos; 

      no cruzamento dessas duas constantes, lá onde um mesmo sentido vinha à luz por uma mesma letra ou uma mesma sílaba, individualizava-se uma raiz. 

      A raiz era um núcleo expressivo transformável ao infinito a partir de uma sonoridade primeira. 

      Mas se vogais e consoantes só se transformam segundo certas leis e sob certas condições, então o radical deve ser uma individualidade linguística estável (dentro de certos limites), que se pode isolar com suas variações eventuais e que constitui com suas diferentes formas possíveis um elemento de linguagem. 

      Para determinar os elementos primeiros e absolutamente simples de uma língua, a gramática geral devia ascender até o ponto de contato imaginário onde o som, não ainda verbal, tocava de certo modo na vivacidade mesma da representação. 

      Doravante, os elementos de uma língua lhe são interiores (mesmo se pertencem também às outras): existem meios puramente linguísticos para estabelecer sua composição constante e a tabela de suas modificações possíveis. 

      A etimologia, portanto, vai deixar de ser um procedimento indefinidamente regressivo em direção a uma língua primitiva, toda povoada pelos primeiros gritos da natureza; torna-se um método de análise preciso e limitado para reencontrar numa palavra o radical a partir do qual ela foi formada: 

      “As raízes das palavras só foram postas em evidência após o sucesso da análise das flexões e das derivações.”(41) 

      • Pode-se assim estabelecer que, em certas línguas como as semíticas, as raízes são bissilábicas (em geral de três letras); 
      • que noutras (as indo-germânicas) são regularmente monossilábicas; 
      • algumas são constituídas por uma só e única vogal (i é o radical dos verbos que querem dizer ir, u dos que significam repercutir); 
      • mas, a maior parte do tempo, a raiz nessas línguas comporta ao menos uma consoante e uma vogal – a consoante podendo ser terminal ou inicial;
        • no primeiro caso, a vogal é necessariamente inicial; 
        • no outro caso, ocorre ser ela seguida por uma segunda consoante que lhe serve de apoio (como na raiz ma, mad, que dá em latim metiri, em alemão messen(42). 
      • Também ocorre que essas raízes monossilábicas sejam redobradas, como do se redobra no sânscrito dadami, e o grego didômi, ou sta em tishtami e istémi(43). 

      Finalmente e sobretudo, a natureza da raiz e seu papel constituinte na linguagem são concebidos de um modo absolutamente novo: 

      no século XVIII, a raiz era um nome rudimentar que designava, em sua origem, uma coisa concreta, uma representação imediata, um objeto que se oferecia ao olhar ou a qualquer um dos sentidos. 

      • A linguagem se construía a partir do jogo de suas caracterizações nominais; 
      • a derivação estendia seu alcance; 
      • a abstração fazia nascer os adjetivos; 
      • e bastava então acrescentar a estes o outro elemento irredutível, a grande função monótona do verbo ser, para que se constituísse a categoria das palavras conjugáveis – espécie de condensação numa forma verbal do ser e do epíteto. 

      Também Bopp admite que os verbos são mistos, obtidos pela coagulação do verbo com uma raiz. 

      Mas sua análise difere, em vários pontos essenciais, do esquema clássico:

      • não se trata da adição virtual, subjacente e invisível da função atributiva e do sentido proposicional que se empresta ao verbo ser; 
      • trata-se primeiramente de uma junção material entre um radical e as formas do verbo ser:
        • o as sânscrito se reencontra no sigma do aoristo grego, no er, do mais-que-perfeito ou do futuro anterior latino; 
        • o bhu sânscrito se encontra no b do futuro e do imperfeito latinos. 

      Ademais, essa adjunção do verbo ser permite essencialmente atribuir ao radical um tempo e uma pessoa (a desinência constituída pelo radical do verbo ser comportando, além disso, aquele do pronome pessoal, como em script-s-i(44)) 

      Por conseguinte, não é a adjunção de ser que transforma um epíteto em verbo; o próprio radical detém uma significação verbal, à qual as desinências derivadas da conjugação de ser acrescentam somente modificações de pessoas de tempo. 

      Portanto, as raízes dos verbos não designam na origem “coisas”, mas ações, processos, desejos, vontades; e são elas que, recebendo certas desinências provindas do verbo ser e dos pronomes pessoais, tornam-se suscetíveis de conjugação, ao passo que, recebendo outros sufixos, eles próprios modificáveis, elas se tornarão nomes suscetíveis de declinação. 

      À bipolaridade nomes-verbo ser, que caracterizava a análise clássica, é preciso, pois, substituir uma disposição mais complexa: 

      raízes de significação verbal, que podem receber desinências de tipos diferentes e assim dar nascimento a verbos conjugáveis ou a substantivos. 

      Os verbos (e os pronomes pessoais) tornam-se assim o elemento primordial da linguagem – aquele a partir do qual ela pode desenvolver-se. 

      “O verbo e os pronomes pessoais parecem ser as verdadeiras alavancas da linguagem.”(45) 

      As análises de Bopp deviam ter uma importância capital não somente para a decomposição interna de uma língua, mas ainda para definir o que pode ser a linguagem em sua essência. 

      • Ela não é mais um sistema de representações que tem poder de recortar e de recompor outras representações; 
      • designa, em suas raízes mais constantes, ações, estados, vontades; 
      • mais do que o que se vê, pretende dizer originariamente o que se faz ou o que se sofre; 
      • e, se acaba por mostrar as coisas como que as apontando com o dedo, é na medida em que elas são o resultado, ou o objeto, ou o instrumento dessa ação; 
      • os nomes não recortam tanto o quadro complexo de uma representação; 
      • recortam, detêm e imobilizam o processo de uma ação. 

      A linguagem “enraíza-se” 

      • não do lado das coisas percebidas, 
      • mas do lado do sujeito em sua atividade. 

      E talvez seja ela então proveniente do querer e da força, mais do que dessa memória que reduplica a representação. Fala-se porque se age e não porque, reconhecendo, se conhece. Como a ação, a linguagem exprime uma vontade profunda. 

      O que tem duas conseqüências. 

      A primeira é paradoxal para um olhar apressado: 

      é que, no momento em que a filologia se constitui pela descoberta de uma dimensão da gramática pura, volta-se a atribuir à linguagem profundos poderes de expressão (Humboldt não é apenas contemporâneo de Bopp; conhecia sua obra e detalhadamente): 

      • enquanto na época clássica a função expressiva da linguagem só era requerida no ponto de origem e apenas para explicar que um som pudesse representar uma coisa, 
      • no século XIX, a linguagem vai ter, ao longo de todo o seu percurso e nas suas formas mais complexas, um valor expressivo que é irredutível; 
      • nada de arbitrário, nenhuma convenção gramatical podem obliterá-la, pois, se a linguagem exprime,
        • não o faz na medida em que imite e reduplique as coisas, 
        • mas na medida em que manifesta e traduz o querer fundamental daqueles que falam. 

      A segunda conseqüência consiste em que 

      • a linguagem não está mais ligada às civilizações pelo nível de conhecimentos que elas atingiram (a finura da rede representativa, a multiplicidade dos liames que se podem estabelecer entre os elementos), 
      • mas pelo espírito do povo que as fez nascer, as anima e se pode reconhecer nelas. 

      Assim como o organismo vivo manifesta, por sua coerência, as funções que o mantêm em vida, a linguagem, e isso em toda a arquitetura de sua gramática, torna visível a vontade fundamental que mantém um povo em vida e lhe dá o poder de falar uma linguagem que só a ele pertence. 

      Desde logo, as condições de historicidade da linguagem são modificadas; 

      • as mutações não vêm mais do alto (da elite dos sábios, do pequeno grupo de mercadores e viajantes, dos exércitos vitoriosos, da aristocracia de invasão), 
      • mas nascem obscuramente de baixo, pois a linguagem não é um instrumento, ou um produto – um ergon, como dizia Humboldt – mas uma incessante atividade – uma energeia. 

      Numa língua, quem fala e não cessa de falar, num murmúrio que não se ouve mas de onde vem, no entanto, todo o esplendor, é o povo. 

      Grimm pensava surpreender esse murmúrio escutando o altdeutsche Meistergesang, e Raynouard, transcrevendo as Poésies originales des troubadours. 

      A linguagem está ligada 

      • não mais ao conhecimento das coisas, 
      • mas à liberdade dos homens: 

      “A linguagem é humana: à nossa plena liberdade deve sua origem e seus progressos; ela é nossa história, nossa herança.”(46) 

      No momento em que se definem as leis internas da gramática, estabelece-se um profundo parentesco entre a linguagem e o livre destino dos homens. 

      Ao longo de todo o século XIX, a filologia terá profundas ressonâncias políticas. 

      4. A análise das raízes tornou possível uma nova definição dos sistemas de parentesco entre as línguas. 

      E é este o quarto grande segmento teórico que caracteriza o aparecimento da filologia. 

      Essa definição supõe, primeiramente, que as línguas se agrupem em conjuntos descontínuos uns em relação aos outros. 

      A gramática geral excluía a comparação na medida em que admitia em todas as línguas, quaisquer que fossem, duas ordens de continuidade; 

      • uma, vertical, permitia-lhes, a todas, dispor do acervo das raízes mais primitivas que, através de algumas transformações, religava cada linguagem às articulações iniciais; 
      • outra, horizontal, fazia as línguas se comunicarem na universalidade da representação: 

      todas elas tinham de analisar, decompor e recompor representações que, em limites bastante amplos, eram as mesmas para o gênero humano inteiro. 

      De sorte que não era possível comparar as línguas, salvo de um modo indireto, e como que por um trajeto triangular; 

      • podia-se analisar a maneira como esta e aquela língua haviam tratado e modificado o equipamento comum das raízes primitivas; 
      • podia-se também comparar como duas línguas recortavam e religavam as mesmas representações. 

      Ora, o que se tornou possível, a partir de Grimm e de Bopp, foi a comparação 

      • direta 
      • e lateral 

      de duas ou várias línguas. 

      • Comparação direta 

      por não ser mais necessário passar pelas representações puras ou pela raiz absolutamente primitiva: 

        • basta estudar as modificações do radical, 
        • o sistema das flexões, 
        • a série das desinências. 
      • Mas comparação lateral, 

      que não ascende aos elementos comuns a todas as línguas, nem ao fundo representativo no qual se nutrem: 

        • não é portanto possível reportar uma língua à forma ou aos princípios que tornam todas as outras possíveis; 
        • é preciso agrupá-Ias segundo sua proximidade formal: 

      “A semelhança se acha não somente no grande número de raízes comuns, mas se estende ainda até a estrutura interior das línguas e até a gramática.”(47) 

      Ora, essas estruturas gramaticais, que podem ser comparadas diretamente entre si, oferecem dois caracteres particulares. 

      Primeiro, o de só existirem em sistemas: 

      • com radicais monossilábicos,
        • um certo número de flexões é possível; 
        • o peso das desinências pode ter efeitos cujo número e natureza são determináveis; 
        • os modos de afixação correspondem a alguns modelos perfeitamente fixos; 
      • já nas línguas de radicais polissilábicos,
        • todas as modificações e composições obedecerão a outras leis. 

      Entre dois sistemas como esses (um, característico das línguas indo-europeias, outro, das línguas semíticas), não se encontra tipo intermediário nem formas de transição. 

      De uma família a outra há descontinuidade. 

      Por outro lado, porém, os sistemas gramaticais, já que prescrevem certo número de leis de evolução e de mutação, permitem fixar até certo ponto o índice de envelhecimento de uma língua; para que tal forma aparecesse a partir de certo radical, foi necessária tal ou qual transformação. 

      Na idade clássica, quando duas línguas se assemelhavam, era preciso 

      • ou vincular ambas à língua absolutamente primitiva, 
      • ou então admitir que uma provinha da outra (mas o critério era externo, a língua mais derivada sendo muito simplesmente a que tivesse aparecido na história em data mais recente), 
      • ou ainda admitir permutas (devidas a acontecimentos extralinguísticos: invasão, comércio, migração). 

      Agora, quando duas línguas apresentam sistemas análogos, deve-se poder decidir 

      • ou que uma é derivada da outra, 
      • ou ainda que são ambas provenientes de uma terceira, a partir da qual cada uma delas desenvolveu sistemas
        • diferentes por um lado, 
        • mas também análogos por outro. 

      Foi assim que, a propósito do sânscrito e do grego, abandonou-se sucessivamente 

      • a hipótese de Coeurdoux, que acreditava em vestígios da língua primitiva, 
      • e a de Anquetil, que supunha uma mistura na época do reino de Bactriana; 
      • e Bopp pôde também refutar Schlegel, para quem “a língua indiana era a mais antiga, e as outras (latim, grego, línguas germânicas e persas) eram mais modernas e derivadas da primeira(48). 

      Mostrou ele que, entre o sânscrito, o latim e o grego, as línguas germânicas, havia uma relação de “fraternidade”, sendo o sânscrito não a língua mãe das outras, mas antes a irmã primogênita, a mais próxima de uma língua que teria estado na origem de toda essa família. 

      Vê-se que a historicidade introduziu-se no domínio das línguas como no dos seres vivos. 

      Para que uma evolução – que não fosse somente percurso de continuidades ontológicas – pudesse ser pensada, foi necessário 

      • que o plano ininterrupto e liso da história natural fosse quebrado, 
      • que a descontinuidade das ramificações fizesse aparecer os planos de organização na sua diversidade sem intermediário, 
      • que os organismos se ordenassem às disposições funcionais que eles devem assegurar 
      • e que se estabelecessem assim as relações do ser vivo com o que lhe permite existir. 

      Da mesma forma, foi preciso, para que a história das línguas pudesse ser pensada, 

      • que elas fossem destacadas dessa grande continuidade cronológica que as religava sem ruptura até a origem; 
      • foi preciso também liberá-Ias da superfície comum das representações onde estavam presas; 
      • graças a essa dupla ruptura, a heterogeneidade dos sistemas gramaticais apareceu com seus recortes próprios, as leis que em cada um prescrevem a mudança e os caminhos que fixam as possibilidades da evolução. 

      Uma vez suspensa a história das espécies como sequência cronológica de todas as formas possíveis, então, e somente então, o ser vivo pôde receber uma historicidade; 

      do mesmo modo, se não se tivesse suspendido, na ordem da linguagem, a análise dessas derivações indefinidas e dessas misturas sem limites que a gramática geral supunha sempre, a linguagem jamais teria sido afetada por uma historicidade interna. 

      Foi preciso tratar o sânscrito, o grego, o latim, o alemão numa simultaneidade sistemática; rompendo com toda cronologia, foi mister instalá-los num tempo fraternal, para que suas estruturas se tornassem transparentes e para que aí se pudesse ler uma história das línguas. 

      Aqui como alhures, as colocações em série cronológica tiveram de ser apagadas, seus elementos redistribuídos, e constituiu-se então uma história nova, que enuncia não somente o modo de sucessão dos seres e seu encadeamento no tempo, mas as modalidades de sua formação. 

      A empiricidade – 

      • trata-se tanto dos indivíduos naturais 
      • quanto das palavras com que podem ser nomeados 

      – está doravante atravessada pela História e em toda a espessura de seu ser. 

      A ordem do tempo começa. 

      Há, entretanto, uma diferença capital entre as línguas e os seres vivos. 

      Estes só têm história verdadeira por uma certa relação entre suas funções e suas condições de existência. E se é verdade que é sua composição interna de indivíduos organizados que torna possível sua historicidade, esta só se torna história real em virtude desse mundo exterior em que eles vivem. Foi necessário portanto, para que essa história aparecesse em plena luz e fosse descrita num discurso, que à anatomia comparada de Cuvier se acrescentasse a análise do meio ambiente e das condições que agem sobre o ser vivo. 

      A “anatomia” da linguagem, para retomar a expressão de Grimm, funciona, em contrapartida, no elemento da História: pois é uma anatomia das mudanças possíveis que anuncia, não a coexistência real dos órgãos ou sua mútua exclusão, mas o sentido no qual as mutações poderão ou não se dar. 

      A nova gramática é imediatamente diacrônica. Como poderia ser de outro modo, já que sua positividade não podia ser instaurada senão por uma ruptura entre a linguagem e a representação? 

      A organização interior das línguas, o que elas autorizam e o que elas excluem para poder funcionar, isso não podia mais ser apreendido senão na forma das palavras; mas, em si mesma, essa forma só pode enunciar sua própria lei quando reportada a seus estados anteriores, às mudanças de que é suscetível, às modificações que jamais se produzem. 

      Ao ser separada daquilo que ela representa, a linguagem certamente aparecia, pela primeira vez, na sua legalidade própria, e, no mesmo movimento, ficava-se votado a só poder apreendê-Ia na história. 

      Sabe-se bem que Saussure só pôde escapar a essa vocação diacrônica da filologia, restaurando a relação da linguagem com a representação, disposto a reconstituir uma “semiologia” que, à maneira da gramática geral, define o signo pela ligação entre duas idéias. 

      O mesmo acontecimento arqueológico manifestou-se, pois, de modo parcialmente diferente para a história natural e para a linguagem. 

      Destacando-se 

      • os caracteres do ser vivo 
      • ou as regras da gramática 

      das leis de uma representação que se analisa, tornou-se possível a historicidade da vida e da linguagem. 

      Mas essa historicidade, na ordem da biologia, teve necessidade de uma história suplementar que devia enunciar as relações entre o indivíduo e o meio ambiente; 

      • em certo sentido, a história da vida 
      • é exterior à historicidade do ser vivo; 

      é por isso que o evolucionismo constitui uma teoria biológica cuja condição de possibilidade foi uma biologia sem evolução – a de Cuvier. 

      A historicidade da linguagem, ao contrário, descobre, desde logo e sem intermediário, sua história; comunicam-se interiormente uma com a outra. 

      • Enquanto a biologia do século XIX avançará cada vez mais em direção ao exterior do ser vivo, ao seu outro lado, tornando sempre mais permeável essa superfície do corpo em que o olhar do naturalista outrora se detinha, 
      • a filologia desfará as relações que o gramático estabelecera entre a linguagem e a história externa para definir uma história interior. 

      E esta, uma vez assegurada na sua objetividade, poderá servir de fio condutor para reconstituir, em proveito da História propriamente dita, acontecimentos afastados de toda memória.

      V. A linguagem tornada objeto

      Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico V - A linguagem tornada objeto

      Pode-se observar que os quatro segmentos teóricos que acabam de ser analisados, por constituírem sem dúvida o solo arqueológico da filologia, correspondem, termo a termo, e opõem-se aos que permitiam definir a gramática geral(49). 

      Remontando do último ao primeiro desses quatro segmentos, vê-se que 

      • a teoria do parentesco entre as línguas (descontinuidade entre as grandes famílias e analogias internas no regime das mudanças) faz face à teoria da derivação, que supunha incessantes fatores de desgaste e de mistura, agindo do mesmo modo sobre todas as línguas, quaisquer que fossem, a partir de um princípio externo e com efeitos ilimitados. 
      • A teoria do radical opõe-se à da designação: pois o radical é uma individualidade linguística isolável, interior a um grupo de línguas e que serve, antes de tudo, de núcleo para formas verbais, ao passo que a raiz, transpondo a linguagem para o lado da natureza e do grito, exauria-se até não ser mais que uma sonoridade indefinidamente transformável, que tinha por função um primeiro recorte nominal das coisas. 
      • O estudo das variações interiores da língua opõe-se igualmente à teoria da articulação representativa: esta definia as palavras e as individualizava umas em face das outras, reportando-as ao conteúdo que podiam significar; a articulação da linguagem era a análise visível da representação; agora as palavras se caracterizam primeiramente por sua morfologia e pelo conjunto das mutações que cada uma de suas sonoridades pode eventualmente sofrer. 
      • Enfim e sobretudo, a análise interior da língua faz face ao primado que o pensamento clássico atribuía ao verbo ser: este reinava nos limites da linguagem, ao mesmo tempo porque era o liame primeiro das palavras e porque detinha o poder fundamental da afirmação; marcava o limiar da linguagem, indicava sua especificidade e a vinculava, de um modo que não podia ser apagado, às formas do pensamento. 

      A análise independente das estruturas gramaticais, tal como praticada a partir do século XIX, isola ao contrário a linguagem, trata-a como uma organização autônoma, rompe seus liames com os juízos, a atribuição e a afirmação. A passagem ontológica que o verbo ser assegurava entre falar e pensar acha-se rompida; a linguagem, desde logo, adquire um ser próprio. E é esse ser que detém as leis que o regem. 

      A ordem clássica da linguagem encerrou-se agora sobre si mesma. 

      Perdeu sua transparência e sua função principal no domínio do saber. 

      Nos séculos XVII e XVIII, ela era o desenrolar imediato e espontâneo das representações; 

      • era nela primeiramente que estas recebiam seus primeiros signos, 
      • recortavam e reagrupavam seus traços comuns, 
      • instauravam relações de identidade ou de atribuição; 

      a linguagem era um conhecimento, e o conhecimento era, de pleno direito, um discurso. 

      Em relação a todo conhecimento, encontrava-se ela, pois, numa situação fundamental: 

      • só se podiam conhecer as coisas do mundo passando por ela. 
      • Não porque fizesse parte do mundo numa imbricação ontológica (como no Renascimento), 
      • mas porque era o primeiro esboço de uma ordem nas representações do mundo; 
      • porque era a maneira inicial, inevitável, de representar as representações. 

      Era nela que toda generalidade se formava. 

      O conhecimento clássico era profundamente nominalista. 

      A partir do século XIX, a linguagem se dobra sobre si mesma, adquire sua espessura própria, desenvolve uma história, leis e uma objetividade que só a ela pertencem.

      Tornou-se um objeto do conhecimento entre tantos outros: 

      • ao lado dos seres vivos, 
      • ao lado das riquezas e do valor, 
      • ao lado da história dos acontecimentos e dos homens. 

      Comporta, talvez, conceitos próprios, mas as análises que incidem sobre ela são enraizadas no mesmo nível que todas as que concernem aos conhecimentos empíricos. 

      • Aquela relevância que permitia à gramática geral ser ao mesmo tempo Lógica e com ela entrecruzar-se, está, doravante, reduzida. 
      • Conhecer a linguagem
        • não é mais aproximar-se o mais perto possível do próprio conhecimento, 
        • é tão somente aplicar os métodos do saber em geral a um domínio singular da objetividade. 

      Esse nivelamento da linguagem que a reduz ao puro estatuto de objeto acha-se, entretanto, compensado de três maneiras. 

      Primeiro, pelo fato de ser ela uma mediação necessária para todo conhecimento científico que pretende manifestar-se como discurso. 

      Ainda que seja ela própria disposta, desdobrada e analisada sob o olhar de uma ciência, ressurge sempre do lado do sujeito que conhece – desde que se trate, para ele, de enunciar o que sabe. 

      Daí duas preocupações que foram constantes no século XIX. 

      Uma consiste em querer neutralizar e como que polir a linguagem científica, 

      a tal ponto que, desarmada de toda singularidade própria, purificada de seus acidentes e de suas impropriedades – como se não pertencessem à sua essência -, pudesse tornar-se o reflexo exato, o duplo meticuloso, o espelho sem nebulosidade de um conhecimento que, esse, não é verbal. 

      É o sonho positivista de uma linguagem que se mantivesse ao nível do que se sabe: 

      • uma linguagem-quadro, como aquela, certamente, com que sonhava Cuvier, quando atribuía à ciência o projeto de ser uma “cópia” da natureza; 
      • em face das coisas, o discurso científico seria seu “quadro”; 
      • mas quadro tem aqui um sentido fundamentalmente diferente daquele que tinha no século XVIII;
        • tratava-se então de repartir a natureza por uma tabela constante de identidades e de diferenças, para a qual a linguagem oferecia um crivo primeiro, aproximativo e retificável; 
      • agora a linguagem é quadro, mas no sentido de que, desprendida dessa trama que lhe dá um papel imediatamente classificador, mantém-se a certa distância da natureza, para cativá-Ia por sua própria docilidade e recolher finalmente seu retrato fiel (50). 

      A outra preocupação – inteiramente distinta da primeira, ainda que lhe seja correlativa – consistiu em buscar uma lógica independente das gramáticas, dos vocabulários, das formas sintéticas, das palavras: 

      uma lógica que pudesse trazer à luz e utilizar as implicações universais do pensamento, mantendo-as ao abrigo das singularidades de uma linguagem constituída, em que poderiam ser mascaradas. 

      Era necessário que uma lógica simbólica nascesse, com Boole, na mesma época em que as linguagens se tornavam objetos para a filologia: 

      • é que, malgrado as semelhanças de superfície e algumas analogias técnicas, não se tratava de constituir uma linguagem universal como na época clássica; 
      • mas sim de representar as formas e os encadeamentos do pensamento fora de qualquer linguagem; 
      • visto que esta se tornava objeto de ciências, era preciso inventar uma língua que fosse antes simbolismo que linguagem e que, por esse motivo, fosse transparente ao pensamento, no movimento mesmo que lhe permite conhecer. 

      Poder-se-ia dizer, em certo sentido, que a álgebra lógica e as línguas indo-europeias são dois produtos de dissociação da gramática geral: 

      • estas, mostrando o deslizar da linguagem para o lado do objeto conhecido, 
      • aquela, o movimento que a faz oscilar para o lado do ato de conhecer, despojando-a então de toda forma já constituída. 

      Mas seria insuficiente enunciar o fato sob essa forma puramente negativa: 

      ao nível arqueológico, as condições de possibilidade 

      • de uma lógica não-verbal 
      • e as de uma gramática histórica 

      são as mesmas. Seu solo de positividade é idêntico. 

      A segunda compensação ao nivelamento da linguagem está no valor crítico que se emprestou ao seu estudo. Tornada realidade histórica espessa e consistente, a linguagem constitui o lugar das tradições, dos hábitos mudos do pensamento, do espírito obscuro dos povos; acumula uma memória fatal que não se conhece nem mesmo como memória. 

      Exprimindo seus pensamentos em palavras de que não são senhores, alojando-as em formas verbais cujas dimensões históricas lhes escapam, os homens, crendo que seus propósitos lhes obedecem, não sabem que são eles que se submetem às suas exigências. 

      As disposições gramaticais de uma língua são o a priori do que aí se pode enunciar. A verdade do discurso é burlada pela filologia. 

      Daí esta necessidade de remontar das opiniões, das filosofias e talvez mesmo das ciências até as palavras que as tornaram possíveis e, mais além, até um pensamento cuja vivacidade não estaria ainda presa na rede das gramáticas. 

      Compreende-se, assim, o reflorescimento muito acentuado, no século XIX, de todas as técnicas da exegese. Esse reaparecimento deve-se ao fato de que a linguagem retomou a densidade enigmática que tinha no Renascimento. 

      Mas não se tratará agora de reencontrar uma fala primeira que aí estivesse enterrada, 

      • mas de inquietar as palavras que falamos, 
      • de denunciar o vinco gramatical de nossas idéias, 
      • de dissipar os mitos que animam nossas palavras, 
      • de tornar de novo ruidosa e audível a parte de silêncio que todo discurso arrasta consigo quando se enuncia. 

      O primeiro livro do Capital é uma exegese do “valor”;
      Nietzsche inteiro, uma exegese de alguns vocábulos gregos;
      Freud, a exegese de todas essas frases mudas que sustentam e escavam ao mesmo tempo nossos discursos aparentes, nossos fantasmas, nossos sonhos, nosso corpo. 

      A filologia, como análise do que se diz na profundidade do discurso, tornou-se a forma moderna da crítica. Lá onde se tratava, no fim do século XVIII, de fixar os limites do conhecimento, buscar-se-á desarticular as sintaxes, romper as maneiras constringentes de falar, voltar as palavras para o lado de tudo o que se diz através delas e malgrado elas. 

      Deus é talvez menos um além do saber que um certo aquém de nossas frases; e se o homem ocidental é inseparável dele, não é por uma propensão invencível a transpor as fronteiras da experiência, mas porque sua linguagem o fomenta sem cessar na sombra de suas leis: 

      “Temo que jamais nos desembaracemos de Deus porque cremos ainda na gramática.”(51) 

      A interpretação, 

      no século XVI, 

      • ia do mundo (coisas e textos ao mesmo tempo) 
      • à Palavra divina que nele se decifrava; 

      a nossa, pelo menos a que se formou no século XIX, 

      • vai dos homens, de Deus, dos conhecimentos ou das quimeras 
      • às palavras que os tomam possíveis; 
      • e o que ela descobre não é a soberania de um discurso primeiro, é o fato de que nós somos, antes da mais intima de nossas palavras, já dominados e perpassados pela linguagem. 

      Estranho comentário a que se entrega a crítica moderna: 

      • pois que ele não vai da constatação de que há linguagem à descoberta daquilo que ela quer dizer, 
      • mas do desdobramento no discurso manifesto ao desvendamento da linguagem em seu ser bruto. 

      Os métodos de interpretação fazem face, pois, no pensamento moderno, às técnicas de formalização: 

      • aqueles, com a pretensão de fazer falar a linguagem por sob ela própria e o mais perto possível do que, sem ela, nela se diz; 
      • estas, com a pretensão de controlar toda linguagem eventual e de a vergar pela lei do que é possível dizer.

      Interpretar e formalizar tornaram-se as duas grandes formas de análise de nossa época: na verdade, não conhecemos outras. 

      Mas conhecemos as relações entre a exegese e a formalização, somos capazes de as controlar e de as dominar? 

      Pois, se a exegese nos conduz menos a um discurso primeiro que à existência nua de algo como uma linguagem, não será ela constrangida a dizer somente as formas puras da linguagem, antes mesmo que esta tenha tomado um sentido? 

      Mas para formalizar aquilo que se supõe ser uma linguagem, não é preciso ter praticado um mínimo de exegese e interpretado ao menos todas essas figuras mudas como querendo dizer alguma coisa? 

      Quanto à divisão entre a interpretação e a formalização, é verdade que ela hoje nos pressiona e nos domina. Mas não é bastante rigorosa, a bifurcação que ela delineia não se entranha suficientemente longe em nossa cultura, seus dois ramos são demasiado contemporâneos para que possamos dizer sequer que ela prescreve uma simples escolha ou que nos convida a optar entre o passado que acreditava no sentido e o presente (o futuro) que descobriu o significante. 

      Trata-se, de fato, de duas técnicas correlativas, cujo solo comum de possibilidade é formado pelo ser da linguagem, tal como se constitui no limiar da idade moderna. 

      A relevância critica da linguagem, que compensava seu nivelamento ao objeto, implicava que ela fosse reaproximada, ao mesmo tempo, de um ato de conhecer isento de toda fala, e daquilo que não se conhece em cada um de nossos discursos. 

      Era necessário, 

      • ou torná-Ia transparente às formas do conhecimento, 
      • ou entranhá-Ia nos conteúdos do inconsciente. 

      Isso explica bem a dupla marcha do século XIX em direção ao formalismo do pensamento e à descoberta do inconsciente – em direção a Roussel e a Freud. 

      E explica também as tentações para inclinar uma para a outra e entrecruzar essas duas direções: 

      • tentativa por trazer à luz, por exemplo, as formas puras que, antes de qualquer conteúdo, se impõem ao nosso inconsciente; 
      • ou ainda esforço para fazer chegar até nosso discurso o solo de experiência, o sentido de ser, o horizonte vivido de todos os nossos conhecimentos. 

      O estruturalismo e a fenomenologia encontram aqui, com sua disposição própria, o espaço geral que define seu lugar-comum. 

      Finalmente, a última das compensações ao nivelamento da linguagem, a mais importante, a mais inesperada também, é o aparecimento da literatura. 

      Da literatura como tal, pois, desde Dante, desde Homero, existiu realmente, no mundo ocidental, uma forma de linguagem que nós, agora, denominamos “literatura”. 

      Mas a palavra é de recente data, como recente é também em nossa cultura o isolamento de uma linguagem singular, cuja modalidade própria é ser “literária”. 

      É que, no início do século XIX, na época em que a linguagem se entranhava na sua espessura de objeto e se deixava, de parte a parte, atravessar por um saber, ela se reconstituía alhures, sob uma forma independente, de difícil acesso, dobrada sobre o enigma de seu nascimento e inteiramente referida ao ato puro de escrever. 

      A literatura é a contestação da filologia (de que é, no entanto, a figura gêmea): 

      • ela reconduz a linguagem da gramática ao desnudado poder de falar, 
      • e lá encontra o ser selvagem e imperioso das palavras. 

      Da revolta romântica contra um discurso imobilizado na sua cerimônia até a descoberta, por Mallarmé, da palavra em seu poder impotente, vê-se bem qual foi, no século XIX, a função da literatura em relação ao modo de ser moderno da linguagem. 

      Com base nesse jogo essencial, o restante é efeito: 

      • a literatura se distingue cada vez mais no discurso de idéias e se encerra numa intransitividade radical; 
      • destaca-se de todos os valores que podiam, na idade clássica, fazê-Ia circular (o gosto, o prazer, o natural, o verdadeiro) e faz nascer, no seu próprio espaço, tudo o que pode assegurar-lhe a denegação lúdica (o escandaloso, o feio, o impossível); 
      • rompe com toda definição de “gêneros” como formas ajustadas a uma ordem de representações e torna-se pura e simples manifestação de uma linguagem que só tem por lei afirmar – contra todos os outros discursos – sua existência abrupta;
      • nessas condições, não lhe resta senão recurvar-se num perpétuo retorno sobre si, como se seu discurso não pudesse ter por conteúdo senão dizer sua própria forma:
        • endereça-se a si como subjetividade escriturante, 
        • ou busca capturar, no movimento que a faz nascer, a essência de toda literatura; 
      • e assim todos os seus fios convergem para a mais fina ponta – singular, instantânea, e contudo absolutamente universal -, para o simples ato de escrever. 

      No momento em que a linguagem, como palavra disseminada, se torna objeto de conhecimento, eis que reaparece sob uma modalidade estritamente oposta: silenciosa, cautelosa deposição da palavra sobre a brancura de um papel, onde ela não pode ter nem sonoridade, nem interlocutor, onde nada mais tem a dizer senão a si própria, nada mais a fazer senão cintilar no esplendor do seu ser.

      III. Cuvier

      Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico III - Cuvier

      Georges Cuvier, 1769-1832

      Georges Cuvier foi um naturalista e zoologista francês da primeira metade do século XIX, é por vezes chamado de “Pai da Paleontologia”. Foi uma figura central na investigação em história natural na sua época, comparou fósseis com animais vivos criando assim a Anatomia Comparada. Wikipédia

      No seu projeto de estabelecer uma classificação tão fiel quanto um método e tão rigorosa quanto um sistema, Jussieu descobrira a regra de subordinação dos caracteres, assim como Smith utilizara o valor constante do trabalho para estabelecer o preço natural das coisas no jogo das equivalências. 

      E assim como Ricardo libertou o trabalho de seu papel de medida para fazê-lo entrar, aquém de toda troca, nas formas gerais da produção, 

      assim Cuvier(6) libertou de sua função taxinômica a subordinação dos caracteres para fazê-Ia entrar, aquém de toda classificação eventual, nos diversos planos de organização dos seres vivos. 

      O liame interno que faz as estruturas dependerem umas das outras não está mais situado no nível apenas das frequências, torna-se o fundamento mesmo das correlações.

      É esse desnível e essa inversão que Geoffroy Saint-Hilaire devia um dia traduzir, dizendo: 

      “A organização torna-se um ser abstrato… suscetível de formas numerosas.”(7) 

      O espaço dos seres vivos gira em torno dessa noção e tudo o que até então pudera aparecer através do quadriculado da história natural (gêneros, espécies, indivíduos, estruturas, órgãos), tudo o que era dado ao olhar, assume doravante um modo novo de ser. 

      E, em primeiro lugar, esses elementos ou esses grupos de elementos distintos que o olhar pode articular quando percorre o corpo dos indivíduos e a que se chama os órgãos. 

      Na análise dos clássicos, o órgão se definia, a um tempo, por sua estrutura e por sua função; era como um sistema de dupla entrada que se podia ler exaustivamente, 

      • quer a partir do papel que desempenhava
        (por exemplo, a reprodução), 
      • quer a partir de suas variáveis morfológicas
        (forma, grandeza, disposição e número): 

      os dois modos de decifração recobriam-se ajustadamente mas eram independentes um do outro – 

      • o primeiro enunciando o utilizável, 
      • o segundo, o identificável. 

      É essa disposição que Cuvier altera;
      revogando

      tanto o postulado do ajustamento
      quanto o da independência,

      faz extravasar – e largamente – a função em relação ao órgão e submete a disposição do órgão à soberania da função. 

      Dissolve, se não a individualidade, pelo menos a independência do órgão: 

      • é erro crer que “tudo é importante num órgão importante”; 
      • é preciso dirigir a atenção “mais para as próprias funções que para os órgãos”(8); 
      • antes de definir estes últimos pelas suas variáveis, é necessário reportá-los à função que asseguram. 

      Ora, essas funções são em número relativamente pouco elevado: respiração, digestão, circulação, locomoção… De sorte que a diversidade visível das estruturas não mais emerge do fundo de um quadro de variáveis, mas do fundo de grandes unidades funcionais suscetíveis de se realizarem e de cumprir seu fim de maneiras diversas: 

      “O que é comum a cada gênero de órgãos considerado, em todos os animais se reduz a muito pouca coisa e, frequentemente, eles só se assemelham pelo efeito que produzem. Isso deve ter impressionado sobretudo no tocante à respiração que se opera nas diferentes classes por órgãos tão variados, que sua estrutura não apresenta nenhum ponto comum.”(9)

      Considerando o órgão na sua relação com a função, vê-se, pois, aparecerem “semelhanças” onde não há nenhum elemento “idêntico”; semelhança que se constitui pela passagem à evidente invisibilidade da função. 

      Pouco importa afinal que as brânquias e os pulmões tenham em comum algumas variáveis de forma, de grandeza, de número: assemelham-se por serem duas variedades desse órgão inexistente, abstrato, irreal, indeterminável, ausente de toda espécie descritível, presente contudo no reino animal inteiro e que serve para respirar em geral. 

      Restauram-se assim, na análise do ser vivo, as analogias de tipo aristotélico: 

      • as brânquias são para a respiração na água 
      • o que são os pulmões para a respiração no ar. 

      Certamente, semelhantes relações eram perfeitamente conhecidas na idade clássica; mas serviam apenas para determinar funções; não eram utilizadas para estabelecer a ordem das coisas no espaço da natureza. 

      A partir de Cuvier, a função, definida sob a forma não perceptível do efeito a atingir, vai servir de meio-termo constante e permitir relacionar um a outro conjuntos desprovidas da menor identidade visível. 

      • Aquilo que, para o olhar clássico, não passava de puras e simples diferenças justapostas a identidades, 
      • deve agora ser ordenado e pensado a partir de uma homogeneidade funcional que o suporta em segredo. 

      Há história natural
      quando o Mesmo e o Outro
      pertencem a um único espaço; 

      alguma coisa como a biologia torna-se possível
      quando essa unidade de plano começa a desfazer-se
      e as diferenças surgem
      do fundo de uma identidade mais profunda
      e como que mais séria do que ela. 

      Essa referência à função, essa disjunção entre o plano das identidades e o das diferenças fazem surgir relações novas: 

      • as de coexistência, 
      • de hierarquia interna, 
      • de dependência com respeito ao plano de organização. 

      A coexistência designa o fato de que um órgão ou um sistema de órgãos não podem estar presentes num ser vivo sem que outro órgão ou outro sistema, de uma natureza e uma forma determinadas, o estejam igualmente: 

      “Todos os órgãos de um mesmo animal formam um sistema único, cujas partes todas se sustentam, agem e reagem umas sobre as outras; não pode haver modificações numa delas que não acarretem modificações análogas em todas.”(10)

      No interior do sistema da digestão, a forma dos dentes (o fato de serem cortantes ou mastigadores) varia ao mesmo tempo que “o comprimento, as curvas, as dilatações do sistema alimentar”; ou ainda, para dar um exemplo de coexistência entre sistemas diferentes, os órgãos da digestão não podem variar independentemente da morfologia dos membros (e, em particular, da forma das unhas): conforme houver garras ou cascos – portanto, conforme o animal possa ou não agarrar e despedaçar seu alimento – o canal alimentar, os “sucos dissolventes”, a forma dos dentes não serão os mesmos(11). 

      Trata-se aí de correlações laterais que estabelecem entre elementos do mesmo nível relações de concomitância fundadas por necessidades funcionais: por ser preciso que o animal se alimente, a natureza da presa e seu modo de captura não podem ficar estranhos aos aparelhos de mastigação e de digestão (e reciprocamente). 

      Há, todavia, escalonamentos hierárquicos. Sabe-se como a análise clássica fora levada a suspender o privilégio dos órgãos mais importantes para só considerar sua eficácia taxinômica. 

      Agora que não se trata mais de variáveis independentes, mas de sistemas comandados uns pelos outros, o problema da importância recíproca se acha novamente colocado. 

      Assim, o canal alimentar dos mamíferos não está simplesmente numa relação de covariação eventual com os órgãos da locomoção e da preensão; é, ao menos em parte, prescrito pelo modo de reprodução. Esta, com efeito, sob sua forma vivípara, não implica simplesmente a presença de órgãos que lhe estão imediatamente ligados; exige também a existência de órgãos de lactação, a presença de lábios, a de uma língua carnuda igualmente; prescreve, por outro lado, a circulação de um sangue quente e bifocularidade do coração(12). 

      A análise dos organismos e a possibilidade de estabelecer entre eles semelhanças e distinções supõem, portanto, que se tenha fixado a tabela, não dos elementos que podem variar de espécie para espécie, mas das funções que, nos seres vivos em geral, se comandam, se ajustam, se ordenam umas às outras: 

      • não mais o polígono das modificações possíveis, 
      • mas a pirâmide hierárquica das importâncias. 

      Cuvier pensou primeiro que as funções de existência se antepunham às de relações (“pois o animal primeiramente é, depois sente e age”): supunha portanto que a geração e a circulação deviam determinar, de início, certo número de órgãos aos quais a disposição dos outros se acharia submetida; aqueles formariam os caracteres primários, estes os caracteres secundários(13). 

      Depois, subordinou a circulação à digestão, pois esta existe em todos os animais (o corpo do pólipo é por inteiro apenas uma espécie de aparelho digestivo), ao passo que o sangue e os vasos se encontram “apenas nos animais superiores e desaparecem sucessivamente nos das últimas classes”(14). 

      Mais tarde, foi o sistema nervoso (com a existência ou a inexistência de um cordão espinhal) que lhe apareceu como determinante de todas as disposições orgânicas: 

      “Ele é, em essência, todo o animal:
      os outros sistemas só estão lá para servi-lo e mantê-lo.”(15) 

      Essa preeminência de uma função sobre as outras implica que o organismo nas suas disposições visíveis obedeça a um plano. Tal plano garante o reino das funções essenciais e a elas vincula, mas com um grau maior de liberdade, os órgãos que asseguram funcionamentos menos capitais. 

      Como princípio hierárquico, esse plano define as funções preeminentes, distribui os elementos anatômicos que lhe permitem efetuar-se e os instala nas localizações privilegiadas do corpo: assim, no vasto grupo dos articulados, a classe dos insetos deixa aparecer a importância primordial das funções locomotoras e dos órgãos do movimento; nos três outros, são as funções vitais, em contrapartida, que têm primazia(16). 

      No controle regional que exerce sobre os órgãos menos fundamentais, o plano de organização não desempenha um papel tão determinante; liberaliza-se, de certo modo, na medida em que há um afastamento do centro, autorizando modificações, alterações, mudanças na forma ou a utilização possível. 

      Reencontramo-lo, tornado porém mais flexível e mais permeável a outras formas de determinação. Isso é fácil de constatar nos mamíferos a propósito do sistema de locomoção. 

      Os quatro membros motores fazem parte do plano de organização, mas a título somente do caráter secundário; não estão pois jamais suprimidos, nem ausentes nem substituídos, porém “disfarçados algumas vezes como nas asas dos morcegos e nas barbatanas posteriores das focas”; ocorre mesmo terem “degenerado pelo uso como nas barbatanas peitorais dos cetáceos… A natureza fez com um braço uma barbatana. Vedes que há sempre uma espécie de constância nos caracteres secundários conforme seu disfarce”(17). 

      Compreende-se como podem as espécies ao mesmo tempo 

      • assemelhar-se (para formar grupos como os gêneros, as classes e o que Cuvier chama as ramificações) 
      • e distinguir-se umas das outras. 

      O que as aproxima não é certa quantidade de elementos superponíveis, mas uma espécie de foco de identidade que não se pode analisar em regiões visíveis, porque define a importância recíproca das funções; a partir desse cerne imperceptível das identidades, os órgãos se dispõem e, à medida que dele se afastam, ganham em flexibilidade, em possibilidades de variações, em caracteres distintivos. 

      • As espécies animais diferem pela periferia, assemelham-se pelo centro;
        • o inacessível as religa, o manifesto as dispersa. 
      • Generalizam-se do lado do que é essencial à sua vida;
        • singularizam-se do lado do que é mais acessório. 
      • Quanto mais se quiser atingir grupos extensos, mais é preciso entranhar-se na obscuridade do organismo, em direção ao pouco visível, nessa dimensão que escapa ao percebido; 
      • quanto mais se quiser cingir a individualidade, mais necessário é ascender à superfície e deixar cintilar, em sua visibilidade, as formas que a luz toca;
        • pois a multiplicidade se vê e a unidade se esconde. 

      Em suma, as espécies vivas “escapam” ao pulular dos indivíduos e das espécies, só podendo ser classificadas porque vivem e a partir do que ocultam. 

      Avalia-se a imensa reviravolta que tudo isso supõe em relação à taxinomia clássica. 

      • Edificava-se esta inteiramente a partir das quatro variáveis de descrição
        • (formas, 
        • número, 
        • disposição, 
        • grandeza) 
      • que eram percorridas, como num só movimento, pela linguagem e pelo olhar; 
      • e, nessa exposição do visível, a vida aparecia como o efeito de um recorte – simples fronteira classificatória. 

      A partir de Cuvier, 

      • é a vida, no que tem de não-perceptível, de puramente funcional, que funda a possibilidade exterior de uma classificação. 
      • Não há mais, sobre a grande superfície da ordem, a classe daquilo que pode viver; 
      • mas sim, vindo da profundidade da vida, do que há de mais longínquo para o olhar, a possibilidade de classificar. 
      • O ser vivo era uma localidade da classificação natural; 
      • o fato de ser classificável é agora uma propriedade do ser vivo. 

      Assim desaparece o projeto de uma taxinomia geral; 

      • assim desaparece a possibilidade de desenrolar uma grande ordem natural, que iria sem descontinuidade do mais simples e do mais inerte ao mais vivo e ao mais complexo; 
      • assim desaparece a procura da ordem como solo e fundamento de uma ciência geral da natureza. 

      Assim desaparece a “natureza”
      – entendendo-se que, ao longo de toda a idade clássica, ela não existiu primeiramente como “tema”, como “ideia”, como fonte indefinida do saber, 

      mas como espaço homogêneo das identidades e das diferenças ordenáveis. 

      Esse espaço está agora dissociado e como que aberto em sua espessura. 

      • No lugar de um campo unitário de visibilidade e de ordem cujos elementos têm valor distintivo uns em relação aos outros, 
      • tem-se uma série de oposições cujos dois termos não são do mesmo nível:
        • de um lado há os órgãos secundários, que são visíveis à superfície do corpo e se oferecem sem intervenção à imediata percepção, 
        • e os órgãos primários, que são essenciais, centrais, ocultos, e que só se podem atingir pela dissecção, isto é, destruindo materialmente o invólucro colorido dos órgãos secundários. 

      Há também, mais profundamente, a oposição entre 

      • os órgãos em geral, que são espaciais, sólidos, direta ou indiretamente visíveis, 
      • e as funções, que não se dão à percepção, mas prescrevem, como que por debaixo, a disposição daquilo que se percebe. 

      Há enfim, em última análise, a oposição entre identidades e diferenças: 

      • não são mais do mesmo veio, não mais se estabelecem em relação umas às outras sobre um plano homogêneo; 
      • mas as diferenças proliferam na superfície, 
      • enquanto em profundidade elas se desvanecem, se confundem, se tramam umas nas outras e se aproximam da grande, misteriosa, invisível unidade focal de que o múltiplo parece derivar como que por uma dispersão incessante. 

      A vida não é mais o que se pode distinguir, de maneira mais ou menos certa, do mecânico; 

      é aquilo em que se fundam todas as distinções possíveis entre os seres vivos. 

      É essa passagem
      da noção taxinômica
      à noção sintética de vida
      que é assinalada,
      na cronologia das idéias e das ciências,
      pela recrudescência, no começo do século XIX,
      dos temas vitalistas. 

      Do ponto de vista da arqueologia, o que naquele momento se instaura são as condições de possibilidade de uma biologia. 

      Em todo o caso, essa série de oposições, dissociando o espaço da história natural, teve conseqüências de grande peso. Na prática, é o aparecimento de duas técnicas correlativas que se apoiam e se revezam mutuamente. 

      A primeira dessas técnicas é constituída pela anatomia comparada: 

      esta faz surgir um espaço interior, limitado, 

      • de um lado, pela camada superficial dos tegumentos e das cascas, 
      • e, de outro, pela quase-invisibilidade do que é infinitamente pequeno. 

      Pois a anatomia comparada não é o puro e simples aprofundamento das técnicas descritivas que se utilizavam na idade clássica; 

      • não se contenta em procurar ver mais fundo, melhor e mais de perto; 
      • instaura um espaço que não é nem o dos caracteres visíveis nem o dos elementos microscópicos(18). 

      Ela faz aí aparecer a disposição recíproca dos órgãos, sua correlação, a maneira como se decompõem, como se especializam, como se ordenam uns aos outros os principais momentos de uma função. E assim, por oposição ao olhar simples que, percorrendo os organismos íntegros, vê desdobrar-se diante de si a profusão das diferenças, a anatomia, recortando realmente os corpos, fracionando-os em parcelas distintas, retalhando-os no espaço, faz surgir as grandes semelhanças que teriam permanecido invisíveis; ela reconstitui as unidades subjacentes às grandes dispersões visíveis. 

      A formação das vastas unidades taxinômicas (classes e ordens) 

      • era, nos séculos XVII e XVIII, um problema de recorte linguístico:
        • era preciso encontrar um nome que fosse geral e fundado; 
      • agora, ela diz respeito a uma desarticulação anatômica;
        • é preciso isolar o sistema funcional principal;
        • são as divisões reais da anatomia que permitirão articular as grandes famílias do ser vivo. 

      A segunda técnica repousa sobre a anatomia (pois que é seu resultado) mas a ela se opõe (porque permite dispensá-la); 

      consiste em estabelecer relações de indicação entre 

      • elementos superficiais, portanto visíveis, 
      • e outros que estão encobertos na profundidade do corpo. 

      É que, pela lei de solidariedade do organismo, pode-se saber que tal órgão periférico e acessório implica tal estrutura num órgão mais essencial; assim, é permitido “estabelecer a correspondência das formas exteriores e interiores que, umas e outras, fazem parte integrante da essência do animal”(19). 

      Nos insetos, por exemplo, 

      • a disposição das antenas só tem valor distintivo porque não está em correlação com nenhuma das grandes organizações internas; 
      • em contrapartida, a forma do maxilar inferior pode desempenhar um papel capital para distribuí-los segundo suas semelhanças e suas diferenças; pois está ligada à alimentação, à digestão e, por conseguinte, às funções essenciais do animal: 

      “Os órgãos da mastigação deverão estar relacionados com os da nutrição, consequentemente com todo o gênero de vida e, consequentemente, com toda a organização.”(20) 

      Na verdade, essa técnica dos indícios não vai forçosamente da periferia visível às formas obscuras da interioridade orgânica: 

      • ela pode estabelecer redes de necessidade indo de um ponto qualquer do corpo a qualquer outro; 
      • de sorte que um único elemento pode bastar, em certos casos, para sugerir a arquitetura geral de um organismo; 
      • poder-se-á reconhecer um animal inteiro “por um só osso, por uma só faceta de osso: método que deu tão curiosos resultados acerca dos animais fósseis”(21). 

      Enquanto, para o pensamento do século XVIII, o fóssil era uma prefiguração das formas atuais e indicava assim a grande continuidade do tempo, 

      será doravante a indicação da figura à qual realmente pertencia. 

      A anatomia não somente quebrou o espaço tabular e homogêneo das identidades; rompeu a suposta continuidade do tempo. 

      É que, do ponto de vista teórico, as análises de Cuvier recompõem inteiramente o regime das continuidades e das descontinuidades naturais. Com efeito, a anatomia comparada permite estabelecer, no mundo vivo, duas formas de continuidade perfeitamente distintas. 

      A primeira concerne às grandes funções que se encontram na maioria das espécies (a respiração, a digestão, a circulação, a reprodução, o movimento…); 

      estabelece em todo o mundo vivo uma vasta semelhança que se pode distribuir segundo uma escala de complexidade decrescente, indo do homem até o zoófito; nas espécies superiores estão presentes todas as funções, vemo-las desaparecer depois umas após outras e, no zoófito, finalmente, já “não há centro de circulação, não há nervos, não há centro de sensação; cada ponto parece nutrir-se por sucção”(22). 

      Todavia, essa continuidade é fraca, relativamente frouxa, formando, pelo número restrito das funções essenciais, um simples quadro de presenças e de ausências. 

      A outra continuidade é muito mais cerrada:
      concerne à maior ou menor perfeição dos órgãos. 

      Mas, a partir daí, só se podem estabelecer séries limitadas, continuidades regionais logo interrompidas, e que, ademais, se imbricam umas nas outras em direções diferentes; é que, nas diversas espécies, “os órgãos não seguem todos a mesma ordem de gradação: um atinge seu mais alto grau de perfeição na sua espécie; outro o atinge numa espécie diferente”23. 

      • Tem-se pois, o que se poderia chamar de “microsséries” limitadas e parciais que dizem respeito menos às espécies que a tal ou tal órgão; 
      • e, na outra extremidade, uma “macrossérie”, descontínua, afrouxada e que diz respeito menos aos próprios organismos que ao grande registro fundamental das funções. 

      Entre essas duas continuidades que não se superpõem nem se ajustam, vê-se a divisão de grandes massas descontínuas. Elas obedecem a planos de organização diferentes, encontrando-se as mesmas funções ordenadas segundo hierarquias variadas e realizadas por órgãos de tipo diverso. 

      Por exemplo, é fácil encontrar no polvo “todas as funções que se exercem nos peixes e, no entanto, não há entre eles nenhuma semelhança, nenhuma analogia de disposição”(24). 

      É preciso, portanto, analisar cada um desses grupos em si mesmo, considerar não o fio estreito das semelhanças que podem vinculá-Io a outro, mas a forte coesão que o cerra em si mesmo; 

      • não se buscará saber se os animais de sangue vermelho estão na mesma linha que os animais de sangue branco, tendo apenas perfeições suplementares; 
      • estabelecer-se-á que todo animal de sangue vermelho – e é nisso que depende de um plano autônomo – possui sempre uma cabeça óssea, uma coluna vertebral, membros (com exceção das serpentes), artérias e veias, um fígado, um pâncreas, um baço, rins(25). 

      Vertebrados e invertebrados formam regiões perfeitamente isoladas, entre as quais não se podem encontrar formas intermediárias assegurando a passagem num sentido ou noutro: 

      “Qualquer que seja a organização que se dê aos animais com vértebras e aos que não as têm, não se chegará jamais a encontrar no final de uma dessas grandes classes, nem encabeçando a outra, dois animais que se assemelhem o bastante para servirem de elo entre elas.”(26) 

      Vê-se, pois, que a teoria das ramificações não ajunta um quadro taxinômico suplementar às classificações tradicionais; ela está ligada à constituição de um espaço novo das identidades e das diferenças. Espaço sem continuidade essencial. Espaço que logo de início se dá na forma da fragmentação. Espaço atravessado por linhas que às vezes divergem e às vezes se recortam. 

      Para designar-lhe a forma geral, é preciso, pois, substituir 

      • a imagem da escala continua que fora tradicional no século XVIII, de Bonnet a Lamarck, 
      • pela de uma irradiação, ou, antes, de um conjunto de centros a partir dos quais se desdobra uma multiplicidade de raios; 

      poder-se- ia assim recolocar cada ser “nessa imensa rede que constitui a natureza organizada mas dez ou vinte raios não bastariam para exprimir essas inumeráveis relações”(27). 

      É toda a experiência clássica da diferença que então se abala e, com ela, a relação entre o ser e a natureza. 

      Nos séculos XVII e XVIII, a diferença tinha por função religar as espécies umas às outras e preencher assim a distância entre as extremidades do ser; desempenhava um papel de “catenária”: 

      • era tão limitada, tão tênue quanto possível; 
      • alojava-se no quadriculado mais estreito; 
      • era sempre divisível e podia cair mesmo abaixo do limiar da percepção. 

      A partir de Cuvier, ao contrário, 

      • ela própria se multiplica, adiciona formas diversas, difunde-se e se repercute através do organismo, isolando-o de todos os outros de diversas maneiras simultâneas; 
      • é que ela não se aloja no interstício dos seres para religá-los entre si; 
      • funciona em relação ao organismo, para que ele possa “fazer corpo” consigo mesmo e manter-se em vida; 
      • não preenche o entremeio dos seres por tenuidades sucessivas; 
      • escava-o, aprofundando-se a si mesma, para definir em seu isolamento os grandes tipos de compatibilidade. 

      A natureza do século XIX é descontínua na medida mesma em que é viva. 

      Avalia-se a importância da reviravolta; 

      na época clássica, 

      • os seres naturais formavam um conjunto contínuo porque eram seres e não havia razão para a interrupção de seu desdobramento. 
      • Não era possível representar o que separava o ser de si mesmo.
        • O contínuo da representação (signos e caracteres) 
        • e o contínuo dos seres (a extrema proximidade das estruturas) 
      • eram, pois, correlativos. 

      É essa trama, a um tempo ontológica e representativa, que se despedaça definitivamente com Cuvier: 

      • os seres vivos, porque vivem, não podem mais formar um tecido de diferenças progressivas e graduadas; 
      • devem concentrar-se em tomo de núcleos de coerência perfeitamente distintos uns dos outros e que constituem diferentes planos para manter a vida. 
      • O ser clássico era sem lacuna;
        • já a vida é sem margem nem gradação.
      • O ser se derramava num imenso quadro;
        • a vida isola formas que se articulam consigo mesmas.  
      • O ser se dava no espaço sempre analisável da representação;
        • a vida se recolhe no enigma de uma força inacessível em sua essência, captável apenas nos esforços que faz, aqui e ali, para manifestar-se e manter-se. 

      Em suma, ao longo de toda a idade clássica, 

      • a vida estava sob a alçada de uma ontologia que concernia do mesmo modo a todos os seres materiais, submetidos à extensão, ao peso, ao movimento; 
      • e era nesse sentido que todas as ciências da natureza e singularmente do ser vivo tinham uma profunda vocação mecanicista; 

      a partir de Cuvier, 

      • o ser vivo escapa, ao menos em primeira instância, às leis gerais do ser extenso; 
      • o ser biológico regionaliza-se e autonomiza-se; 
      • a vida é, nos confins do ser, o que lhe é exterior e que, contudo, se manifesta nele. 

      E se se coloca a questão de suas relações com o não-vivo, ou a de suas determinações físico-químicas, 

      • não é, de modo algum, na linha de um “mecanicismo” que se obstinasse em suas modalidades clássicas, 
      • mas sim, de maneira totalmente nova, para articular uma à outra duas naturezas. 

      Mas, como as descontinuidades devem ser explicadas pela manutenção da vida e por suas condições, vê-se esboçar uma continuidade imprevista – ou, ao menos, um jogo de interações não ainda analisadas – entre o organismo e o que lhe permite viver. 

      Se os ruminantes se distinguem dos roedores, e por todo um sistema de diferenças maciças que não se trata de atenuar, é porque têm outra dentição, outro aparelho digestivo, outra disposição dos dedos e das unhas; é porque não podem capturar o mesmo alimento, porque não podem tratá-Io do mesmo modo; é porque não têm de digerir a mesma natureza de alimentos. 

      Portanto, o ser vivo não deve mais ser compreendido apenas como uma certa combinação de moléculas portadoras de caracteres definidos; ele delineia uma organização que se sustém em relações ininterruptas com elementos exteriores que ela utiliza (pela respiração, pela alimentação), a fim de manter ou desenvolver sua própria estrutura. 

      Em torno do ser vivo, ou, antes, através dele e pelo filtro de sua superfície, efetua-se “uma circulação continua de fora para dentro e de dentro para fora, constantemente mantida e contudo fixada entre certos limites. Assim, os corpos vivos devem ser considerados como espécies de focos nos quais as substâncias mortas são sucessivamente conduzidas, para ali se combinarem entre si de diversas maneiras”(28). 

      O ser vivo, pelo jogo e pela soberania dessa mesma força que o mantém em descontinuidade consigo mesmo, acha-se submetido a uma relação contínua com o que o cerca. 

      Para que o ser vivo possa viver, é preciso que haja várias organizações irredutíveis umas às outras, como também um movimento ininterrupto entre cada uma e o ar que ela respira, a água que bebe, o alimento que absorve. 

      Rompendo a antiga continuidade clássica entre o ser e a natureza, a força dividida da vida fará aparecer formas dispersas, ligadas todas, porém, a condições de existência. 

      Em alguns anos, na curva dos séculos XVIII e XIX, a cultura européia modificou inteiramente a espacialização fundamental do ser vivo: 

      para a experiência clássica, 

      • o ser vivo era um compartimento ou uma série de compartimentos na taxinomia universal do ser; 
      • se sua localização geográfica tinha um papel (como em Buffon), era para fazer aparecer variações que já eram possíveis. 

      A partir de Cuvier, 

      • o ser vivo se envolve sobre si mesmo, rompe suas vizinhanças taxinômicas, se arranca ao vasto plano constringente das continuidades e se constitui um novo espaço: espaço duplo, na verdade – pois que
        • é aquele, interior, das coerências anatômicas e das compatibilidades fisiológicas, 
        • e aquele, exterior, dos elementos onde ele reside para deles fazer seu corpo próprio. 

      Todavia, esses dois espaços têm um comando unitário: 

      • não mais o das possibilidades do ser, 
      • mas o das condições de vida. 

      Todo o a priori histórico de uma ciência dos seres vivos acha-se assim abalado e renovado. 

      Considerada na sua profundidade arqueológica e não ao nível mais aparente das descobertas, das discussões, teorias, ou das opções filosóficas, a obra de Cuvier tende de longe para o que viria a ser o futuro da biologia. 

      Freqüentemente, opõem-se 

      • as intuições “transformistas” de Lamarck, que parecem “prefigurar” o que será o evolucionismo, 
      • e o velho fixismo, todo impregnado de preconceitos tradicionais e de postulados teológicos, no qual se obstinava Cuvier. 

      E por todo um jogo de amálgamas, de metáforas, de analogias mal controladas, desenha-se o perfil de um pensamento “reacionário” que se empenha apaixonadamente na imobilidade das coisas para garantir a ordem precária dos homens; 

      tal seria a filosofia de Cuvier, homem de todos os poderes; 

      de outro lado, 

      descreve-se o destino difícil de um pensamento progressista, que crê na força do movimento, na incessante novidade, na vivacidade das adaptações: 

      Lamarck, o revolucionário, estaria aí. 

      Fornece-se assim, sob o pretexto de fazer história das idéias num sentido rigorosamente histórico, um belo exemplo de ingenuidade. 

      Pois, na historicidade do saber, o que conta não são as opiniões, nem as semelhanças que, através das idades, se podem estabelecer entre elas (há, com efeito, uma “semelhança” entre Lamarck e um certo evolucionismo, assim como entre este e as idéias de Diderot, de Robinet ou de Benoit de Maillet); 

      o que é importante, o que permite articular em si mesma a história do pensamento, são suas condições internas de possibilidade. 

      Ora, basta tentar sua análise para logo se perceber que Lamarck só pensava as transformações das espécies a partir da continuidade ontológica que era a da história natural dos clássicos. Ele supunha uma gradação progressiva, um aperfeiçoamento ininterrupto, uma grande superfície dos seres que podiam formar-se uns a partir dos outros. O que torna possível o pensamento de Lamarck não é a apreensão longínqua de um evolucionismo por vir, é a continuidade dos seres, tal como a descobriam e a supunham os “métodos” naturais. 

      Lamarck é contemporâneo de A.-L. de Jussieu. Não de Cuvier. 

      Este introduziu na escala clássica dos seres uma descontinuidade radical; e, por isso mesmo, fez surgir noções como 

      • as de incompatibilidade biológica, de relações com os elementos exteriores, de condições de existência; 
      • fez surgir também uma certa força que deve manter a vida e uma certa ameaça que a pune com a morte; 

      aí se acham reunidas várias das condições que tornam possível alguma coisa como o pensamento da evolução. 

      A descontinuidade das formas vivas permitiu conceber um grande fluxo temporal, que não autorizava, apesar das analogias de superfície, a continuidade das estruturas e dos caracteres. 

      Pôde-se substituir 

      • a história natural 
      • por “história” da natureza, 

      graças ao descontínuo espacial, 

      graças à ruptura do quadro, 

      graças ao fracionamento dessa superfície onde todos os seres naturais vinham, em ordem, achar seu lugar. 

      Certamente, o espaço clássico, como se viu, não excluía a possibilidade de um devir, mas esse devir nada mais fazia que assegurar um percurso sobre o tablado discretamente prévio das variações possíveis. 

      A ruptura desse espaço permitiu descobrir uma historicidade própria à vida: aquela de sua manutenção em suas condições de existência. 

      O “fixismo” de Cuvier, como análise de tal manutenção, foi a maneira inicial de refletir essa historicidade no momento em que ela aflorava, pela primeira vez, no saber ocidental. 

      A historicidade, pois, introduziu-se agora na natureza – ou, antes, no ser vivo; mas ela aí é bem mais do que uma forma provável de sucessão; constitui como que um modo de ser fundamental. 

      Sem dúvida, na época de Cuvier não existe ainda história do ser vivo, como a que descreverá o evolucionismo; mas o ser vivo é pensado, logo de início, com as condições que lhe permitem ter uma história. 

      É do mesmo modo que as riquezas receberam, na época de Ricardo, um estatuto de historicidade que ele tampouco formulara ainda como história econômica. 

      A estabilidade próxima dos rendimentos industriais, da população e da renda tal como a previra Ricardo, a fixidez das espécies afirmada por Cuvier podem passar, após um exame superficial, por uma recusa da história; 

      de fato, Ricardo e Cuvier só recusavam as modalidades da sucessão cronológica tais como foram pensadas no século XVIII; eles desfaziam a dependência do tempo em relação à ordem hierárquica ou classificatória das representações. 

      Em contrapartida, essa imobilidade atual ou futura que descreviam ou anunciavam, só podiam concebê-Ia a partir da possibilidade de uma história; e esta lhes era dada 

      • quer pelas condições de existência do ser vivo, 
      • quer pelas condições de produção do valor. 

      Paradoxalmente, o pessimismo de Ricardo, o fixismo de Cuvier só aparecem sobre um fundo histórico: 

      • eles definem a estabilidade dos seres que, doravante, têm direito, ao nível de sua modalidade profunda, a ter uma história; 
      • a ideia clássica de que as riquezas podiam crescer segundo um progresso contínuo, ou de que as espécies pudessem com o tempo transformar-se umas nas outras, definia, ao contrário, a mobilidade de seres que, antes mesmo de toda história, já obedeciam a um sistema de variáveis de identidades ou de equivalências. 

      Foi necessária a suspensão e como que a colocação entre parênteses daquela história, para que os seres da natureza e os produtos do trabalho recebessem uma historicidade que permitisse ao pensamento moderno apreendê-los e desenvolver, em seguida, a ciência discursiva de sua sucessão. 

      Para o pensamento do século XVIII, as sequências cronológicas não passam de uma propriedade e de uma manifestação mais ou menos confusa da ordem dos seres; 

      a partir do século XIX, elas exprimem, de um modo mais ou menos direto e até na sua interrupção, o modo de ser profundamente histórico das coisas e dos homens. 

      Em todo o caso, essa constituição de uma historicidade viva teve, para o pensamento europeu, vastas consequências. Tão vastas, sem dúvida, quanto aquelas acarretadas pela formação de uma historicidade econômica. 

      Ao nível superficial dos grandes valores imaginários, a vida, doravante votada à história, se delineia sob a forma da animalidade. A besta, cuja grande ameaça ou estranheza radical tinham ficado suspensas e como que desarmadas no final da Idade Média ou pelo menos ao cabo do Renascimento, encontra, no século XIX, novos poderes fantásticos. 

      Nesse ínterim, a natureza clássica privilegiara os valores vegetais – a planta trazendo sobre seu brasão visível a marca sem reticências de cada ordem eventual; com todas as suas figuras desdobradas, do caule à semente, da raiz ao fruto, o vegetal formava, para um pensamento em quadro, um puro objeto transparente aos segredos generosamente restituídos. 

      A partir do momento em que caracteres e estruturas se escalonam em profundidade na direção da vida – esse ponto de fuga soberano, indefinidamente distante mas constituinte – é o animal então que se torna figura privilegiada, com seus arcabouços ocultos, seus órgãos encobertos, tantas funções invisíveis e essa força longínqua, no fundo de tudo, que o mantém em vida. 

      Se o ser vivo é uma classe de seres, a erva, melhor que tudo, enuncia sua límpida essência; 

      mas se o ser vivo é manifestação da vida, o animal deixa melhor perceber o que é o seu enigma. 

      Mais que a imagem calma dos caracteres, ele mostra a passagem incessante do inorgânico ao orgânico, pela respiração ou pela nutrição, e a transformação inversa, sob o efeito da morte, das grandes arquiteturas funcionais em poeira sem vida: 

      “As substâncias mortas são conduzidas para os corpos vivos”, dizia Cuvier, “para aí terem um lugar e aí exercerem uma ação, determinados pela natureza das combinações em que ingressaram, e para daí escaparem um dia, a fim de entrarem novamente sob as leis da natureza morta”(29). 

      A planta reinava nos confins do movimento e da imobilidade, do sensível e do insensível; já o animal mantém-se nos confins da vida e da morte. Esta o assedia de todos os lados; bem mais, ameaça-o também do interior, pois somente o organismo pode morrer, e é do fundo de sua vida que a morte sobrevém aos seres vivos. 

      Daí, sem dúvida, os valores ambíguos assumidos, por volta do fim do século XVIII, pela animalidade: 

      • a besta aparece como portadora dessa morte, à qual, ao mesmo tempo, está sujeita; 
      • há nela uma devoração perpétua da vida por ela mesma. Ela só pertence à natureza quando encerra em si um núcleo de contranatureza. 

      Transferindo sua mais secreta essência do vegetal ao animal, a vida abandona o espaço da ordem e volta a ser selvagem. Revela-se mortífera nesse mesmo movimento que a vota à morte. Mata porque vive. A natureza já não sabe ser boa. 

      Que a vida não possa mais ser separada do assassínio, a natureza do mal, nem os desejos da contranatureza, Sade o anunciava ao século XVIII, cuja linguagem ele esgotava, bem como à idade moderna, que por longo tempo quis condená-lo ao mutismo. Que se desculpe a insolência (para com quem?): Les 120 journées são o reverso aveludado, maravilhoso, das Leçons d’anatomie comparée. Em todo. o caso, no calendário de nossa arqueologia, tem a mesma idade. 

      Mas esse estatuto imaginário da animalidade, totalmente carregada de poderes inquietantes e noturnos, remete de maneira mais profunda às funções múltiplas e simultâneas da vida no pensamento do século XIX. 

      Pela primeira vez talvez na cultura ocidental, a vida escapa às leis gerais do ser, tal como ele se dá e se analisa na representação. 

      Do outro lado de todas as coisas que estão aquém mesmo daquelas que podem ser, suportando-as para fazê-Ias aparecer, e destruindo-as incessantemente pela violência da morte, a vida se torna uma força fundamental e que se opõe ao ser como o movimento à imobilidade, o tempo ao espaço, o querer secreto à manifestação visível. 

      A vida é a raiz de toda existência, e o nãovivo, a natureza inerte, nada mais são que a vida decaída; o ser puro e simples é o não-ser da vida. 

      Pois esta, e é por isso que ela tem um valor radical no pensamento do século XIX, é ao mesmo tempo núcleo do ser e do não-ser: só há ser porque há vida e, nesse movimento fundamental que os vota à morte, os seres dispersos e estáveis por instantes formam-se, detêm-se, imobilizam-na – e, num sentido, a matam -.:., mas são por sua vez destruídos por essa força inesgotável. 

      A experiência da vida apresenta-se, pois, como a lei mais geral dos seres, o aclaramento dessa força primitiva a partir da qual eles são; ela funciona como uma ontologia selvagem que buscasse dizer o ser e o não-ser indissociáveis de todos os seres. 

      Mas essa ontologia desvela menos o que funda os seres do que o que os leva, por um instante, a uma forma precária e secretamente já os mina por dentro, para os destruir. 

      Em relação à vida, 

      • os seres não passam de figuras transitórias 
      • e o ser que eles mantêm, durante o episódio de sua existência, 
      • nada mais é que sua presunção, sua vontade de subsistir. 

      De sorte que, para o conhecimento, o ser das coisas é ilusão, véu que se deve rasgar, para se reencontrar a violência muda e invisível que os devora na noite. A ontologia do aniquilamento dos seres vale, portanto, como crítica do conhecimento; 

      • mas trata-se menos de fundar o fenômeno, de dizer ao mesmo tempo seu limite e sua lei, de reportá-lo à finitude que o torna possível, 
      • do que de dissipá-lo e destruí-lo como a própria vida destrói os seres: pois todo o seu ser é só aparência. 

      Vê-se constituir-se assim um pensamento que se opõe, quase em cada um de seus termos, ao que estava ligado à formação de uma historicidade econômica. 

      Vimos como esta última se apoiava sobre uma tríplice teoria 

      • das necessidades irredutíveis, 
      • da objetividade do trabalho 
      • e do fim da história. 

      Aqui vemos, ao contrário, desenvolver-se 

      • um pensamento em que a individualidade, com suas formas, seus limites e suas necessidades, não passa de um momento precário, votado à destruição, formando, em tudo e por tudo, um simples obstáculo que, na via desse aniquilamento, tem de ser afastado; 
      • um pensamento em que a objetividade das coisas não passa de aparência, quimera da percepção, ilusão que é preciso dissipar e restituir à pura vontade sem fenômeno que as fez nascer e as suportou por um instante; 
      • um pensamento, enfim, para o qual o recomeço da vida, suas retomadas incessantes, sua obstinação, excluem que se lhe estabeleça um limite no curso do tempo, tanto mais que o próprio tempo, com suas divisões cronológicas e seu calendário quase espacial, não é, sem dúvida, mais que uma ilusão do conhecimento. 

      Lá onde um pensamento prevê o fim da história, o outro anuncia o infinito da vida; 

      onde um reconhece a produção real das coisas pelo trabalho, o outro dissipa as quimeras da consciência; 

      onde um afirma com os limites do indivíduo as exigências de sua vida, o outro os apaga no murmúrio da morte. 

      Será essa oposição o sinal de que, a partir do século XIX, o campo do saber não pode mais dar lugar a uma reflexão homogênea e uniforme em todos os seus pontos? 

      Será preciso admitir que, doravante, cada forma de positividade tem a “filosofia” que lhe convém: 

      • a economia, a de um trabalho marcado pelo signo da necessidade, mas destinado finalmente à grande recompensa do tempo; 
      • a biologia, a de uma vida marcada por essa continuidade que só forma os seres para os desfazer, achando-se com isso liberada de todos os limites da História? 

      E as ciências da linguagem, uma filosofia das culturas, de sua relatividade e de seu poder singular de manifestação?

      II. Ricardo

      Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico II - Ricardo

      David Ricardo, 1772-1823

      David Ricardo (Londres18 de Abril de 1772 — Gatcombe Park11 de setembro de 1823) foi um economista e político britânico – um dos mais influentes economistas clássicos, ao lado de Thomas MalthusAdam Smith e James Mill.[1] Ricardo e sua família tem origens sefarditas que remontam a Holanda e Portugal.[2]

      Na análise de Adam Smith, 

      o trabalho devia seu privilégio ao poder que se lhe reconhecia de estabelecer entre os valores das coisas uma medida constante:

      permitia fazer equivaler na troca objetos de necessidade cujo aferimento de outro modo teria sido exposto à mudança ou submetido a uma essencial relatividade. 

      No entanto, só podia assumir tal papel à custa de uma condição: 

      era preciso supor que

      • a quantidade de trabalho indispensável para produzir uma coisa fosse igual 
      • à quantidade de trabalho que essa coisa, em retorno, pudesse comprar no processo de troca.

      Ora, como justificar essa identidade, em que fundá-Ia a não ser sobre uma certa assimilação, admitida na sombra mais que esclarecida, entre 

        • o trabalho como atividade de produção 
        • e o trabalho como mercadoria que se pode comprar e vender? 

      Nesse segundo sentido, ele não pode ser utilizado como medida constante, pois “experimenta tantas variações quanto as mercadorias ou bens com os quais pode ser comparado”(1). 

      Essa confusão, em Adam Smith, tinha sua origem no primado concedido à representação: 

      • toda mercadoria representava certo trabalho, 
      • e todo trabalho podia representar certa quantidade de mercadoria. 

      A atividade dos homens e o valor das coisas comunicavam-se no elemento transparente da representação.

      É aí que a análise de Ricardo encontra seu lugar
      e a razão de sua importância decisiva.
      Ela não é a primeira a organizar
      um lugar importante para o trabalho no jogo da economia; mas faz explodir a unidade da noção,
      e distingue, pela primeira vez,
      de uma forma radical, 

      • essa força, esse esforço, esse tempo do operário que se compram e se vendem, 
      • e essa atividade que está na origem do valor das coisas. 

      Ter-se-á pois, 

      • por um lado, o trabalho que os operários oferecem, que os empresários aceitam ou demandam e que é retribuído pelos salários; 
      • por outro, ter-se-á o trabalho que extrai os metais, produz os bens, fabrica os objetos, transporta as mercadorias e forma assim valores permutáveis que antes dele não existiam e sem ele não teriam aparecido. 

      Certamente, para Ricardo como para Smith, o trabalho pode realmente medir a equivalência das mercadorias que passam pelo circuito das trocas: 

      “Na infância das sociedades, o valor permutável das coisas ou a regra que fixa a quantidade que se deve dar de um objeto por outro só depende da quantidade comparativa de trabalho que foi empregada na produção de cada um deles.”(2) 

      A diferença, porém, entre Smith e Ricardo está no seguinte: 

      • para o primeiro, o trabalho, porque analisável em jornadas de subsistência, pode servir de unidade comum a todas as outras mercadorias (de que fazem parte os próprios bens necessários à subsistência); 
      • para o segundo, a quantidade de trabalho permite fixar o valor de uma coisa,
        • não apenas porque este seja representável em unidades de trabalho, 
        • mas primeiro e fundamentalmente porque o trabalho como atividade de produção é “a fonte de todo valor”. 

      Já não pode este ser definido, como na idade clássica, a partir do sistema total de equivalências e da capacidade que podem ter as mercadorias de se representarem umas às outras. 

      O valor deixou de ser signo,
      tornou-se um produto. 

      Se as coisas valem tanto quanto o trabalho que a elas se consagrou, ou se, pelo menos, seu valor está em proporção a esse trabalho, 

      • não é porque o trabalho seja um valor fixo, constante e permutável todos os céus e em todos os tempos, 
      • mas sim porque todo valor, qualquer que seja, extrai sua origem do trabalho.

      E a melhor prova disso está em que 

      • o valor das coisas aumenta com a quantidade de trabalho que lhes temos de consagrar se as quisermos produzir; 
      • porém não muda com o aumento ou baixa dos salários pelos quais o trabalho se troca como qualquer outra mercadoria(3). 

      Circulando nos mercados, trocando-se uns por outros, os valores realmente têm ainda um poder de representação. Extraem esse poder, porém, de outra parte – desse trabalho mais primitivo e radical do que toda representação e que, portanto, não pode definir-se pela troca. 

      • Enquanto no pensamento clássico o comércio e a troca servem de base insuperável para a análise das riquezas (e isso mesmo ainda em Adam Smith, para quem a divisão do trabalho é comandada pelos critérios da permuta), 
      • desde Ricardo, a possibilidade da troca está assentada no trabalho;
        • e a teoria da produção, 
        • doravante, deverá sempre preceder a da circulação. 

      Daí, três consequências que importa reter. 

      A primeira é a instauração de uma série causal cuja forma é radicalmente nova. 

      No século XVIII, não se ignorava, de modo algum, o jogo das determinações econômicas: explicava-se como a moeda podia dissipar-se ou afluir, os preços subirem ou baixarem, a produção crescer, estagnar ou diminuir; mas todos esses movimentos eram definidos a partir de um espaço em quadro onde os valores se podiam representar uns aos outros; os preços aumentavam quando os elementos representantes cresciam mais depressa que os elementos representados; a produção diminuía quando os instrumentos de representação diminuíam em relação às coisas a serem representadas etc. Tratava-se sempre de uma causalidade circular e de superfície, pois que não concernia jamais senão aos poderes recíprocos do analisando e do analisado. 

      A partir de Ricardo, o trabalho, desnivelado em relação à representação, e instalando-se em uma região onde ela não tem mais domínio, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria. 

      A quantidade de trabalho necessária para a fabricação de uma coisa (ou para sua colheita, ou para seu transporte) e que determina seu valor depende das formas de produção: segundo o grau de divisão no trabalho, a quantidade e a natureza dos instrumentos, o volume de capital de que dispõe o empresário e o que ele investiu nas instalações de sua fábrica, a produção será modificada; em certos casos será dispendiosa; em outros, o será menos(4). Mas, como em todos os casos, esse custo (salários, capital e rendimentos, lucros) é determinado pelo trabalho já efetuado e aplicado a essa nova produção, vê-se nascer uma grande série linear e homogênea que é a da produção. Todo trabalho tem um resultado que, sob uma forma ou outra, é aplicado a um novo trabalho cujo custo ele define; e esse novo trabalho, por sua vez, entra na formação de um valor etc. Essa acumulação em série rompe pela primeira vez com as determinações recíprocas, as únicas que atuavam na análise clássica das riquezas. Introduz, por isso mesmo, a possibilidade de um tempo histórico contínuo, ainda que de fato, como veremos, Ricardo só pense na evolução futura sob a forma de um afrouxamento e, em última análise, de uma suspensão total da história. 

      Ao nível das condições de possibilidade do pensamento, Ricardo, ao dissociar formação e representatividade do valor, permitiu a articulação da economia com a história. 

      As “riquezas”, em vez de se distribuírem num quadro e de constituírem assim um sistema de equivalência, organizam-se e se acumulam numa cadeia temporal: todo valor se determina não segundo os instrumentos que permitem analisá-lo, mas segundo as condições de produção que o fizeram nascer; e, mais ainda, essas condições são determinadas por quantidades de trabalho aplicadas para produzi-Ias. Antes mesmo que a reflexão econômica estivesse ligada à história dos acontecimentos ou das sociedades num discurso explícito, a historicidade penetrou, e por longo tempo sem dúvida, o modo de ser da economia. Esta, em sua positividade, não está mais ligada a um espaço simultâneo de diferenças e de identidades, mas ao tempo de produções sucessivas. 

      Quanto à segunda conseqüência, não menos decisiva, diz respeito à noção de raridade. 

      Para a análise clássica, a raridade era definida em relação à necessidade: admitia-se que a raridade se acentuava ou se deslocava na medida em que as necessidades aumentavam ou tomavam formas novas; para os que têm fome, raridade do trigo; para os ricos que frequentam a sociedade, raridade do diamante. Quanto a essa raridade, os economistas do século XVIII – quer fossem fisiocratas quer não – pensavam que a terra, ou o trabalho da terra, permitia superá-Ia, ao menos em parte: é que a terra tem a maravilhosa propriedade de poder cobrir necessidades bem mais numerosas do que aquelas dos homens que a cultivam. 

      No pensamento clássico,

      há raridade porque os homens se representam objetos que não possuem; 

      mas há riqueza porque a terra produz, com certa abundância, objetos que não são logo consumidos e que podem então representar outros nas trocas e na circulação. 

      Ricardo inverte os termos dessa análise: 

      a aparente generosidade da terra só é de fato devida à sua avareza crescente; 

      e o que é primeiro não é a necessidade e a representação da necessidade no espírito dos homens, 

      é pura e simplesmente uma carência originária. 

      Com efeito, o trabalho – isto é, a atividade econômica só apareceu na história do mundo no dia em que os homens se acharam numerosos demais para poderem nutrir-se dos frutos espontâneos da terra. Não tendo com que subsistir, alguns morriam e muitos outros estariam mortos se não se pusessem a trabalhar a terra. E, na medida em que a população se multiplicava, novas faixas da floresta deviam ser abatidas, desbravadas e cultivadas. A cada instante de sua história, a humanidade só trabalha sob a ameaça da morte: toda população, se não encontra novos recursos, está fadada a extinguir-se; e inversamente, à medida que os homens se multiplicam, empreendem trabalhos mais numerosos, mais longínquos, mais difíceis, menos imediatamente fecundos. Como a pendência da morte se faz mais temível à proporção que as subsistências necessárias se tornam de mais difícil acesso, o trabalho, inversamente, deve crescer em intensidade e utilizar todos os meios de se tomar mais prolífico. Assim, o que torna a economia possível e necessária é uma perpétua e fundamental situação de raridade: em face de uma natureza que por si mesma é inerte e, salvo numa parte minúscula, estéril, o homem arrisca sua vida. 

      Não é mais nos jogos da representação que a economia encontra seu princípio, mas do lado dessa região perigosa onde a vida afronta a morte. Ela remete, pois, a essa ordem de considerações bastante ambíguas a que se pode chamar antropológicas: reporta-se, com efeito, às propriedades biológicas de uma espécie humana, acerca da qual Malthus, na mesma época que Ricardo, mostrou que tende sempre a crescer caso não se lhe traga remédio ou coerção; reporta-se também à situação desses seres vivos que se arriscam a não encontrar na natureza que os rodeia aquilo com que assegurar sua existência; ela designa enfim o trabalho e a dureza mesma desse trabalho como o único meio de negar a carência fundamental e triunfar por um instante sobre a morte. A positividade da economia se aloja nesse vão antropológico. 

      O Homo oeconomicus não é aquele que se representa suas próprias necessidades bem como os objetos capazes de as saciar; é aquele que passa, usa e perde sua vida escapando da iminência da morte. É um ser finito: e assim como, desde Kant, a questão da atitude se tornou mais fundamental que a análise das representações (já não podendo esta ser senão derivada em relação àquela), desde Ricardo a economia repousa, de maneira mais ou menos explícita, numa antropologia que tenta atribuir à finitude formas concretas. 

      A economia do século XVIII estava relacionada a uma máthêsis como ciência geral de todas as ordens possíveis; a do século XIX está referida a uma antropologia como discurso sobre a finitude natural do homem. 

      Por isso mesmo, a necessidade e o desejo retiram-se para o lado da esfera subjetiva – para essa região que, na mesma época, está em via de se tomar o objeto da psicologia. 

      É lá, precisamente, que, na segunda metade do século XIX, os marginalistas irão buscar a noção de utilidade. Julgar-se-á então que Condillac, ou Graslin, ou Fortbonnais, “já” eram “psicologistas”, visto que analisavam o valor a partir da necessidade; e, do mesmo modo, julgar-se-á que os fisiocratas foram os primeiros antepassados de uma economia que, desde Ricardo, analisou o valor a partir dos custos de produção. 

      De fato, ter-se-á saído da configuração que tornava simultaneamente possíveis Quesnay e Condillac; terse-á escapado ao reino dessa epistémê que assentava o conhecimento na ordem das representações; e ter-se-á entrado em outra disposição epistemológica, a que distingue, não sem referi-Ias uma à outra, uma psicologia das necessidades representadas e uma antropologia da finitude natural. 

      Enfim, a última conseqüência concerne à evolução da economia. 

      Ricardo mostra que não se deve interpretar como fecundidade da natureza o que marca, e de uma forma sempre mais insistente, sua essencial avareza. 

      A renda fundiária, na qual todos os economistas, até o próprio Adam Smith(5), viam o signo de uma fecundidade própria à terra, só existe na medida exata em que o trabalho agrícola se toma cada vez mais duro, cada vez menos “rentável”. 

      À medida que se é compelido, pelo crescimento ininterrupto da população, a desbravar terras menos fecundas, a colheita dessas novas unidades de trigo exige mais trabalho: seja porque os cultivos devam ser mais profundos, seja porque a superfície semeada deva ser mais vasta, seja porque se necessite de mais adubo; o custo da produção é portanto muito mais elevado para estas últimas colheitas do que para as primeiras, que foram obtidas, na origem, em terras ricas e fecundas. Ora, esses bens, tão difíceis de obter, não são menos indispensáveis que os outros, se não se quiser que certa parte da humanidade morra de fome. 

      É, portanto, o custo de uma produção de trigo em terras mais estéreis que determinará o preço do trigo em geral, mesmo se foi obtido com duas ou três vezes menos trabalho. 

      Daí, para as terras fáceis de cultivar, um aumento de beneficio, que permite a seus proprietários arrendá-Ias retirando antecipadamente um importante rendimento. A renda fundiária é o efeito não de uma natureza prolífica, mas de uma terra avara. Ora, essa avareza não cessa de tornar-se cada dia mais sensível: a população, com efeito, se desenvolve; começa-se a lavrar terras cada vez mais pobres; os custos de produção aumentam; aumentam os preços agrícolas e com eles as rendas fundiárias. 

      Sob essa pressão, é bem possível – necessário mesmo – que também o salário nominal dos operários comece a crescer a fim de cobrir as despesas mínimas de subsistência; mas, por essa mesma razão, o salário real não poderá praticamente elevar-se acima do que é indispensável para que o operário se vista, se aloje e se alimente. 

      E, finalmente, o lucro dos empresários baixará na medida mesma em que a renda fundiária aumentar e em que a retribuição operária permanecer fixa. Baixaria mesmo indefinidamente a ponto de desaparecer, se não se caminhasse para um limite; com efeito, a partir de certo momento os lucros industriais serão demasiado baixos para que se faça trabalhar novos operários; na falta de salários suplementares, a mão-de-obra não poderá mais crescer, a população ficará estagnada; não será necessário desbravar novas terras ainda mais infecundas que as precedentes: a renda fundiária atingir seu teto e não exercerá mais sua costumeira pressão sobre os rendimentos industriais, que poderão então se estabilizar. 

      A História enfim se tornará estanque. 

      A finitude do homem será definida – de uma vez por todas, isto é, por um tempo indefinido

      Paradoxalmente, é a historicidade introduzida na economia por Ricardo que permite pensar essa imobilização da História. 

      O pensamento clássico concebia para a economia um futuro sempre aberto e sempre cambiante; mas tratava-se, de fato, de uma modificação de tipo espacial: o quadro que, pensava-se, as riquezas formavam ao se desenvolverem, e ao serem trocadas e ordenadas, podia muito bem ampliar-se permanecia, porém, o mesmo quadro, cada elemento perdendo um pouco de sua superfície relativa mas entrando em relação com novos elementos. 

      Em contrapartida, é o tempo cumulativo da população e da produção, é a história ininterrupta da raridade que, a partir do século XIX, permite pensar o empobrecimento da História, sua inércia progressiva, sua petrificação e, dentro em breve, sua imobilidade rochosa. 

      Vê-se que papel a História e a antropologia desempenham uma em relação à outra. Só há história (trabalho, produção, acumulação e crescimento dos custos reais) na medida em que o homem como ser natural é finito: finitude que se prolonga muito além dos limites primitivos da espécie e das necessidades imediatas do corpo, mas que não cessa de acompanhar, ao menos em surdina, todo o desenvolvimento das civilizações. 

      Quanto mais o homem se instala no cerne do mundo, quanto mais avança na posse da natureza, tanto mais fortemente também é acossado pela finitude, tanto mais se aproxima de sua própria morte. 

      A História não permite ao homem evadir-se de seus limites iniciais – salvo na aparência e se se der ao limite o sentido mais superficial; se se considerar, porém, a finitude fundamental do homem, perceber-se-á que sua situação antropológica não cessa de dramatizar cada vez mais sua História, de torná-Ia mais perigosa e de aproximá-Ia, por assim dizer, de sua própria impossibilidade. 

      No momento em que toca tais confins, a História só pode deter-se, vibrar um instante sobre seu eixo e imobilizar-se para sempre. 

      Mas isso pode produzir-se de dois modos: 

      • seja porque ela alcance progressivamente, e com uma lentidão sempre mais acentuada, um estado de estabilidade que sanciona, no indefinido do tempo, aquilo para o que ela sempre marchou, aquilo que no fundo de si ela jamais cessou de ser desde o começo; 
      • seja porque, ao contrário, ela atinja um ponto de reversão onde só se fixa na medida em que suprime o que continuamente fora até então.

      Na primeira solução (representada pelo “pessimismo” de Ricardo), 

      a História funciona ante as determinações antropológicas como uma espécie de grande mecanismo compensador; 

      • aloja-se, é certo, na finitude humana, mas aí aparece à maneira de uma figura positiva e em relevo; 
      • permite ao homem superar a raridade a que está votado. 

      Como essa carência se torna cada dia mais rigorosa, o trabalho se torna mais intenso; 

      • a produção aumenta em cifras absolutas, 
      • mas, ao mesmo tempo que ela e no mesmo movimento, também os custos de produção – isto é, as quantidades de trabalho necessário para produzir um mesmo objeto. 

      De sorte que deverá inevitavelmente chegar um momento em que o trabalho não é mais sustentado pela mercadoria que ele produz (não custando esta mais que o alimento do operário que a obtém). 

      A produção não pode mais preencher a falta. 

      Então, 

      • a raridade vai limitar-se ela própria (por uma estabilização demográfica) 
      • e o trabalho vai ajustar-se exatamente às necessidades (por uma repartição determinada das riquezas). 

      Doravante, a finitude e a produção vão superpor-se exatamente numa figura única. Todo labor suplementar seria inútil; todo excedente de população pereceria. A vida e a morte serão assim colocadas exatamente uma contra a outra, superfície contra superfície, imobilizadas e como que reforçadas ambas por seu impulso antagonista. 

      A História terá conduzido a finitude do homem até esse ponto-limite em que ela aparecerá enfim em sua pureza; 

      • já não terá margem que lhe permita escapar-se a si mesma, nem esforço a fazer para forjar um porvir, nem novas terras abertas a homens futuros; 
      • sob a grande erosão da História, o homem será pouco a pouco despojado de tudo o que pode escondê-lo a seus próprios olhos; 
      • terá exaurido todas essas possibilidades que confundem um pouco e esquivam sob as promessas do tempo sua nudez antropológica; 
      • por longos caminhos, mas inevitáveis e constringentes, a História terá conduzido o homem até essa verdade que o detém sobre si mesmo. 

      Na segunda solução (representada por Marx), 

      a relação da História com a finitude antropológica é decifrada segundo a direção inversa. 

      A História desempenha então um papel negativo: 

      • é ela, com efeito, que acentua as pressões da necessidade, que faz crescer as carências, coagindo os homens a trabalhar e a produzir sempre mais, sem receberem mais do que o que lhes é indispensável para viver, e algumas vezes um pouco menos. 
      • De sorte que, com o tempo, o produto do trabalho se acumula, escapando sem trégua àqueles que o executam:
        • estes produzem infinitamente mais do que essa parte do valor que lhes cabe sob forma de salário 
        • e dão assim ao capital a possibilidade de novamente comprar trabalho. 

      Assim cresce sem cessar o número daqueles que a História mantém nos limites de suas condições de existência; 

      • e, por isso mesmo, essas condições não cessam de tomar-se mais precárias e de aproximar-se do que tornará a própria existência impossível; 
      • a acumulação do capital, 
      • o crescimento das empresas e de sua capacidade, 
      • a pressão constante sobre os salários, 
      • o excesso da produção 
      • reduzem o mercado de trabalho, diminuindo sua retribuição e aumentando o desemprego. 

      Repelida pela miséria aos confins da morte, toda uma classe de homens faz, como que a nu, a experiência do que sejam a necessidade, a fome e o trabalho. 

      • No que os outros atribuem à natureza ou à ordem espontânea das coisas, 
      • eles sabem reconhecer o resultado de uma história e a alienação de uma finitude que não tem essa forma. 

      É essa verdade da essência humana que eles podem, por essa razão – e que só eles podem – reassumir a fim de a restaurar. O que só poderá ser obtido pela supressão ou, ao menos, pela reversão da História tal como ela se desenrolou até o presente: somente então começará um tempo que não terá mais nem a mesma forma, nem as mesmas leis, nem a mesma forma de transcorrer. 

      Mas, sem dúvida, pouco importa a alternativa entre o “pessimismo” de Ricardo e a promessa revolucionária de Marx. Tal sistema de opções nada mais representa senão duas maneiras possíveis de percorrer as relações entre a antropologia e a História, tais como a economia as instaura através das noções de raridade e de trabalho. 

      Para Ricardo, 

      • a História preenche o vão disposto pela finitude antropológica e manifestado por uma perpétua carência, 
      • até o momento em que seja atingido o ponto de uma estabilização definitiva; 

      segundo a leitura marxista, 

      • a História, espoliando o homem de seu trabalho, faz surgir em relevo a forma positiva de sua finitude – sua verdade material enfim liberada. 

      Certamente, compreende-se sem dificuldade como, ao nível da opinião, as escolhas reais se distribuíram, porque alguns optaram pelo primeiro tipo de análise e outros pelo segundo. 

      Mas trata-se somente de diferenças derivadas que procedem em tudo e por tudo de uma inquirição e de um tratamento doxológicos. 

      No nível profundo do saber ocidental, o marxismo não introduziu nenhum corte real; 

      alojou-se sem dificuldade, como uma figura plena, tranquila, confortável e, reconheça-se, satisfatória por um tempo (o seu), no interior de uma disposição epistemológica que o acolheu favoravelmente (pois foi ela justamente que lhe deu lugar) e que ele não tinha, em troca, nem o propósito de perturbar nem sobretudo o poder de alterar, por pouco que fosse, pois que repousava inteiramente sobre ela. 

      O marxismo está no pensamento do século XIX como peixe n’ água: o que quer dizer que noutra parte qualquer deixa de respirar. 

      Se ele se opõe às teorias “burguesas” da economia e se, nessa oposição, projeta contra elas uma reversão radical da História, esse conflito e esse projeto têm por condição de possibilidade não a retomada de toda a História nas mãos, mas um acontecimento que toda a arqueologia pode situar com precisão e que prescreveu simultaneamente, segundo o mesmo modo, a economia burguesa e a economia revolucionária do século XIX. 

      Seus debates podem agitar algumas ondas e desenhar sulcos na superfície: são tempestades num copo d’ água. O essencial é que, no começo do século XIX, constituiu-se uma disposição do saber em que figuram, a um tempo, 

      • a historicidade da economia (em relação com as formas de produção), 
      • a finitude da existência humana (em relação com a raridade e o trabalho) 
      • e o aprazamento de um fim da História – quer por afrouxamento indevido quer por reversão radical. 

      História, antropologia e suspensão do devir se pertencem segundo uma figura que define para o pensamento do século XIX uma de suas redes maiores. 

      Sabe-se, por exemplo, que papel essa disposição desempenhou para reanimar a boa vontade fatigada dos humanismos; sabe-se de que modo fez renascer as utopias de um acabamento. 

      No pensamento clássico, a utopia funcionava antes como um devaneio de origem: 

      é que o frescor do mundo devia assegurar o desdobramento ideal de um quadro onde cada coisa estaria presente em seu lugar, com suas vizinhanças, suas diferenças próprias, suas equivalências imediatas; 

      nessa luz primeira, as representações não deviam ser ainda destacadas da viva, aguda e sensível presença daquilo que elas representam. 

      No século XIX, a utopia concerne ao crepúsculo do tempo mais que à sua aurora: 

      é que o saber não é mais constituído ao modo do quadro, mas ao da série, do encadeamento e do devir; 

      quando vier, com a noite prometida, a sombra do desenlace, a erosão lenta ou a violência da História fará realçar, em sua imobilidade rochosa, a verdade antropológica do homem; 

      o tempo dos calendários poderá certamente continuar; 

      mas será como que vazio, pois a historicidade se terá superposto exatamente à essência humana. 

      O escoar do devir, com todos os seus recursos de drama, de olvido, de alienação, será captado numa finitude antropológica que aí encontra em troca sua manifestação iluminada. 

      A finitude com sua verdade se dá no tempo; e, desde logo, o tempo é finito. 

      O grande devaneio de um termo da História é a utopia dos pensamentos causais, 

      como o sonho das origens era a utopia dos pensamentos classificadores. 

      Essa disposição foi por longo tempo constringente; e, no fim do século XIX, Nietzsche a fez cintilar uma última vez, incendiando-a. 

      Retomou o fim dos tempos para dele fazer a morte de Deus e a errância do último homem; retomou a finitude antropológica, mas para fazer fulgir o arremesso prodigioso do super-homem; retomou a grande cadeia contínua da História, mas para curvá-Ia no infinito do retorno. 

      A morte de Deus, a iminência do super-homem, a promessa e o terror do grande ano se esforçam em vão por retomar, como que termo a termo, os elementos que se dispõem no pensamento do século XIX e formam sua rede arqueológica, mas não é menos certo que inflamam todas essas formas estáveis, desenham com seus restos calcinados rostos estranhos, impossíveis talvez; 

      e, a uma luz de que não se sabe ainda ao certo 

      • se reaviva o último incêndio 
      • ou se indica a aurora, 

      vê-se abrir o que pode ser o espaço do pensamento contemporâneo. 

      Foi Nietzsche, em todo o caso, que queimou para nós, e antes mesmo que tivéssemos nascido, as promessas mescladas da dialética e da antropologia.

       

      I. As novas empiricidades

      Capítulo VIII - Trabalho, vida e linguagem; tópico I - As novas empiricidades

      Eis que nos adiantamos
      bem para além do acontecimento histórico que se impunha situar
      – bem para além das margens cronológicas
      dessa ruptura que divide, em sua profundidade,
      a epistémê do mundo ocidental
      e isola para nós o começo
      de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades. 

      É que o pensamento que nos é contemporâneo
      e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
      se acha ainda muito dominado 

      pela impossibilidade,
      trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
      de fundar as sínteses no espaço da representação 

      e pela obrigação
      correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
      de abrir o campo transcendental da subjetividade
      e de constituir inversamente,
      para além do objeto,
      esses “quase-transcendentais” que são para nós
      a Vida, o Trabalho, a Linguagem. 

      Para fazer surgir 

      • essa obrigação 
      • e essa impossibilidade 

      na aspereza de sua irrupção histórica, 

      • era preciso deixar a análise correr ao longo de todo o pensamento que encontra sua fonte em semelhante abertura; 
      • era preciso que tal intento reduplicasse apressadamente o destino ou o pendor do pensamento moderno para atingir finalmente seu ponto de declínio: 

      esta claridade de hoje, ainda pálida mas talvez decisiva, que nos permite, se não contornar por inteiro, ao menos dominar fragmentariamente e ter um pouco sob controle aquilo que, desse pensamento formado no limiar da idade moderna, chega ainda até nós, nos investe e serve de solo contínuo ao nosso discurso. 

      Entretanto, a outra metade do acontecimento – a mais importante sem dúvida – pois ela concerne em seu ser mesmo, em seu enraizamento, às positividades sobre as quais se arraigam nossos conhecimentos empíricos – ficou em suspenso; e é ela que é preciso agora analisar. 

      Numa primeira fase 

      – a que cronologicamente se estende de 1775 a 1795 e cuja configuração se pode designar através das obras de Smith, de Jussieu e de Wilkins – os conceitos de trabalho, de organismo e de sistema gramatical foram introduzidos – ou reintroduzidos com um estatuto singular – na análise das representações e no espaço tabular onde esta até então se desenrolava. 

      Sem dúvida, sua função era ainda somente autorizar essa análise, permitir o estabelecimento das identidades e das diferenças, e fornecer o instrumento – como a medida qualitativa – de uma ordenação. 

      Todavia, 

      • nem o trabalho, 
      • nem o sistema gramatical, 
      • nem a organização viva 

      podiam ser definidos ou assegurados pelo simples jogo da representação se decompondo, se analisando, se recompondo e assim representando-se a si mesma numa pura reduplicação; o espaço da análise não podia, pois, deixar de perder sua autonomia. 

      O quadro, doravante, deixando de ser o lugar de todas as ordens possíveis, a matriz de todas as relações, a forma de distribuição de todos os seres em sua individualidade singular, já não constitui para o saber senão uma fina película de superfície; 

      • as vizinhanças que ele manifesta, 
      • as identidades elementares que circunscreve e cuja repetição é por ele mostrada, 
      • as semelhanças que desprende e expõe, 
      • as constâncias que permite percorrer, 

      nada mais são que os efeitos de certas sínteses, ou organizações, ou sistemas 

      que residem muito além de todas as repartições que se podem ordenar a partir do visível. 

      A ordem que se dá ao olhar, com o quadriculado permanente de suas distinções, não é mais que uma cintilação superficial por sobre uma profundeza. 

      O espaço do saber ocidental acha-se agora prestes a balançar: 

      • a taxinomia 

      cuja grande camada universal se estendia em correlação com a possibilidade de uma máthêsis e que constituía o tempo forte do saber – ao mesmo tempo sua possibilidade primeira e o termo de sua perfeição – 

      vai ordenar-se segundo uma verticalidade obscura: 

      esta definirá a lei das semelhanças, prescreverá as vizinhanças e as descontinuidades, fundará as disposições perceptíveis e desviará todos os grandes desdobramentos horizontais da taxinomia para a região um pouco acessória das consequências. 

      Assim, a cultura européia inventa para si uma profundeza em que 

      • a questão não será mais a das identidades, dos caracteres distintivos, das plataformas permanentes com todos os seus caminhos e percursos possíveis, 
      • mas a das grandes forças ocultas desenvolvidas a partir de seu núcleo primitivo e inacessível, 
      • mas a da origem, da causalidade e da história. 

      Doravante, as coisas só virão à representação do fundo dessa espessura recolhida em si, emaranhadas talvez e tornadas mais sombrias por sua obscuridade, porém fortemente enlaçadas a si mesmas, reunidas ou divididas, agrupadas sem recurso pelo vigor que lá, naquele fundo, se oculta. 

      As figuras visíveis, seus liames, os brancos que as isolam e contornam seu perfil

      não mais se oferecerão a nosso olhar
      senão totalmente compostos,
      já articulados
      nessa noite subterrânea que as fomenta com o tempo. 

      Então – e esta é a outra fase do acontecimento – 

      o saber, em sua positividade, muda de natureza e de forma. 

      Seria falso – sobretudo insuficiente – atribuir essa mutação 

      • à descoberta de objetos ainda desconhecidos como o sistema gramatical do sânscrito, 
      • ou a relação, no ser vivo, entre as disposições anatômicas e os planos funcionais, 
      • ou ainda o papel econômico do capital. 

      Nem seria mais exato imaginar que 

      • a gramática geral tornou-se filologia, 
      • a história natural, biologia, 
      • e a análise das riquezas, economia política, 

      porque todos esses modos de conhecimento retificaram seus métodos, se acercaram mais de perto do seu objeto, racionalizaram seus conceitos, escolheram melhores modelos de formalização – em suma, porque se teriam desprendido de sua pré-história por uma espécie de auto-análise da própria razão. 

      O que mudou, na curva do século,
      e sofreu uma alteração irreparável
      foi o próprio saber
      como modo de ser prévio e indiviso
      entre o sujeito que conhece
      e o objeto do conhecimento; 

      • se se começa a estudar o custo da produção, e não mais se utiliza a situação ideal e primitiva da permuta para analisar a formação do valor, é porque, ao nível arqueológico,
        • a produção como figura fundamental no espaço do saber 
        • substituiu-se à troca, 
      • fazendo aparecer,
        • por um lado, novos objetos cognoscíveis (como o capital) 
        • e prescrevendo, por outro, novos conceitos e novos métodos (como a análise das formas de produção). 

      Do mesmo modo, 

      • se se estuda, a partir de Cuvier, a organização interna dos seres vivos, e se, para tanto, se utilizam métodos da anatomia comparada, é porque
        • a Vida, como forma fundamental do saber, fez aparecer novos objetos
          • (como a relação do caráter com a função) 
          • e novos métodos ( como a busca das analogias). 

      Enfim, 

      • se Grimm e Bopp tentam definir as leis da alternância vocálica ou da mutação das consoantes, é porque
        • o Discurso como modo do saber veio a ser substituído pela Linguagem, que define objetos até então inaparentes
          • (famílias de línguas em que os sistemas gramaticais são análogos) 
          • e prescreve métodos que não haviam ainda sido empregados (análise das regras de transformação das consoantes e das vogais). 

      A produção, a vida, a linguagem
      – não se devem buscar aí
      objetos que se tivessem,
      como que por seu próprio peso
      e sob o efeito de uma insistência autônoma,
      imposto do exterior a um conhecimento
      que durante um tempo por demais longo
      os negligenciara;
      também não se devem ver aí
      conceitos construídos pouco a pouco,
      graças a novos métodos,
      através do progresso de ciências
      que marcham em direção
      à sua racionalidade própria. 
      Trata-se de modos fundamentais do saber
      que suportam em sua unidade sem fissura
      a correlação segunda e derivada
      de ciências e de técnicas novas
      com objetos inéditos. 

      A constituição desses modos fundamentais está sem dúvida enterrada longe, na espessura das camadas arqueológicas: é possível, contudo, descortinar alguns dos seus sinais através das obras 

      • de Ricardo para a economia
      • de Cuvier para a biologia
      • de Bopp para a filologia.
      [wpforo]

      espaço para discussão de conceitos

      icone-MFoucault-01
      Michel Foucault 1926-1984

      A percepção da contaminação do pensamento com o qual pensamos, pela impossibilidade de fundar as sínteses na representação

      “Eis que nos adiantamos bem para além
      do acontecimento histórico que se impunha situar
      – bem para além das margens cronológicas
      dessa ruptura que divide, em sua profundidade,
      a epistémê do mundo ocidental
      e isola para nós o começo
      de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades.

      É que o pensamento que nos é contemporâneo
      e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
      se acha ainda muito dominado
      pela impossibilidade,
      trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
      de fundar as sínteses no espaço da representação
      e pela obrigação
      correlativa, simultânea,

      mas logo dividida contra si mesma,
      de abrir o campo transcendental da subjetividade
      e de constituir inversamente,
      para além do objeto,
      esses “quase-transcendentais” que são para nós
      a Vida, o Trabalho, a Linguagem.”

      A nova forma de reflexão se instaura no pensamento em nossa cultura, o motor constituinte “dessa maneira moderna de conhecer empiricidades”

      “Instaura-se um tipo de reflexão
      bastante afastado do cartesianismo
      e da análise kantiana,
      em que está em questão,
      pela primeira vez,
      o ser do homem,
      nessa dimensão segundo a qual
      o pensamento
      se dirige ao impensado
      e com ele se articula.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Cap. VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
      tópico I. As novas empiricidades

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Cap. IX – O homem e seus duplos ;
      tópico V – O “cogito” e o impensado.

      • a impossibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé clássica.
      • essa impossibilidade de fundar as sínteses implica na seleção da visão de ‘operações’ e análise de valor no exato ponto de cruzamento entre o dado e o recebido, e para a primeira possibilidade de análise de valor. 
      • a possibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé moderna.
      • essa possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação implica em uma visão de ‘operações’ e análise de valor antes do ponto de cruzamento acima, o que leva o modelo para a segunda possibilidade de análise de valor.
      • essa forma de reflexão que se instaura no pensamento em nossa cultura exige duas coisas: 
        • o ‘ser do homem’;
        • o impensado e sua contrapartida no espaço da representação

      a percepção  dessa contaminação, dominação mesmo,
      do pensamento com o qual ‘queiramos ou não‘ pensamos,
      – hoje em dia, e aqui e agora –
      por configurações de pensamento
      com a possibilidade, e também
      com impossibilidade
      de fundar as sínteses – da empiricidade objeto – 
      no espaço da representação
      muda completamente os domínios e os lugares onde ocorrem as operações,
       as paletas de ideias ou elementos de imagem, assim como as estruturas e os relacionamentos entre eles.

      A primeira pedra de tropeço
      no caminho de Michel Foucault
      comparações feitas por Foucault de diferentes configurações de pensamento
      Uma operação, de pensamento, de produção, etc. com a paleta de ideias e a estrutura do pensamento moderno, de depois da descontinuidade epistemológica ocorrida no período 1775-1825, segundo Michel Foucault

      Há diferentes modelos
      que formulamos para 
      visões de ocorrências 
      no espaço-tempo x, y, z e t.

      Ao suspeitar
      da contaminação do pensamento
      – do nosso, daquele com o qual queiramos ou não pensamos –
      por essa impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, ele manifesta sua percepção de que de fato isso acontece em volta de nós e conosco.

      Esses modelos,
      diferentes em seus fundamentos,
      são usados juntos
      e/ou simultaneamente
      no mesmo domínio e ambiente 
      em um pensamento
      contaminado
      por duas epistemologias,
      ou por duas maneiras
      de conhecer
      aquilo que dizemos
      que conhecemos.

      Existem modelos,
      todos em uso atualmente,
      que podem ser agrupados
      em duas famílias:

      • aqueles com a possibilidade
      • e aqueles com a impossibilidade 

       de fundar as sínteses
       – da empiricidade objeto da operação-
      no espaço da representação.

      Essa a distinção entre modelos
        com e modelos sem essa possibilidade
      de fundar as sínteses
      [da empiricidade objeto da operação]
      no espaço da representação,
      que Michel Foucault faz sugere que analisemos os modelos de operações e de organizações existentes, isto é, nos modelos que usamos hoje, em busca de características de características, ou características de segunda ordem, pelas quais podem ser associados com o pensamento antes, depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825, oferecendo os necessários elementos para identificação.

      A figura na coluna do meio acima mostra a configuração do pensamento (o clássico,  de antes de 1775), com a impossibilidade de fundar as sínteses (da(s) empiricidade(s) objeto da operação) no espaço da representação.

      Clicando nessa figura, a animação mostrará as alterações em toda a configuração do pensamento, para levantar essa impossibilidade.

      A alteração se passa no lado direito da figura. 

      A primeira coisa que muda é o tipo de reflexão que se instaura. 

      Como decorrência, muda toda a paleta de ideias, ou elementos de imagem; 

      Muda ainda o perfil do pensamento em cada configuração: 

      • o referencial
          • a ordem pela ordem
          • dá lugar à utopia do não articulado;
      • os princípios organizadores
          • que eram Caráter e Similitude
          • passam a ser Analogia e Sucessão;
      • e os métodos,
          • que eram identidade e semelhança
          • passam a ser Análise e Síntese.

      Lista de posts

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      dez (10) pontos para contextualização entre Prefácio e texto do livro
      'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'

      1. A Forma de Reflexão que se instaura em nossa cultura
      2. Proposição: o bloco padrão genérico e fundamental
      para construção de representações
      3. Princípios organizadores do pensamento de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
      4. O Conceito de verbo no pensamento clássico,
      o de antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
      5. O conceito de verbo no pensamento moderno, o de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
      6. As duas sintaxes mencionadas por Foucault no Prefácio
      6.1 A sintaxe que autoriza a construção das frases
      6.2 A sintaxe que autoriza manter juntas
      as palavras e as coisas
      7. O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith,
      de 1776
      8. O princípio dual de trabalho de David Ricardo,
      de 1817
      8.1 A importância de David Ricardo,

      Nosso roteiro (Michel Foucault) e nossa inspiração (Humberto Maturana)

      Fale conosco

      O sistema SIPOC/FEPSC

      O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

      - História, modo de ser fundamental das empiricidades,
      . o Circuito das trocas e o Lugar de nascimento do que é empírico
      . Pensamento conservador e pensamento progressista

      Posição relativa do par sujeito-objeto e o modelo de operações

      Aquém 

      história como sucessão de fatos
      tais como se sucederam

      História como sucessão de fatos tais como se sucederam

      Diante e Além

      história como alterações no ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades

      História como mudança no 'modo de ser fundamental'

      Duas possibilidades de leitura de operações;
      duas origens de valor (interna e externa na linguagem) para representações

      Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
      sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
      sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
      com duas amplitudes - duas abrangências muito diferentes

      Ciência e Tecnologia dependem da Filosofia e são funções das ferramentas de pensamento de que dispõe a configuração do pensamento utilizada em sua geração.

      Os três movimentos do pensamento segundo Vilém Flusser

      Usando o pensamento de Vilém Flusser:

      • Pensamento é um transformador do duvidoso em língua;
      • Filosofia, ou Reflexão, é texto produzido pelo pensamento ao voltar-se contra si mesmo para corrigir-se e renovar-se.
      • ciência, como o resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo, para compreendê-lo, é texto filosófico aplicado. 
      • e tecnologia, como resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo para modificá-lo, é texto científico aplicado; 

      Descontinuidades epistemológicas refletem conquistas humanas no pensamento e são aprimoramentos na maneira que usamos para conhecer.  Há portanto uma relação entre, de um lado, o modo como colocamos em marcha nosso desejo de transformar o duvidoso em língua a cada nível, e de outro lado, a filosofia que temos, e a Ciência que temos, ou a tecnologia de que dispomos. Filosofia, Ciência e Tecnologia são funções do como como vemos o mundo e as coisas.

      Michel Foucault (*) descreve uma descontinuidade epistemológica (uma alteração no modo como nos voltamos para o mundo para conhecer o que dizemos que conhecemos), e aponta com toda clareza diferentes jogos de ferramentas de pensamento ou estruturas conceituais, características de uma e de outra dessas epistemologias, de um e de outro lado desse evento. E aponta um período em nossa cultura ocidental, em que o pensamento esteve dominado por uma característica do período anterior.

      A solução de questões trazidas à luz por essa nova maneira de conhecer (a nova epistemologia) não poderão ser resolvidas se correspondentes ciência e tecnologia não forem desenvolvidas também.

      Pensamento conservador e progressista

      Acompanhando o trabalho arqueológico de Michel Foucault em direção a essa classe especial de saberes, a esse conjunto de discursos chamado de ciências humanas, vê-se que em certo período consolidou-se um tipo de pensamento em cuja configuração a etapa de construção de novas representações foi incorporada. Antes disso, essa etapa de construção da representação nova ficava fora do escopo do pensamento, e depois disso essa etapa permaneceu definitivamente incorporada.

      Para a configuração de pensamento que deixa fora do seu escopo a etapa de construção de novas representações a alternativa é conviver com tudo o que existe desde sempre e para sempre, tomando as coisas como pré-existentes e pertencentes ao Universo. Esse modo de pensar tem características de conservadorismo, enquanto aquela outra configuração do pensamento que inclui em seu escopo a geração de novas representações, as características de progressismo.

      Neste trabalho algumas – bastantes – características de uma e de outra dessas duas características de configurações do pensamento foram apresentadas o que de certa forma pode ser usado para qualificar com algo mais do que a qualidade ‘conservador’ um pensamento de direita; e com a qualidade ‘progressista’ um pensamento de esquerda, delineando com mais precisão uma e outra dessas configurações.

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

      Panorama visto desde meu posto de observação

      É real hoje, aqui, agora, e entre nós, a percepção – feita por Foucault – do domínio/contaminação do pensamento – ‘com o qual queiramos ou não pensamos‘ – pela impossibilidade de fundar as sínteses (do pensamento sobre a empiricidade objeto da operação) no espaço da representação(*).

      Esse tipo de pensamento dominante, aquele com a impossibilidade de fundar as sínteses, é ao mesmo tempo o tipo de pensamento que não inclui a operação de construção de novas representações. E a estrutura das operações sem essa etapa reforça essa impossibilidade. Nesse contexto modelos com e modelos sem essa impossibilidade são tratados como se variações sobre o mesmo tema fossem, e não produções do pensamento completamente diferentes.

      Estamos projetando e usando hoje, modelos para operações e organizações, de produção e outras, com o pensamento de exatos dois séculos atrás.

      Para que isso possa ser percebido pelo projetista de modelos em diversas áreas é necessário o rompimento das condições em que se dá essa contaminação e esse domínio de uma das configurações de pensamento sobre a outra, obliterando justamente aquela que corresponde a uma conquista humana no pensamento. Para que isso aconteça é necessário que seja atendido um requisito: a construção de um critério para identificação e comparação de modelos, e sua aplicação no caso presente.

      Daqui de onde vejo as coisas, é unânime a visão das coisas em termos de processo. Ninguém fala de nada além de processos: mapeia-se processos, otimiza-se processos, etc. etc. o que quer que seja, mas sempre processos. Sem que nos demos conta de como sejam as diferentes estruturas das operações em que tais ‘processos’ ocupam posição operacional. 

      Michel Foucault pode fornecer os elementos necessários para a construção desse critério. Nossa intenção aqui é destacar em Foucault o que pode ser usado para o estabelecimento de uma relação pensamento – e sua aplicação na modelagem de operações em organizações. 

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

      Cronologia do evento fundador da nossa modernidade no pensamento;
      linha de tempo com os períodos de contaminação do pensamento
      por configurações diferentes.

      uma cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
      o evento fundador da nossa modernidade no pensamento
      Linha de tempo das conquistas humanas no pensamento e respectiva utilização prática

      Acoplamentos estruturais do sistema descrito no LD - o Explicar com Reformular: os internos e aqueles com o ambiente externo

      Diante e para Além do objeto

      Acoplamento estrutural interno:
      condições de possibilidade
      Acoplamento estrutural interno:
      pontos de acoplamento
      Acoplamento estrutural externo:
      parcial quando há diferenças nas estruturas
      • os domínios do Operar – retângulo vermelho; e do Suporte ao operar – domínio amarelo, que compõem o ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ parte do ‘Explicar com ‘Reformular’ a empiricidade objeto, durante o caminho da Construção da representação, são exemplo do primeiro acoplamento interno. Acoplamento semelhante ocorre durante o caminho do Instanciamento da representação.(*)

         

      • há ainda acoplamentos externos ‘por cima’, lateralmente, e por baixo da estrutura no LD da figura nos dois caminhos o da Construção e o do Instanciamento. O acoplamento externo ‘por cima’ depende da estrutura com a qual se dará acopamento, e pode ser parcial.

      Playground para projetistas de modelos: uma coleção de modelos de diversos tipos, para aplicação dos conceitos apresentados

      Uma coleção com mais de duas dúzias de modelos, (*) para descobrir com que tipo de pensamento foram feitos:

      • se COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; ou
      • ou se SEM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação

      (*) Proposta de metodologia para o planejamento e implantação de manufatura integrada por computador
      de Bremer, C. F. USP SC fev 1995; entre outras fontes

      Estruturas dos modelos, resultantes da utilização do referencial,dos princípios organizadores e dos métodos usados pelo pensamento, por segmento de modelos 

      Aquém do objeto

      Modelo de operações de Buffa e modelo de uma organização adaptado de Mauro Zilbovicius

      Diante do objeto

      Modelo de operações do Kanban e modelo de organização da Reengenharia

      Além do objeto

      Modelo de uma ciência humana Análise da produção como exemplo de qualquer outro modelo de ciência humana
      Estrutura matricial – Quadro de categorias clássico. Utilização de várias ordens ligeiramente diferentes em um mesmo modelo de operações.
      Estrutura hierárquica característica do objeto análogo composto substitutivo ao vislumbrado. Utilização de uma única ordem ao longo do modelo.
      Mesmas características dos modelos para o segmento Diante do objeto, mas aqui, com um modelo constituinte combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.

      O modelo 5W2H, de um lado, e de outro, o modelo de operações do Kanban
      e o modelo proposto no LD da Figura 2: usos diferentes para as mesmas ideias
      ou elementos de imagem envolvidos na formulação da proposição

      Aquém do objeto

      Diante e Além do objeto

      Modelo Provision Workbench, da Proforma
      Modelo de operações de produção do Kanban
      Modelo proposto para 'uma certa maneira de conhecer empiricidades'

      O exame dessas três figuras mostra que ideias, elementos de imagem, homônimos, podem ser usados de modo diferente em modelos feitos sob estruturas conceituais diferentes.

      No modelo 5W e 2H no lado esquerdo acima, o destaque dado pelo losango em vermelho é nosso. Não estava na figura original. A figura é organizada por um sistema de categorias composto pelas 7 perguntas 5W2H. 

      O modelo da produção do Kanban é sim-discriminativo com relação ao elemento componente do objeto da operação de produção, e é formulado como uma proposição instanciativa de um objeto previamente projetado, e portanto cuja representação foi anteriormente construída

      O modelo de operações de construção de representação para empiricidade objeto (LD da figura) é feito calcado no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo; está evidenciada a formulação no formato de uma proposição. A origem de valor adotada está nas designações primitivas ( conjunto de operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites) e da linguagem de uso (o Repositório)

      O pensamento de outros grandes pensadores:
      John Dewey e seus dois modos de ver o mundo;
      Ilya Prigogine e o conceito de caos para a ciência moderna

      Diante do objeto

      Ver [homem e experiência] e [natureza] vistos juntos
      Os conceitos de caos, na ciência moderna;
      e de Arte como a formulação com leis e eventos

      As duas animações acima – a nosso ver – apenas mostram que tanto John Dewey na sua visão [homem] [experiência] e [natureza] juntos; quanto Ilya Prigogine  na sua visão do que seja caos na ciência moderna, estão pensando com uma configuração de pensamento COM a possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, o que não era comum para a ciência clássica, toda reversível.

      Sistema Formulador

      Aquém do objeto

      Modelo relacional de dados do Microsoft Project 4.0

      Diante do objeto

      Módulo central do Sistema Formulador

      O Sistema Formulador:

      É um ante-projeto de um sistema para gestão de projetos com estrutura conceitual consistente com o pensamento moderno. 
      O módulo principal do sistema é uma unidade lógica que relaciona entidades envolvidas na proposição enunciadora de operações, mantidas em banco de dados, e gera sistematicamente o modelo de operações. O Microsoft Project, então, importa o modelo gerado como se fosse próprio, e a gestão continua, agora com um modelo gramaticalmente correto e criteriosamente estruturado.

      Este é um ante-projeto de um sistema de gestão COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; esse sistema pode evoluir para um sistema visual de gestão e outros aplicativos.

      Destaque para dois modelos existentes:
      1) LE, o SIPOC (FEPSC) do SixSigma; 2) LD e o Visão da PHD, da PHD Brasil
      e no centro, as diferenças entre eles

      Aquém do objeto

      O diagrama FEPSC (SIPOC) mostrando a estrutura

      diferenças

      Comparação

      Diante do objeto

      A Visão da PHD

      Comparação do modelo SIPOC ou FEPSC – SixSigma(*) com o modelo Visão da PHD(**) do ponto de vista das estruturas respectivas.
      A animação central mostra o que falta – estruturalmente – ao SixSigma para ter a estrutura do modelo da direita.

      (*) Gestão integrada de processos e da tecnologia da informação; capítulo Identificação, análise e melhoria de processos críticos Figura 3.1 Representação da FEPSC, de Roberto Gilioli Rotondaro
      Coordenadores: Fernando José Barbin Laurindo e Roberto Gilioli Rotondaro, Editora Atlas, jan/2006
      (**) A Visão da PHD, da empresa PHD Brasil

      O mapa de operações de produção do Kanban;
      e o mapa da organização segundo a Reengenharia

      Diante do objeto

      Modelo de operações
      do Kanban

      Modelo de operações do Kanban

      Mapa da organização
      segundo a Reengenharia

      Mapa da Reengenharia (modificado) e comentado

      Temos à esquerda, o modelo do Kanban com a referência (*) abaixo. e á direita, a Figura 7.1 do livro Reengenharia, referência (**) abaixo. São organizados sobre a proposição, e pertencem à configuração do pensamento moderno.  Você pode certificar-se  da veracidade dessas duas afirmativas neste ponto (17).

      (*) Artigo ‘A comparison of Kanban and MRP concepts for the control of Repetitive Manufacturing Systems’ de:
      James W. Rice da Western Kentucky University e Takeo Yoshikawa da Yolohama National University
      (**) Reengenharia – revolucionando a empresa: em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência 
      de Michael Hammer e James Champy

      Exemplos de modelos existentes, e muito usados,
      nas diferentes estruturas conceituais

      Aquém do objeto

      Diante do objeto

      Modelos de: operação de produção; e organização típica
      Modelos de: operação contábil/financeira e modelo de organização
      Modelos de: operação de produção do Kanban; e modelo de organização da Reengenharia

      Exemplos de modelos muito conhecidos para operações e para as organizações

      • operação: Operações de produção, de Elwood S. Buffa;
      • organização: adaptação de Organização típica.
      • operação: operação contábil financeira débito e crédito;
      • organização: Ativo, Passivo e Resultados.
      • operação: modelo do Kanban;
      • organização: mapa da reengenharia.

      A proposição como o bloco construtivo padrão  (Lego)
      fundamental para a construção de representações

      Aquém do objeto

      Proposição ausente
      do sistema Input-Output

      Diante do objeto

      A proposição no caminho
      da Construção da representação

      Além do objeto

      A proposição no caminho
      do Instanciamento da Representação

      ‘A proposição é, para a linguagem,
      o que a representação é para o pensamento:
      sua forma ao mesmo tempo mais geral e mais elementar porquanto, desde que a decomponhamos, não encontraremos mais o discurso, mas seus elementos como tantos materiais dispersos.’(*)

      “A língua é
      a mais complexa,
      a mais milagrosa,
      a mais estranha,
      a mais gigantesca e variada
      invenção humana.” (**)

      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

       


      (**) Frases de Millor Fernandes

      Os dois conceitos para o que seja um verbo:
      verbo Processo, e verbo Forma de produção

      Aquém do objeto
      verbo ‘Processo

      Verbo tratado como Processo

      Diante e Além do objeto
      verbo ‘Forma de produção’

      Verbo tratado como Forma de produção

      “A única coisa que o verbo afirma
      é a coexistência de duas representações; 
      por exemplo
      a do verde e da árvore,
      a do homem e da existência ou da morte. 

      É por isso que o tempo dos verbos
      não indica aquele em que
      as coisas aconteceram no absoluto, 
      mas um sistema relativo  
      de anterioridade
      ou simultaneidade 
      das coisas entre si.”
      (*)

      “O limiar da linguagem
      está onde surge o verbo.
      É preciso portanto 
      tratar esse verbo como um ser misto, 
      ao mesmo tempo palavra entre palavras,
      preso às mesmas regras 
      de regência
      e de concordância;
      e depois, em recuo em relação a elas todas, 
      numa região que não é aquela do falado 
      mas aquela donde se fala.
      Ele está na orla do discurso, na juntura entre 
      aquilo que é dito e aquilo que se diz; 
      exatamente lá onde os signos 
      estão em via de se tornar linguagem.
      (*)

      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

      Os dois conceitos para o que seja 'Classificar'

      Aquém do objeto

      Classificar como uma referência
      do visível a si mesmo

      Diante e Além do objeto

      Classificar como uma referência
      do visível ao invisível

      Classificar é referir
      o visível a si mesmo,
      encarregando um dos elementos
      de representar os outros.(*)

      Classificar é referir
      o visível ao invisível
      – como a sua razão profunda –
      e depois, alçar de novo dessa secreta arquitetura, em direção aos seus sinais manifestos, que são dados
      à superfície dos corpos.
      (*)


      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      cap. VII – Os limites da representação;
      tópico III. A organização dos seres; sub-item 3

      Os dois princípios filosóficos para o que seja de trabalho

      Aquém do objeto
      Adam Smith, de 1776(*)

      Princípio monolítico de trabalho
      de Adam Smith, de 1776

      Diante e Além do objeto
      David Ricardo, de 1817(**)

      Princípio dual de trabalho
      de David Ricardo, de 1817


      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas; 
      (*) Capítulo VII – Os limites da representação;
      tópico II. A medida do trabalho;


      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      (**) Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem;
      tópico II. Ricardo

      Elementos centrais em cada formulação por segmento do espectro

      Aquém do objeto
      PROCESSO

      Diante do objeto
      Forma de produção

      Além do objeto
      NEXO DA PRODUÇÃO

      Processo: elemento central
      no modelo de operação clássico
      Forma de produção: elemento central
      no modelo de operações moderno
      Nexo da produção: resultante da visão
      SSS da organização

      Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais qualquer providência, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

      Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento (laboratório piloto, fábrica) com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar; tópico II. Gramática geral
      Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; I. As novas empiricidades

      Espaços Gerais do Saber
      em cada segmento do espectro

      Aquém do objeto

      Diante do objeto

      Além do objeto

      Espaço Geral do Saber Clássico
      Espaço Geral do Saber no pensamento Moderno
      Espaço interior do Triedro do Saber

      As mudanças nas configurações do pensamento promoveram reposicionamentos das positividades umas em relação às outras, resultando em três espaços gerais do saber.(*)

      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo III – Representar; tópico VI. Mathésis e Taxinomia;
      Capítulo X – As ciências humanas; tópico I – O triedro dos saberes; 
      de Michel Foucault

      O tempo em cada uma das faixas do espectro;
      e para as diferentes etapas das operações indicadas

      Aquém
      do objeto
      qualquer operação

      Diante 
      do objeto
      caminho da Construção 

      Diante 
      do objeto
      caminho da Instanciamento

      Tempo no LE, em qualquer operação no sistema Input-Output, sob o deus Chronos
      Tempo LD, operação no caminho da Construção da representação,
      sob o deus Kairós
      Tempo LD, operação no caminho do Instanciamento da representação,
      novamente sob o deus Chronos

      Tempo, em cada um dos segmentos do espectro, muda:

      • aquém do objeto, na estrutura input-output sob o pensamento clássico, temos um tempo relativo, ou um tempo calendário, cujo deus é Chronos;
      • diante do objeto mas no caminho da Construção da representação, sob o pensamento filosófico moderno, temos um tempo absoluto, um tempo não-calendário, cujo deus é Kairós;
      • e ainda diante, e também além do objeto, tempos um tempo que volta a ser relativo, calendário, e a soberania volta a ser a de Chronos.

      O espaço dado ao homem - 'naquilo que ele tem de empírico' -
      na estrutura dos modelos

      Aquém do objeto

      Diante e Além do objeto

      Sistema clássico de pensamento:
      sem espaço em sua estrutura
      para os dois papéis do homem.
      Os dois papéis do homem
      presentes e operativos na estrutura
      d'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'

      Antes do fim do século XVIII,
      o homem não existia. (…)
      Sem dúvida,
      as ciências naturais trataram do homem
      como de uma espécie ou de um gênero.”

      As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico II. O lugar do rei

      ‘Na medida, porém, em que as coisas giram sobre si mesmas, reclamando para seu devir não mais que o princípio de sua inteligibilidade e abandonando o espaço da representação, o homem, por seu turno, entra e pela primeira vez,
      no campo do saber ocidental’ (*)

      “O modo de ser do homem, tal como se constituiu no pensamento moderno, permite-lhe desempenhar dois papéis: está, ao mesmo tempo, 

      • no fundamento de todas as positividades,
      • presente, de uma forma
        que não se pode sequer dizer privilegiada,
        no elemento das coisas empíricas.” (**)

       (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas; 
      Prefácio

      (**) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;  
      Capítulo X – As ciências humanas;
      I. O triedro dos saberes

      Desenvolvimento das operações
      por segmento do espectro de modelos

      Aquém do objeto

      Diante do objeto

      Além do objeto

      • no sistema Input-Output; usando uma ordem arbitrariamente escolhida;
      • e com propriedades não-originais e não-constitutivas das coisas, as chamadas ‘aparências’;
      • No sistema correspondente ao que Foucault chama de ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’, que tem como elemento construtivo padrão fundamental a proposição, da qual herda as categorias de ideias ou elementos de imagem de primeiro nível;
      • e com propriedades sim-originais e sim-constitutivas daquilo que se constitui na existência em decorrência das operações.
      • No sistema formulado no campo das ciências humanas, com modelos constituintes compostos por uma combinação dos modelos constituintes das ciências que integram a região epistemológica fundamental, as ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.
      • Nexo da operação.

      Veja mais detalhes nas animações que podem ser encontradas nas páginas de detalhe deste tópico.

      Funcionamento do pensamento
      em cada um dos segmentos desse espectro

      Antes do objeto

      Diante do objeto

      Além do objeto

      Operação no sistema Input-Output
      sobre representações pré-existentes
      Operação de construção de representação não existente no repositório
      Operação de instanciamento de representação pré-existente no repositório

      Paletas com o conjunto completo de ideias ou elementos de imagem necessários para a formulação das respectivas imagens das ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t ; incluindo relacionamentos entre esses elementos de imagem.(*)

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
      tópico I. As novas empiricidades, de Michel Foucault

      Estruturas de conceitos em cada ambiente de formulação identificado pela possibilidade ou pela impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação

      Posição em relação ao par sujeito-objeto

      Estrutura conceitual
      para o pensamento clássico
      Estrutura conceitual
      para o pensamento moderno

      Referencial:

      • Ordem pela ordem;

      Princípios organizadores: 

      • Caráter e similitude;

      Métodos:

      • Identidade e semelhança

      Referencial:

      • Utopia;

      Princípios organizadores: 

      • Analogia e Sucessão;

      Métodos:

      • Análise e Síntese

      ‘Assim, estes três pares,
      função-norma,
      conflito-regra,
      significação-sistema,

      cobrem, por completo,
      o domínio inteiro
      do conhecimento do homem.'(*)

      São essas as ferramentas de que se arma o pensamento – em cada segmento do espectro de modelos, para produzir as imagens que servem de mapas, para orientação na construção das representações.

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

      Imaginação e Conceituação - funções humanas reversíveis:
      Imagens tradicionais e Técnicas

      Imagens tradicionais

      Imagens técnicas

      Classes de abstrações

      As imagens tradicionais
      Imagens técnicas, as imagens produzidas por aparelhos (computadores)
      Classes de abstrações
      • Imaginação e Conceituação, funções humanas reversíveis que todos temos para codificar e decodificar imagens tradicionais e textos;
        • idolatria é o uso continuado de imagens que, quando decodificadas, não mais nos levam à visão da ocorrência no espaço-tempo x, y, z e t, isto é, imagens que não mais nos servem de guias para o mundo, mas de biombos;
        • textolatria é o uso continuado de textos que, quando decodificados, não mais nos levam às imagens que fizemos para as ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t
      • e as Imagens técnicas, especiais, aquelas imagens produzidas por aparelhos (computadores em destaque); as Imagens técnicas exigem, para seu entendimento, uma Conceituação especial.(*)

      (*) Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia;
      Capítulos I – A imagem; e II – A imagem técnica,
      de Vilém Flusser 

      Modelos constituintes de modelos
      em cada uma das faixas desse espectro

      Posição relativa modelo de operações - sujeito-objeto

      Aquém

      não há modelos constituintes nesse segmento do espectro, já que, pelos pressupostos adotados (Universo, realidade única) nada é constituído na existência em decorrência das operações feitas

      Diante

      modelo constituinte composto pelo par constituinte correspondente ao campo em que o modelo é formulado, tomados isoladamente em cada área: 

      • Vida (Biologia) –
        [função-norma]; 
      • Trabalho (Economia) –
        [conflito-regra]; 
      • Linguagem (Filologia)- [significação-sistema]

      para Além

      campo das Ciências Humanas com modelos constituintes formados por uma combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, tomados todos em conjunto em cada modelo, dada ênfase a uma das áreas das ciências da região epistemológica fundamental

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

       

      O espectro de modelos, segundo essa possibilidade de sim-fundar, ou não-fundar, as sínteses no espaço da representação: Aquém, Diante e para Além do objeto - os segmentos do espectro de modelos de visões de ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t

      O modo como Foucault descreve o problema que encontrou em seu trabalho pode ser mapeado em um espectro de modelos agrupados segundo os dois fatores por ele percebidos:  fator 1, com duas regiões quanto à fundação das sínteses na representação e com três regiões quanto à posição relativa ao objeto e ao sujeito: 
      Aquém, Diante e para Além do objeto. 

      Fundação das sínteses no espaço da representação

      Impossibilidade

      Possibilidade

      Aquém

      do objeto
      (e do sujeito)

      Diante

      do objeto
      (e do sujeito)

      para Além

      do objeto
      (e do sujeito)

      Fator 1 – o domínio/contaminação do pensamento com o uso simultâneo de configurações de pensamento 

      • com a  impossibilidade 
      • e também com a possibilidade,

      de fundar as sínteses da representação da empiricidade objeto, no espaço da representação’; com duas regiões em um espectro de modelos:

      Fator 2 – dar conta da obrigação correlativa (…) de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os “quase-transcendentais”

      com as seguintes regiões no espectro de modelos:

       1. região do espectro: ‘Aquém do objeto’ (na impossibilidade);

       2. região do espectro: ‘Diante do objeto’ (na possibilidade)

        • da Vida, (Biologia) par constituinte função-norma
        • do Trabalho, (Economia) par conflito-regra
        • e da Linguagem. (Filologia) par significação-sistema

       3. região do espectro: ‘para Além do objeto’, (na possibilidade) e no campo das ciências humanas, no espaço interior do triedro dos saberes.

      outra região no espectro de modelos, com modelo constituinte único composto dos três pares constituintes das três regiões epistemológicas fundamentais

      - A pedra de tropeço no caminho de Michel Foucault e
      - Os caminhos (e alterações de rota) de Maturana

      Michel Foucault
      1926-1984

      “É que o pensamento que nos é contemporâneo e com o qual, queiramos ou não, pensamos, se acha ainda muito dominado 

      • pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII, de fundar as sínteses [da empiricidade objeto do pensamento] no espaço da representação;
      • e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
        de abrir o 
        campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, para além do objeto, esses “quase-transcendentais” que são para nós a Vida, o Trabalho, e a Linguagem.”  (*)
      Humberto Maturana
      1928-

      “Substituir 

      • a noção de input-output 
      • pela de acoplamento estrutural 

      foi um passo importante na boa direção por evitar a armadilha da linguagem clássica de fazer do organismo um sistema de processamento de informação.
      (…) Contudo é uma formulação fraca por não propor uma alternativa construtiva e deixar a interação na bruma de uma simples perturbação. (…) Frequentemente se tem feito a crítica de que a autopoiese leva a uma posição solipsista. (**)

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico: I. As novas empiricidades
      (**) De máquinas e de seres vivos: autopoiese – a organização do vivo; Prefácio à segunda edição; tópico Além da autopoiese; sub-tópico: Enacção e cognição, de Francisco José Garcia Varela

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      Modelo descritivo da produção clássico

      Paleta de ideias ou elementos de imagem
      presentes na configuração de pensamento clássico