VI. Monstros e fósseis

Capítulo V - Classificar; tópico VI. Monstros e fósseis

Objetar-se-á que houve, muito antes de Lamarck, todo um pensamento de tipo evolucionista. Que sua importância foi grande nos meados do século XVIII e até sua suspensão pelo golpe desferido por Cuvier. Que Bonnet, Maupertuis, Diderot, Robinet, Benoit de Maillet articularam muito claramente a ideia de que

  • as formas vivas podem passar umas às outras,
  • que as espécies atuais são sem dúvida o resultado de transformações antigas
  • e que todo o mundo vivo se dirige talvez para um ponto futuro, de sorte que não se poderia assegurar, a propósito de qualquer forma viva, que está definitivamente adquirida e estabilizada para sempre.

Na realidade, tais análises são incompatíveis com o que hoje entendemos por pensamento da evolução.

Com efeito, elas têm como propósito o quadro das identidades e das diferenças na série dos acontecimentos sucessivos. E, para pensar a unidade desse quadro e dessa série, só têm à sua disposição dois meios.

  • Um consiste em integrar na continuidade dos seres e na sua distribuição em quadro a série das sucessões.

Todos os seres que a taxinomia dispôs numa simultaneidade ininterrupta são então submetidos ao tempo. Não no sentido de que a série temporal faria nascer uma multiplicidade de espécies, que um olhar horizontal poderia em seguida dispor segundo um quadriculado classificador, mas no sentido de que todos os pontos da taxinomia são afetados por um índice temporal, de sorte que a “evolução” não é outra coisa senão o deslocamento solidário e geral da escala, desde o primeiro até o último de seus elementos. Esse sistema é o de Charles Bonnet. Ele implica, antes do mais, que a cadeia dos seres, dirigida por uma série inumerável de anéis para a perfeição absoluta de Deus, não a alcance atualmente(49); que a distância seja infinita entre Deus e a menos defeituosa das criaturas; e que, nessa distância talvez intransponível, toda a trama ininterrupta dos seres não cesse de avançar em direção a uma maior perfeição. Implica também que essa “evolução” mantenha intacta a relação que existe entre as diferentes espécies; se uma, em se aperfeiçoando, atinge o grau de complexidade que antes dela já possuía a do grau imediatamente superior, esta nem por isso é alcançada, pois, impelida pelo mesmo movimento, ela não pôde deixar de se aperfeiçoar numa proporção equivalente:

“Haverá um progresso contínuo e mais ou menos lento de todas as espécies em direção a uma perfeição superior, de sorte que todos os graus da escala serão continuamente variáveis numa relação determinada e constante… O homem, transportado para uma estância mais condizente com a eminência de suas faculdades, deixará ao macaco e ao elefante esse primeiro lugar que ocupava entre os animais de nosso planeta… Haverá Newtons entre os macacos e Vaubans entre os castores. As ostras e os pólipos serão, em relação às mais elevadas espécies, o que são os pássaros e os quadrúpedes em relação ao homem.”(50)

Esse “evolucionismo” não é uma forma de conceber o aparecimento dos seres uns a partir dos outros; é, na realidade, uma forma de generalizar o princípio de continuidade e a lei segundo a qual os seres formam uma superfície sem interrupção. Acrescenta, num estilo leibniziano(51), o contínuo do tempo ao contínuo do espaço e, à infinita multiplicidade dos seres, o infinito de seu aperfeiçoamento. Não se trata de uma hierarquização progressiva, mas do surto constante e global de uma hierarquia totalmente instaurada. O que supõe, finalmente, que o tempo, longe de ser um princípio da taxinomia, não seja mais que um de seus fatores. E que seja preestabelecido como todos os outros valores assumidos por todas as outras variáveis.

É necessário, pois, que Bonnet seja pré-formacionista e isso, muito longe do que entendemos, desde o século XIX, por “evolucionismo”; ele é obrigado a supor que as metamorfoses ou as catástrofes do globo foram dispostas de antemão como ocasiões para que a cadeia infinita dos seres se encaminhe no sentido de um infinito melhoramento:

“Essas evoluções foram previstas e inscritas nos germens dos animais desde o primeiro dia da criação. Pois essas evoluções estão ligadas a revoluções em todo o sistema solar, dispostas por Deus de antemão.” O mundo inteiro foi larva; ei-lo crisálida; um dia, sem dúvida, tomar-se-á borboleta(52) E todas as espécies serão arrastadas do mesmo modo por essa grande mutação.

Vê-se que semelhante sistema não é um evolucionismo que começasse a abalar o velho dogma da fixidez; é uma taxinomia que envolve, ademais, o tempo. Uma classificação generalizada.

  • A outra forma de “evolucionismo” consiste em conferir ao tempo um papel totalmente oposto.

Ele não serve mais para deslocar, sobre a linha finita ou infinita do aperfeiçoamento, o conjunto do quadro classificador, mas para fazer aparecer, umas após as outras, todas as porções que, juntas, formarão a rede contínua das espécies. Ele faz com que as variáveis do ser vivo assumam sucessivamente todos os valores possíveis: ele é a instância de uma caracterização que se efetua pouco a pouco e como que elementos após elementos.

As semelhanças ou as identidades parciais que sustentam a possibilidade de uma taxinomia seriam então as marcas patenteadas no presente de um único e mesmo ser vivo, persistindo através das metamorfoses da natureza e preenchendo assim todas as possibilidades que o quadro taxinômico oferece no vazio.

Se as aves, observa Benoit de Maillet, têm asas como os peixes têm barbatanas, é porque, na época do grande refluxo das primeiras águas, elas foram douradas ressequidas ou golfinhos transportados para sempre a uma pátria aérea.

“O sêmen desses peixes, transportado para pântanos, pode ter dado lugar à primeira transmigração da espécie, do mar para a terra. De 100 milhões que pereceram sem ter logrado adaptar-se, bastou que dois o conseguissem para dar origem à espécie.”(53)

Aqui, como em certas formas de evolucionismo, as mudanças nas condições de vida dos seres vivos parecem acarretar o aparecimento de espécies novas. Mas o modo de ação do ar, da água, do clima, da terra sobre os animais não é o de um meio ambiente sobre uma função e sobre os órgãos nos quais ela se realiza; os elementos exteriores só intervêm ocasionalmente para fazer aparecer o caráter: E esse aparecimento, se é cronologicamente condicionado por determinado acontecimento do globo, é tornado a priori possível pelo quadro geral das variáveis que define todas as formas eventuais do ser vivo.

O quase-evolucionismo do século XVIII parece pressagiar

  • tanto a variação espontânea do caráter, tal como se encontrará em Darwin,
  • quanto a ação positiva do meio ambiente, tal como a descreverá Lamarck.

Trata-se, porém, de uma ilusão retrospectiva:

  • com efeito, para essa forma de pensamento, a sequência do tempo jamais pode desenhar mais do que a linha ao longo da qual se sucedem todos os valores possíveis das variáveis preestabelecidas.
  • E, por conseguinte, é preciso definir um princípio de modificação interior ao ser vivo capaz de permitir-lhe, por ocasião de uma peripécia natural, assumir um novo caráter.

Está-se então diante de um novo ponto de escolha:

  • ou supor no ser vivo uma aptidão espontânea para mudar de forma (ou, pelo menos, para adquirir com as gerações um caráter ligeiramente diferente daquele que fora dado originalmente, de modo que pouco a pouco acabará por tornar-se irreconhecível),
  • ou então atribuir-lhe a busca obscura de uma espécie terminal que possuiria os caracteres de todas as que a precederam, num grau porém mais alto de complexidade e de perfeição.
O primeiro sistema é o dos erros ao infinito – tal como se encontra em Maupertuis.

O quadro das espécies que a história natural pode estabelecer teria sido adquirido, peça por peça, pelo equilíbrio, constante na natureza, entre uma memória que garante o continuo (manutenção das espécies no tempo e semelhança de uma com outra) e um pendor para o desvio que assegura, ao mesmo tempo, a história, as diferenças e a dispersão. Maupertuis supõe que as partículas da matéria são dotadas de atividade e de memória. Atraídas umas pelas outras, as menos ativas formam as substâncias minerais; as mais
ativas delineiam o corpo mais complexo dos animais. Essas formas, que são devidas à atração e ao acaso, desaparecem quando não podem subsistir. Aquelas que se mantêm dão nascimento a novos indivíduos, cuja memória conserva os caracteres do casal progenitor. E isso até que um desvio de partículas – um acaso – faça nascer uma nova espécie que, por sua vez, é mantida pela força obstinada da lembrança:
 
“A força de digressões repetidas, teria surgido a diversidade infinita dos animais.”(54)
 
Assim, cada vez mais os seres vivos adquirem, por variações sucessivas, todos os caracteres que lhes reconhecemos e, se os olharmos na dimensão do tempo, a superfície coerente e sólida que constituem não é mais que o resultado fragmentário de um continuo muito mais cerrado, muito mais fino: um contínuo que foi tecido com um número incalculável de pequenas diferenças esquecidas ou abortadas.
 
As espécies visíveis que se oferecem à nossa análise foram talhadas sobre o fundo incessante de monstruosidades que aparecem, cintilam, caem em ruína e por vezes se mantêm.
 
E aí está o ponto fundamental: a natureza só tem uma história na medida em que é – suscetível do contínuo.
 
É porque ela assume, um a um, todos os caracteres possíveis (cada valor de todas as variáveis) que se apresenta sob a forma da sucessão.
 
  • Não é diferente o que ocorre com o sistema inverso do protótipo e da espécie terminal.
Nesse caso, temos de supor, com J.-B. Robinet, que a continuidade não é garantida pela memória, mas por um projeto. Projeto de um ser complexo em direção ao qual a natureza se encaminha, partindo de elementos simples que ela compõe e organiza pouco a pouco:
 
“Primeiro, os elementos se combinam. Um pequeno número de princípios simples serve de base para todos os corpos”;
 
são eles que presidem exclusivamente à organização dos minerais; depois,
 
“a magnificência da natureza” não cessa de aumentar “até os seres que vagueiam sobre a superfície do globo”; “a variação dos órgãos em número, em grandeza, em finura, em textura interna, em figura externa ocasiona espécies que se dividem e se subdividem ao infinito mediante novas combinações”55.

E assim por diante, até a combinação mais complexa que conhecemos. De sorte que a continuidade inteira da natureza se aloja
 
  • entre um protótipo absolutamente arcaico, enterrado mais profundamente que toda a história,
  • e a extrema complicação desse modelo, tal como se pode observar, ao menos no globo terrestre, na pessoa do ser humano(56).
Entre esses dois extremos, há todos os graus possíveis de complexidade e de combinação: como uma imensa série de tentativas, das quais algumas persistiram sob a forma de espécies constantes e outras foram dissipadas.
 
Os monstros não são de uma “natureza” distinta da das próprias espécies:
 
“Creiamos que as mais estranhas formas na aparência… pertencem necessária e essencialmente ao plano universal do ser; que são metamorfoses do protótipo tão naturais quanto as outras, embora nos ofereçam fenômenos diferentes e sirvam de passagem às formas vizinhas: que elas preparam e dispõem as combinações que as seguem, assim como são dispostas por aquelas que as precedem; que contribuem para a ordem das coisas, longe de perturbá-la. É talvez somente por abundância de seres que a natureza chega a produzir seres mais regulares e com uma organização mais simétrica.”(57)
 
Em Robinet como em Maupertuis, a sucessão e a história são para a natureza apenas meios de percorrer a trama das variações infinitas de que ela é suscetível. Não é, pois, o tempo nem a duração que, através da diversidade dos meios ambientes, assegura a continuidade e a especificação dos seres vivos, mas sobre o fundo contínuo de todas as variações possíveis, o tempo desenha um percurso em que os climas e a geografia predispõem somente regiões privilegiadas e destinadas a se manterem.
 
  • O contínuo não é o sulco visível de uma história fundamental em que um mesmo princípio vivo se debateria com um meio ambiental variável.
    • Pois o contínuo precede o tempo. É sua condição.
  • E, em relação a ele, a história só pode desempenhar um papel negativo:
    • ela predispõe e faz subsistir
    • ou ela negligencia e deixa desaparecer.
Disso, duas consequências.

  • Primeiro, a necessidade de fazer intervir os monstros – que são como que o ruído de fundo, o murmúrio ininterrupto da natureza.
Se, com efeito é necessário que o tempo, que é limitado, percorra – já tenha talvez percorrido – todo o contínuo da natureza, deve-se admitir que um número considerável de variações possíveis tenham sido atravessadas e depois suprimidas;

  • assim como a catástrofe geológica era necessária para que se pudesse ascender do quadro taxinômico ao contínuo, através de uma experiência confusa, caótica e retalhada,
  • assim também a proliferação de monstros sem amanhã é necessária para que se possa tornar a descer do contínuo ao quadro através de uma série temporal.

Em outros termos,

  • o que num sentido deve ser lido como drama da terra e das águas,
  • deve ser lido, num outro sentido, como aberração aparente das formas.
O monstro garante no tempo e para nosso saber teórico uma continuidade que os dilúvios, os vulcões e os continentes desmoronados confundem no espaço para nossa experiência cotidiana.

  • A outra consequência é que, ao longo de uma tal história, os signos da continuidade são apenas da ordem da semelhança.
Como nenhuma relação do meio ambiente com o organismo(58) define essa história, as formas vivas nela sofrerão todas as metamorfoses possíveis e só deixarão atrás de si, como marca do trajeto percorrido, os indícios das similitudes.

Como se pode reconhecer, por exemplo, que a natureza não cessou de esboçar, a partir do protótipo primitivo, a figura, provisoriamente terminal, do homem? No fato de ter ela abandonado em seu percurso mil formas que dele desenham o modelo rudimentar.

Quantos fósseis não são, em relação à orelha, ao crânio ou às partes sexuais do homem, como que estátuas de gesso moldadas um dia e abandonadas por uma forma mais aperfeiçoada?

“A espécie que se assemelha ao coração humano e que se denomina, por causa disso, Antropocardite… merece uma atenção particular. Sua substância é uma rocha por dentro. A forma de um coração é tão bem imitada quanto possível. Nela se distingue o tronco da veia cava com uma porção de seus dois ramos. Vê-se também sair do ventrículo esquerdo o tronco da grande artéria com sua parte inferior descendente.”(59)

O fóssil, com sua natureza mista de animal e de mineral, é o lugar privilegiado de uma semelhança que o historiador do contínuo exige, ao passo que o espaço da taxinomia a decompunha rigorosamente.

O monstro e o fóssil desempenham ambos um papel muito preciso nessa configuração. A partir do poder do contínuo que a natureza detém,

  • o monstro faz aparecer a diferença: esta é ainda sem lei e sem estrutura bem definida; o monstro é o fulcro da especificação, mas não é mais que uma subespécie na obstinação lenta da história.
  • O fóssil é aquilo que deixa subsistir as semelhanças através de todos os desvios que a natureza percorreu; funciona como uma forma longínqua e aproximativa da identidade; marca um quase-caráter no mover-se do tempo.

É que o monstro e o fóssil nada mais são que a projeção em retrospectiva dessas diferenças e dessas identidades que definem, para a taxinomia, a estrutura e depois o caráter.


Eles formam, entre o quadro e o contínuo, a região sombria, móvel, trêmula, onde

  • o que a análise definirá como identidade não é ainda mais que muda analogia;
  • e o que ela definirá como diferença assinalável e constante não é ainda mais que livre e casual variação.

Mas, na verdade,


  • a história da natureza é tão impossível de ser pensada pela história natural,
  • a disposição epistemológica desenhada pelo quadro e pelo contínuo é tão fundamental,
  • que o devir só pode ter lugar intermediário e medido somente pelas exigências do conjunto.
É por isso que ele só intervém para a passagem necessária de um ao outro.

  • Quer como um conjunto de intempéries estranhas aos seres vivos e que lhes advêm unicamente do exterior.
  • Quer como um movimento incessantemente delineado, mas estancado desde seu esboço, e perceptível somente nas bordas do quadro, nas suas margens descuidadas:
e assim, sobre o fundo do contínuo,

  • o monstro narra, como em caricatura, a gênese das diferenças
  • e o fóssil lembra, na incerteza de suas semelhanças, as primeiras obstinações da identidade.

V. O contínuo e a catástrofe

Capítulo V - Classificar; tópico V. O contínuo e a catástrofe

No coração dessa língua bem-feita em que se tornou a história natural, persiste um problema.

Poderia ocorrer que, no final das contas, a transformação da estrutura em caráter nunca fosse possível e que o nome comum jamais pudesse nascer do nome próprio.

Quem pode garantir que as descrições não vão patentear elementos tão diversos de um indivíduo para outro e de uma espécie para outra, que toda tentativa para fundar um nome comum não seria de antemão arruinada?

Quem pode assegurar que cada estrutura não seja rigorosamente isolada de toda outra e que não funcione como marca individual?

Para que o mais simples caráter possa aparecer, é preciso que ao menos um elemento da estrutura primeiramente considerada se repita em outra.

Pois a ordem geral das diferenças que permite estabelecer a disposição das espécies implica um certo jogo de similitudes.

Esse problema é isomorfo daquele que já se encontrou a propósito da linguagem(36): para que um nome comum fosse possível, era preciso que houvesse entre as coisas esta semelhança imediata que permitisse aos elementos significantes

  • circularem ao longo das representações,
  • deslizarem à sua superfície,
  • prenderem-se às suas similitudes,
para formarem, finalmente, designações coletivas.
 

Mas para desenhar esse espaço retórico onde os nomes pouco a pouco assumiam seu valor geral, não era necessário determinar o estatuto dessa semelhança, nem se ela estava fundada em verdade; bastava que ela emprestasse bastante força à imaginação.

Entretanto, para a história natural, língua bem-feita, essas analogias da imaginação não podem valer como garantias; e é preciso que a história natural encontre o meio de contornar a dúvida radical que a ameaça assim como a qualquer linguagem, dúvida essa que Hume fazia incidir sobre a necessidade da repetição na experiência.

Deve haver continuidade na natureza. Essa exigência de uma natureza contínua não tem inteiramente a mesma forma nos sistemas e nos métodos.

Para os partidários do sistema, a continuidade é feita apenas pela justaposição sem falha das diferentes regiões que os caracteres permitem distinguir com clareza; basta uma gradação ininterrupta dos valores que, no domínio inteiro das espécies, a estrutura escolhida como caráter pode assumir; a partir desse princípio, evidenciar-se-á que todos esses valores serão ocupados por seres reais, mesmo que ainda desconhecidos.

“O sistema indica as plantas, até aquelas que não mencionou; coisa que jamais pode fazer a enumeração de um catálogo.”(37)

E sobre essa continuidade de justaposição, as categorias não serão simplesmente convenções arbitrárias; poderão corresponder (se não forem estabelecidas corretamente) a regiões que existem distintamente sobre essa superfície ininterrupta da natureza; serão regiões mais vastas, mas tão reais quanto os indivíduos.

É assim que o sistema sexual permitiu, segundo Lineu, descobrir gêneros indubitavelmente fundados:

“Saiba que não é o caráter que constituiu o gênero, mas o gênero que constituiu o caráter, que o caráter decorre do gênero, não o gênero do caráter.”(38)

Em contrapartida, nos métodos para os quais as semelhanças, sob sua forma maciça e evidente, são dadas de início, a continuidade da natureza

  • não será este postulado puramente negativo (ausência de espaço branco entre as categorias distintas,
  • mas uma exigência positiva: toda a natureza forma uma grande trama onde os seres se assemelham gradualmente, onde os indivíduos vizinhos são infinitamente semelhantes entre si; de sorte que todo corte que não indique a ínfima diferença do indivíduo, mas categorias mais amplas, é sempre irreal.

Continuidade de fusão em que toda generalidade é nominal. Nossas idéias gerais, diz Buffon, “são relativas a uma escala contínua de objetos, da qual só percebemos nitidamente os núcleos e cujas extremidades fogem e escapam sempre e cada vez mais às nossas considerações… Quanto mais aumentarmos o número de divisões das produções naturais, mais nos aproximaremos da verdade, visto que não existe realmente na natureza senão indivíduos e que os gêneros, as ordens, as classes só existem na nossa imaginação”(39).

E Bonnet dizia, no mesmo sentido, que

“não há saltos na natureza; nela tudo é graduado, matizado. Se, entre dois seres quaisquer, existisse um vazio, qual seria a razão da passagem de um ao outro? Portanto não há ser acima e abaixo do qual não haja outros que se lhe aproximem por alguns caracteres e que dele se afastem por outros”.

Podemos, pois, sempre descobrir “produções medianas”,

  • como o pólipo entre o vegetal e o animal,
  • o esquilo voador entre a ave e o quadrúpede,
  • o macaco entre o quadrúpede e o homem.

Por conseguinte, nossas distribuições em espécies e em classes “são puramente nominais”; elas não representam nada mais que “meios relativos às nossas necessidades e aos limites de nossos conhecimentos”(40).

No século XVIII, a continuidade da natureza é exigida por toda história natural, isto é, por todo esforço para instaurar na natureza uma ordem e nela descobrir categorias gerais, quer sejam elas reais e prescritas por distinções manifestas, quer cômoda e simplesmente demarcadas por nossa imaginação.

Só o contínuo pode garantir que a natureza se repita e que a estrutura, por consequência, possa tornar-se caráter.

Mas essa exigência logo se desdobra. Pois, se fosse dado à experiência, no seu movimento ininterrupto, percorrer exatamente, passo por passo,

  • o contínuo dos indivíduos,
  • das variedades,
  • das espécies,
  • dos gêneros,
  • das classes,
não haveria necessidade de constituir uma ciência; as designações descritivas se generalizariam de pleno direito e a linguagem das coisas, por um movimento espontâneo, se constituiria em discurso científico.
 

As identidades da natureza se ofereceriam como que letra por letra à imaginação e o deslizar espontâneo das palavras para dentro desse espaço retórico reproduziria em linhas cheias a identidade dos seres na sua generalidade crescente.

A história natural tomar-se-ia inútil, ou melhor, já estaria feita pela linguagem cotidiana dos homens; a gramática geral seria ao mesmo tempo a taxinomia universal dos seres.

Mas, se uma história natural perfeitamente distinta da análise das palavras é indispensável, é porque a experiência não nos libera o contínuo da natureza tal como ele é. Oferece-o ao mesmo tempo retalhado –

  • pois que há muitas lacunas na série dos valores efetivamente ocupados pelas variáveis (existem seres possíveis cujo valor se constata mas que jamais se teve ocasião de observar) –
  • e confuso, porque o espaço real, geográfico e terrestre onde nos encontramos nos mostra os seres imbricados uns com os outros numa ordem que, em relação à grande superfície das taxinomias, não passa de acaso, desordem ou perturbação.

Lineu observava que, ao associar nos mesmos lugares

  • o lernea (que é um animal)
  • e a conferva (que é uma alga),
  • ou ainda a esponja e o coral,

a natureza não reúne, como o desejaria a ordem das classificações,

“as mais perfeitas plantas com os animais chamados muito imperfeitos, mas combina os animais imperfeitos com as plantas imperfeitas”(41).

E Adanson constatava que a natureza

“é uma mistura confusa de seres que o acaso parece ter aproximado: aqui, o ouro está mesclado com outro metal, com uma pedra, com uma terra; ali, a violeta cresce ao lado do carvalho. Entre essas plantas vagueiam igualmente o quadrúpede, o réptil e o inseto; os peixes se confundem, por assim dizer, com o elemento aquoso onde nadam e com as plantas que crescem no fundo das águas… Essa mistura é tão geral até e tão multiplicada que parece ser uma das leis da natureza “(42).

Ora, essa imbricação é o resultado de uma série cronológica de acontecimentos. Estes têm seu ponto de origem e seu primeiro lugar de aplicação

  • não nas próprias espécies vivas,
  • mas no espaço onde elas se alojam.

Produzem-se na relação entre a Terra e o Sol, no regime dos climas, nas metamorfoses da crosta terrestre; o que eles atingem primeiramente são os mares e os continentes, é a superfície do globo; os seres vivos só são afetados por contragolpe e de maneira secundária: o calor os atrai ou os repele, os vulcões os destroem; desaparecem com as terras que desmoronam.

É possível, por exemplo, como supunha Buffon(43), que a terra tenha sido incandescente na origem, antes de arrefecer pouco a pouco; os animais, habituados a viver nas mais elevadas temperaturas, reagruparam-se na única região atualmente tórrida, enquanto as terras temperadas ou frias se povoavam de espécies que até então não tinham tido ocasião de aparecer.

Com as revoluções na história da Terra, o espaço taxinômico (onde as vizinhanças são da ordem do Caráter e não do modo de vida) veio a ser repartido num espaço concreto que o transmutava.

Bem mais: ele foi, sem dúvida, despedaçado, e muitas espécies, vizinhas daquelas que conhecemos ou intermediárias entre regiões taxinômicas que nos são familiares, devem ter-se extinguido, só deixando atrás de si vestígios difíceis de decifrar.

Em todo o caso, essa série histórica de acontecimentos se ajunta à superfície dos seres: não lhe pertence propriamente; desenrola-se no espaço real do mundo, não naquele, analítico, das classificações; o que ela põe em questão é o mundo como lugar dos seres e não os seres enquanto têm a propriedade de serem vivos.

Uma historicidade simbolizada pelas narrativas bíblicas afeta diretamente nosso sistema astronômico, indiretamente a rede taxinômica das espécies; e, além da Gênese e do Dilúvio, é bem possível que “nosso globo tenha sofrido outras revoluções que não nos foram reveladas. Ele depende de todo o sistema astronômico, e as ligações que unem este globo aos outros corpos celestes e, em particular, ao Sol e aos cometas podem ter sido a fonte de muitas revoluções, de que para nós não resta nenhum traço sensível e das quais talvez os habitantes de mundos vizinhos tenham tido algum conhecimento”(44).

A história natural supõe, pois, para poder existir como ciência, dois conjuntos:

  • um deles é constituído pela rede contínua dos seres; essa continuidade pode tomar diversas formas espaciais; Charles Bonnet concebe-a ora sob a forma de uma grande escala linear cujas extremidades são uma muito simples, outra muito complicada, tendo ao centro uma estreita região mediana, a única a nos ser desvelada, ora sob a forma de um tronco central do qual partiriam, de um lado, um ramo (o das conchas com os caranguejos e os lagostins como ramificações suplementares)
  • e, do outro, a série dos insetos na qual entroncam insetos e rãs(45);

Buffon define essa mesma continuidade “como uma vasta trama ou, antes, um feixe que, de intervalo em intervalo, lança ramos para o lado, a fim de se reunir a feixes de uma outra ordem”(46); Palias pensa numa figura poliédrica(47); J. Hennann queria constituir um modelo de três dimensões, composto de fios que, partindo todos de um ponto comum, se separam uns dos outros, “se expandem por um número muito grande de ramos laterais” e depois se reúnem de novo(48).

Dessas configurações espaciais que descrevem, cada qual à sua maneira, a continuidade taxinômica,

  • se distingue a série dos acontecimentos;
    • esta é descontínua e diferente em cada um de seus episódios, mas seu conjunto só pode desenhar uma linha simples, que é a do tempo (e que não se pode conceber como reta, quebrada ou circular).

Sob sua forma concreta e na espessura que lhe é própria, a natureza se aloja inteira

  • entre a superfície da taxinomia
  • e a linha das revoluções.

Os “quadros” que ela forma sob os olhos dos homens e que o discurso da ciência é encarregado de percorrer são os fragmentos da grande superficie das espécies vivas, de acordo com o que foi repartido, transmutado, imobilizado, entre duas revoluções do tempo.

Vê-se quanto é superficial opor, como duas opiniões diferentes e que se defrontassem em suas opções fundamentais

  • um “fixismo” que se contentasse em classificar os seres da natureza num quadro permanente
  • e uma espécie de “evolucionismo” que acreditasse numa história imemorial da natureza e num profundo impulso dos seres através da sua continuidade.

A solidez sem lacunas de uma rede de espécies e de gêneros e a série dos acontecimentos que a confundiram fazem parte, e num mesmo nível, do suporte epistemológico a partir do qual um saber como a história natural foi possível na idade clássica.

  • Não se trata de duas maneiras de perceber a natureza, radicalmente opostas porque comprometidas com opções filosóficas mais antigas e mais fundamentais que qualquer ciência;
  • trata-se de duas exigências simultâneas na rede arqueológica que define, na idade clássica, o saber da natureza.

Essas duas exigências, porém, são complementares. Portanto, irredutíveis. A série temporal não pode integrar-se na gradação dos seres. As épocas da natureza não prescrevem o tempo interior dos seres e de sua continuidade; elas ditam as intempéries que não cessaram de os dispersar, de os destruir, de os misturar, de os separar, de os entrelaçar.

Não há nem pode haver sequer a suspeita de um evolucionismo ou de um transformismo no pensamento clássico;

  • pois o tempo jamais é concebido como princípio de desenvolvimento para os seres vivos na sua organização interna;
  • só é percebido a título de revolução possível no espaço exterior onde eles vivem.

IV. O caráter

Capítulo V - Classificar; tópico IV. O caráter

A estrutura é essa designação do visível que, por uma espécie de triagem pré-Iínguística, permite a ele transcrever-se na linguagem.

Mas a descrição assim obtida não é mais que um modo de nome próprio:

  • deixa a cada ser sua individualidade estrita
  • e não enuncia
    • nem o quadro a que ele pertence,
    • nem a vizinhança que o cerca,
    • nem o lugar que ocupa.

Ela é pura e simples designação.

E, para que a história natural se torne linguagem, é preciso que a descrição se torne “nome comum”.

Viu-se como, na linguagem espontânea, as primeiras designações que concerniam a representações singulares, após terem assumido sua origem na linguagem de ação e nas raízes primitivas, adquiriram, pouco a pouco, por força da derivação, valores mais gerais.

A história natural, porém, é uma língua bem-feita:

  • não deve aceitar a imposição da derivação e de sua figura;
  • não deve dar crédito a nenhuma etimologia(15).

É preciso que ela reúna em uma única e mesma operação o que a linguagem de todos os dias mantém separado: deve, a um tempo,

  • designar muito precisamente todos os seres naturais
  • e situá-los ao mesmo tempo num sistema de identidades e de diferenças que os aproxima e os distingue dos outros.

A história natural deve assegurar, num só movimento, uma designação certa e uma derivação controlada.

E, como a teoria da estrutura superpunha uma à outra a articulação e a proposição,

do mesmo modo a teoria do caráter deve identificar os valores designativos e o espaço onde ocorre a sua derivação.

“Conhecer as plantas”, diz Tournefort, “é saber precisamente os nomes que se lhes deu em relação à estrutura de algumas de suas partes… A idéia do caráter, que distingue essencialmente as plantas umas das outras, deve ser invariavelmente unida ao nome de cada planta.”(16)

O estabelecimento do caráter é ao mesmo tempo fácil e difícil.

  • Fácil, porque a história natural não tem de estabelecer um sistema de nomes a partir de representações difíceis de analisar, mas sim de fundá-Io sobre uma linguagem que já se desenrolou na descrição. Nomear-se-á não a partir do que se vê mas a partir dos elementos que a estrutura já fez passar para o interior do discurso. Trata-se de construir uma linguagem segunda a partir dessa linguagem primeira, mas certa e universal.
  • Logo, porém, aparece uma dificuldade maior. Para estabelecer as identidades e as diferenças entre todos os seres naturais, seria preciso ter em conta cada traço que pôde ser mencionado numa descrição. Tarefa infinita que recuaria o advento da história natural para um longínquo inacessível, se não existissem técnicas para contornar a dificuldade e limitar o trabalho de comparação.

Pode-se, a priori, constatar que essas técnicas são de dois tipos.

  • Ou se fazem comparações totais, mas no interior de grupos empiricamente constituídos, onde o número de semelhanças é manifestamente tão elevado que a enumeração das diferenças não demorará a perfazer-se e assim, pouco a pouco, o estabelecimento das identidades e das distinções poderá ser assegurado.
  • Ou então se escolhe um conjunto finito e relativamente limitado de traços, dos quais se estudarão, em todos os indivíduos que se apresentarem, as constâncias e as variações.

Este último procedimento é o que se denominou Sistema.

O outro, Método.

Eles se opõem como se opõe Lineu a Buffon, a Adanson, a Antoine-Laurent de Jussieu. Como se opõe uma concepção rígida e clara da natureza à percepção fina e imediata de seus parentescos. Como se opõe a ideia de uma natureza imóvel à de uma continuidade fervilhante dos seres que se comunicam entre si, se confundem e talvez se transformem uns nos outros…

Contudo, o essencial não está nesse conflito das grandes intuições da natureza. Está antes na rede de necessidade que nesse ponto tornou possível e indispensável a escolha entre duas maneiras de constituir a história natural como uma língua. Todo o resto não passa de consequência lógica e inevitável.

O Sistema delimita, entre os elementos que sua descrição justapõe com minúcia, tais ou quais dentre eles. Eles definem a estrutura privilegiada e na verdade exclusiva, a propósito da qual se estudará o conjunto das identidades e das diferenças. Toda diferença que não recair sobre um desses elementos será reputada indiferente. Se, como o faz Lineu, se escolhem por nota característica “todas as partes diferentes da frutificação”(17), uma diferença de folha, ou de caule, ou de raiz, ou de pecíolo deverá ser sistematicamente negligenciada. Do mesmo modo, toda identidade que não for aquela de um desses elementos não terá valor para a definição do caráter.

Em contrapartida, quando, em dois indivíduos, esses elementos são semelhantes, eles recebem uma denominação comum.

A estrutura escolhida para ser o lugar das identidades e das diferenças pertinentes é o que se denomina caráter(7):

Segundo Lineu, o caráter se comporá da “mais cuidadosa descrição da frutificação da primeira espécie. Todas as outras espécies do gênero são comparadas à primeira, banindo-se todas as notas discordantes; enfim, após esse trabalho, o caráter se produz”(18).

O sistema é arbitrário em seu ponto de partida, pois que negligencia, de maneira regulada, toda diferença e toda identidade que não recai sobre a estrutura privilegiada.

Mas nada impede, de direito, que se possa um dia descobrir, através dessa técnica, um sistema que seria natural;

  • a todas as diferenças no caráter corresponderiam as diferenças de mesmo valor na estrutura geral da planta;
  • e, inversamente, todos os indivíduos ou todas as espécies reunidas sob um caráter comum teriam realmente, em cada uma de suas partes, a mesma relação de semelhança.

Mas só se pode aceder ao sistema natural, após se ter estabelecido com certeza um sistema artificial, ao menos em certos domínios do mundo vegetal ou animal.

Eis por que Lineu não busca estabelecer de imediato um sistema natural “antes de ser perfeitamente conhecido tudo o que é pertinente”(19) para seu sistema.

Por certo, o método natural constitui “o primeiro e último desejo dos botânicos” e todos os seus “fragmentos devem ser buscados com o maior cuidado”(20), como fez o próprio Lineu nas suas Classes Plantarum; mas, na falta desse método natural ainda por vir em sua forma certa e acabada “os sistemas artificiais são absolutamente necessários”(21). 

Ademais, o sistema é relativo: pode funcionar com a precisão que se deseje.

  • Se o caráter escolhido é formado de uma estrutura ampla, com um número elevado de variáveis, as diferenças aparecerão muito breve, desde que se passe de um indivíduo a outro, mesmo quando lhe for totalmente vizinho: o caráter está então muito próximo da pura e simples descrição(22).
  • Se, ao contrário, a estrutura privilegiada é estreita e comporta poucas variáveis, as diferenças serão raras e os indivíduos serão agrupados em massas compactas.

Escolher-se-á o caráter em função da finura da classificação que se quer obter.

Para fundar os gêneros, Tournefort escolheu como caráter a combinação entre a flor e o fruto. Não como Césalpin, por serem as partes mais úteis da planta, mas porque permitiam uma combinatória que era numericamente satisfatória: os elementos tomados de empréstimo às três outras partes (raízes, caules e folhas) eram, com efeito, ou demasiado numerosos, se tratados em conjunto, ou demasiado pouco numerosos, se considerados separadamente(23).

Lineu calculou que os 38 órgãos da geração, comportando cada qual as quatro variáveis do número, da figura, da situação e da proposição, autorizavam 5.576 configurações suficientes para definir os gêneros(24).

Se se quer obter grupos mais numerosos que os gêneros, é preciso apelar para caracteres mais restritos (“caracteres factícios convencionados entre os botânicos”) como, por exemplo, só os estames ou só o pistilo: poder-se-ão assim distinguir as classes ou as ordens(25).

Assim, o domínio inteiro do reino vegetal ou animal poderá ser quadriculado. Cada grupo poderá receber um nome. De sorte que uma espécie, sem precisar ser descrita, poderá ser designada com a maior precisão pelos nomes dos diferentes conjuntos nos quais se encaixa. Seu nome completo atravessa toda a rede dos caracteres, que se estabelece até as classes mais elevadas.

Porém, como observa Lineu, esse nome, por comodidade, deve ficar em parte “silencioso” (não se nomeiam a classe e a ordem), mas a outra parte deve ser “sonora”: é preciso nomear o gênero, a espécie e a variedade(26). A planta, assim reconhecida no seu caráter essencial e designada a partir dele, enunciará, ao mesmo tempo que aquilo que a designa com precisão, o parentesco que a liga às que se lhe assemelham e pertencem ao mesmo gênero (portanto, à mesma família e à mesma ordem). Ela terá recebido, a um só tempo, seu nome próprio e toda a série (manifesta ou oculta) dos nomes comuns nos quais se aloja.

“O nome genérico é, por assim dizer, a moeda de bom quilate de nossa república botânica.”(27) A história natural terá cumprido a sua tarefa fundamental que é “a disposição e a denominação”(28).

O Método é uma outra técnica para resolver o mesmo problema. Em vez de recortar na totalidade descrita os elementos – raros ou numerosos – que servirão de caracteres o método consiste em deduzi-Ios progressivamente. Deduzir deve ser aqui tomado no sentido de subtrair.

  • Parte-se – é o que faz Adanson no exame das plantas do Senegal(29) – de uma espécie arbitrariamente escolhida ou dada de início num encontro casual.
  • Faz-se a sua descrição completa, parte por parte e fixando todos os valores que nela tomaram as variáveis.
  • Recomeça-se esse trabalho para a espécie seguinte, dada ela também pelo arbitrário da representação; a descrição deve ser tão completa quanto a primeira, apenas com a diferença de ‘ que nada do que tenha sido mencionado na descrição primeira deve ser repetido na segunda. Só são mencionadas as diferenças.
  • Assim para a terceira em relação às duas outras, e isso indefinidamente.

De sorte que, no fim das contas, todos os traços diferentes de todos os vegetais terão sido mencionados uma vez, mas nunca mais do que uma vez. E, agrupando em torno das primeiras descrições as que foram feitas em seguida e que se rarefazem na medida em que se progride, vê-se delinear, através do caos primitivo, o quadro geral dos parentescos.

O caráter que distingue cada espécie ou cada gênero é o único traço mencionado sobre o fundo das identidades silenciosas. De fato, semelhante técnica seria sem dúvida a mais segura, mas o número de espécies existentes é tal que não seria possível chegar ao termo.

Entretanto, o exame das espécies encontradas revela a existência de grandes “famílias”, isto é, de amplos grupos nos quais as espécies e os gêneros têm um número considerável de identidades. E tão considerável que eles se assinalam por traços muito numerosos, mesmo para o olhar menos analítico; a semelhança entre todas as espécies de Ranúnculos, ou entre as espécies de Acônitos, aparece imediatamente aos sentidos.

Neste ponto, para que a tarefa não seja infinita, é preciso inverter o processo. Admitem-se as grandes famílias que são evidentemente reconhecidas e cujas primeiras descrições definiram, como que às cegas, os traços gerais. São esses traços comuns que se estabelecem agora de maneira positiva; depois, cada vez que se encontrar um gênero ou uma espécie que manifestamente os apresenta, bastará indicar por qual diferença eles se distinguem dos outros que lhes servem como que de circuito natural.

O conhecimento de cada espécie poderá ser facilmente adquirido a partir desta caracterização geral:

“Dividiremos cada um dos três reinos em várias famílias que reunirão todos os seres que têm entre si relações evidentes, passaremos em revista todos os caracteres gerais e particulares dos seres contidos nessas famílias”;

dessa maneira,

“poderemos estar seguros de reportar todos esses seres às suas famílias naturais; é assim que, começando pela fuinha e pelo lobo, pelo cão e pelo urso, conheceremos suficientemente o leão, o tigre, a hiena, que são animais da mesma família “(30).

Vê-se de imediato o que opõe método e sistema.

  • Só pode haver um método;
  • pode-se inventar e aplicar um número considerável de sistemas:
    • Adanson definiu 6531.

O sistema é arbitrário em todo o seu desenrolar, mas uma vez que o sistema de variáveis – o caráter – foi definido de início, não é mais possível modificá-lo, acrescentar-lhe ou retirar-lhe ainda que um só elemento.

  • O método é imposto de fora, pelas semelhanças globais que aproximam as coisas;
  • transcreve imediatamente a percepção no discurso;
  • permanece, em seu ponto de partida, o mais perto possível da descrição;
    • mas lhe é sempre possível trazer ao caráter geral que definiu empiricamente as modificações que se impõem: um traço que se acreditava essencial para um grupo de plantas ou de animais pode muito bem não ser mais que uma particularidade de alguns, desde que se descubram outros que, sem o possuírem, pertencem de maneira evidente à mesma família;
  • o metodo deve estar sempre pronto a retificar-se a si mesmo.

Como diz Adanson,

  • o sistema é como que “a regra da falsa posição no cálculo”: resulta de uma decisão, mas deve ser absolutamente coerente;
  • o método, ao contrário, é “um arranjo qualquer de objetos ou de fatos aproximados por conveniências ou semelhanças quaisquer, que se exprime por uma noção geral e aplicável a todos esses objetos, sem contudo considerar essa noção fundamental ou esse princípio como absoluto nem invariável, nem tão geral que não possa sofrer exceção… O método só difere do sistema pela ideia que o autor vincula a seus princípios, encarando-os como variáveis no método e como absolutos no sistema”(32).
Ademais,
  • o sistema só pode reconhecer, entre as estruturas do animal ou do vegetal, relações de coordenação: porque o caráter é escolhido, não em razão de sua importância funcional, mas em razão de sua eficácia combinatória; nada prova que, na hierarquia interior do indivíduo, tal forma de pistilo, tal disposição dos estames acarrete tal estrutura; se o germe da Adoxa está entre o cálice e a corola, se no arão os estames estão dispostos entre os pistilos, tudo isso não são nem mais nem menos que “estruturas singulares”(33): sua pouca importância só vem de sua raridade, ao passo que a igual divisão do cálíce e da corola não tem outro valor senão sua frequência(34).
  • O método, em contrapartida, porque vaí das identidades e das diferenças mais gerais às que o são menos, é suscetível de fazer aparecer relações verticais de subordinação. Com efeito, permite ver quais são os caracteres suficientemente importantes para não serem jamais desmentidos numa dada família.
Em relação ao sistema, a inversão é muito importante: os caracteres mais essenciais permitem distinguir as famílias mais amplas e mais visivelmente distintas, enquanto para Tournefort ou Lineu o caráter essencial definia o gênero; e bastava à “convenção” dos naturalistas escolher um caráter fictício para distinguir as classes ou as ordens.
 
No método, a organização geral e suas dependências internas dão-lhe primazia sobre a translação lateral de um equipamento constante de variáveis.
 
Apesar dessas diferenças, sistema e método repousam no mesmo suporte epistemológico.
 
É possível defini-lo numa palavra, dizendo que
 

no saber clássico o conhecimento dos indivíduos empíricos só pode ser adquirido sobre o quadro contínuo, ordenado e universal de todas as diferenças possíveis.

 
Todo ser trazia uma marca, e a espécie se media pela extensão de um brasão comum. De sorte que
 
  • cada espécie se assinalava por si mesma,
  • enunciava sua individualidade, independentemente de todas as outras:
  • ainda que estas não existissem, os critérios de definição para as únicas que permanecessem visíveis não seriam por isso modificados.
Mas, a partir do século XVII, não pode mais haver signos senão na análise das representações segundo as identidades e as diferenças.
 
Isso quer dizer que toda designação se deve fazer por certa relação com todas as outras designações possíveis. Conhecer aquilo que pertence propriamente a um indivíduo é ter diante de si a classificação ou a possibilidade de classificar o conjunto dos outros. A identidade e aquilo que a marca se definem pelo resíduo das diferenças.
 
Um animal ou uma planta
 
  • não é aquilo que é indicado – ou traído – pelo estigma que se descobre impresso nele;
  • é aquilo que os outros não são;
  • só existe em si mesmo no limite daquilo que dele se distingue.
Método e sistema são apenas as duas maneiras de definir as identidades pela rede geral das diferenças.
 
Mais tarde, a partir de Cuvier,
 
  • a identidade das espécies se fixará também por um jogo de diferenças, mas que aparecerão sobre o fundo das grandes unidades orgânicas com seus sistemas internos de dependência (esqueleto, respiração, circulação):
  • os invertebrados não serão definidos somente pela ausência de vértebras, mas
    • por um certo modo de respiração,
    • pela existência de um tipo de circulação
    • e por toda uma coesão orgânica que desenha uma unidade positiva.
 As leis internas do organismo tornar-se-ão, no lugar dos caracteres diferenciais, o objeto das ciências da natureza.

A classificação, como problema fundamental e constitutivo da história natural, alojou-se, historicamente e de modo necessário, entre uma teoria da marca e uma teoria do organismo.

III. A estrutura

Capítulo V - Classificar; tópico III. A estrutura

Assim disposta e entendida,

  • a história natural tem por condição de possibilidade o pertencer comum das coisas e da linguagem à representação;
  • mas só existe como tarefa, na medida em que coisas e linguagem se acham separadas.

Deverá, pois, reduzir essa distância,

  • para conduzir a linguagem o mais próximo possível do olhar
  • e, as coisas olhadas, o mais próximo possível das palavras.

A história natural não é nada mais que a nomeação do visível.

Daí sua aparente simplicidade e esse modo de proceder que, de longe, parece ingênuo, por ser tão simples e imposto pela evidência das coisas.

Tem-se a impressão de que, com Tournefort, com Lineu ou Buffon, se começou enfim a dizer o que desde sempre fora visível mas permanecera mudo ante uma espécie de distração invencível dos olhares.

De fato, não foi uma desatenção milenar que subitamente se dissipou, mas um campo novo de visibilidade que se constituiu em toda a sua espessura.

A história natural não se tornou possível porque se olhou melhor e mais de perto.

Em sentido estrito, pode-se dizer que a idade clássica se esforçou, se não por ver o menos possível, pelo menos por restringir voluntariamente o campo de sua experiência.

A observação, a partir do século XVII, é um conhecimento sensível combinado com condições sistematicamente negativas.

  • Exclusão, sem dúvida, de ouvir-dizer;
  • mas exclusão também do gosto e do sabor, porque com sua incerteza, com sua variabilidade, não permitem uma análise em elementos distintos que seja universalmente aceitável.
  • Limitação muito estreita do tato na designação de algumas oposições bastante evidentes (como as do liso e do rugoso);
  • privilégio quase exclusivo da vista, que é o sentido da evidência e da extensão, e, por consequência, de uma análise partes extra partes admitida por todo o mundo:
    • o cego do século XVIII pode perfeitamente ser geômetra, não será naturalista(3).

E, ainda, nem tudo o que se oferece ao olhar é utilizável:

  • as cores, em particular, quase não podem fundar comparações úteis.

O campo de visibilidade onde a observação vai assumir seus poderes não passa do resíduo dessas exclusões:

  • uma visibilidade que, além de liberada de qualquer outra carga sensível, é parda.

Esse campo, muito mais que o acolhimento enfim atento às próprias coisas, define a condição de possibilidade da história natural e do aparecimento de seus objetos filtrados:

  • linhas,
  • superfícies,
  • formas,
  • relevos.

Dir-se-á talvez que o uso do microscópio compensa essas restrições; e que, se a experiência sensível se estreitava do lado de suas mais duvidosas margens, estendia-se em direção aos objetivos novos de uma observação tecnicamente controlada.

De fato, é o mesmo conjunto de condições negativas que limitou o domínio da experiência e tornou possível a utilização de instrumentos de óptica.

  • Para tentar melhor observar através de uma lente, é preciso renunciar a conhecer pelos outros sentidos ou pelo “ouvir-dizer”.
  • Uma mudança de escala ao nível do olhar deve ter mais valor que as correlações entre os diversos testemunhos que podem trazer as impressões, as leituras ou as lições.
Se o encaixe indefinido do visível em sua própria extensão se oferece melhor ao olhar pelo microscópio, não é por isso superado. E a melhor prova está, sem dúvida, em que os instrumentos de óptica foram utilizados sobretudo para resolver os problemas da geração: isto é, para descobrir de que modo as formas, as disposições, as proporções características dos indivíduos adultos e de sua espécie podem transmitir-se através das idades, conservando sua rigorosa identidade.
 
O microscópio não foi requerido para ultrapassar os limites do domínio fundamental da visibilidade, mas para resolver um dos problemas que ele levantava – a manutenção, no curso das gerações, das formas visíveis. O uso do microscópio fundou-se numa relação não-instrumental entre as coisas e os olhos. Relação que define a história natural.
 
Não dizia Lineu que os Naturalia, em oposição aos Coelestia e aos Elementa, eram destinados a se oferecer diretamente aos sentidos?(4)
 
E Tournefort pensava que, para conhecer as plantas, “antes que escrutar cada uma de suas variações com um escrúpulo religioso”, valia mais analisá-Ias “tais como caem sob os oIhos”(5).
 
Observar é, pois, contentar-se com ver. Ver sistematicamente pouca coisa. Ver aquilo que, na riqueza um pouco confusa da representação, pode ser analisado, reconhecido por todos e receber, assim, um nome que cada qual poderá entender:
 
“Todas as similitudes obscuras”, diz Lineu, “só são introduzidas para desprestígio da arte”(6).
 
Desenvolvidas elas próprias, esvaziadas de todas as semelhanças, depuradas até mesmo de suas cores, as representações visuais vão enfim oferecer à história natural o que constitui seu objeto próprio: aquilo mesmo que ela fará passar para essa língua bem-feita que ela pretende construir.
 
Esse objeto é a extensão de que são constituídos os seres da natureza – extensão que pode ser afetada por quatro variáveis. E somente por quatro variáveis:
 
  • forma dos elementos,
  • quantidade desses elementos,
  • maneira como eles se distribuem no espaço uns em relação aos outros,
  • grandeza relativa de cada um.

Como dizia Lineu, num texto capital,

“toda nota deve ser tirada do número, da figura, da proporção, da situação”(7).

Por exemplo, quando se estudarem os órgãos sexuais da planta, será suficiente, mas indispensável,

  • enumerar estames e pistilo (ou eventualmente constatar sua ausência),
  • definir a forma que eles mostram,
  • segundo qual figura geométrica são distribuídos na flor (círculo, hexágono, triângulo),
  • qual o seu tamanho em relação aos outros órgãos.

Essas quatro variáveis, que se podem aplicar da mesma forma às cinco partes da planta – raízes, caules, folhas, flores, frutos – especificam a extensão que se oferece à representação, o bastante para que seja possível articulá-Ia numa descrição aceitável por todos:

  • perante o mesmo indivíduo, cada qual poderá fazer a mesma descrição;
  • e, inversamente, a partir de tal descrição, cada um poderá reconhecer os indivíduos que a ela correspondem.

Nessa articulação fundamental do visível, o primeiro afrontamento entre a linguagem e as coisas poderá estabelecer-se de uma forma que exclui toda incerteza. Cada parte visivelmente distinta de uma planta ou de um animal é, portanto, descritível na medida em que pode tomar quatro séries de valores.

Esses quatro valores, que afetam um órgão ou elemento qualquer e o determinam, é o que os botânicos denominam sua estrutura.

“Por estruturas das partes das plantas entende-se a composição e a reunião das peças que formam seu corpo.”(8)

Ela permite descrever logo o que se vê e de duas maneiras que não são nem contraditórias nem exclusivas.

  • O número e a grandeza podem sempre ser assinalados por um cálculo ou por uma medida; podemos, pois, exprimi-los em termos quantitativos.
  • Em contrapartida, as formas e as disposições devem ser descritas por outros procedimentos: quer pela identificação a formas geométricas, quer por analogias que devem ser, todas elas, “da maior evidência”(9).

É assim que se podem descrever certas formas bastante complexas a partir de sua semelhança muito visível com o corpo humano, que serve como que de reserva aos modelos da visibilidade e constituiu espontaneamente juntura entre o que se pode ver e o que se pode dizer(10).

Limitando e filtrando o visível, a estrutura lhe permite transcrever-se na linguagem. Por ela, a visibilidade do animal ou da planta passa por inteiro para o discurso que a recolhe.

E, no final, talvez lhe ocorra restituir-se ela própria ao olhar, através das palavras, como nesses caligramas botânicos com que sonhava Lineu(11).

Ele queria que a ordem da descrição, sua repartição em parágrafos e até seus módulos tipográficos reproduzissem a figura da própria planta. Que o texto, nas suas variáveis de forma, de disposição e de quantidade, tivesse uma estrutura vegetal.

“É belo seguir a natureza: passar da Raiz aos Caules, aos Pecíolos, às Folhas, aos Pedúnculos, às Flores.”

  • Era preciso que se separasse a descrição em tantas alíneas quantas são as partes da planta,
  • que. se imprimisse em caracteres maiúsculos o que concerne às partes principais,
  • em minúsculos, a análise das “partes das partes”.

Acrescentar-se-ia o que se conhece ainda da planta à maneira de um desenhista que complete seu esboço por jogos de sombra e de luz:

“O bosquejo conterá exatamente toda a história da planta, assim como seus nomes, sua estrutura, seu conjunto exterior, sua natureza, seu uso.”

Transposta na linguagem, a planta vem nela gravar-se e, sob os olhos do leitor, recompõe sua pura forma.

O livro torna-se o herbário das estruturas. E não se diga tratar-se de devaneio de um partidário do sistema que não representa a história natural em toda a sua extensão.

Em Buffon, que foi adversário constante de Lineu, a mesma estrutura existe e desempenha o mesmo papel:

“O método de investigação se exercerá sobre a forma, sobre a grandeza, sobre as diferentes partes, sobre seu número, sobre sua posição, sobre a substância mesma da coisa.”(12)

Buffon e Lineu estabelecem o mesmo crivo;

  • seu olhar ocupa sobre as coisas a mesma superfície de contato;
  • os mesmos vãos negros configuram o invisível;
  • as mesmas plagas, claras e distintas, oferecem-se às palavras.
  • Pela estrutura, aquilo que a representação fornece confusamente e na forma da simultaneidade acha-se assim analisado e oferecido ao desdobramento linear da linguagem.

Com efeito,

  • a descrição está para o objeto que se olha
  • como a proposição está para a representação que ela exprime:
    • constitui sua colocação em série, elementos após elementos.

Recorde-se, porém, que a linguagem sob sua forma empírica implicava

  • uma teoria da proposição
  • e outra da articulação.

Em si mesma, a proposição permanecia vazia; quanto à articulação, só constituía verdadeiramente discurso sob a condição de ser ligada pela função aparente ou secreta do verbo ser:

A história natural é uma ciência, isto é, uma língua, mas fundada e bem-feita:

  • seu desdobramento proposicional é, de pleno direito, uma articulação;
  • a colocação em série linear dos elementos recorta a representação segundo um modo que é evidente e universal.

Enquanto uma mesma representação pode dar lugar a um número considerável de proposições, pois os nomes que a preenchem a articulam segundo modos diferentes, um único e mesmo animal, uma única e mesma planta serão descritos da mesma forma, na medida em que da representação à linguagem reina a estrutura.

A teoria da estrutura, que percorre, em toda a sua extensão, a história natural na idade clássica superpõe, numa única e mesma função, os papéis que, na linguagem, desempenham a proposição e a articulação.

E é por aí que ela liga a possibilidade de uma história natural à máthêsis.

Com efeito, ela remete todo o campo do visível a um sistema de variáveis, cujos valores podem todos ser assinalados, se não por uma quantidade, ao menos por uma descrição perfeitamente clara e sempre finita.

Pode-se, por conseguinte, estabelecer entre os seres naturais

  • o sistema das identidades
  • e a ordem das diferenças.

Adanson estimava que um dia se poderia tratar a Botânica como uma ciência rigorosamente matemática e que seria lícito formular-lhe problemas como se faz em álgebra ou em geometria:

“encontrar o ponto mais sensível que estabelece a linha de separação ou de discussão entre a família das escabiosas e a das madressilvas”;

ou, ainda,

encontrar um gênero de plantas conhecido (natural ou artificial, não importa) que está justamente no meio-termo entre a família das Apocináceas e a das Boragináceas(13).

A grande proliferação dos seres na superfície do globo pode entrar, graças à estrutura, ao mesmo tempo

  • na sucessão de uma linguagem descritiva
  • e no campo de uma máthêsis que seria ciência geral da ordem.

E essa relação constitutiva, tão complexa, instaura-se na simplicidade aparente de um visível descrito.

Tudo isso é de grande importância para a definição da história natural quanto ao seu objeto.

Este é dado

  • por superfícies e linhas,
  • não por funcionamentos ou invisíveis tecidos.

Vêem-se menos a planta e o animal

  • em sua unidade orgânica
  • que pelo recorte visível de seus órgãos.

Eles são

  • patas e cascos, flores e frutos,
  • antes de serem respiração ou líquidos internos.

A história natural percorre um espaço de variáveis visíveis, simultâneas, concomitantes, sem relação interna de subordinação ou de organização.

Nos séculos XVII e XVIII, a anatomia perdeu o papel diretivo que tinha no Renascimento e que reencontrará na época de Cuvier; não que nesse ínterim a curiosidade tenha diminuído, nem o saber regredido, mas sim que a disposição fundamental do visível e do enunciável não passa mais pela espessura do corpo.

Daí o primado epistemológico da botânica:

  • é que o espaço comum às palavras e às coisas constituía para as plantas uma grade muito mais acolhedora, muito menos “negra” que para os animais;
  • na medida em que muitos órgãos constitutivos são visíveis na planta e não o são nos animais, o conhecimento taxinômico a partir de variáveis imediatamente perceptíveis foi mais rico e mais coerente na ordem botânica que na ordem zoológica.

É preciso, pois, inverter o que se diz ordinariamente:

  • não porque nos séculos XVII e XVIII houve interesse pela botânica que se conduziu o exame para os métodos de classificação.
  • Mas porque não se podia saber e dizer senão num espaço taxinômico de visibilidade é que o conhecimento das plantas devia realmente ter primazia sobre o dos animais.

Jardins botânicos e gabinetes de história natural eram, ao nível das instituições, os correlatos necessários desse recorte.

E sua importância para a cultura clássica não lhes vem essencialmente do que eles permitem ver, mas do que escondem e do que, por essa obliteração, eles deixam surgir:

  • disfarçam a anatomia e o funcionamento, ocultam o organismo,
  • para suscitar, ante os olhos que esperam sua verdade, o visível relevo das formas, com seus elementos, seu modo de dispersão e suas medidas.

São o livro ordenado das estruturas, o espaço onde se combinam os caracteres e onde se desdobram as classificações.

Um dia, no final do século XVIII, Cuvier saqueará os frascos do Museu, quebrá-Ios-á e dissecará toda a grande conserva clássica da visibilidade animal. Esse gesto iconoclasta, ao qual Lamarck jamais se decidirá, não traduz uma curiosidade nova por um segredo a cujo propósito não se teria tido nem a preocupação, nem a coragem, nem a possibilidade de conhecer.

Trata-se, muito mais seriamente, de uma mutação no espaço natural da cultura ocidental:

  • o fim da história, no sentido de Tournefort, de Lineu, de Buffon, de Adanson, no sentido igualmente em que Boissier de Sauvages a entendia quando opunha o conhecimento histórico do visível ao filosófico do invisível, do oculto e das causas14;
  • e será também o começo do que,
    • substituindo a anatomia à classificação,
    • o organismo à estrutura,
    • a subordinação interna ao caráter visível,
    • a série ao quadro,
  • permite precipitar no velho mundo plano e gravado em branco e preto, de animais e de plantas, toda uma massa profunda de tempo à qual se dará o nome renovado de história.

II. A história natural

Capítulo V - Classificar; tópico II. A história natural

Como pôde a idade clássica definir esse domínio da “história natural”, cuja evidência hoje e cuja unidade mesma nos parecem tão longínquas e como que já confusas?

Que campo é esse em que a natureza apareceu

  • próxima de si mesma o bastante para que os indivíduos que ela envolve pudessem ser classificados,
  • e suficientemente afastada de si, para que o devessem ser
    • pela análise
    • e pela reflexão?

Tem-se a impressão – e diz-se com muita frequência – que a história da natureza deve seu aparecimento ao malogro do mecanicismo cartesiano.

Quando finalmente se revelou impossível fazer entrar o mundo inteiro nas leis do movimento retilíneo, quando a complexidade do vegetal e do animal resistiu suficientemente às formas simples da substância extensa, então foi necessário que a natureza se manifestasse em sua estranha riqueza; e a minuciosa observação dos seres vivos teria nascido nessas plagas, de onde o cartesianismo acabava de se retirar.

Infelizmente as coisas não se passam com essa simplicidade. Pode ser – e isto ainda estaria por examinar – que uma ciência nasça de outra; jamais, porém, uma ciência pode nascer da ausência de outra, nem do fracasso, nem mesmo do obstáculo encontrado por outra.

De fato, a possibilidade da história natural, com Ray, Jonston, Christophe Knaut, é contemporânea do cartesianismo e não do seu fracasso. A mesma epistémê autorizou tanto a mecânica, desde Descartes até D’ Alembert quanto a história natural de Tournefort a Daubenton.

Para que a história natural aparecesse,

  • não foi preciso que a natureza se adensasse, se obscurecesse e multiplicasse seus mecanismos, até adquirir o peso opaco de uma história que apenas se pode delinear e descrever, sem se poder medir, calcular nem explicar:
  • foi preciso – e muito ao contrário – que a História se tornasse Natural.

O que existia no século XVI e até meados do século XVII eram histórias: Belon escrevera uma História da natureza das aves; Duret, uma História admirável das plantas; Aldrovandi, uma História das serpentes e dos dragões.

Em 1657, Jonston publica uma História natural dos quadrúpedes. Certamente essa data de nascimento não é rigorosa (1); está aqui somente para simbolizar uma referência e assinalar de longe o enigma aparente de um acontecimento.

Esse acontecimento é a súbita decantação, no domínio da História, de duas ordens, doravante diferentes, de conhecimento. Até Aldrovandi, a História era o tecido inextrincável e perfeitamente unitário daquilo que se vê das coisas e de todos os signos que foram nelas descobertos ou nelas depositados: fazer a história de uma planta ou de um animal era tanto dizer quais são seus elementos ou seus órgãos, quanto as semelhanças que se lhe podem encontrar, as virtudes que se lhe atribuem, as lendas e as histórias com que se misturou, os brasões onde figura, os medicamentos que se fabricam com sua substância, os alimentos que ele fornece, o que os antigos relatam dele, o que os viajantes dele podem dizer. A história de um ser vivo era esse ser mesmo, no interior de toda a rede semântica que o ligava ao mundo.

A divisão, para nós evidente, entre o que vemos, o que os outros observaram e transmitiram, o que os outros enfim imaginam ou em que crêem ingenuamente, a grande tripartição, aparentemente tão simples e tão imediata, entre

  • a Observação,
  • o Documento
  • e a Fábula

não existia.

E não porque a ciência hesitasse entre uma vocação racional e todo um peso de tradição ingênua, mas por uma razão bem mais precisa e bem mais constringente

  • é que os signos faziam parte das coisas,
  • ao passo que no século XVII eles se tornam modos da representação.

Quando Jonston escreveu sua História natural dos quadrúpedes, saberia ele a respeito mais que Aldrovandi, meio século antes?

Não muito, afirmam os historiadores.

Mas a questão não está aí ou, se se quiser colocá-la nesses termos, é preciso responder que Jonston sabe a respeito muito menos que Aldrovandi. Este, a propósito de todo animal estudado, desenvolvia, e no mesmo nível,

  • a descrição de sua anatomia e as maneiras de capturá-lo;
  • sua utilização alegórica e seu modo de geração;
  • seu habitat e os templos de suas lendas;
  • sua nutrição e a melhor maneira de torná-lo saboroso.

Jonston subdivide seu capítulo sobre o cavalo em 12 rubricas:

  • nome, partes anatômicas, habitação, idades, geração, vozes, movimentos, simpatia e antipatia, utilizações, usos medicinais(2).

Nada disso faltava em Aldrovandi, mas havia muito mais. E a diferença essencial reside nessa falta. Toda a semântica animal ruiu como uma parte morta e inútil.

As palavras que eram entrelaçadas ao animal foram desligadas e subtraídas: e o ser vivo, em sua anatomia, em sua forma, em seus costumes, em seu nascimento e em sua morte, aparece como que nu.

A história natural encontra seu lugar nessa distância agora aberta entre as coisas e as palavras – distância silenciosa, isenta de toda sedimentação verbal e, contudo, articulada segundo os elementos da representação, aqueles mesmos que, de pleno direito, poderão ser nomeados. As coisas beiram as margens do discurso, porque aparecem no âmago da representação.

Portanto, não é no momento em que se renuncia a calcular que se começa enfim a observar.

Na constituição da história natural, com o clima empírico em que se desenvolve,

  • não se deve ver a experiência forçando, bem ou mal, o acesso de um conhecimento que espreitava alhures a verdade da natureza;
  • a história natural eis por que ela apareceu precisamente nesse momento – é o espaço aberto na representação por uma análise que se antecipa à possibilidade de nomear;
  • é a possibilidade de ver o que se poderá dizer, mas que não se poderia dizer depois, nem ver, a distância, se as coisas e as palavras, distintas umas das outras, não se comunicassem, desde o início, numa representação.

A ordem descritiva que Lineu, bem após Jonston, proporá à história natural é muito característica. Segundo ele, todo capítulo concernente a um animal qualquer deve ter os seguintes passos:

  • nome,
  • teoria,
  • gênero,
  • espécie,
  • atributos,
  • uso e, para terminar,
  • Litteraria.

Toda a linguagem depositada pelo tempo sobre as coisas é repelida ao último limite, como um suplemento em que o discurso se relatasse a si mesmo e relatasse as descobertas, as tradições, as crenças, as figuras poéticas. Antes dessa linguagem da linguagem, é a própria coisa que aparece nos seus caracteres próprios, mas no interior dessa realidade que, desde o início, foi recortada pelo nome.

A instauração, na idade clássica, de uma ciência natural

  • não é o efeito direto ou indireto da transferência de uma racionalidade formada alhures (a propósito da geometria ou da mecânica).
  • É uma formação distinta, tendo sua arqueologia própria, ainda que ligada (mas segundo o modo da correlação e da simultaneidade) à teoria geral dos signos e ao projeto de máthêsis universal.

A velha palavra história muda então de valor e reencontra talvez uma de suas significações arcaicas. Em todo o caso, se é verdade que o historiador, no pensamento grego, foi realmente aquele que vê e que narra a partir de seu olhar, nem sempre foi assim em nossa cultura. Foi, aliás, bem tarde, no limiar da idade clássica, que ele tomou ou retomou esse papel.

  • Até meados do século XVII, o historiador tinha por tarefa estabelecer a grande compilação dos documentos e dos signos – de tudo o que, através do mundo, podia constituir como que uma marca.
  • Era ele o encarregado de restituir linguagem a todas as palavras encobertas.
  • Sua existência se definia menos pelo olhar que pela repetição, por uma palavra segunda que pronunciava de novo tantas palavras ensurdecidas.

A idade clássica confere à história um sentido totalmente diferente:

  • o de pousar pela primeira vez um olhar minucioso sobre as coisas
  • e de transcrever, em seguida, o que ele recolhe em palavras lisas, neutralizadas e fiéis.

Compreende-se que, nessa “purificação”, a primeira forma de história que se constituiu tenha sido a história da natureza. Pois, para construir-se, ela tem necessidade apenas de palavras aplicadas sem intermediário às coisas mesmas. Os documentos dessa história nova não são outras palavras, textos ou arquivos, mas espaços claros onde as coisas se justapõem:

  • herbários, coleções, jardins;
  • o lugar dessa história é um retângulo intemporal, onde, despojados de todo comentário, de toda linguagem circundante, os seres se apresentam uns ao lado dos outros, com suas superfícies visíveis, aproximados segundo seus traços comuns e, com isso, já virtualmente analisados e portadores apenas de seu nome.

Diz-se frequentemente que a constituição dos jardins botânicos e das coleções zoológicas traduzia uma nova curiosidade para com as plantas e os animais exóticos. De fato, já desde muito eles haviam suscitado interesse.

O que mudou foi o espaço em que podem ser vistos e donde podem ser descritos.

No Renascimento, a estranheza animal era um espetáculo; figurava nas festas, nos torneios, nos combates fictícios ou reais, nas reconstituições lendárias, onde quer que o bestiário desdobrasse suas fábulas sem idade.

O gabinete de história natural e o jardim, tal como são organizados na idade clássica, substituem o desfile circular do “mostruário” pela exposição das coisas em “quadro”.

O que se esgueirou entre esses teatros e esse catálogo não foi o desejo de saber, mas um novo modo de vincular as coisas ao mesmo tempo ao olhar e ao discurso.

Uma nova maneira de fazer história.

Sabe-se da importância metodológica que assumiram esses espaços e essas distribuições “naturais” para a classificação, nos fins do século XVIII, das palavras, das línguas, das raízes, dos documentos, dos arquivos, em suma, para a constituição de todo um ambiente de história (no sentido agora familiar da palavra), em que o século XIX reencontrará, após esse puro quadro das coisas, a possibilidade renovada de falar sobre palavras.

E de falar sobre elas não mais no estilo do comentário, mas segundo um modo que se considerará tão positivo, tão objetivo quanto o da história natural.

A conservação cada vez mais completa do escrito, a instauração de arquivos, sua classificação, a reorganização das bibliotecas, o estabelecimento de catálogos, de repertórios, de inventários representam, no fim da idade clássica, mais que uma sensibilidade nova ao tempo, ao seu passado, à espessura da história, uma forma de introduzir na linguagem já depositada e nos vestígios por ela deixados uma ordem que é do mesmo tipo da que se estabelece entre os seres vivos.

E é nesse tempo classificado, nesse devir quadriculado e espacializado que os historiadores do século XIX se empenharão em escrever uma história enfim “verdadeira” – isto é, liberada da racionalidade clássica, de sua ordenação e de sua teodicéia, uma história restituída à violência irruptiva do tempo.

I. O que dizem os historiadores

Capítulo V - Classificar; tópico I. O que dizem os historiadores

As histórias das ideias ou das ciências – aqui designadas somente pelo seu perfil médio – imputam ao século XVII, e sobretudo ao século XVIII, uma curiosidade nova:

  • aquela que os fez, se não descobrir, pelo menos dar uma amplitude e uma precisão até então insuspeitadas às ciências da vida,

A esse fenômeno atribuem-se tradicionalmente um certo número de causas e várias manifestações essenciais.

Do lado das origens ou dos motivos, colocam-se os privilégios novos da observação:

  • poderes que lhe seriam atribuídos desde Bacon
  • e os aperfeiçoamentos técnicos que lhe teria ocasionado a invenção do microscópio.

Arrola-se aí igualmente o prestígio então recente das ciências físicas, que forneciam um modelo de racionalidade;

  • desde que foi possível, pela experimentação ou pela teoria, analisar as leis do movimento ou do reflexo do raio luminoso,
  • não seria normal buscar, por experiências, observações ou cálculos, as leis que poderiam organizar o domínio mais complexo, mas vizinho, dos seres vivos?

O mecanismo cartesiano, que constituiu mais tarde um obstáculo, teria sido primeiro como que o instrumento de uma transferência, e teria conduzido, um pouco à sua revelia,

  • da racionalidade mecânica
  • à descoberta desta outra racionalidade que é a do ser vivo.

Os historiadores das ideias colocam um tanto confusamente, ainda do lado das causas, preocupações diversas:

  • o interesse econômico pela agricultura, de que a Fisiocracia foi um testemunho,
  • mas também os primeiros esforços de uma agronomia;
    • a meio caminho entre a economia e a teoria, a curiosidade pelas plantas e pelos animais exóticos que se tenta aclimatar e dos quais as grandes viagens de pesquisa ou de exploração – a de Tournefort ao Oriente Médio, a de Adanson ao Senegal – trazem descrições, gravuras e espécimes:
  • e sobretudo ainda, a valorização ética da natureza, com todo esse movimento a princípio ambíguo, pelo qual se “investem” – quer se seja aristocrata ou burguês – dinheiro e sentimento numa terra que, por longo tempo, as épocas precedentes haviam abandonado.

No coração do século XVIII, Rousseau herboriza. No registro das manifestações, os historiadores assinalam, em seguida, as formas variadas que assumiram essas ciências novas da vida e o “espírito”, por assim dizer, que as dirigiu.

Elas teriam sido

  • mecanicistas, de início, sob a influência de Descartes, e até o fim do século XVII;
  • os primeiros esforços de uma química apenas esboçada as teriam então marcado,
  • mas, durante todo o século XVIII, os temas vitalistas teriam assumido ou reassumido seu privilégio, para se formularem, enfim, numa teoria unitária – esse vitalismo que, sob formas um pouco diferentes, Bordeu e Barthez professam em Montpellier, Blumenbach, na Alemanha, Diderot e depois Bichat, em Paris.

Sob esses diferentes regimes teóricos, questões quase sempre as mesmas teriam sido colocadas, recebendo a cada vez soluções diferentes:

  • possibilidade de classificar os seres vivos –
    • só uns, como Lineu, sustentando que toda a natureza pode entrar numa taxinomia;
    • outros, como Buffon, que ela é demasiado diversa e demasiado rica para ajustar-se a um quadro tão rígido;
  • processo da geração
    • para aqueles, mais mecanicistas, que são partidários da pré-formação,
    • e outros que crêem num desenvolvimento específico dos germens;
  • análise dos funcionamentos (a circulação, após Harvey, a sensação, a motricidade e, no final do século, a respiração).

Através desses problemas e das discussões que eles suscitam, torna-se um jogo para os historiadores reconstituir os grandes debates que, como se diz, dividiram a opinião e as paixões dos homens, assim como seu raciocínio.

Crê-se assim reencontrar vestígios de um conflito maior entre

  • uma teologia que aloja, sob cada forma e em todos os movimentos, a providência de Deus, a simplicidade, o mistério e a solicitude de suas vias
  • e uma ciência que já busca definir a autonomia da natureza.

Depara-se também com a contradição entre

  • uma ciência demasiado arraigada ao velho primado da astronomia, da mecânica e da óptica
  • e uma outra que já suspeita sobre o que pode haver de irredutível e de específico nos domínios da vida.

Enfim, os historiadores veem delinear-se, como que sob seus olhos, a oposição entre

  • os que creem na imobilidade da natureza – à maneira de Tournefort e sobretudo Lineu –
  • e os que como Bonnet Benoit de Maillet e Diderot, já pressentem
    • a grande potência criadora da vida,
    • seu inesgotável poder de transformação,
    • sua plasticidade
    • e esse fluxo no qual ela envolve todas as produções, inclusive nós mesmos, num tempo de que ninguém é senhor.

Bem antes de Darwin e bem antes de Lamarck, o grande debate do evolucionismo teria sido aberto pelo Telliamed, a Palingénesie e o Rêve de D‘Alembert.

O mecanicismo e a teologia, apoiados um no outro ou contestando-se incessantemente,

  • manteriam a idade clássica o mais próximo possível de sua origem – do lado de Descartes e de Malebranche;

do outro lado, a irreligião e toda uma intuição confusa da vida, por sua vez em conflito (como em Bonnet) ou em cumplicidade (como em Diderot),

  • a atrairiam em direção ao seu mais próximo futuro: em direção ao século XIX, que se supõe ter fornecido às tentativas ainda obscuras e amarradas do século XVIII sua realização positiva e racional numa ciência da vida, que não teve necessidade de sacrificar a racionalidade para manter, no mais vivo de sua consciência, a especificidade do ser vivo e esse calor um pouco subterrâneo que circula entre
    • ele – objeto de nosso conhecimento –
    • e nós, que estamos aí para conhecê-lo.

Inútil voltar aos pressupostos de tal método. Basta mostrar aqui suas consequências:

  • a dificuldade de apreender a rede capaz de ligar, umas às outras, pesquisas tão diversas como as tentativas de taxinomia e as observações microscópicas;
  • a necessidade de registrar como fatos de observação os conflitos entre os fixistas e os que não o são, ou entre os partidários do método e os partidários do sistema;
  • a obrigação de dividir o saber em duas tramas que se imbricam, embora estranhas uma à outra:
    • a primeira, definida pelo saber já acumulado (a herança aristotélica ou escolástica, o peso do cartesianismo, o prestígio de Newton),
    • a segunda, pelo que ainda se ignorava (a evolução, a especificidade da vida, a noção de organismo);
  • e, sobretudo, a aplicação de categorias que são rigorosamente anacrônicas em relação a esse saber.

De todas, a mais importante é evidentemente a de vida.

Pretende-se fazer histórias da biologia no século XVIII;

  • mas não se tem em conta que a biologia não existia
  • e que a repartição do saber que nos é familiar há mais de 150 anos não pode valer para um período anterior.

E que, se a biologia era desconhecida, o era por uma razão bem simples:

  • é que a própria vida não existia.

Existiam apenas seres vivos e que apareciam através de um crivo do saber constituído pela história natural.

VIII. O desejo e a representação

Capítulo VI - Trocar; tópico VIII. O desejo e a representação

Os homens dos séculos XVII e XVIII

  • não pensam a riqueza, a natureza ou as línguas com o que lhes fora deixado pelas idades precedentes e na linha do que logo viria a ser descoberto;
  • pensam-nas a partir de uma disposição geral que não lhes prescreve apenas conceitos e métodos, mas que, mais fundamentalmente, define
    • um certo modo de ser para a linguagem,
    • os indivíduos da natureza,
    • os objetos da necessidade e do desejo;

esse modo de ser é o da representação.

Consequentemente, aparece todo um solo comum, onde a história das ciências figura como um efeito de superfície. O que não quer dizer que se possa doravante deixá-Ia de lado; mas, sim, que uma reflexão sobre o histórico de um saber não pode mais contentar-se em seguir, através da sequência dos tempos, o alinhamento dos conhecimentos; estes, com efeito, não são fenômenos da hereditariedade e de tradição; e não se diz o que os tomou possíveis enunciando o que era conhecido antes deles e o que eles, como se diz, “trouxeram de novo”.

A história do saber só pode ser feita a partir do que lhe foi contemporâneo e não certamente em termos de influência recíproca, mas em termos de condições e de a priori constituídos no tempo.

É nesse sentido que a arqueologia pode justificar a existência de uma gramática geral, de uma história natural e de uma análise das riquezas, e liberar assim um espaço sem fissura onde a história das ciências, a das ideias e das opiniões poderão, se o quiserem, se entreter.

Se as análises da representação, da linguagem, das ordens naturais e das riquezas são perfeitamente coerentes e homogêneas entre si, existe, todavia, um desequilíbrio profundo. É que a representação comanda o modo de ser da linguagem, dos indivíduos, da natureza e da própria necessidade. A análise da representação tem, portanto, valor determinante para todos os domínios empíricos.

Todo o sistema clássico da ordem, toda essa grande taxinomia, que permite conhecer as coisas pelo sistema de suas identidades, se desdobra no espaço aberto no interior de si pela representação, quando ela se representa a si mesma: o ser e o mesmo têm aí seu lugar.

A linguagem não é senão a representação das palavras; a natureza não é senão a representação dos seres; a necessidade não é senão a representação da necessidade.

O fim do pensamento clássico – e dessa epistémê que tomou possíveis gramática geral, história natural e ciências das riquezas – coincidirá com o recuo da representação, ou, antes, com a liberação, relativamente à representação, da linguagem, do ser vivo e da necessidade.

O espírito obscuro mas obstinado de um povo que fala, a violência e o esforço incessante da vida, a força surda das necessidades escaparão ao modo de ser da representação. E esta será duplicada, limitada, guarnecida, mistificada talvez, regida, em todo o caso, do exterior, pelo enorme impulso de uma liberdade, ou de um desejo, ou de uma vontade que se apresentarão como o reverso metafísico da consciência.

Alguma coisa como um querer ou uma força vai surgir na experiência moderna – constituindo-a talvez, assinalando, em todo o caso, que a idade clássica acaba de terminar e com ela o reino do discurso representativo, a dinastia de uma representação significando-se a si mesma e enunciando, na sequência de suas palavras, a ordem adormecida das coisas.

Essa reviravolta é contemporânea de Sade. Ou, antes, essa obra incansável manifesta o precário equilíbrio entre a lei sem lei do desejo e a ordenação meticulosa de uma representação discursiva.

A ordem do discurso encontra aí seu Limite e Sua Lei; mas tem ainda a força de permanecer co-extensiva àquilo mesmo que a rege.

Aí reside, sem dúvida, o princípio dessa “libertinagem”, que foi a última do mundo ocidental (após ela começa a idade da sexualidade): o libertino é aquele que, obedecendo a todas as fantasias do desejo e a cada um de seus furores, pode, mas também deve esclarecer o menor de seus movimentos por uma representação lúcida e voluntariamente operada.

Há uma ordem estrita da vida libertina:

  • toda representação deve animar-se logo no corpo vivo do desejo,
  • todo desejo deve enunciar-se na pura luz de um discurso representativo.

Daí essa sucessão rígida de “cenas” (a cena, em Sade, é o desregramento ordenado à representação) e, no interior das cenas, o equilíbrio cuidadoso entre a combinatória dos corpos e o encadeamento das razões.

Justine e Juliette, no nascimento da cultura moderna, estão talvez na mesma posição que Dom Quixote entre o Renascimento e o classicismo.

O herói de Cervantes, lendo as relações entre o mundo e a linguagem como se fazia no século XVI, decifrando, unicamente pelo jogo da semelhança,

  • castelos nas estalagens
  • e damas nas camponesas,

aprisionava-se, sem o saber, no mundo da pura representação; mas, visto que essa representação só tinha por lei a similitude, não podia deixar de aparecer sob a forma irrisória do delírio.

Ora, na segunda parte do romance, Dom Quixote recebia desse mundo representado sua verdade e sua lei; não lhe restava mais que esperar desse livro onde nascera, que não lera, mas cujo curso devia seguir, um destino que doravante lhe era imposto pelos outros. Bastava-lhe deixar-se viver num castelo onde ele próprio, que penetrara por sua loucura no mundo da pura representação, se tomava finalmente pura e simples personagem no artifício de uma representação.

As personagens de Sade lhe respondem, no outro extremo da idade clássica, isto é, no momento do declínio. Não se trata mais do triunfo irônico da representação sobre a semelhança; trata-se da obscura violência repetida do desejo que vem vencer os limites da representação.

Justine corresponderia à segunda parte de Dom Quixote; ela é objeto indefinido do desejo, do qual é a pura origem, como Dom Quixote é, a seu respeito, o objeto da representação que, em seu ser profundo, ele próprio é.

Em Justine, o desejo e a representação só se comunicam pela presença de um Outro que se representa a heroína como objeto de desejo, enquanto ela própria só conhece do desejo a forma leve, longínqua, exterior e gelada da representação. Este o seu infortúnio: sua inocência permanece sempre como um terceiro entre o desejo e a representação.

Já Juliette nada mais é que o sujeito de todos os desejos possíveis; mas esses desejos são retomados por inteiro na representação que os funda arrazoadamente em discurso e os transforma voluntariamente em cenas. De sorte que a grande narrativa da vida de Juliette desenrola, ao longo dos desejos, das violências, das selvagerias e da morte, o quadro cintilante da representação.

Esse quadro, porém, é tão tênue, tão transparente a todas as figuras do desejo que incansavelmente nele se acumulam e se multiplicam unicamente pela força de sua combinatória, que é tão desarrazoado quanto o de Dom Quixote quando, de similitude em similitude, acreditava avançar através dos caminhos mistos do mundo e dos livros mas se enterrava no labirinto das suas próprias representações.

Juliette esgota essa espessura do representado, para que aí aflore, sem a menor falha, a menor reticência, o menor véu, todas as possibilidades do desejo.

Com isso, essa narrativa fecha a idade clássica sobre si mesma, como Dom Quixote a abrira.

E, se é verdade que ela é a última linguagem ainda contemporânea de Rousseau e de Racine, se é o último discurso que visa a “representar”, isto é, nomear, sabe-se bem que ao mesmo tempo reduz essa cerimônia ao máximo (chama as coisas pelo seu nome estrito, desfazendo assim todo o espaço retórico) e alonga-a ao infinito (nomeando tudo, e sem esquecer a menor das possibilidades, pois elas são todas percorridas segundo a Característica universal do Desejo).

Sade atinge a extremidade do discurso e do pensamento clássicos. Reina exatamente em seu limite.

A partir dele, a violência, a vida e a morte, o desejo, a sexualidade vão estender, por sob a representação, uma imensa camada de sombra, que nós agora tentamos retomar como podemos, em nosso discurso, em nossa liberdade, em nosso pensamento.

Mas nosso pensamento é tão curto, nossa liberdade tão submissa, nosso discurso tão repisado que é preciso realmente nos darmos conta de que, no fundo, essa sombra subterrânea é um poço de dificuldades. As prosperidades de Juliette são sempre mais solitárias. E não têm termo.

VII. Quadro geral

Capítulo VI - Trocar; tópico VII. Quadro geral

Os quatro momentos que fixam as funções essenciais da linguagem (atribuição, articulação, designação e derivação) nos séculos XVII e XVIII
Os quatro momentos que fixam as funções essenciais da linguagem (atribuição, articulação, designação e derivação) no século XIX

A organização geral das ordens empíricas pode agora ser delineada em seu conjunto(80).

Constata-se, de início, que a análise das riquezas obedece à mesma configuração que a história natural e a gramática geral.

A teoria do valor permite, com efeito, explicar (seja pela carência e pela necessidade, seja pela prolixidade da natureza)

  • como certos objetos podem ser introduzidos no sistema das trocas,
  • como, pelo gesto primitivo da permuta, uma coisa pode ser dada como equivalente a outra,
  • como a estimação da primeira pode ser reportada à estimação da segunda conforme
    • uma relação de igualdade (A e B têm o mesmo valor)
    • ou de analogia (o valor de A. de posse do meu parceiro, está para minha necessidade como está para ele o valor de B que eu possuo).

O valor corresponde portanto à função atributiva que, para a gramática geral, está assegurada pelo verbo e que, fazendo aparecer a proposição, constitui o limiar primeiro a partir do qual há linguagem.

Quando, porém, o valor apreciativo se torna valor de estimação, isto é, quando se define e se limita no interior do sistema constituído por todas as trocas possíveis, então cada valor se acha estabelecido e demarcado por todos os outros: a partir desse momento, o valor assegura o papel articulatório que a gramática geral reconhecia em todos os elementos não-verbais da proposição (isto é, nos nomes e em cada uma das palavras que, visivelmente ou em segredo, detêm uma função nominal).

No sistema das trocas, no jogo que permite a cada parte de riqueza significar as outras ou ser por elas significada, o valor é ao mesmo tempo

  • verbo e nome,
  • poder de ligar e princípio de análise,
  • atribuição e determinação.

O valor, na análise das riquezas, ocupa, pois, exatamente a mesma posição que a estrutura na história natural; como esta, reúne numa única e mesma operação a função que permite

  • atribuir um signo a outro signo,
  • uma representação a outra representação
  • e a que permite articular os elementos que compõem o conjunto das representações ou os signos que as decompõem.

Por seu lado, a teoria da moeda e do comércio explica

  • como uma matéria qualquer pode assumir uma função significante reportando-se a um objeto e servindo-lhe de signo permanente;
  • explica também (pelo jogo do comércio, do aumento e da diminuição do numerário)
    • como essa relação de signo a significado pode se alterar sem jamais desaparecer,
    • como um mesmo elemento monetário pode significar mais ou menos riquezas,
    • como pode ele deslizar, estender-se, estreitar-se em relação aos valores que lhe compete representar.

A teoria do preço monetário corresponde, pois, ao que na gramática geral aparece sob a forma de uma análise das raízes e da linguagem de ação (função de designação) e ao que aparece sob a forma de tropos e de desvios de sentido (função de derivação). A moeda, como as palavras, tem por papel designar, mas não cessa de oscilar em torno desse eixo vertical:

  • as variações de preço estão para a instauração primeira da relação entre metal e riquezas
  • como os deslocamentos retóricos estão para o valor primitivo dos signos verbais.

Porém há mais:

  • assegurando a partir de suas próprias possibilidades a designação das riquezas,
  • o estabelecimento dos preços,
  • a modificação dos valores nominais,
  • o empobrecimento e o enriquecimento das nações,

a moeda funciona em relação às riquezas como o caráter em relação aos seres naturais: ela permite, ao mesmo tempo,

  • impor-lhes uma marca provisória
  • e indicar-Ihes um lugar, sem dúvida provisório, no espaço atualmente definido pelo conjunto das coisas e dos signos de que se dispõe.

A teoria da moeda e dos preços ocupa na análise das riquezas a mesma posição que a teoria do caráter na história natural.

Como esta última, reúne numa única e mesma função

  • a possibilidade de dar um signo às coisas,
  • de fazer representar uma coisa por outra
  • e a possibilidade de fazer desviar um signo em relação ao que ele designa.

As quatro funções que definem em suas propriedades singulares o signo verbal e o distinguem de todos os outros signos que a representação pode referir a si mesma encontram-se, pois, na sinalização teórica da história natural e na utilização prática dos signos monetários.

A ordem das riquezas e a ordem dos seres naturais se instauram e se descobrem na medida em que se estabelecem entre os objetos de necessidade, entre os indivíduos visíveis, sistemas de signos que permitem

  • a designação das representações umas pelas outras,
  • a derivação das representações significantes em relação aos significados,
  • a articulação do que é representado,
  • a atribuição de determinadas representações a determinadas outras.

Nesse sentido, pode-se dizer que, para o pensamento clássico,

  • os sistemas da história natural e as teorias da moeda ou do comércio
  • têm as mesmas condições de possibilidade que a própria linguagem.

O que quer dizer duas coisas:

  • primeiro, que a ordem na natureza e a ordem nas riquezas têm, para a experiência clássica, o mesmo modo de ser que a ordem das representações tal como é manifestada pelas palavras;
  • em seguida, que as palavras formam um sistema de signos suficientemente privilegiado, quando se trata de fazer aparecer a ordem das coisas,
    • para que a história natural, se bem-feita,
    • e para que a moeda, se bem regulada, funcionem à maneira da linguagem.

O que a álgebra é para a máthêsis, os signos, e em particular as palavras, o são para a taxinomia: constituição e manifestação evidente da ordem das coisas.

Existe, entretanto, uma diferença fundamental que impede que a classificação seja a linguagem espontânea da natureza, e os preços, o discurso natural das riquezas. Ou antes, existem duas diferenças,

  • uma que permite distinguir os domínios dos signos verbais daquele das riquezas ou dos seres naturais,
  • e outra que permite distinguir a teoria da história natural e a do valor ou dos preços.

Os quatro momentos que definem as funções essenciais da linguagem (atribuição, articulação, designação, derivação) estão solidamente ligados entre si, pois são requeridos uns pelos outros a partir do momento em que se transpôs, com o verbo, o limiar de existência da linguagem.

Mas, na gênese real das línguas, o percurso não se faz no mesmo sentido nem com o mesmo rigor: a partir de designações primitivas, a imaginação dos homens (segundo os climas em que vivem, as condições de sua existência, seus sentimentos e paixões, as experiências que fazem) suscita derivações que são diferentes conforme os povos e que explicam, sem dúvida, além da diversidade das línguas, a relativa instabilidade de cada uma.

Num dado momento dessa derivação e no interior de uma língua singular, os homens têm à sua disposição um conjunto de palavras, de nomes que se articulam uns com os outros e determinam suas representações; mas essa análise é tão imperfeita, deixa subsistir tantas imprecisões e tantas imbricações que, com as mesmas representações, os homens utilizam palavras diversas e formulam proposições diferentes: sua reflexão não está ao abrigo do erro.

Entre a designação e a derivação,

  • multiplicam-se os deslizes da imaginação;

entre a articulação e a atribuição,

  • prolifera o erro da reflexão.

É por isso que, no horizonte talvez indefinidamente recuado da linguagem, projeta-se a ideia de uma língua universal em que o valor representativo das palavras seria fixado com bastante nitidez, fundado bastante bem, reconhecido com suficiente evidência para que a reflexão pudesse decidir, com toda a clareza, sobre a verdade de qualquer proposição – língua por meio da qual “os camponeses poderiam julgar a verdade das coisas melhor do que o fazem agora os filósofos”(81); uma linguagem perfeitamente distinta permitiria um discurso inteiramente claro:

  • essa língua seria, em si mesma, uma Ars combinatoria.

É por isso também que o exercício de toda língua real deve ser duplicado por uma Enciclopédia que defina o percurso das palavras, prescreva as vias mais naturais, desenhe os deslizes legítimos do saber, codifique as relações de vizinhança e de semelhança.

O Dicionário é feito

  • para controlar o jogo das derivações
  • a partir da designação primeira das palavras,

assim como a Língua universal é feita

  • para controlar, a partir de uma articulação bem estabelecida,
  • os erros da reflexão quando ela formula um juízo.

A Ars combinatoria e a Enciclopédia se correspondem, de um lado e de outro, pela imperfeição das línguas reais. A história natural, uma vez que precisa realmente ser uma ciência, a circulação das riquezas, uma vez que é uma instituição criada pelos homens e por eles controlada, devem escapar a esses perigos inerentes às linguagens espontâneas.

Não há erro possível entre articulação e atribuição na ordem da história natural, pois que a estrutura se dá numa visibilidade imediata; também não há deslizes imaginários, falsas semelhanças, vizinhanças incongruentes que colocariam um ser natural corretamente designado num espaço que não fosse o seu, pois que o caráter é estabelecido quer pela coerência do sistema, quer pela exatidão do método.

A estrutura e o caráter asseguram, na história natural, o fechamento teórico do que fica em aberto na linguagem e faz nascer em suas fronteiras os projetos de artes essencialmente inacabados.

Do mesmo modo o valor que, de estimativo, torna-se automaticamente apreciativo, e a moeda que, por sua quantidade crescente ou decrescente provoca mas limita sempre a oscilação dos preços, garantem, na ordem das riquezas, o ajustamento entre a atribuição e a articulação, entre a designação e a derivação.

O valor e os preços asseguram o fechamento prático dos segmentos que permanecem em aberto na linguagem.

A estrutura permite à história natural achar-se de imediato no elemento de uma combinatória, e o caráter lhe permite estabelecer, a propósito dos seres e de suas semelhanças, uma poética exata e definitiva. O valor combina as riquezas umas com as outras, a moeda permite sua troca real.

Lá onde a ordem desordenada da linguagem implica a relação contínua com uma arte e com suas tarefas infinitas, a ordem da natureza e a das riquezas se manifestam na existência pura e simples

  • da estrutura e do caráter,
  • do valor e da moeda.

Entretanto, deve-se notar que a ordem natural se formula numa teoria que vale como a justa leitura de uma série ou de um quadro real:

  • a estrutura dos seres é, ao mesmo tempo, tanto a forma imediata do visível quanto sua articulação;
  • do mesmo modo, o caráter designa e localiza num único e mesmo movimento.

Em contrapartida,

  • o valor estimativo só se torna apreciativo mediante uma transformação;
  • e a relação inicial entre o metal e a mercadoria só pouco a pouco se torna um preço sujeito a variações.

No primeiro caso, trata-se de

  • uma superposição exata entre a atribuição e a articulação, entre a designação e a derivação;

no outro caso,

  • de uma passagem que está ligada à natureza das coisas e à atividade dos homens.

Com a linguagem, o sistema de signos é recebido passivamente em sua imperfeição e somente uma arte o pode retificar: a teoria da linguagem é imediatamente prescritiva.

A história natural instaura, de si mesma, para designar os seres, um sistema de signos e, por isso, é uma teoria.

As riquezas são signos que são produzidos, multiplicados, modificados pelos homens; a teoria das riquezas está ligada, de ponta a ponta, a uma política.

No entanto, os dois outros lados do quadrilátero fundamental permanecem abertos.

Como se explica que a designação (ato singular e pontual) permita uma articulação entre a natureza, as riquezas, as representações?

Como se explica, de um modo geral, que os dois segmentos opostos (do juízo e da significação para a linguagem, da estrutura e do caráter para a história natural, do valor e dos preços para a teoria das riquezas) se reportem um ao outro e autorizem assim uma linguagem, um sistema da natureza e o movimento ininterrupto das riquezas?

É aí que é realmente preciso supor que as representações se assemelham entre si e se evocam umas às outras na imaginação; que os seres naturais estão numa relação de vizinhança e de semelhança, que as necessidades dos homens se correspondem e encontram com que se satisfazer.

O encadeamento das representações, a superfície sem ruptura dos seres, a proliferação da natureza são sempre requeridos para que haja linguagem, para que haja uma história natural e para que possa haver riquezas e prática das riquezas.

O continuum da representação e do ser, uma ontologia definida negativamente como ausência do nada, uma representabilidade geral do ser e o ser manifestado pela presença da representação – tudo isso faz parte da configuração de conjunto da epistémê clássica.

Poder-se-á reconhecer, nesse princípio do contínuo, o momento metafisicamente forte do pensamento dos séculos XVII e XVIII (o que permite à forma da proposição ter um sentido efetivo, à estrutura ordenar-se em caráter, ao valor das coisas calcular-se em preço); já as relações entre articulação e atribuição, designação e derivação (o que funda o juízo de um lado e o sentido de outro, a estrutura e o caráter, o valor e os preços) definem, para esse pensamento, o momento cientificamente forte (o que torna possíveis a gramática, a história natural, a ciência das riquezas).

A ordenação da empiricidade se acha assim ligada à ontologia que caracteriza o pensamento clássico; este, com efeito, se acha desde logo no interior de uma ontologia, tornada transparente pelo fato de que o ser é dado sem ruptura à representação; e no interior de uma representação iluminada pelo fato de que ela libera o contínuo do ser.

Quanto à mutação que, por volta do final do século XVIII, se produziu em toda a epistémê ocidental, é possível caracterizá-Ia de longe, desde agora, dizendo

  • que um momento cientificamente forte se constituiu lá onde a epistémê clássica conhecia um tempo metafisicamente forte;
  • e que, em contrapartida, se apurou um espaço filosófico lá onde o classicismo havia estabelecido suas mais sólidas travas epistemológicas.

Com efeito,

  • a análise da produção, como projeto novo da nova “economia política”, tem essencialmente por papel analisar a relação entre o valor e os preços;
  • os conceitos de organismos e organização, os métodos da anatomia comparada, em suma, todos os temas da “biologia” nascente explicam de que modo estruturas observáveis em indivíduos podem valer, a título de caracteres gerais, para gêneros, famílias, ramificações;
  • enfim, para unificar as disposições formais de uma linguagem (sua capacidade para constituir proposições) e o sentido que pertence a suas palavras, a ‘filologia” estudará não mais as funções representativas do discurso, mas um conjunto de constantes morfológicas submetidas a uma história.

Filologia, biologia e economia política se constituem não no lugar da Gramática geral, da História natural e da Análise das riquezas, mas lá onde esses saberes não existiam, no espaço que deixavam em branco, na profundidade do sulco que separava seus grandes segmentos teóricos e que o rumor do contínuo ontológico preenchia.

O objeto do saber, no século XIX, se forma lá mesmo onde acaba de se calar a plenitude clássica do ser.

Inversamente, um espaço filosófico novo vai libertar-se lá onde se desfazem os objetos do saber clássico.

  • O momento da atribuição (como forma do juízo) e o da articulação (como recorte geral dos seres)
    • se separam, fazendo nascer o problema das relações entre
      • uma apofântica e
      • uma ontologia formais;
  • o momento da designação primitiva e o da derivação através do tempo se separam,
    • abrindo um espaço onde se coloca a questão das relações entre
      • o sentido originário
      • e a história.

Assim se acham posicionadas as duas grandes formas da reflexão filosófica moderna.

Uma interroga as relações entre a lógica e a ontologia; procede pelos caminhos da formalização e encontra sob um novo aspecto o problema da máthêsis.

A outra interroga as relações entre a significação e o tempo; empreende um desvelamento que não é e, sem dúvida, jamais será acabado, e traz de novo à luz os temas e os métodos da interpretação.

Sem dúvida, a questão mais fundamental que então se pode colocar para a filosofia concerne à relação entre essas duas formas de reflexão.

Por certo não compete à arqueologia dizer se essa relação é possível nem como pode fundar-se;

  • mas ela pode designar a região onde essa relação busca estabelecer-se, qual o lugar da epistémê em que a filosofia moderna tenta encontrar sua unidade, em que ponto do saber descobre seu mais amplo domínio: esse lugar é aquele onde
    • o formal (do apofântico e da ontologia)
    • se reuniria ao significativo tal como ele se aclara na interpretação.

O problema essencial do pensamento clássico se alojava nas relações entre o nome e a ordem:

  • descobrir uma nomenclatura que fosse uma taxinomia, ou, ainda,
  • instaurar um sistema de signos que fosse transparente à continuidade do ser.

O que o pensamento moderno vai colocar fundamentalmente em questão é a relação do sentido com a forma da verdade e a forma do ser:

  • no céu de nossa reflexão, reina um discurso – um discurso talvez inacessível – que seria a um tempo uma ontologia e uma semântica.

O estruturalismo não é um método novo; é a consciência desperta e inquieta do saber moderno.

VI. A utilidade

Capítulo VI - Trocar; tópico VI. A utilidade

A análise de Condillac, de Galiani, de Graslin, de Destutt corresponde à teoria gramatical da proposição.

Escolhe por ponto de partida

  • não o que é dado numa troca
  • mas o que é recebido:

a mesma coisa, na verdade, mas considerada do ponto de vista daquele que dela necessita, que a demanda e aceita renunciar ao que possui para obter essa outra coisa que estima mais útil e à qual atribui mais valor.

De fato, os fisiocratas e seus adversários percorrem o mesmo segmento teórico, mas num sentido oposto:

  • uns se perguntam sob que condição – e a que custo – um bem pode tornar-se um valor num sistema de trocas,
  • os outros, sob que condição um juízo de apreciação pode transformar-se em preço nesse mesmo sistema de trocas.

Compreende-se por que as análises dos fisiocratas e as dos utilitaristas são frequentemente tão próximas e por vezes complementares;

  • por que Cantillon pôde ser reivindicado por uns – pela sua teoria dos três rendimentos fundiários e pela importância que confere à terra – e por outros – pela sua análise dos circuitos e pelo papel que atribui à moeda (70);
  • por que Turgot pôde ser fiel à fisiocracia em La formation et Ia distribuition des richesses e tão próximo de Galiani em Valeur et monnaie.

Suponhamos a mais rudimentar das situações de troca:

  • um homem que só tem milho ou trigo,
  • e, frente a ele, um outro que só tem vinho ou lenha.

Não há ainda nenhum preço fixado, nem qualquer equivalência, nem qualquer medida comum.

Contudo, se esses homens reuniram essa lenha, semearam e colheram o milho ou o trigo, é porque faziam sobre essas coisas um certo juízo;

  • sem ter de o comparar com o que quer que fosse, julgavam que esse trigo ou essa lenha podia satisfazer uma de suas necessidades – que lhes seria útil:

“Dizer que uma coisa vale é dizer que ela é ou que nós a estimamos boa para algum uso. O valor das coisas está, pois, fundado em sua utilidade ou, o que dá no mesmo, no uso que delas podemos fazer.”(71)

Esse juízo funda o que Turgot chama “valor estimativo” das coisas(72). Valor que é absoluto, pois que concerne a cada mercadoria individualmente, e sem comparação com nenhuma outra; que é, porém, relativo e cambiante, pois que se modifica com o apetite, os desejos ou a necessidade dos homens.

Entretanto, a troca que se realiza com base nessas utilidades primeiras não é sua simples redução a um denominador comum. Em si mesma, é criadora de utilidade, porquanto oferece à apreciação de um o que até então só tinha para o outro pouca utilidade.

Há, nesse momento, três possibilidades.

  1. Ou o “superabundante de cada um”, como diz Condillac(73) o que ele não utilizou ou não conta utilizar imediatamente -, corresponde em qualidade e em quantidade às necessidades do outro:

todo o excedente do proprietário de trigo se revela, na situação de troca, útil ao proprietário de vinho, e reciprocamente; por conseguinte, o que era inútil torna-se totalmente útil por uma criação de valores simultâneos e iguais de cada lado; o que na estimação de um era nulo torna-se positivo na do outro; e como a situação é simétrica, os valores estimativos assim criados são automaticamente equivalentes; utilidade e preço se correspondem por inteiro; a apreciação se ajusta de pleno direito à estimação.

2. Ou, então, o superabundante de um não basta para as necessidades do outro e este se preservará de dar tudo o que possui;

reservará uma parte para obter de um terceiro o complemento indispensável à sua necessidade; essa parte subtraída – e que o parceiro busca reduzir o mais possível, já que tem necessidade de todo o supérfluo do primeiro – faz aparecer o preço: não se troca mais o excesso de trigo pelo excesso de vinho mas, em seguida a uma altercação, dão-se tantos tonéis de vinho por tantos sesteiros de trigo. Dir-se-á que aquele que dá mais perde na troca em relação ao valor do que possuía? Não propriamente, pois esse supérfluo é para ele sem utilidade ou, em todo o caso, posto que aceitou trocá-lo, é porque confere mais valor àquilo que recebe do que àquilo que abandona.

3. Enfim, terceira hipótese, nada é absolutamente supérfluo para ninguém, pois cada um dos dois parceiros sabe que pode utilizar, a prazo mais ou menos longo, a totalidade daquilo que possui:

o estado de necessidade é geral e cada parcela de propriedade se torna riqueza. Portanto, os dois parceiros podem muito bem nada trocar; mas cada um pode igualmente estimar que uma parte da mercadoria do outro lhe seria mais útil que uma parte da sua própria. Um e outro estabelecem – e cada um para si, portanto segundo um cálculo diferente – uma desigualdade mínima: tantas medidas de milho que eu não tenho, diz um, valerão para mim um pouco mais que tantas medidas de minha lenha; tal quantidade de lenha, diz o outro, me será mais preciosa que tantas de milho. Essas duas desigualdades estimativas definem para cada um o valor relativo que confere ao que possui e ao que não detém. Para ajustar essas duas desigualdades, não há outro meio senão estabelecer entre elas a igualdade de duas relações: a troca se fará quando a relação do milho com a lenha para um tornar-se igual à relação da lenha com o milho para o outro. Enquanto o valor estimativo se define unicamente pelo jogo de uma necessidade e de um objeto – portanto, por um interesse único num indivíduo isolado – no valor apreciativo, tal como aparece agora,

“há dois homens que comparam e há quatro interesses comparados; mas os dois interesses particulares de cada um dos dois contratantes foram primeiro comparados à parte, entre si, e os resultados é que são em seguida comparados conjuntamente para formar um valor estimativo médio”;

essa igualdade da relação permite dizer, por exemplo, que quatro medidas de milho e cinco braças de lenha têm um valor permutável igual(74). Essa igualdade, porém, não quer dizer que se troca utilidade por utilidade em porções idênticas; trocam-se desigualdades, o que quer dizer que dos dois lados – e ainda que cada elemento do mercado tenha tido uma utilidade intrínseca – adquire-se mais valor do que se possuía. Em vez de duas utilidades imediatas, dispõe-se de duas outras que são reputadas capazes de satisfazer necessidades maiores.

Tais análises mostram o entrecruzamento do valor e da troca; não se trocaria se não existissem valores imediatos – isto é, se não existisse nas coisas “um atributo que lhes é acidental e que depende unicamente das necessidades do homem como o efeito depende de sua causa”(75).

Mas a troca, por sua vez, cria valor. E isso de duas maneiras.

1. Primeiramente torna úteis coisas que sem ela seriam de utilidade fraca ou talvez nula:

que pode valer um diamante para os homens que têm fome ou necessidade de se vestir? Basta, porém, que exista no mundo uma mulher a quem se deseja agradar e um comércio suscetível de trazê-Ia às suas mãos, para que a pedra se torne “riqueza indireta para seu proprietário que dela não precisa… o valor desse objeto é para ele um valor de troca”(76) e ele poderá nutrir-se vendendo o que só serve para brilhar: daí a importância do luxo(77), daí o fato de haver diferença do ponto de vista das riquezas, entre necessidade, comodidade e prazer(78).

2. Por outro lado, a troca faz nascer um novo tipo de valor, que é “apreciativo”:

organiza entre as utilidades uma relação recíproca, que duplica a relação com a simples necessidade. E, sobretudo, modifica-a: é que, na ordem da apreciação, da comparação, pois, de cada valor com todos, a menor criação nova de utilidade diminui o valor relativo daquelas que já existem. O total das riquezas não aumenta, apesar do aparecimento de novos objetos que podem satisfazer as necessidades; toda produção faz nascer somente “uma nova ordem de valores relativamente à massa das riquezas; os primeiros objetos da necessidade terão diminuído de valor para dar lugar, na massa, ao novo valor dos objetos de comodidade ou de prazer”(79).

A troca é, portanto,

  • o que aumenta os valores (fazendo aparecer novas utilidades que, ao menos indiretamente, satisfazem necessidades);
  • mas é igualmente o que diminui os valores (uns em relação aos outros na apreciação que se faz de cada um).

Por ela, o não-útil torna-se útil e, na mesma proporção, o mais útil torna-se menos útil. Tal é o papel constitutivo da troca no jogo de valor: dá um preço a todas as coisas e abaixa o preço de cada uma.

Vê-se que os elementos teóricos são os mesmos nos fisiocratas e nos seus adversários. O corpo das proposições fundamentais lhes é comum:

  • toda riqueza nasce da terra;
  • o valor das coisas está ligado à troca;
  • a moeda vale como a representação das riquezas em circulação;
  • a circulação deve ser tão simples e completa quanto possível.

Esses elementos teóricos, porém, são dispostos pelos fisiocratas e pelos “utilitaristas” numa ordem que é inversa; e, em consequência desse jogo das disposições, o que para uns tem um papel positivo torna-se negativo para os outros.

Condillac, Galiani, Graslin partem da troca das utilidades como fundamento subjetivo e positivo de todos os valores; tudo o que satisfaz a necessidade tem portanto um valor, e toda transformação ou toda transposição que permita satisfazer as mais numerosas necessidades constitui um aumento de valor: é esse aumento que permite retribuir os operários, dando-lhes, subtraído desse crescimento, o equivalente de sua subsistência. Mas todos esses elementos positivos que constituem o valor repousam sobre um certo estado de necessidades nos homens, portanto, sobre o caráter finito da fecundidade da natureza.

Para os fisiocratas, a mesma série deve ser percorrida ao inverso: toda transformação e todo trabalho sobre os produtos da terra são retribuídos pela subsistência do operário; estabelecem-se, portanto, pela diminuição do total dos bens; o valor só nasce onde houver consumo. Portanto, para que o valor apareça, é preciso que a natureza seja dotada de uma fecundidade indefinida.

Tudo o que é percebido positivamente e como que em relevo numa das duas leituras é percebido como que em recôncavo, negativamente, na outra.

Os “utilitaristas” fundam sobre a articulação das trocas a atribuição às coisas de um certo valor; os fisiocratas explicam pela existência das riquezas a determinação progressiva dos valores.

Nuns e noutros, porém, a teoria do valor, como a da estrutura na história natural, liga o momento que atribui ao que articula.

Teria sido talvez mais simples dizer que

  • os fisiocratas representavam os proprietários fundiários,
  • e os “utilitaristas”, os comerciantes e os empresários.

Que estes, por consequência, acreditavam no aumento do valor quando as produções naturais se transformavam ou se deslocavam; que, por força das coisas, estavam preocupados com uma economia de mercado em que as necessidades e os desejos faziam a lei.

Que os fisiocratas, em contrapartida, só acreditavam na produção agrícola e reivindicavam para ela uma retribuição melhor; que, sendo proprietários, atribuíam à renda fundiária um fundamento natural e que, reivindicando o poder político, pretendiam ser os únicos sujeitos submetidos ao imposto, portadores, portanto, dos direitos que ele confere. E certamente, através da coerência de interesses, reencontrar-se-iam as grandes opções econômicas de uns e de outros.

Mas, se o fato de pertencer a um grupo social pode sempre explicar que este ou aquele tenha escolhido um sistema de pensamento de preferência a outro, a condição para que esse sistema tenha sido pensado não reside jamais na existência desse grupo.

É preciso distinguir com cuidado duas formas e dois níveis de estudos.

  • Um seria uma pesquisa de opiniões para saber
    • quem, no século XVIII, foi fisiocrata e quem foi antifisiocrata;
    • quais os interesses em jogo;
    • quais os pontos e os argumentos da polêmica;
    • como se desenrolou a luta pelo poder.
  • O outro, sem levar em conta personagens nem sua história, consiste em definir as condições a partir das quais foi possível pensar, em formas coerentes e simultâneas,
    • o saber “fisiocrático”
    • e o saber “utilitarista”.

A primeira análise seria pertinente a uma doxologia.

A arqueologia só pode reconhecer e praticar a segunda.

 
 

V. A formação do valor

Capítulo VI - Trocar; tópico V. A formação do valor

A teoria da moeda e do comércio responde à questão:

  • como podem os preços, no movimento das trocas, caracterizar as coisas –
    • como pode a moeda estabelecer entre as riquezas um sistema de signos e de designação?

A teoria do valor responde a uma questão que se cruza com esta, interrogando, como que em profundidade e verticalmente, a região horizontal onde as trocas se efetuam indefinidamente:

  • por que há coisas que os homens buscam trocar,
  • por que umas valem mais que outras,
  • por que algumas, que são inúteis, têm um valor elevado, enquanto outras, indispensáveis, têm valor nulo?

Já não se trata, pois, de saber segundo qual mecanismo as riquezas podem se representar entre si (e mediante essa riqueza universalmente representativa que é o metal precioso), mas

  • por que os objetos do desejo e da necessidade hão de ser representados,
  • como se estabelece o valor de uma coisa
  • e por que se pode afirmar que ela vale tanto ou tanto.

Valer, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

Num sentido,

  • é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisição finalmente se produzam.

Mas, por outro lado,

  • o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede;
  • e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras,

  • para que, numa troca, uma coisa possa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor;
  • e, contudo, o valor só existe no interior da representação (atual ou possível),
    • isto é, no interior da troca ou da permutabilidade.

Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

  • uma analisa o valor no ato mesmo da troca, no ponto de cruzamento entre
    • o dado
    • e o recebido;
  • outra analisa-o como anterior à troca
    • e como condição primeira para que esta possa ocorrer.

1. A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da proposição;

2. a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das

    • designações primitivas –
    • linguagem de ação ou raiz;

no primeiro caso, com efeito,

  • a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras;
    • o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

na outra forma de análise,

  • a linguagem está enraizada fora de si mesma e como que na natureza ou nas analogias das coisas;
    • a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.

Mas, para a gramática, estas duas formas de análise –

  • a partir da proposição
  • ou a partir das raízes

– são perfeitamente distintas, porque se trata da linguagem – isto é, de um sistema de representações que é encarregado ao mesmo tempo de designar e de julgar ou, ainda, que tem relação ao mesmo tempo com um objeto e com uma verdade.

Na ordem da economia, essa distinção não existe, pois, para o desejo,

  • a relação com seu objeto
  • e a afirmação de que ele é desejável

constituem uma única e mesma coisa; designá-Io já é estabelecer o liame.

De sorte que onde a gramática dispunha de dois segmentos teóricos separados e ajustados um ao outro, formando

  • primeiro uma análise da proposição
    (ou do juízo),
  • depois uma análise da designação
    (do gesto ou da raiz),

a economia só conhece um único segmento teórico, mas que é suscetível simultaneamente de duas leituras feitas em sentido inverso.

Uma

  • analisa o valor a partir da troca dos objetos da necessidade – objetos úteis;

a outra,

  • a partir da formação e do nascimento de objetos cujo valor a troca definirá em seguida – a partir da prolixidade da natureza.

Reconhece-se, entre essas duas leituras possíveis, um ponto de heresia que nos é familiar: ele separa

  • o que se chama “teoria psicológica” de Condillac, de Galiani, de Graslin,
  • da dos fisiocratas, com Quesnay e sua escola.

Certamente, a fisiocracia não tem a importância que lhe atribuíram os economistas na primeira metade do século XIX, quando nela buscavam o ato de fundação da economia política; mas seria igualmente vão, sem dúvida, atribuir o mesmo papel – como o fizeram os marginalistas – à “escola psicológica”.

Entre esses dois modos de análise, as únicas diferenças são o ponto de origem e a direção escolhidos para percorrer uma rede de necessidade que permanece idêntica.

Para que haja valores e riquezas, é preciso, dizem os fisiocratas, que uma troca seja possível: isto é,

  • que se disponha de um supérfluo
  • de que o outro tenha precisão.

O fruto de que tenho fome, que colho e que como é um bem que me oferece a natureza; só haverá riqueza se os frutos de minha árvore forem numerosos o bastante para excederem meu apetite.

É preciso ainda que um outro tenha fome e os peça a mim.

“O ar que respiramos”, diz Quesnay, “a água que obtemos do rio e todos os outros bens ou riquezas superabundantes e comuns a todos os homens não são comerciáveis: são bens, não riquezas.”(56)

Antes da troca, há somente essa realidade, rara ou abundante, que a natureza fornece; unicamente

  • a demanda de um
  • e a renúncia de outro

são capazes de fazer aparecer valores.

Ora, as trocas têm precisamente por fim repartir os excedentes de maneira que sejam distribuídos aos que deles carecem.

Não são, pois, “riquezas” senão a título provisório, durante o tempo em que, presentes em uns e ausentes em outros, começam e realizam o trajeto que, conduzindo-os aos consumidores, os restituirá à sua natureza primitiva de bens.

“A finalidade da troca”, diz Mercier de La Riviere, “é o desfrute, o consumo, de sorte que o comércio pode ser definido sumariamente: troca das coisas usuais para chegar à sua distribuição entre as mãos de seus consumidores.”(57)

Ora, essa constituição do valor pelo comércio(58) não se pode fazer sem uma subtração de bens: com efeito, o comércio transporta as coisas, acarreta gastos de transporte, de conservação, de transformação, de colocação à venda(59): em suma, custa um certo consumo de bens para que os próprios bens sejam transformados em riquezas.

O único comércio que nada custaria seria a permuta pura e simples; os bens aí só são riquezas e valores por um tempo ínfimo, durante o instante da troca:

“Se a troca pudesse ser feita imediatamente e sem gastos, só podia haver mais vantagem para os dois permutadores: por isso há um enorme equívoco em tomar por comércio mesmo as operações intermediárias que servem para efetuar o comércio.”(60)

Os fisiocratas só contam com a realidade material dos bens: e a formação do valor nas trocas torna-se então dispendiosa e se estabelece mediante a dedução dos bens existentes. Constituir valor não é, pois, satisfazer necessidades mais numerosas; é sacrificar bens em troca de outros.

Os valores formam o negativo dos bens.

  • Mas como pode o valor assim se constituir?
  • Qual a origem deste excedente que permite aos bens se transformarem em riquezas sem com isso se exaurirem e desaparecerem por força de trocas sucessivas e de circulação?
  • Como ocorre que o custo dessa formação incessante de valor não esgote os bens que estão à disposição dos homens?
  • Pode o comércio encontrar em si mesmo esse suplemento necessário? Certamente não, pois que ele se propõe trocar valor por valor e segundo a maior igualdade possível.

“Para receber muito é preciso dar muito; e para dar muito é preciso receber muito. Eis aí toda a arte do comércio. O comércio, por sua natureza, não faz mais que trocar conjuntamente coisas de valor igual.”(61)

Por certo, uma mercadoria, alcançando um mercado distante, pode ser trocada por um preço superior ao que obteria no lugar de origem: mas esse aumento corresponde às despesas reais de transporte; e, se ela nada perde com isso, é porque a mercadoria estagnada pela qual foi trocada perdeu esses gastos de transporte no seu próprio preço. Por mais que se conduzam as mercadorias de um extremo ao outro do mundo, o curso da troca é sempre subtraído dos bens trocados.

Não é o comércio que produziu esse supérfluo. É necessário que essa pletora exista para que o comércio se torne possível.

Tampouco a indústria é capaz de retribuir o custo de formação do valor. Com efeito, os produtos das manufaturas podem ser postos à venda segundo dois regimes.

1. Se os preços são livres, a concorrência tende a fazer baixar o valor, de sorte que, além da matéria-prima, eles cobrem quase estritamente o trabalho do operário que a transformou; conforme a definição de Cantillon, esse salário corresponde à subsistência do operário durante o tempo em que ele trabalha; sem dúvida, é preciso acrescentar ainda a subsistência e os benefícios do empresário; mas, de todo modo, o aumento de valor devido à manufatura representa o consumo daqueles que ela retribui; para fabricar riquezas, foi preciso sacrificar bens:

“O artesão destrói em subsistência tanto quanto o que produz por seu trabalho.”(62)

2. Quando há um preço de monopólio, os preços de venda dos objetos podem elevar-se consideravelmente. Mas não é então que o trabalho dos operários é mais bem retribuído: a concorrência entre eles tende a manter seus salários ao nível do que é estritamente indispensável para sua subsistência(63); quanto aos benefícios dos empresários, é verdade que os preços de monopólio os fazem crescer, na medida em que aumenta o valor dos objetos postos no mercado; mas esse aumento não é senão a baixa proporcional do valor de troca das outras mercadorias:

“Todos esses empresários só fazem fortunas porque outros fazem despesas.”(64)

Aparentemente, a indústria aumenta os valores; de fato, ela subtrai da própria troca o preço de uma ou de várias subsistências. O valor não se forma nem cresce graças à produção, mas ao consumo. Quer seja o do operário que garante sua subsistência, quer o do empresário que colhe benefícios, quer o do ocioso que compra:

“O crescimento do valor venal que é devido à classe estéril é o efeito da despesa do operário e não do seu trabalho. Pois o homem ocioso que despende sem trabalhar produz, sob esse aspecto, o mesmo efeito.”(65) o valor só aparece onde os bens desaparecem; e o trabalho funciona como uma despesa: ele constitui um preço da subsistência que ele próprio consumiu.

Isso é verdade mesmo para o trabalho agrícola. O operário que lavra não tem um estatuto diferente daquele que tece ou que transporta; ele é apenas uma “das ferramentas do trabalho ou do cultivo”(66) – ferramenta que necessita de uma subsistência e a subtrai dos produtos da terra. Como em todos os outros casos, a retribuição do trabalho agrícola tende a se ajustar exatamente a essa subsistência.

Contudo, há um privilégio, não econômico – no sistema de trocas -, mas físico, na ordem da produção de bens: é que a terra, quando trabalhada, fornece uma quantidade de subsistência possível bem superior ao que é necessário ao cultivador. Enquanto trabalho retribuído, o labor do operário agrícola é, pois, tão negativo e dispendioso quanto o dos operários de manufatura; mas, enquanto “comércio físico” com a natureza(67), nela suscita uma fecundidade imensa.

E se é verdade que essa prolixidade é retribuída de antemão pelos preços de lavoura, de sementeiras, de alimento para os animais, sabe-se bem que se achará uma espiga onde se semeou um grão; e os rebanhos “engordam cada dia, mesmo durante o seu repouso, o que não pode ser dito de um fardo de seda ou de lã nos depósitos”(68).

A agricultura é o único domínio onde o crescimento de valor devido à produção não é equivalente à manutenção do produtor. É que, na verdade, há um produtor invisível que não precisa de nenhuma retribuição; é a ele que o agricultor se acha associado sem o saber; e, no momento em que o lavrador consome tanto quanto trabalha, esse mesmo trabalho, por virtude de seu Co-Autor, produz todos os bens dos quais será subtraída a formação dos valores:

“A Agricultura é uma manufatura de instituição divina, em que o fabricante tem por sócio o Autor da natureza, o próprio Produtor de todos os bens e de todas as riquezas.”(69)

Compreende-se a importância teórica e prática que os fisiocratas conferiram à renda fundiária – e não ao trabalho agrícola. É que este é retribuído por um consumo, enquanto a renda fundiária representa, ou deve representar, o produto líquido: a quantidade de bens que a natureza fornece, além da subsistência que ela assegura ao trabalhador e da retribuição que ela própria requer para continuar a produzir. É essa renda que permite transformar os bens em valores ou em riquezas. Ela fornece aquilo com que retribuir todos os outros trabalhos e todos os consumos que lhes correspondem.

Daí, duas preocupações maiores:

  • colocar à sua disposição uma grande quantidade de numerário para que ela possa alimentar o trabalho, o comércio e a indústria;
  • velar para que seja absolutamente protegida a parte de adiantamento que deve retornar à terra para lhe permitir produzir mais.

O programa econômico e político dos fisiocratas comportará, pois, necessariamente:

  • um aumento dos preços agrícolas, mas não dos salários daqueles que trabalham a terra;
  • a subtração de todos os impostos da própria renda fundiária;
  • uma abolição dos preços de monopólio e de todos os privilégios comerciais (a fim de que a indústria e o comércio, controlados pela concorrência, mantenham forçosamente o preço justo);
  • um vasto retomo do dinheiro à terra para os adiantamentos que são necessários às colheitas futuras.

Todo o sistema de trocas, toda a formação dispendiosa dos valores são reportados a essa troca desequilibrada, radical e primitiva que se estabelece entre os adiantamentos do proprietário e a generosidade da natureza. Somente essa troca é absolutamente beneficiária e é no interior desse lucro líquido que podem ser subtraídas as despesas de que cada troca necessita, o aparecimento, pois, de cada elemento de riqueza.

Seria falso dizer que a natureza produz espontaneamente valores; mas ela é a fonte infatigável de bens que a troca transforma em valores, não sem despesas nem consumo.

Quesnay e seus discípulos analisam as riquezas a partir do que se dá na troca – isto é, desse supérfluo que existe sem nenhum valor mas que se torna valor ao entrar no circuito de substituições, em que deverá compensar cada um de seus deslocamentos, cada uma de suas transformações, com salários, alimento, subsistência, em suma, com uma parte desse excedente ao qual ele próprio pertence.

Os fisiocratas começam sua análise pela própria coisa que se acha designada no valor, mas que preexiste ao sistema das riquezas. O mesmo ocorre com os gramáticos quando analisam as palavras a partir da raiz, da relação imediata que une um som e uma coisa, e das abstrações sucessivas mediante as quais essa raiz se torna um nome numa língua.

 
 
Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes - abrangências muito diferentes
]
Caos como um tipo de ordem instável
em que as sequências temporais são muito complexas e revelam estruturas
que nos permitem melhor entender o mundo que nos cerca

Paleta de ideias ou elementos de imagem
presentes na configuração de pensamento clássico

Las meninas, Diego Velázquez, 1656; óleo sobre tela; Museu do Prado, Madrid, Espanha

O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

Proposição instanciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
designações primitivas inativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes e ativados; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
recuperada desde o Repositório para objeto desta operação
Proposição explicativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
Proposição enunciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção inexistentes; linguagem de ação ou raiz não contém a representação para essa empiricidade objeto
a proposição no pensamento clássico
ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca
a proposição no pensamento moderno: ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca
ECA-moderno
Características do pensamento moderno
o de depois de 1825
ECA-Clássico
Características do pensamento clássico
o de antes de 1775
homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775,
considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
como um gênero, ou uma espécie
os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
no livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
caminho do Instanciamento da representação, com valor já atribuído;
que tem início novamente no interior do Circuito das trocas
fontes de valor para a representação em construção: a) designações primitivas; b) linguagem de ação ou taiz.

Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
do pensamento
funcionamento das operações no pensamento clássico
Modelo de
Operação de produção
relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
e o sistema Input-Output
do LE da figura.
Modelo da 
Organização de produção
Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
múltiplos sistemas de categorias
Modelo de operações
e de organização
Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
Modelo de  Operação
contábil-financeira
O modelo de operação
no sistema contábil-financeiro
Modelo da  Organização
ponto de vista financeiro
a organização no sistema contábil-financeiro

Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
de operação do pensamento
O funcionamento das operações no pensamento moderno
Modelo de
Operação de produção
relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e 'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'
Modelo da 
Organização de produção
o modelo de organização 'Mapa da atividade semicondutores', da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
instanciamento de representação
O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
do movimento Reengenharia

O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

Assim, estes três pares,

  • função e norma,
  • conflito e regra,
  • significação e sistema,

cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

  • do nível da psicologia,
  • da sociologia
  • ou da análise das linguagens

é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

  • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 III. Os três modelos
Michel Foucault 

O Triedro dos saberes: eixos e faces
espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
O interior ao Triedro dos saberes
o espaço das Ciências humanas

Aquém do objeto

Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

  • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
existem desde sempre e para sempre,
e integram o Universo em uma visão única.

Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

Diante do objeto

No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

  • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

  • Ciências da vida (Biologia):


    função-norma
    ;

  • Ciências do trabalho (Economia):


    conflito-regra;

  • Ciências da Linguagem (Filologia):

    significação-sistema.

Além do objeto

No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

  • da Vida-(Biologia),
  • do Trabalho-(Economia)
  • e da Linguagem-(Filologia).

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

  • Ciências da vida  (Biologia):
    função-norma;

    +
    Ciências do trabalho (Economia):

    conflito-regra;
    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    significação-sistema.

Sob ciências humanas como:

  • economia política;
  • sociologia,
  • psicologia e psicanálise

estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

- Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno - caminho da Construção da representação
- Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
O Lugar de nascimento do que é empírico
lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
O Circuito das trocas
as chaves horizontais amarelas
onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
não se altera

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é
o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

[veja citação 2 à esquerda]

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

3assim também a História,
a partir do século XIX,
define o
lugar de nascimento
do que é empírico,
lugar onde,
aquém
de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

- Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno - caminho da Construção da representação
- Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é
o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

[veja citação 2 à esquerda]

assim também a História,
a partir do século XIX,
define o
lugar de nascimento
do que é empírico,
lugar onde,
aquém de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

Questões/Perguntas

_thumb história do livro

A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,
 – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

- Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno - caminho da Construção da representação
- Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
O Lugar de nascimento do que é empírico
lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
O Circuito das trocas
as chaves horizontais amarelas
onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
não se altera

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é
o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

[veja citação 2 à esquerda]

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

3assim também a História,
a partir do século XIX,
define o
lugar de nascimento
do que é empírico,
lugar onde,
aquém
de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

Questões/Perguntas

_thumb história do livro

A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,  – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço no caminho,
encontradas por Foucault durante seu trabalho no livro
‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’

exemplos de modelos de operações e de organizações muito usados ainda hoje, mostrando esses dois obstáculos presentes entre nós atualmente.

os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
no livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
Michel Foucault
1926-1984

“Eis que nos adiantamos
bem para além do acontecimento histórico
que se impunha situar
– bem para além das margens cronológicas dessa ruptura
que divide, em sua profundidade,
a epistémê do mundo ocidental
e isola para nós o começo de certa
maneira moderna de conhecer as empiricidades.

É que o pensamento que nos é contemporâneo
e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
se acha ainda muito dominado

1 pela impossibilidade
trazida à luz por volta 
do fim do século XVIII, 
de fundar as sínteses
no espaço da representação:

2 e pela obrigação 
correlativa, simultânea, 

mas logo dividida contra si mesma, 
de abrir o campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, 
para além do objeto, 

esses “quase-transcendentais” 
que são para nós 
Vida, o Trabalho, a Linguagem.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;

Capítulo VIII – Trabalho, vida e linguagem;
tópico I – As novas empiricidades

no pensamento clássico
aquém do objeto
antes de 1775

no pensamento moderno
diante do objeto
depois de 1825

espaço interior
Triedro dos saberes
para além do objeto
reservado às
Ciências humanas

comparações de diferentes configurações de pensamento feitas por Michel Foucault
A impossibilidade
[no pensamento clássico,
LE da figura]
contra a sim-possibilidade
[no pensamento moderno,
LD da figura]
de fundar as sínteses
[da empiricidade objeto]
no espaço da representação.
o espaço interno do
Triedro dos saberes
- o habitat das ciências humanas -
mostrando o modelo constituinte composto e comum a todas as Ciências Humanas

Os obstáculos no caminho de Foucault 

aquém do objeto

diante do objeto

para além do objeto

0 Foucault havia anteriormente identificado o perfil do pensamento no período clássico, com uma configuração tal que a capacidade (ou a possibilidade – e mesmo a intenção) de fundar as sínteses – dos objetos de operações cujas representações resultassem dessas operações – no espaço da representação não era sequer cogitada:

  • em razão dos pressupostos adotados,

e principalmente, em razão 

  • do tipo de leitura feita do fenômeno ‘operações’ das trocas, 
    • na leitura então feita, o ponto de início do fenômeno  ‘operações’, estava inserido no exato momento em que a troca tem todas as condições para acontecer; (os dois objetos da troca – o dado e o obtido –  tinham representações disponíveis e já carregadas de valor).

1 Michel Foucault relata a seguinte situação:

  • ele havia delineado um tipo de pensamento ‘com o qual queiramos ou não pensamos’, um pensamento que segundo ele ‘tem a nossa idade e a nossa geografia’,
    • com a possibilidade de fundar as sínteses (da empiricidade objeto da operação) no espaço da representação;

para conseguir fundar as sínteses no espaço da representação,

  • foi necessário alterar profundamente todos os pressupostos

e a leitura feita do que seja uma operação e a análise de valor, exigiram:

  • o deslocamento do ponto de inserção da análise desde o ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
  • para um ponto antes da possibilidade da troca, quando os elementos que dão as condições de efetivação dessa troca, ainda não existissem,

incorporando à análise, a operação de construção da representação nova. 

E ele havia percebido que esse pensamento com o qual queiramos ou não pensamos

  • estava muito contaminadodominado, mesmo –
    • justamente pela impossibilidade de fazer isso (essa fundação das sínteses do objeto da operação no espaço da representação), sendo esta impossibilidade  uma característica do pensamento clássico.

2 Ele percebia ainda uma obrigação a cumprir:

  • a de abrir o campo transcendental da subjetividade
    • e constituir, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem.

Ele descobre que operações nos domínios das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem podem ser expressos completamente em cada domínio, por pares de modelos constituintes:

  • Vida(Biologia)
    • função-norma;
  • Trabalho(Economia)
    • conflito-regra;
  • Linguagem(Filologia)
    • significação sistema;

e que os modelos constituintes das Ciências humanas são sempre compostos por uma combinação desses três pares de modelos constituintes.

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

  • Ciências da vida  (Biologia):
    [função-norma];

    +
    Ciências do trabalho (Economia):
    [conflito-regra];
    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    [significação-sistema].

Podemos ver a atualidade dessa percepção de Foucault
com Exemplos de modelos para operações e organizações
construídos sobre estruturas de conceitos
uns que não permitem, e outros que ao contrário sim permitem
a fundação das sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação.

Veja isso aqui.

Os tratamentos dados ao homem em nossa cultura, no pensamento clássico e no moderno, segundo Michel Foucault; 

e as ideias – ou elementos de imagem – requeridos para compor estruturalmente modelos de operações e modelos de organizações
com os respectivos tratamentos dados ao homem

homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775, considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
como um gênero, ou uma espécie
homem no sistema de operações do pensamento moderno, o de depois de 1825 considerado em sua duplicidade de papéis:
1. raiz e fundamento de toda positividade
2. elemento do que é empírico.

“Instaura-se
uma forma de reflexão
bastante afastada
do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão
segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado,
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
V. O cogito e o impensado
Michel Foucault 

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

“No pensamento clássico,
aquele para quem
a representação existe,
e que nela se representa a si mesmo,
aí se reconhecendo
por imagem ou reflexo,
aquele que trama
todos os fios entrecruzados
da “representação em quadro” -,
esse [o ser do homem]
jamais se encontra lá presente.

Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.

Sem dúvida,
as ciências naturais
trataram do homem como 

  • de uma espécie
  • ou de um gênero

a discussão
sobre o problema das raças,
no século XVIII, o testemunha.
A gramática e a economia,
por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade,
de desejo,
ou de memória
e de imaginação.”

Mas não havia
consciência epistemológica

do homem como tal.

“Antes do fim do século XVIII,
o homem não existia.”

“O modo de ser do homem,
tal como se constituiu
no pensamento moderno,
permite-lhe desempenhar dois papéis:
está, ao mesmo tempo,

  • no fundamento
    de todas as positividades,
  • presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
    no elemento
    das coisas empíricas.

Esse fato
– e não se trata aí
da essência em geral do homem,
mas pura e simplesmente
desse a priori histórico que,
desde o século XIX,
serve de solo quase evidente
ao nosso pensamento –
esse fato é, sem dúvida, decisivo
para o estatuto a ser dado
às “ciências humanas”,
a esse corpo de conhecimentos
(mas mesmo esta palavra
é talvez demasiado forte:
digamos,
para sermos mais neutros ainda,
a esse conjunto de discursos)
que toma por objeto o homem
no que ele tem de empírico.”

É possível pensar as condições em que se dá a subjetividade de um ‘homem’ tratado como espécie, ou gênero?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX – O homem e seus duplos;
II. O lugar do rei
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 I. O triedro dos saberes
Michel Foucault 

Veja o ponto “2. as possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações de troca’ e respectivas possibilidades de análise de valor que elas nos permitem fazer”

Parece ser a opção de leitura da ‘operação de troca’ deslocada para um ponto antes das existência dos objetos da troca o que arrasta o ser do homem e cada objeto da troca para a Forma de reflexão que se instaura em nossa cultura.

O fenômeno ‘operações’ (em qualquer área): visões com duas abrangências muito diferentes dependendo da leitura que fazemos.

As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ – de qualquer tipo – e a análise das diferentes origens do valor carregado pelas proposições para as representações em função da inserção do ponto de início de leitura de ‘operações’; 

Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
com duas amplitudes - duas abrangências muito diferentes

Note-se que as condições para a ocorrência da troca – a existência simultânea dos dois objetos de troca, o que é dado e o que é recebido – são satisfeitas em duas situações:

  • 1. no pensamento clássico pelo posicionamento do ponto de início de leitura sob essa condição, quer dizer, a existência prévia do que é dado e do que é recebido;
  • 2. no pensamento moderno, pela satisfação dessa pré-condição no início do Instanciamento da representação, porém com a condição da execução anterior da Construção da representação, também incluída no escopo da operação. 

Nos pontos marcados por setas amarelas para baixo (1) e (2) as pré-condições para a ocorrência da troca são dadas, qualquer que seja a estrutura de pensamento – clássico ou moderno – segundo o pensamento de Michel Foucault.

O que não muda entre essas duas possibilidades

A proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações e suas duas possibilidades de carregamento de valor, quanto às respectivas origens

A proposição é para a linguagem
o que a representação é
para o pensamento:
sua forma, ao mesmo tempo
mais geral e mais elementar,
porquanto, desde que a decomponhamos, não reencontraremos mais o discurso,
mas seus elementos
como tantos materiais dispersos.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV  – Falar;
tópico III – Teoria do verbo
Michel Foucault 

(…) Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O que sim muda entre essas duas possibilidades

A origem do valor carregado pelo veículo de carregamento de valor na representação: a proposição, sempre, porém em linguagens essencialmente diferentes e representações com origens de valor distintas.

“Valer, para o pensamento clássico,
é primeiramente valer alguma coisa,
poder substituir essa coisa num processo de troca.

A moeda só foi inventada,
os preços só foram fixados e só se modificam
na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples
apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta,
quando cada um dos dois parceiros
reconhece um valor
para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois,
que as coisas permutáveis,
com seu valor próprio,
existam antecipadamente nas mãos de cada um,
para que a dupla cessão e a dupla aquisição
finalmente se produzam.

Mas, por outro lado,

  • o que cada um come e bebe,
    aquilo de que precisa para viver
    não tem valor
    enquanto não o cede;
  • e aquilo de que não tem necessidade
    é igualmente desprovido de valor
    enquanto não for usado
    para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras,
para que, numa troca,
uma coisa possa representar outra,
é preciso que elas existam
já carregadas de valor;
e, contudo,
o valor só existe
no interior da representação

  • (atual [troca imediata]
  • ou possível [permutabilidade]),

isto é, no interior

  1. da troca
    [representação existente]
  2. ou da permutabilidade
    [representação possível]
    .

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

O funcionamento da troca em cada uma das duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operação’: no ato mesmo da troca; ou anterior à troca, na criação das condições de troca

“Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

  1. leitura já dadas as condições de troca;
  2. leitura na permutabilidade, isto é na criação de condições de troca

1 uma analisa o valor
no ato mesmo da troca,
no ponto de cruzamento
entre o dado e o recebido;

  • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra
    • toda a essência da linguagem no interior da proposição;

3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

2 outra analisa-o
como anterior à troca
e como condição primeira
para que esta possa ocorrer.

  • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das
    • designações primitivas
    • linguagem de ação ou raiz;

4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

fora de si mesma e como que

    • na natureza, ou nas   
    • analogias das coisas;

a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

Esta segunda leitura para ‘operações’
– que orienta a análise de valor
desde antes do momento da troca -,
não é possível sem a presença do homem
na estrutura dos modelos.

Isso fica bastante claro com a descrição da forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Esses dois pontos de inserção da leitura da operação de troca
mostrados nos modelos de operações

Colocando o ponto de inserção de leitura do fenômeno ‘operações’ antes da existência dos objetos envolvidos na troca, ocorre uma portentosa ampliação no escopo da operação – de qualquer natureza -, incorporando toda a etapa de construção de representação nova. Veja isso aqui.

As características das duas configurações do pensamento:

  • a do pensamento clássico, de antes de 1775;
  • e a do pensamento moderno, de depois de 1825

características de características, ou características de segunda ordem,
das configurações do pensamento em cada caso.

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

_Estrutura IO-transformação
Os princípios organizadores
sob o pensamento clássico:
o de antes de 1775
'Caráter' e 'Similitude'
Características do pensamento clássico, o de antes de 1775
Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
o de depois de 1825
'Analogia' e 'Sucessão'
Características do pensamento moderno, o de depois de 1825

“Instaura-se
uma forma de reflexão
bastante afastada
do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão
segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado,
e com ele se articula.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
V. O cogito e o impensado
Michel Foucault 

“Assim o círculo se fecha.

Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

Mas que são esses sinais? 

Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

  • que há aqui um caráter 

no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

  • – É a semelhança

Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

  • o signo da simpatia resida na analogia, 
  • o da analogia na emulação, 
  • o da emulação na conveniência, 

que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

  • a marca da simpatia… 

A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

De sorte que se vêem surgir,
como princípios organizadores
desse espaço de empiricidades, 

  • a Analogia 
  • e a Sucessão

de uma organização a outra,
o liame, com efeito,
não pode mais ser
a identidade de um
ou vários elementos,
mas a identidade
da relação entre os elementos
(onde a visibilidade
não tem mais papel)
e da função que asseguram;
ademais, se porventura essas organizações se avizinham
por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
localizações próximas
num espaço de classificação,
mas sim porque
foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
no devir das sucessões.
Enquanto, no pensamento clássico,
a seqüência das cronologias
não fazia mais que percorrer
o espaço prévio e mais fundamental
de um quadro
que de antemão apresentava
todas as suas possibilidades,
doravante
as semelhanças contemporâneas
e observáveis simultaneamente
no espaço não serão mais que
as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
de analogia em analogia.
A ordem clássica
distribuía num espaço permanente
as identidades
e as diferenças não-quantitativas
que separavam e uniam as coisas:
era essa a ordem
que reinava soberanamente,
mas a cada vez
segundo formas e leis
ligeiramente diferentes,
sobre o discurso dos homens,
o quadro dos seres naturais
e a troca das riquezas.

A partir do século XIX,
a História
vai desenrolar
numa série temporal
as analogias
que aproximam umas das outras
as organizações distintas.

É essa História que,
progressivamente,
imporá suas leis

  • à análise da produção,
  • à dos seres organizados, enfim,
  • à dos grupos linguísticos.

A História dá lugar
às organizações analógicas,
assim como a Ordem
abria o caminho
das identidades
e das diferenças sucessivas.

Essa forma de reflexão surgida será decorrência da segunda leitura do que seja uma operação de troca e portanto não pode prescindir do homem e do objeto?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo II – A prosa do mundo;
II. As assinalações
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

os lugares onde ocorrem as operações: 

  • Lugar de nascimento do que é empírico
    – operações de Construção de representações;
    • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades sim muda
  • Circuito onde ocorrem as trocas‘ ou Mercado
    – operações de Instanciamento de representações já existentes;
    • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.
Lugar do nascimento do que é empírico:
pensamento moderno – caminho da Construção da representação
Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

Encontra-se 

  • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
  • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, apenas no caminho do Instanciamento da representação.

Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, e apenas no caminho da Construção da representação

O 'Circuito das trocas',
ou 'Mercado'
as chaves amarelas no LE da figura, lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
O Lugar de nascimento do que é empírico - fora e antes do Mercado -
lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
e onde se dá a articulação
do pensamento do homem,
com o impensado
O Circuito das trocas
as chaves horizontais amarelas
no LD da figura, onde ocorrem operações durante as quais
o 'modo de ser fundamental'
não se altera; é novamente o Mercado, agora no pensamento moderno

‘modo de ser fundamental das empiricidades’ é o conceito chave aqui.

No pensamento clássico, o de antes de 1775, pelos pressupostos adotados, é impossível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades cuja definição escapa ao escopo destas operações.

Estas operações transcorrem no interior do Circuito das trocas, a chave amarela horizontal, lugar onde não há alteração no modo como as coisas se apresentam à operação.

No pensamento moderno, o de depois de 1825, pelos pressupostos adotados é sim possível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades objeto da operação de Construção da representação que, se nova nesse domínio e ambiente, é o próprio escopo destas operações.

Operações no caminho da Construção da representação transcorrem no interior do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, as chaves coloridas verticais, em um espaço que engloba os lugares  desde onde se fala e do falado. O sucesso dessas operações altera ‘o modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto, e com isso, faz-se História.

No pensamento moderno, o de depois de 1825, em uma operação de Instanciamento de representação objeto cuja construção da representação foi anteriormente feita e incorporada ao Repositório, a representação objeto de Instanciamento é recuperada do Repositório.

Assim, a operação de Instanciamento não altera o ‘modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto de instanciamento.

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

2Assim como a Ordem
no pensamento clássico
não era
a harmonia visível
das coisas,
seu ajustamento,
sua regularidade
ou sua simetria constatados,
mas o espaço próprio de seu ser
e aquilo que,
antes de todo
conhecimento efetivo,
as estabelecia no saber,

1″Mas vê-se bem
que a História
não deve ser aqui entendida
como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

ela é

o modo de ser fundamental
das empiricidades,

aquilo a partir de que elas são

  • afirmadas,
  • postas,
  • dispostas
  • e repartidas no espaço do saber

para eventuais conhecimentos
e para ciências possíveis.

3 assim também
a História,
a partir do século XIX,
define o

lugar de nascimento
do que é empírico,

lugar onde,
aquém
de toda cronologia estabelecida,
ele assume o ser
que lhe é próprio.

A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

Qual será a explicação para isso?

Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

os princípios organizadores dos modelos de operações que fazemos

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

_Estrutura IO-transformação
Os princípios organizadores
sob o pensamento clássico:
o de antes de 1775
‘Caráter’ e ‘Similitude’
Características do pensamento clássico
o de antes de 1775

“Assim o círculo se fecha.

Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

Mas que são esses sinais? 

Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

  • que há aqui um caráter 

no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

  • – É a semelhança

Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

  • o signo da simpatia resida na analogia, 
  • o da analogia na emulação, 
  • o da emulação na conveniência, 

que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

  • a marca da simpatia… 

A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
o de depois de 1825
'Analogia' e 'Sucessão'
Características do pensamento moderno
o de depois de 1825

De sorte que se vêem surgir,
como princípios organizadores
desse espaço de empiricidades, 

  • a Analogia 
  • e a Sucessão

de uma organização a outra,
o liame, com efeito,
não pode mais ser
a identidade de um
ou vários elementos,
mas a identidade
da relação entre os elementos
(onde a visibilidade
não tem mais papel)
e da função que asseguram;
ademais, se porventura essas organizações se avizinham
por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
localizações próximas
num espaço de classificação,
mas sim porque
foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
no devir das sucessões.
Enquanto, no pensamento clássico,
a seqüência das cronologias
não fazia mais que percorrer
o espaço prévio e mais fundamental
de um quadro
que de antemão apresentava
todas as suas possibilidades,
doravante
as semelhanças contemporâneas
e observáveis simultaneamente
no espaço não serão mais que
as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
de analogia em analogia.
A ordem clássica
distribuía num espaço permanente
as identidades
e as diferenças não-quantitativas
que separavam e uniam as coisas:
era essa a ordem
que reinava soberanamente,
mas a cada vez
segundo formas e leis
ligeiramente diferentes,
sobre o discurso dos homens,
o quadro dos seres naturais
e a troca das riquezas.

A partir do século XIX,
a História
vai desenrolar
numa série temporal
as analogias
que aproximam umas das outras
as organizações distintas.

É essa História que,
progressivamente,
imporá suas leis

  • à análise da produção,
  • à dos seres organizados, enfim,
  • à dos grupos linguísticos.

A História dá lugar
às organizações analógicas,
assim como a Ordem
abria o caminho
das identidades
e das diferenças sucessivas.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo II – A prosa do mundo;
II. As assinalações
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
I. A idade da história
Michel Foucault 

os lugares contidos dentro do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’:

  • o lugar ‘desde onde se fala
  • e o lugar ‘do falado‘;

consistentes com os blocos do ‘operar‘ e do ‘suporte ao operar‘ de Humberto Maturana

Esses dois lugares – o ‘desde onde se fala’ e o ‘do falado’ –
juntos delimitam o espaço onde se dá a articulação
do pensamento do homem com o impensado feita
no domínio do Pensamento e da Língua
e sua ligação com o domínio do Discurso e da Representação

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico

Lugar desde onde se fala

Lugar do falado

são sub-espaços do Lugar de nascimento do que é empírico o que implica que o pensamento está funcionando com o entendimento do pensamento moderno, o de depois de 1825, a coluna ao lado, portanto.

  • Lugar desde onde se fala não pode ser delineado sob o pensamento clássico pela falta da ideia e do elemento de imagem ‘homem’, aquele que fala, raiz e fundamento de toda positividade, e também da ideia do objeto resultado da articulação do pensamento com o impensado, feita pelo homem,;
  • e o Lugar do falado, analogamente, não pode ser delineado no LE da figura. 

todo o espaço  corresponde, no LE da figura, ao domínio todo em que ocorrem as operações sob o pensamento clássico, a saber, o domínio do Discurso e da Representação.

A leitura do que sejam Operações sob o entendimento no pensamento clássico pressupõe o ponto de inserção para análise no exato cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca, cuja condição de possibilidade está, desse modo, dada.

Lugar deste onde se fala:
ideias que formulam a proposição /
(sujeito e predicado do sujeito);
Lugar do falado:
ideias que dão suporte na experiência ao instanciamento da representação
no domínio e ambiente

Lugar do nascimento do que é empírico: espaço ocupado por:

  • Lugar desde onde se fala;
  • Lugar do falado

O Lugar de nascimento do que é empírico, como o nome sugere, está situado antes do circuito das trocas, e em seu interior ocorre a construção de representação nova.

Essa visão do que sejam operações corresponde à leitura de operações, ou visão desse fenômeno como desde um ponto de inserção anterior à troca

Lugar desde onde se fala

As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidas na formulação da proposição estão contidas no espaço chamado de Lugar desde onde se fala:

  • sujeito: o homem na posição de raiz de toda positividade
  • predicado do sujeito
    • verbo: Forma de produção, o elemento central da operação de construção da representação;
    • atributo: a representação em construção, nas posições extremas da operação de construção.

Esse espaço coincide com o espaço chamado por Humberto Maturana de ‘operar’, o retângulo vermelho na figura ao lado, parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas no interior do domínio do Pensamento e da Língua.

Lugar do falado

As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidos na sustentação da Forma de produção na experiência estão no lugar do falado:

  • elementos de suporte na experiência à Forma de produção, onde se encontram
    • processos, atividades, tasks

A operação de construção da representação escolhe os elementos de suporte na experiência à Forma de produção, que deve ser capaz de produzir quando implementada, uma instância da representação com o operar vislumbrado – ou o mais próximo disso possível. Humberto Maturana chama esse espaço de ‘suporte ao operar’, o retângulo amarelo na figura ao lado. 

O Lugar do falado é parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas suas ideias – ou elementos de imagem – fazem parte do domínio do Discurso e da Representação.

“É preciso, portanto,
tratar esse verbo
como um ser misto,

ao mesmo tempo
palavra entre as palavras,

preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência
e de concordância;


e depois,


em recuo em relação a elas todas,

numa região que

  • não é
    aquela do falado

  • mas aquela 
    donde se fala.

Ele está na orla do discurso,
na juntura entre

  • aquilo que é dito

  • e aquilo que se diz,

exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

Há correspondências que precisam ser anotadas, entre elas:

  • no princípio dual de trabalho de David Ricardo
    • aquela atividade que está na origem do valor das coisas 
    • tem suas ideias – ou seus elementos de imagem no lugar desde onde se fala
  • no LD – lado direito da figura 2 de Humberto Maturana
    • os dois blocos do ‘Explicar com Reformular’ em que Maturana divide suas explicações
      • sobre o que acontecia com o ser vivo,
      • e o modo como ele o via no seu espaço de distinções
    • correspondem apropriadamente com o que Foucault chama respectivamente de 
      • Lugar desde onde se fala e 
      • Lugar do falado.

Processo e Mercado são os conceitos largamente utilizados;
e ao mesmo tempo não se ouve falar 

  • em Forma de produção
  • ou em Lugar de nascimento do que é empírico,
  • e menos ainda em Nexo da produção

como ideias – ou elementos de imagem – em modelos de operações e organizações

no pensamento clássico
aquém do objeto
antes de 1775

no pensamento moderno
diante do objeto
depois de 1825

espaço interior Triedro dos saberes
para além do objeto
reservado às Ciências humanas

Aquém do objeto:
Processo

Diante do objeto:
Forma de produção

Além do objeto
Nexo da operação

o elemento central em operações
no pensamento clássico
Processo
o elemento central em operações
no pensamento moderno
Forma de produção
o Nexo da produção,
o elemento central do modelo de organização no formato SSS
  • Elemento central:
    • Processo

entendido sob o primeiro conceito de verbo explicado por Michel Foucault, como elemento gerador de um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si, que o mais que faz é indicar a coexistência de duas representações.

  • característica emergente: 
    • fluxo
  • metáfora 
    • transformação única
  • Elemento central:
    • Forma de produção

entendida sob o segundo conceito de verbo explicado por Michel Foucault, tratado como um ser misto, inicialmente palavra entre palavras, preso às mesmas regras às mesmas regras, obedecendo como elas às mesmas leis de regência e concordância, e depois, em recuo em relação a elas todas, numa região que não é aquela do falado, mas aquela donde se fala.

  • característica emergente:
    • permanência
  • metáfora
    • conversão ou duas transformações
  • Elemento central:
    • Nexo da produção

a formulação para além do objeto associa o sistema cujo resultado é o produto, aquilo que se quer obter, com o instrumento imprescindível para obtê-lo.

  • propriedades emergentes:
    • simetria, simbiose e sinergia

Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais nada, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Verbo’;
para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

Ideias – ou elementos de imagem – centrais no LE e no LD da figura
Processo o elemento central no pensamento clássico
Forma de produção o elemento central no pensamento moderno, com as
designações primitivas e a linguagem de ação ou raiz

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

Aquém do objeto

Conceito de Verbo 'Processo'
na configuração de pensamento
do período clássico, antes de 1775

Verbo como
Processo

“A única coisa que o verbo afirma
é a coexistência de duas representações:
por exemplo, 

  • a do verde
    e da árvore,

  • a do homem
    e da existência

    ou da morte; 

é por isso que
o tempo dos verbos

não indica
aquele [tempo]

em que as coisas existiram
no absoluto,

mas um sistema relativo
de anterioridade ou de simultaneidade
das coisas entre si.”

Diante e Além do objeto

Conceito de Verbo 'Forma de produção'
na configuração de pensamento
do período moderno, depois de 1825

Verbo como
Forma de produção

“É preciso, portanto,
tratar esse verbo
como um ser misto,

ao mesmo tempo
palavra entre as palavras,

preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência
e de concordância;


e depois,


em recuo em relação a elas todas,

  • numa região que não é
    aquela do falado

  • mas aquela
    donde se fala.

Ele está na orla do discurso,
na juntura entre

  • aquilo que é dito

  • e aquilo que se diz,

exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”

Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, para o que seja um ‘Verbo’, e a total consistência entre o segundo conceito/tratamento e ‘Forma de produção’

  • por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Classificar’;
para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

Aquém
do objeto

O conceito de 'Classificar'
no pensamento clássico
o de antes de 1775

‘Classificar’
no pensamento clássico

Aquém do objeto,
isto é,
no pensamento filosófico Classico
o de antes de 1775

nessa faixa do espectro de modelos
que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

Classificar
é referir

  • o visível
  • a si mesmo,

encarregando um dos elementos
de representar os outros.”

Diante e Além
do objeto

O conceito de 'Classificar'
no pensamento moderno
o de depois de 1825

‘Classificar’
no pensamento moderno

Diante, e Além do objeto, 
isto é, 
no pesamento filosófico moderno,
o de depois de 1825

nessa faixa do espectro de modelos 
que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

“Em um movimento
que faz revolver a análise

Classificar
é referir

  • o visível 
  • ao invisível 

– como a sua razão profunda -, 

e depois,
alçar de novo
dessa secreta arquitetura,
em direção aos seus
sinais manifestos,
que são dados
à superfície dos corpos.”

Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

pares de modelos constituintes das ciências do eixo epistemológico fundamental

  • da Vida(Biologia) [função-norma],
  • do Trabalho(Economia) [conflito-regra]
  • e da Linguagem(Filologia) [significação-sistema]

e o modelo constituinte padrão, comum a todas das ciências humanas; um modelo composto por uma combinação entre esses três pares de modelos constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem

no pensamento clássico
antes de 1775
aquém do objeto

no pensamento moderno
depois de 1825
diante do objeto

no pensamento moderno
também depois de 1825
para além do objeto

não há modelos constituintes sob o pensamento clássico

O Triedro dos saberes: eixos e faces
espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
O interior ao Triedro dos saberes
o espaço das Ciências humanas

Aquém do objeto

Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
existem desde sempre e para sempre,
e integram o Universo em uma visão única.

Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

Diante do objeto

A modelagem em cada área do saber é feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

  • Ciências da vida (Biologia):


    [função-norma]
    ;

  • Ciências do trabalho (Economia):


    [conflito-regra];

  • Ciências da Linguagem (Filologia):

    [significação-sistema].

Além do objeto

No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências
da Vida
-(Biologia), do Trabalho-(Economia) e da Linguagem-(Filologia).

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

  • Ciências da vida  (Biologia):
    [função-norma];

    +
    Ciências do trabalho (Economia):
    [conflito-regra];

    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    [significação-sistema].

Proposição: o bloco construtivo

  • padrão,
  • genérico
  • e fundamental

oferecido pela gramática da língua para construção de representações.

Esse bloco construtivo ‘proposição’ carrega valor para as representações, mas faz isso de ao menos dois modos diferentes e com duas visões distintas para o que sejam ‘operações’.

“Valer, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que

  • a dupla cessão
  • e a dupla aquisição

finalmente se produzam.

Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra,

  • é preciso que elas existam já carregadas de valor;
    • e, contudo, o valor só existe no interior da representação
      (atual ou possível), isto é,
    • no interior da troca ou da permutabilidade.

“A proposição é
para a linguagem
o que a representação é
para o pensamento
sua forma,
ao mesmo tempo
mais geral
e mais elementar
porquanto,
desde que a decomponhamos,
não encontremos mais o discurso
mas seus elementos
como tantos materiais dispersos

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. IV – Falar;
tópico: III – A teoria do verbo
Michel Foucault

no pensamento clássico
antes de 1775

no pensamento moderno
depois de 1825

questão/pergunta

a proposição no pensamento clássico
ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca

a toda a essência da linguagem  encerrada – diretamente – na própria proposição;

junto com esse ‘encerramento’ vão as ideias – ou elementos de imagem – necessários para a formulação da proposição, que assim, não participam do modelo de operações.

a proposição no pensamento moderno ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca

a descoberta da essência da linguagem  fora dela mesma, linguagem; a proposição formulada no modelo por suas ideias ou elementos de imagem presentes; inicialmente vazia, apenas um enunciado, é preenchida de valor a partir de duas fontes:

  • as designações primitivas;
  • a linguagem de ação ou raiz

ambas assinaladas na figura.

“Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

1 uma analisa o valor

  • no ato mesmo da troca,

no ponto de cruzamento
entre o dado e o recebido;

  • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da
    • proposição;

3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

2 outra analisa-o

  • como anterior à troca 

e como condição primeira
para que esta possa ocorrer.

  • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem
    do lado das
    • designações primitivas
    • linguagem de ação ou raiz;

4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

  • fora de si mesma e como que
    • na natureza, ou nas   
    • analogias das coisas;

a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor,

  • antes da troca
  • e das medidas recíprocas da necessidade.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VI – Trocar;
V. A formação do valor
Michel Foucault 

Ideias – ou elementos de imagem – requeridos para a
Formulação da proposição, e valor carregado 

Ideias – ou elementos de imagem requeridos para formulação da proposição ausentes da estrutura do modelo de operação.

Valor carregado diretamente na proposição.

impossibilidade de formulação da proposição com ideias – ou elementos de imagem – requeridos, pela ausência do homem em sua duplicidade de papéis, e pela noção de objeto descrito por suas propriedades originais e constitutivas.

Proposição formulada com ideias ou elementos de imagem pertencentes à estrutura interna do modelo de operações;

Valor carregado pela proposição com origem fora da linguagem

  • designações primitivas

a busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, para a representação da empiricidade objeto no domínio e ambiente em que a operação acontece. 

  • linguagem de ação ou raiz

todo o conteúdo do Repositório de proposições explicativas da experiência formuladas de acordo com as regras da língua, à disposição da construção de novas representações.

Os tipos de sistemas que dão suporte a operações,
em função da configuração do pensamento:

  • no pensamento clássico: o sistema Input-Output, ou um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si;
  • no pensamento moderno: um sistema construído no interior do Lugar de nascimento do que é empírico, lugar onde as empiricidades objeto das operações adquirem ‘o ser que lhes é próprio’.

no pensamento clássico
antes de 1775
verbo ‘Processo

no pensamento moderno
depois de 1825
verbo ‘Forma de produção

questão/pergunta

Operação clássica sob o conceito de Verbo 'Processo'
na configuração de pensamento
do período clássico, antes de 1775

“A única coisa
que o verbo afirma

é a coexistência de duas representações:
por exemplo, 

  • a do verde
    e da árvore,

  • a do homem
    e da existência

    ou da morte; 

é por isso
que o tempo dos verbos

não indica
aquele [tempo]

em que as coisas existiram
no absoluto,

mas um sistema relativo
de anterioridade ou de simultaneidade
das coisas entre si.”

Operação moderna sob o conceito de
Verbo 'Forma de produção'
na configuração de pensamento
do período moderno, depois de 1825

“É preciso, portanto,
tratar esse verbo
como um ser misto,

ao mesmo tempo
palavra entre as palavras,

preso às mesmas regras,
obedecendo como elas
às leis de regência
e de concordância;


e depois,


em recuo em relação a elas todas,

  • numa região que não é
    aquela do falado

  • mas aquela
    donde se fala.

Ele está na orla do discurso,
na juntura entre

  • aquilo que é dito

  • e aquilo que se diz,

exatamente lá onde os signos
estão em via de se tornar linguagem.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo
por Michel Foucault

O tipo de sistema

O conceito acima é explícito em fornecer uma descrição do tipo de sistema para operações sob o pensamento clássico.

Trata-se de 

  • um sistema relativo
    de anterioridade ou de simultaneidade
    das coisas entre si; 

uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

asdf

Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

O tipo de leitura

asdf

Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

asdf

Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

o tempo nas operações, em função dos sistemas
em cada segmento do espectro de modelos

no pensamento clássico
antes de 1775
aquém do objeto

no pensamento moderno
depois de 1825
diante e para além do objeto

no pensamento moderno
também depois de 1825
diante e para além do objeto

formulação reversível
e somente 
instanciamento
da representação;
deus Chronos

formulação irreversível
e operação de construção
da representação 
deus Kairós

formulação reversível
 e operação instanciamento
da representação
deus Chronos

pensamento clássico, o de antes de 1775
tempo calendário no sistema Input-Output
operação de instanciamento de representação anteriormente formulada
pensamento moderno, o de depois de 1825
tempo absoluto sistema absoluto
no caminho da Construção da representação
pensamento moderno, o de depois de 1825
tempo relativo, sistema relativo ou absoluto,
no caminho do Instanciamento da representação

Aquém do objeto

Diante ou para além do objeto

Nota: a existência precede as distinções feitas na operação.

Tempo na formulação e no instanciamento da representação:

  • formulação reversível durante a formulação;
  • tempo calendário, ou tempo relativo no sentido de que
    • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f),
    • a posição calendário do outro evento (f) ou (i) pode ser calculada com as propriedades aparentes disponíveis antes e depois da operação;
  • irreversibilidades somente na etapa de instanciamento da representação

Não há nada que possa ser afirmado, posto, disposto e repartido no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis e assim não se pode falar em ‘modo de ser fundamental’ do que quer que seja. 

Assim, no pensamento clássico, não é possível adotar esse conceito ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ como elemento ordenador da história, que é compreendida como sucessão de fatos assim como se sucedem.

caminho da
Construção da representação
Nota: a existência se constitui com as distinções feitas na operação

Durante essa operação, a empiricidade objeto da operação, sim, muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

Tempo no caminho da Construção da representação, durante a formulação da representação:

  • formulação irreversível durante a formulação;
  • tempo absoluto no sentido de que a empiricidade objeto ‘assume o ser que lhe é próprio’ em decorrência da operação, e então:
    • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f)
    • não é possível o cálculo da inserção calendário do outro evento (f) ou (i) a partir dessa inserção calendário do evento anterior em virtude da não disponibilidade das propriedades antes/depois da operação;
  •  irreversibilidades ocorrem na formulação da operação de construção da representação.

A empiricidade objeto da operação tem um novo ‘modo de ser fundamental’, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’.

Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da história, durante esse tipo de operações, sim, faz-se história.

 caminho do
Instanciamento da representação

Nota: a existência volta a preceder as distinções feitas na operação.
 

Durante essa operação a empiricidade objeto não muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

Tempo  no caminho do Instanciamento da representação previamente existente no Repositório e dele recuperada para a posição de empiricidade objeto na presente operação de instanciamento:

  • formulação volta a ser reversível; (é possível descartar uma formulação de instanciamento e formular outra com novas escolhas, sem perdas;
  • tempo volta a ser tempo calendário, ou tempo relativo;
  • irreversibilidades no caminho do Instanciamento da representação ocorrem em decorrência do desencadeamento dos elementos de suporte na experiência à Forma de produção.

A empiricidade objeto da operação tem exatamente o mesmo ‘modo de ser fundamental’ com que foi recuperada do repositório, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’ exatamente da mesma forma como havia sido acrescentada ao repositório.

Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da História, durante esse tipo de operações não se faz história.

Modelagem de operações e organizações organizadas pelo par sujeito-objeto, com operações específicas e separadas para cada um desses pares, porém relacionadas:

 

  • um modelo para a operação e organização para o objeto esperado pelo Cliente (Produto);
  • e um modelo para a operação e organização  para o instrumento capaz de obter o Produto, bem como obter o objeto esperado pelo Acionista (Benefícios de toda espécie, Lucros)

Mapa geral das operações na disposição SSS

Modelagem para uma organização incluindo o objeto esperado de interesse do Cliente
e o instrumento capaz de obtê-lo, e também o objeto esperado de interesse do Acionista
identificando o nexo da produção

Argumento: a modelagem de operações
organizada pelo par sujeito-objeto

Construção da estrutura de operações na disposição SSS – Simétrica, Simbiótica e Sinérgica

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Cronologia básica da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura ocidental entre os anos 1775-1825 segundo Michel Foucault.

  • fases e ponto de ruptura desse evento;
  • linha de tempo com as defasagens entre conquistas no pensamento e respectivo uso nas áreas técnicas;
  • alguns autores importantes de um e de outro lado desse evento;
  • ponto de entrada do homem em nossa cultura;
  • alguns autores citados como referências em modelos sociais, econômicos e políticos
Michel Foucault
1926-1984

“E foi realmente necessário 
um acontecimento fundamental
– um dos mais radicais, sem dúvida, 1
que ocorreram na cultura ocidental,
para que se desfizesse a positividade do saber clássico
e se constituísse uma positividade de que, por certo,
não saímos inteiramente.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo VII – Os limites da representação;
tópico I. A idade da história

Cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
defasagens entre conquistas no pensamento filosófico e respectiva utilização prática

cronologia básica da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

A descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, segundo o pensamento de Michel Foucault
uma linha de tempo mostrando os intervalos de tempo entre o desenvolvimento de conhecimento e sua aplicação prática

O ponto de surgimento do homem em nossa cultura

 “É somente na segunda fase que as palavras, as classes e as riquezas adquirirão um modo de ser que não é mais compatível com o da representação.

Em contra partida, o que se modifica muito cedo, desde as análises de Adam Smith, de A.-L. de Jussieu ou de Viq d’Azyr, na época de Jones ou de Anquetil-Duperron,

  • é a configuração das positividades: a maneira como, no interior de cada uma,
    • os elementos representativos funcionam uns em relação aos outros, 
    • a maneira como asseguram seu duplo papel de designação e de articulação, 
    • como chegam, pelo jogo das comparações, a estabelecer uma ordem. “

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap.VII – Os limites da representação
tópico I. A idade da história

Datas e fases da descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, e surgimento do homem no pensamento em nossa cultura segundo o pensamento de Michel Foucault.

Alguns autores fundamentos filosóficos do liberalismo, e autores chave do pensamento moderno posicionados em relação à descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Algumas personagens importantes para entendimento da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

Michel Foucault ao delinear sua arqueologia das ciências humanas, propósito do ‘As palavras e as coisas’, com certeza tomou conhecimento do trabalho desses autores.

  • autores clássicos:
    • Adam Smith,
    • John Locke, 
    • David Hume, 
    • J. J. Rousseau, 
    • Jeremy Bentham, 
    • e J. M. Keynes (este, expressamente classificado por Foucault como não moderno)
  • autores modernos:
    • David Ricardo
    • Sigmund Schlomo Freud 
    • entre muitos outros.

Michel Foucault menciona ainda em destaque, como artífices do pensamento moderno e fontes para o seu próprio pensamento:

  • Georges Cuvier, naturalista, 1769-1832
  • Franz Bopp, linguista, 1792-1867
  • David Ricardo, economista, 1772-1823

Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
do pensamento
funcionamento das operações no pensamento clássico
Modelo de
Operação de produção
relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
e o sistema Input-Output
do LE da figura.
Modelo da 
Organização de produção
Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
múltiplos sistemas de categorias
Modelo de operações
e de organização
Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
Modelo de  Operação
contábil-financeira
O modelo de operação
no sistema contábil-financeiro
Modelo da  Organização
ponto de vista financeiro
a organização no sistema contábil-financeiro

Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

Funcionamento
de operação do pensamento
O funcionamento das operações no pensamento moderno
Modelo de
Operação de produção
relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e 'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'
Modelo da 
Organização de produção
o modelo de organização 'Mapa da atividade semicondutores', da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
instanciamento de representação
O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
do movimento Reengenharia

O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

Assim, estes três pares,

  • função e norma,
  • conflito e regra,
  • significação e sistema,

cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

  • do nível da psicologia,
  • da sociologia
  • ou da análise das linguagens

é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

  • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Capítulo X  – As ciências humanas;
 III. Os três modelos
Michel Foucault 

O Triedro dos saberes: eixos e faces
espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
O interior ao Triedro dos saberes
o espaço das Ciências humanas

Aquém do objeto

Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

  • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
existem desde sempre e para sempre,
e integram o Universo em uma visão única.

Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

Diante do objeto

No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

  • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

  • Ciências da vida (Biologia):


    função-norma
    ;

  • Ciências do trabalho (Economia):


    conflito-regra;

  • Ciências da Linguagem (Filologia):

    significação-sistema.

Além do objeto

No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

  • da Vida-(Biologia),
  • do Trabalho-(Economia)
  • e da Linguagem-(Filologia).

O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

  • Ciências da vida  (Biologia):
    função-norma;

    +
    Ciências do trabalho (Economia):

    conflito-regra;
    +
    Ciências da Linguagem (Filologia):
    significação-sistema.

Sob ciências humanas como:

  • economia política;
  • sociologia,
  • psicologia e psicanálise

estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

A descrição feita por Michel Foucault de duas possibilidades
de posicionamento do pensamento com relação a valor

“Valor, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisição finalmente se produzam.

Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor; e, contudo, o valor só existe no interior da representação (atual ou possível), isto é, no interior da troca ou da permutabilidade.

Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

  1. uma analisa o valor no ato mesmo da troca, no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
  2. outra analisa-o como anterior à troca e como condição primeira para que esta ossa ocorrer.

Os dois pontos de partida distintos adotados pelo pensamento para análise de valor

1. a primeira possibilidade de leitura

A análise de valor no ato mesmo da troca,
no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido

2. a segunda possibilidade de leitura

A análise de valor como anterior à troca
e como condição primeira para que esta possa ocorrer.

A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da proposição;

  • no [neste] primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tomando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

a outra, [corresponde] a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das designações primitivas – linguagem de ação ou raiz(*);

  • na outra [nesta] forma de análise, a linguagem está enraizada fora de si mesma e como que na natureza ou nas analogias das coisas; a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.

Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho do Instanciamento da representação

Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento clássico, antes de 1775

Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho da Construção da representação

Modelos com a estrutura clássica e a moderna de conceitos, por segmento do espectro de modelos

Modelos construídos com as estruturas clássica e moderna de conceitos,
por faixa do espectro de modelos com relação ao par sujeito-objeto como elemento organizador

Abrangência dos diferentes modelos do fenômeno a modelar,
os possíveis pontos de inserção para o início das operações
e as duas alternativas de leitura para o que seja trabalho e valor

Modelos de operações e de organizações originalmente para produção
construídos sob o perfil de conceitos do pensamento clássico

Características do pensamento clássico, o de antes de 1775

Visão do fenômeno 'operações' no modo da Primeira leitura na figura acima, com ponto de inicio de leitura no cruzamento da disponibilidade dos dois objetos envolvidos em uma operação de troca, e abrangendo o (1) no retângulo amarelo.

segmento do espectro de modelos
Aquém do objeto

Funcionamento
do pensamento
funcionamento das operações no pensamento clássico
Modelo de
Operação de produção
relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa e o sistema Input-Output
do LE da figura.
Modelo da 
Organização de produção
Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
múltiplos sistemas de categorias

O modelo FEPSC(SIPOC)/Six Sigma e uma comparação visual de estruturas com o modelo de operações sob a estrutura moderna de pensamento.

Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
A visão Top-Down e Botton-Up

Aqui, nestes modelos, o elemento central no modelo de operações é Processo, um verbo com o seguinte tratamento:

“A única coisa que o verbo afirma é a coexistência de duas representações: por exemplo, a do verde e da árvore, a do homem e da existência ou da morte; é por isso que o tempo dos verbos não indica aquele [tempo] em que as coisas existiram no absoluto, mas um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. IV – Falar;
tópico III. A teoria do verbo

É a estrutura do sistema Input-Output que apresenta essa funcionalidade.

Modelos de operações e de organizações
originalmente para sistema contábil-financeiro

funcionamento das operações no pensamento clássico
funcionamento das operações
no pensamento clássico
Modelo de  Operação
contábil-financeira
O modelo de operação
no sistema contábil-financeiro
Modelo da  Organização
ponto de vista financeiro
a organização no sistema contábil-financeiro

Visão SSS – Simétrica, Simbiótica e Sinérgica para operações e organizações

A Visão SSS - Simétrica, Simbiótica e Sinérgica, para operações e organizações composta simultaneamente por:

a) operações e organização respectiva, que resultam no objeto esperado pelo grupo de interessados na produção 'Clientes', e separadamente, em outro modelo relacionado

b) operações e organização respectiva, que resultam no instrumento - laboratório, projeto piloto, fábrica - capaz de obter o objeto esperado pelos interessados na produção 'Acionistas'

na realidade do ambiente em que essas operações ocorrem.

Modelagem da organização incluindo simultaneamente e estabelecendo relações:

  • a obtenção do objeto esperado como resultado das operações de produção;
    • normalmente o objeto esperado pelo Cliente – ‘produto’.
  • e a obtenção dos instrumentos (laboratório, projeto piloto
    – e depois a unidade de fabricação ou Fábrica)
    • normalmente produzindo o objeto esperado pelo Acionista – ‘lucros’. 

usando como organizadores os diferentes pares sujeito-objeto. 

De outro modo, deixando o instrumento de lado, há um toque de magia, ou pelo menos baixa qualidade de informação, no modo como a produção é modelada. 

Modelagem das operações organizadas pelos pares “sujeito-objeto” sob uma ordem única, a das regras da linguagem, específica para cada objeto no respectivo modelo, tendo como:

  • referencial: a Utopia do objeto ainda inarticulado;
  • princípios organizadores: Analogia e Sucessão;
  • métodos: Análise e Síntese.

em substituição às modelagens organizadas por ordens escolhidas arbitrariamente – frequentemente mais de uma ordem em um mesmo modelo, que apresentavam:

  • referencial: ordem(ns) aleatoriamente selecionada(s) (sistemas de categorias); 
  • princípios organizadores: Caráter e Similitude; 
  • métodos: Identidade e Semelhança

Mapa geral das operações na disposição SSS

Argumento: a modelagem de operações
organizada pelo par sujeito-objeto

Construção da estrutura de operações na disposição SSS - Simétrica, Simbiótica e Sinérgica

Posicionamento do acima descrito no espectro de modelos descrito por Michel Foucault
no livro As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas

aquém do objeto

diante do objeto

para além do objeto

Todos esses modelos de operações estão no segmento “diante do objeto”.

Cumpre, então, desenvolver os modelos para o próximo segmento, descrito por Michel Foucault, em que habitam os modelos para além do objeto, para os quais Foucault delineia o modelo constituinte.

Veja isso em outra animação neste trabalho.

Mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: o mapa da reengenharia; exemplo de modelo existente, e bastante referido na década de 90, em que essa disposição SSS está mencionada, embora não desenvolvida.

Os dois objetos diferentes, presentes no Mapa da Reengenharia de Michael Hammer
A simetrização do Mapa da Reengenharia, apenas detalhando elementos já existentes no mapa original de Michael Hammer

O modelo de operações, ou modelo descritivo da produção do Kanban

Modelo descritivo da produção do Kanban, mostrando a Proposição formulada
com ideias ou elementos de imagem integrantes da estrutura do modelo

Visão das operações no interior de uma organização para o objeto respectivamente de cada operação e o instrumento capaz de obtê-lo, em uma modelagem de operações organizada pelo par sujeito-objeto

A história do nascimento do livro ‘As palavras e as coisas’

A história do nascimento do livro 'As palavras e as coisas' de Michel Foucault, baseada no relato feito por ele mesmo no Prefácio, com imagens.

1 - A ideia que deu origem ao livro 'As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas'
2 - A imagem que Michel Foucault tinha na cabeça ao escrever
o livro 'As palavras e as coisas'
3 - dez (10) pontos selecionados no texto do livro e ilustrados, para contextualizar o Prefácio com o restante do livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'
4 - Exemplos de modelos antológicos, de modelos muito usados
concebidos sob entendimentos (epistemes) muito diferentes
5 - As duas dificuldades enfrentadas por Michel Foucault
no desenvolvimento deste livro.
Comentários

    Metáforas adequadas para operações em cada segmento do espectro de modelos:
    transformação ou conversão; processo ou forma de produção

    Metáforas adequadas e propriedades emergentes dos modelos de operações
    em cada segmento do espectro de modelos

    Transformação (única) ou Processamento de informações:
    a estrutura Input-Output no pensamento clássico, de antes de 1775
    propriedade aparente - Fluxo; metáfora Transformação -unica

    Visão da operação clássica
    Transformação única de Entradas em Saídas,
    ou Processamento de informações

    Conversão ou um par de transformações de mesmo sinal
    no caminho da Construção da representação, pensamento moderno, depois de 1825
    propriedade aparente Permanência; metáfora: Conversão

    Visão da operação do pensamento moderno
    no caminho da Construção da representação
    A metáfora adequada às operações no caminho
    da Construção de representação
    para a empiricidade objeto

    Conversão ou um par de transformações de sinais trocados
    caminho do Instanciamento da representação, pensamento moderno, depois de 1825
    propriedade aparente: Fluxo; metáfora: Conversão

    Visão da operação do pensamento moderno
    no caminho do Instanciamento da representação
    A metáfora adequada às operações
    no caminho do Instanciamento da representação

    Os dois princípios filosóficos para o que seja ‘Trabalho’
    dando fundamento filosófico simultaneamente a modelos muito usados hoje em dia

    Os dois conceitos filosóficos para o que seja 'Trabalho':
    o de Adam Smith, de 1776, e o de David Ricardo, de 1817

    Veja abaixo as diferenças entre os dois princípios de trabalho, o de Adam Smith e o de David Ricardo, usando as palavras de Michel Foucault

    Aquém do objeto
    Adam Smith, 1776

    Princípio monolítico de trabalho de Adam Smith,
    publicado no Riqueza das Nações, de 1776

    Diante e  Além do objeto
    David Ricardo, 1817

    Princípio dual de trabalho de David Ricardo, publicado no Principle of Political Economy and Taxation, em 1817

    Na análise de Adam Smith, o trabalho devia seu privilégio ao poder que se lhe reconhecia de estabelecer entre os valores das coisas urna medida constante: 

    • permitia fazer equivaler na troca objetos de necessidade cujo aferimento de outro modo teria sido exposto à mudança ou submetido a uma essencial relatividade. 

    No entanto, só podia assumir tal papel à custa de uma condição: 

    era preciso supor 

    • que a quantidade de trabalho indispensável para produzir uma coisa 
    • fosse igual à quantidade de trabalho que essa coisa, em retorno, pudesse comprar no processo da troca. 

    Ora, como justificar essa identidade, em que fundá-Ia a não ser sobre uma certa assimilação, admitida na sombra mais que esclarecida, entre 

    • o trabalho como atividade de produção
    • e o trabalho como mercadoria que se pode comprar e vender? 

    Nesse segundo sentido, ele não pode ser utilizado como medida constante, pois “experimenta tantas variações quanto as mercadorias ou bens com os quais pode ser comparado”. 

    Essa confusão, em Adam Smith, tinha sua origem no primado concedido à representação: 

    • toda mercadoria representava certo trabalho,

    • e todo trabalho
      podia representar certa quantidade de mercadoria. 

    A atividade dos homens e o valor das coisas comunicavam-se no elemento transparente da representação.

    É aí que a análise de Ricardo encontra seu lugar e a razão de sua importância decisiva. 

    Ela não é a primeira a organizar um lugar importante para o trabalho no jogo da economia; mas faz explodir a unidade da noção, e distingue, pela primeira vez, de uma forma radical, 

    1. essa força, esse esforço, esse tempo do operário que se compram e se vendem,
    2. e essa atividade que está na origem do valor das coisas.

    Ter-se-á pois, por um lado,

    • o trabalho que os operários oferecem, que os empresários aceitam ou demandam e que é retribuído pelos salários;

    por outro, ter-se-á

    • o trabalho que extrai os metais, produz os bens, fabrica os objetos, transporta as mercadorias e forma assim valores permutáveis que antes dele não existiam e sem ele não teriam aparecido.

    “A partir de Ricardo,
    o trabalho,
    desnivelado em relação à representação,
    e instalando-se
    em uma região
    onde ela não tem mais domínio,
    organiza-se
    segundo uma causalidade
    que lhe é própria.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. VII – Trabalho, Vida e Linguagem
    tópico II – Ricardo

    Essa diferença
    quanto a bases fundamentais
    de produções do pensamento:
    na representação ou fora dela
    é exatamente a objeção
    de Lacan à psicanálise de Freud.

    Elementos integrantes dos modelos de operação de um e outro lado,
    vão refletir-se concretamente em diferenças estruturais
    de modelos práticos feitos com pensamento configurado de uma ou de outra forma.

    O elemento central no Princípio Monolítico de Trabalho de Adam Smith, de 1776, é Processo, um verbo, que ‘a única coisa que afirma é a anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si’ Por isso, o tempo de ‘Processo’ não indica aquele tempo em que as coisas existiram no absoluto, mas antes indica um tempo relativo.

    O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith analisa valor no ato mesmo da troca, no momento em que a permuta é possível. Deixa de fora, portanto, toda a operação de construção de representação para empiricidade objeto nova.

    Esse momento caracteriza-se pela existência simultânea dos objetos envolvidos na troca:

    • o que é dado;
    • e o que é recebido;

    Operação modelada sob esse princípio transcorre toda no interior do 

    • Lugar onde ocorrem as trocas,
      • o popularmente conhecido Mercado

    e no interior do 

    • domínio do Discurso e da Representação

    O elemento central no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo, de 1817, é a Forma de produção. A maneira escolhida para a produção do objeto a ser dado na operação de troca.

    O apontador de início da análise de valor está posicionado no início da produção, em um momento, portanto,em que 

    • a ‘coisa’ ainda não existe; 

    o apontador está posicionado em um ponto anterior à existência do objeto da troca e a operação procura as condições nas quais a permutabilidade pode acontecer.

    Operação modelada sob este princípio de David Ricardo transcorre toda no interior do

    • Lugar de nascimento do que é empírico
    • com seus sub-espaços
      • Lugar desde onde se fala
      • no domínio do Pensamento e da Língua, e
      • Lugar do falado
      • no domínio do Discurso e da Representação

    A construção da representação para essa ‘coisa’ – ou empiricidade objeto da operação de produção correspondente à Forma de produção – é feita desde fora da linguagem, por meio de:

    • designações primitivas;

    são as operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, que resultam na identificação e ou desenvolvimento dos elementos de suporte na experiência à Forma de produção.

    • linguagem de ação ou de uso;

    é o conteúdo do Repositório de proposições explicativas formuladas de acordo com as regras da língua, uma coleção de representações relacionadas a empiricidades objeto anteriormente tratadas, que permanece disponível a qualquer tempo no domínio e ambiente em que a presente operação acontece.

    Veja

    O fenômeno da operação de troca:
    amplitudes da visão do fenômeno da troca em cada caso
    e as duas origens de valor para a proposição na linguagem,
    ou as linguagens de acordo com ascduas alternativas de fontes para de valor

    a descrição feita por Michel Foucault das duas possibilidades de leitura abertas para o pensamento, simultaneamente, para entender operações e valor a partir da linguagem. Um resumo vai abaixo:

    O pensamento de Foucault em resumo diz o seguinte:

    Podemos ver o que sejam operações, segundo duas possibilidades de inserção do ponto de início do fenômeno ‘operações’ e ‘operações de troca’, segundo a disponibilidade ou não dos dois objetos envolvidos em uma troca. A cada possibilidade de inserção do ponto de início do fenômeno corresponde uma diferente origem do valor carregado pela proposição para a representação.

    Ora, uma operação de troca envolve dois objetos e como fenômeno, portanto, guarda relação com as operações de obtenção de cada um desses dois objetos, e está sobreposta a estas.

    Assim, uma operação pode ser vista:

    • No exato momento do cruzamento (do andamento das respectivas operações) entre o que é dado e o que é recebido na troca; ou
    • Antes desse momento, quando pelo menos um dos objetos ainda não está disponível, e nesse momento inicia-se a prospecção da sua permutabilidade. Faz-se, então, uma aposta de que esse objeto poderá, no futuro, fazer par com um outro em uma operação em que um é dado e outro é recebido em uma dupla troca.

    As duas origens de valor carregado pela proposição para a representação são os seguintes:

    • no ponto de cruzamento entre o objeto que é dado e o objeto que é recebido, o valor é atribuído diretamente à proposição que o carrega para a representação;
    • no ponto de início da prospecção da permutabilidade do objeto ainda não disponível para troca, o valor é carregado para a proposição a partir de sua origem em:
      • designações primitivas;
      • linguagem de ação ou raiz (linguagem de uso).

    Veja nos modelos de operações desta página, que ‘designações primitivas e linguagem de ação ou raiz são ideias que admitem os respectivos elementos de imagem, e estão colocados nas figuras, em posições operacionais e integrantes da estrutura do modelo. 

    E veja que essas duas fontes originárias do valor associado à proposição só têm espaço no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo.

    A segunda possibilidade de leitura de ‘operações’ e ‘operações de troca’ não funciona sem as ideias de sujeito e de objeto da operação colocados em posições operacionais na estrutura da operação.

    1 Primeira possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

    No lado esquerdo o valor que chega à representação através da proposição é carregado nela diretamente, até porque não há intenção de formular operações levando em conta como elemento organizador o objeto tomado como descrito por suas propriedades originais e constitutivas, isto é, de modo relacionado com o objeto. 

    Na visão de ‘operações’ no pensamento clássico não há a ideia de objeto como constituído por suas propriedades sim-originais e sim-constitutivas, pelos pressupostos considerados.

    Refiro-me ao Princípio Monolítico de trabalho de Adam Smith. Na avaliação de Foucault, nesta alternativa de leitura do que seja trabalho a partir da linguagem toda a essência da linguagem está na proposição.

    Toda a essência da linguagem está no interior da proposição.

    A proposição já nasce emprenhada do valor que carrega.

    2 Segunda possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

    No princípio de trabalho de David Ricardo é visível a modelagem de uma proposição, usando ideias – ou elementos de imagem – todos eles em posições operacionais na estrutura do modelo.

    • o sujeito, o empresário;
    • e seu predicado
      • o atributo, representado na figura pela representação do objeto da operação; 
      • o verbo: representado na figura pela Forma de produção

    Essa mesma essência da linguagem encontra raízes fora dela mesma, do lado das

    • designações primitivas;
    • linguagem de ação ou raiz

    No lado direito, sim, existem, ideias – ou elementos de imagem, que modelam padronizada e genericamente o elemento construtivo padrão fundamental para construção de representações – a proposição – e o escopo da operação é justamente articular o impensado, pelo pensamento, no espaço da representação. Refiro-me agora ao Princípio Dual de trabalho de David Ricardo. 

    A proposição assim que formulada está vazia, inclusive do valor que pode carregar; consiste tão somente em uma arquitetura que é comum a toda e qualquer proposição no curso desse tipo de operação.

    Essa modelagem padronizada, genérica, organizadora de uma ordem única ao longo de toda a operação, descobre a essência da linguagem fora dela, nas operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, às quais Foucault denomina “designações primitivas – linguagem de ação ou raiz”.

    Relacionamento entre

    • o Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo e o modelo de operações proposto no LD da Figura 2, a nossa Plataforma para exposição;
    • as fontes externas á linguagem e ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’ no LD da Figura 2, com:
      • designações primitivas e
      • linguagem de ação ou de uso, 
    Relação entre
    o texto do Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo,
    de 1817, e as ideias - ou elementos de imagem -
    do modelo de operações no LD da figura
    Os elementos de imagem, as ideias,
    que permitem formular o modelo de operações
    desde fora da linguagem
    a partir das designações primitivas
    - e da linguagem de ação ou de raiz(*)

    Comparações entre os dois princípios de trabalho,
    e a importância do princípio de trabalho de David Ricardo segundo Michel Foucault

    Comparação, feita por Michel Foucault,
    entre os princípios de trabalho
    o de Adam Smith, de 1776 e o de David Ricardo, 1817

    comparações entre Adam Smith
    e David Ricardo,
    por Michel Foucault

    1 Primeira possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

    Inserção do ponto de leitura de operações e análise de valor no exato cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

    A importância de David Ricardo,
    segundo Michel Foucault

    2 Segunda possibilidade simultânea de leitura de operações e análise de valor

    Na animação acima vê-se nas palavras de Michel Foucault a inclusão daquela atividade que está na origem do valor das coisas como característica do Princípio Dual de trabalho de David Ricardo.

    Isso implica em que a inserção do ponto de leitura de operações e análise de valor está colocado antes da existência do que é dado e do que é recebido, e portanto antes do cruzamento entre os dois, na operação de troca.

    Isso coloca toda a operação no princípio de Ricardo fora do circuito das trocas e no espaço reservado ao ‘Lugar de nascimento do que é empírico’.

    Comentários

      A descontinuidade epistemológica de 1775-1825:
      a forma dos modelos de operações em cada configuração do pensamento

      [wpforo]

      espaço para discussão de conceitos

      icone-MFoucault-01
      Michel Foucault 1926-1984

      A percepção da contaminação do pensamento com o qual pensamos, pela impossibilidade de fundar as sínteses na representação

      “Eis que nos adiantamos bem para além
      do acontecimento histórico que se impunha situar
      – bem para além das margens cronológicas
      dessa ruptura que divide, em sua profundidade,
      a epistémê do mundo ocidental
      e isola para nós o começo
      de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades.

      É que o pensamento que nos é contemporâneo
      e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
      se acha ainda muito dominado
      pela impossibilidade,
      trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
      de fundar as sínteses no espaço da representação
      e pela obrigação
      correlativa, simultânea,

      mas logo dividida contra si mesma,
      de abrir o campo transcendental da subjetividade
      e de constituir inversamente,
      para além do objeto,
      esses “quase-transcendentais” que são para nós
      a Vida, o Trabalho, a Linguagem.”

      A nova forma de reflexão se instaura no pensamento em nossa cultura, o motor constituinte “dessa maneira moderna de conhecer empiricidades”

      “Instaura-se um tipo de reflexão
      bastante afastado do cartesianismo
      e da análise kantiana,
      em que está em questão,
      pela primeira vez,
      o ser do homem,
      nessa dimensão segundo a qual
      o pensamento
      se dirige ao impensado
      e com ele se articula.”

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Cap. VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
      tópico I. As novas empiricidades

      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Cap. IX – O homem e seus duplos ;
      tópico V – O “cogito” e o impensado.

      • a impossibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé clássica.
      • essa impossibilidade de fundar as sínteses implica na seleção da visão de ‘operações’ e análise de valor no exato ponto de cruzamento entre o dado e o recebido, e para a primeira possibilidade de análise de valor. 
      • a possibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé moderna.
      • essa possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação implica em uma visão de ‘operações’ e análise de valor antes do ponto de cruzamento acima, o que leva o modelo para a segunda possibilidade de análise de valor.
      • essa forma de reflexão que se instaura no pensamento em nossa cultura exige duas coisas: 
        • o ‘ser do homem’;
        • o impensado e sua contrapartida no espaço da representação

      a percepção  dessa contaminação, dominação mesmo,
      do pensamento com o qual ‘queiramos ou não‘ pensamos,
      – hoje em dia, e aqui e agora –
      por configurações de pensamento
      com a possibilidade, e também
      com impossibilidade
      de fundar as sínteses – da empiricidade objeto – 
      no espaço da representação
      muda completamente os domínios e os lugares onde ocorrem as operações,
       as paletas de ideias ou elementos de imagem, assim como as estruturas e os relacionamentos entre eles.

      A primeira pedra de tropeço
      no caminho de Michel Foucault
      comparações feitas por Foucault de diferentes configurações de pensamento
      Uma operação, de pensamento, de produção, etc. com a paleta de ideias e a estrutura do pensamento moderno, de depois da descontinuidade epistemológica ocorrida no período 1775-1825, segundo Michel Foucault

      Há diferentes modelos
      que formulamos para 
      visões de ocorrências 
      no espaço-tempo x, y, z e t.

      Ao suspeitar
      da contaminação do pensamento
      – do nosso, daquele com o qual queiramos ou não pensamos –
      por essa impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, ele manifesta sua percepção de que de fato isso acontece em volta de nós e conosco.

      Esses modelos,
      diferentes em seus fundamentos,
      são usados juntos
      e/ou simultaneamente
      no mesmo domínio e ambiente 
      em um pensamento
      contaminado
      por duas epistemologias,
      ou por duas maneiras
      de conhecer
      aquilo que dizemos
      que conhecemos.

      Existem modelos,
      todos em uso atualmente,
      que podem ser agrupados
      em duas famílias:

      • aqueles com a possibilidade
      • e aqueles com a impossibilidade 

       de fundar as sínteses
       – da empiricidade objeto da operação-
      no espaço da representação.

      Essa a distinção entre modelos
        com e modelos sem essa possibilidade
      de fundar as sínteses
      [da empiricidade objeto da operação]
      no espaço da representação,
      que Michel Foucault faz sugere que analisemos os modelos de operações e de organizações existentes, isto é, nos modelos que usamos hoje, em busca de características de características, ou características de segunda ordem, pelas quais podem ser associados com o pensamento antes, depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825, oferecendo os necessários elementos para identificação.

      A figura na coluna do meio acima mostra a configuração do pensamento (o clássico,  de antes de 1775), com a impossibilidade de fundar as sínteses (da(s) empiricidade(s) objeto da operação) no espaço da representação.

      Clicando nessa figura, a animação mostrará as alterações em toda a configuração do pensamento, para levantar essa impossibilidade.

      A alteração se passa no lado direito da figura. 

      A primeira coisa que muda é o tipo de reflexão que se instaura. 

      Como decorrência, muda toda a paleta de ideias, ou elementos de imagem; 

      Muda ainda o perfil do pensamento em cada configuração: 

      • o referencial
          • a ordem pela ordem
          • dá lugar à utopia do não articulado;
      • os princípios organizadores
          • que eram Caráter e Similitude
          • passam a ser Analogia e Sucessão;
      • e os métodos,
          • que eram identidade e semelhança
          • passam a ser Análise e Síntese.

      Lista de posts

      dez (10) pontos para contextualização entre Prefácio e texto do livro
      'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'

      1. A Forma de Reflexão que se instaura em nossa cultura
      2. Proposição: o bloco padrão genérico e fundamental
      para construção de representações
      3. Princípios organizadores do pensamento de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
      4. O Conceito de verbo no pensamento clássico,
      o de antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
      5. O conceito de verbo no pensamento moderno, o de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
      6. As duas sintaxes mencionadas por Foucault no Prefácio
      6.1 A sintaxe que autoriza a construção das frases
      6.2 A sintaxe que autoriza manter juntas
      as palavras e as coisas
      7. O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith,
      de 1776
      8. O princípio dual de trabalho de David Ricardo,
      de 1817
      8.1 A importância de David Ricardo,

      Nosso roteiro (Michel Foucault) e nossa inspiração (Humberto Maturana)

      Fale conosco

      O sistema SIPOC/FEPSC

      O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

      - História, modo de ser fundamental das empiricidades,
      . o Circuito das trocas e o Lugar de nascimento do que é empírico
      . Pensamento conservador e pensamento progressista

      Posição relativa do par sujeito-objeto e o modelo de operações

      Aquém 

      história como sucessão de fatos
      tais como se sucederam

      História como sucessão de fatos tais como se sucederam

      Diante e Além

      história como alterações no ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades

      História como mudança no 'modo de ser fundamental'

      Duas possibilidades de leitura de operações;
      duas origens de valor (interna e externa na linguagem) para representações

      Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
      sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
      sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
      com duas amplitudes - duas abrangências muito diferentes

      Ciência e Tecnologia dependem da Filosofia e são funções das ferramentas de pensamento de que dispõe a configuração do pensamento utilizada em sua geração.

      Os três movimentos do pensamento segundo Vilém Flusser

      Usando o pensamento de Vilém Flusser:

      • Pensamento é um transformador do duvidoso em língua;
      • Filosofia, ou Reflexão, é texto produzido pelo pensamento ao voltar-se contra si mesmo para corrigir-se e renovar-se.
      • ciência, como o resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo, para compreendê-lo, é texto filosófico aplicado. 
      • e tecnologia, como resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo para modificá-lo, é texto científico aplicado; 

      Descontinuidades epistemológicas refletem conquistas humanas no pensamento e são aprimoramentos na maneira que usamos para conhecer.  Há portanto uma relação entre, de um lado, o modo como colocamos em marcha nosso desejo de transformar o duvidoso em língua a cada nível, e de outro lado, a filosofia que temos, e a Ciência que temos, ou a tecnologia de que dispomos. Filosofia, Ciência e Tecnologia são funções do como como vemos o mundo e as coisas.

      Michel Foucault (*) descreve uma descontinuidade epistemológica (uma alteração no modo como nos voltamos para o mundo para conhecer o que dizemos que conhecemos), e aponta com toda clareza diferentes jogos de ferramentas de pensamento ou estruturas conceituais, características de uma e de outra dessas epistemologias, de um e de outro lado desse evento. E aponta um período em nossa cultura ocidental, em que o pensamento esteve dominado por uma característica do período anterior.

      A solução de questões trazidas à luz por essa nova maneira de conhecer (a nova epistemologia) não poderão ser resolvidas se correspondentes ciência e tecnologia não forem desenvolvidas também.

      Pensamento conservador e progressista

      Acompanhando o trabalho arqueológico de Michel Foucault em direção a essa classe especial de saberes, a esse conjunto de discursos chamado de ciências humanas, vê-se que em certo período consolidou-se um tipo de pensamento em cuja configuração a etapa de construção de novas representações foi incorporada. Antes disso, essa etapa de construção da representação nova ficava fora do escopo do pensamento, e depois disso essa etapa permaneceu definitivamente incorporada.

      Para a configuração de pensamento que deixa fora do seu escopo a etapa de construção de novas representações a alternativa é conviver com tudo o que existe desde sempre e para sempre, tomando as coisas como pré-existentes e pertencentes ao Universo. Esse modo de pensar tem características de conservadorismo, enquanto aquela outra configuração do pensamento que inclui em seu escopo a geração de novas representações, as características de progressismo.

      Neste trabalho algumas – bastantes – características de uma e de outra dessas duas características de configurações do pensamento foram apresentadas o que de certa forma pode ser usado para qualificar com algo mais do que a qualidade ‘conservador’ um pensamento de direita; e com a qualidade ‘progressista’ um pensamento de esquerda, delineando com mais precisão uma e outra dessas configurações.

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

      Panorama visto desde meu posto de observação

      É real hoje, aqui, agora, e entre nós, a percepção – feita por Foucault – do domínio/contaminação do pensamento – ‘com o qual queiramos ou não pensamos‘ – pela impossibilidade de fundar as sínteses (do pensamento sobre a empiricidade objeto da operação) no espaço da representação(*).

      Esse tipo de pensamento dominante, aquele com a impossibilidade de fundar as sínteses, é ao mesmo tempo o tipo de pensamento que não inclui a operação de construção de novas representações. E a estrutura das operações sem essa etapa reforça essa impossibilidade. Nesse contexto modelos com e modelos sem essa impossibilidade são tratados como se variações sobre o mesmo tema fossem, e não produções do pensamento completamente diferentes.

      Estamos projetando e usando hoje, modelos para operações e organizações, de produção e outras, com o pensamento de exatos dois séculos atrás.

      Para que isso possa ser percebido pelo projetista de modelos em diversas áreas é necessário o rompimento das condições em que se dá essa contaminação e esse domínio de uma das configurações de pensamento sobre a outra, obliterando justamente aquela que corresponde a uma conquista humana no pensamento. Para que isso aconteça é necessário que seja atendido um requisito: a construção de um critério para identificação e comparação de modelos, e sua aplicação no caso presente.

      Daqui de onde vejo as coisas, é unânime a visão das coisas em termos de processo. Ninguém fala de nada além de processos: mapeia-se processos, otimiza-se processos, etc. etc. o que quer que seja, mas sempre processos. Sem que nos demos conta de como sejam as diferentes estruturas das operações em que tais ‘processos’ ocupam posição operacional. 

      Michel Foucault pode fornecer os elementos necessários para a construção desse critério. Nossa intenção aqui é destacar em Foucault o que pode ser usado para o estabelecimento de uma relação pensamento – e sua aplicação na modelagem de operações em organizações. 

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

      Cronologia do evento fundador da nossa modernidade no pensamento;
      linha de tempo com os períodos de contaminação do pensamento
      por configurações diferentes.

      uma cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
      o evento fundador da nossa modernidade no pensamento
      Linha de tempo das conquistas humanas no pensamento e respectiva utilização prática

      Acoplamentos estruturais do sistema descrito no LD - o Explicar com Reformular: os internos e aqueles com o ambiente externo

      Diante e para Além do objeto

      Acoplamento estrutural interno:
      condições de possibilidade
      Acoplamento estrutural interno:
      pontos de acoplamento
      Acoplamento estrutural externo:
      parcial quando há diferenças nas estruturas
      • os domínios do Operar – retângulo vermelho; e do Suporte ao operar – domínio amarelo, que compõem o ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ parte do ‘Explicar com ‘Reformular’ a empiricidade objeto, durante o caminho da Construção da representação, são exemplo do primeiro acoplamento interno. Acoplamento semelhante ocorre durante o caminho do Instanciamento da representação.(*)

         

      • há ainda acoplamentos externos ‘por cima’, lateralmente, e por baixo da estrutura no LD da figura nos dois caminhos o da Construção e o do Instanciamento. O acoplamento externo ‘por cima’ depende da estrutura com a qual se dará acopamento, e pode ser parcial.

      Playground para projetistas de modelos: uma coleção de modelos de diversos tipos, para aplicação dos conceitos apresentados

      Uma coleção com mais de duas dúzias de modelos, (*) para descobrir com que tipo de pensamento foram feitos:

      • se COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; ou
      • ou se SEM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação

      (*) Proposta de metodologia para o planejamento e implantação de manufatura integrada por computador
      de Bremer, C. F. USP SC fev 1995; entre outras fontes

      Estruturas dos modelos, resultantes da utilização do referencial,dos princípios organizadores e dos métodos usados pelo pensamento, por segmento de modelos 

      Aquém do objeto

      Modelo de operações de Buffa e modelo de uma organização adaptado de Mauro Zilbovicius

      Diante do objeto

      Modelo de operações do Kanban e modelo de organização da Reengenharia

      Além do objeto

      Modelo de uma ciência humana Análise da produção como exemplo de qualquer outro modelo de ciência humana
      Estrutura matricial – Quadro de categorias clássico. Utilização de várias ordens ligeiramente diferentes em um mesmo modelo de operações.
      Estrutura hierárquica característica do objeto análogo composto substitutivo ao vislumbrado. Utilização de uma única ordem ao longo do modelo.
      Mesmas características dos modelos para o segmento Diante do objeto, mas aqui, com um modelo constituinte combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.

      O modelo 5W2H, de um lado, e de outro, o modelo de operações do Kanban
      e o modelo proposto no LD da Figura 2: usos diferentes para as mesmas ideias
      ou elementos de imagem envolvidos na formulação da proposição

      Aquém do objeto

      Diante e Além do objeto

      Modelo Provision Workbench, da Proforma
      Modelo de operações de produção do Kanban
      Modelo proposto para 'uma certa maneira de conhecer empiricidades'

      O exame dessas três figuras mostra que ideias, elementos de imagem, homônimos, podem ser usados de modo diferente em modelos feitos sob estruturas conceituais diferentes.

      No modelo 5W e 2H no lado esquerdo acima, o destaque dado pelo losango em vermelho é nosso. Não estava na figura original. A figura é organizada por um sistema de categorias composto pelas 7 perguntas 5W2H. 

      O modelo da produção do Kanban é sim-discriminativo com relação ao elemento componente do objeto da operação de produção, e é formulado como uma proposição instanciativa de um objeto previamente projetado, e portanto cuja representação foi anteriormente construída

      O modelo de operações de construção de representação para empiricidade objeto (LD da figura) é feito calcado no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo; está evidenciada a formulação no formato de uma proposição. A origem de valor adotada está nas designações primitivas ( conjunto de operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites) e da linguagem de uso (o Repositório)

      O pensamento de outros grandes pensadores:
      John Dewey e seus dois modos de ver o mundo;
      Ilya Prigogine e o conceito de caos para a ciência moderna

      Diante do objeto

      Ver [homem e experiência] e [natureza] vistos juntos
      Os conceitos de caos, na ciência moderna;
      e de Arte como a formulação com leis e eventos

      As duas animações acima – a nosso ver – apenas mostram que tanto John Dewey na sua visão [homem] [experiência] e [natureza] juntos; quanto Ilya Prigogine  na sua visão do que seja caos na ciência moderna, estão pensando com uma configuração de pensamento COM a possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, o que não era comum para a ciência clássica, toda reversível.

      Sistema Formulador

      Aquém do objeto

      Modelo relacional de dados do Microsoft Project 4.0

      Diante do objeto

      Módulo central do Sistema Formulador

      O Sistema Formulador:

      É um ante-projeto de um sistema para gestão de projetos com estrutura conceitual consistente com o pensamento moderno. 
      O módulo principal do sistema é uma unidade lógica que relaciona entidades envolvidas na proposição enunciadora de operações, mantidas em banco de dados, e gera sistematicamente o modelo de operações. O Microsoft Project, então, importa o modelo gerado como se fosse próprio, e a gestão continua, agora com um modelo gramaticalmente correto e criteriosamente estruturado.

      Este é um ante-projeto de um sistema de gestão COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; esse sistema pode evoluir para um sistema visual de gestão e outros aplicativos.

      Destaque para dois modelos existentes:
      1) LE, o SIPOC (FEPSC) do SixSigma; 2) LD e o Visão da PHD, da PHD Brasil
      e no centro, as diferenças entre eles

      Aquém do objeto

      O diagrama FEPSC (SIPOC) mostrando a estrutura

      diferenças

      Comparação

      Diante do objeto

      A Visão da PHD

      Comparação do modelo SIPOC ou FEPSC – SixSigma(*) com o modelo Visão da PHD(**) do ponto de vista das estruturas respectivas.
      A animação central mostra o que falta – estruturalmente – ao SixSigma para ter a estrutura do modelo da direita.

      (*) Gestão integrada de processos e da tecnologia da informação; capítulo Identificação, análise e melhoria de processos críticos Figura 3.1 Representação da FEPSC, de Roberto Gilioli Rotondaro
      Coordenadores: Fernando José Barbin Laurindo e Roberto Gilioli Rotondaro, Editora Atlas, jan/2006
      (**) A Visão da PHD, da empresa PHD Brasil

      O mapa de operações de produção do Kanban;
      e o mapa da organização segundo a Reengenharia

      Diante do objeto

      Modelo de operações
      do Kanban

      Modelo de operações do Kanban

      Mapa da organização
      segundo a Reengenharia

      Mapa da Reengenharia (modificado) e comentado

      Temos à esquerda, o modelo do Kanban com a referência (*) abaixo. e á direita, a Figura 7.1 do livro Reengenharia, referência (**) abaixo. São organizados sobre a proposição, e pertencem à configuração do pensamento moderno.  Você pode certificar-se  da veracidade dessas duas afirmativas neste ponto (17).

      (*) Artigo ‘A comparison of Kanban and MRP concepts for the control of Repetitive Manufacturing Systems’ de:
      James W. Rice da Western Kentucky University e Takeo Yoshikawa da Yolohama National University
      (**) Reengenharia – revolucionando a empresa: em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência 
      de Michael Hammer e James Champy

      Exemplos de modelos existentes, e muito usados,
      nas diferentes estruturas conceituais

      Aquém do objeto

      Diante do objeto

      Modelos de: operação de produção; e organização típica
      Modelos de: operação contábil/financeira e modelo de organização
      Modelos de: operação de produção do Kanban; e modelo de organização da Reengenharia

      Exemplos de modelos muito conhecidos para operações e para as organizações

      • operação: Operações de produção, de Elwood S. Buffa;
      • organização: adaptação de Organização típica.
      • operação: operação contábil financeira débito e crédito;
      • organização: Ativo, Passivo e Resultados.
      • operação: modelo do Kanban;
      • organização: mapa da reengenharia.

      A proposição como o bloco construtivo padrão  (Lego)
      fundamental para a construção de representações

      Aquém do objeto

      Proposição ausente
      do sistema Input-Output

      Diante do objeto

      A proposição no caminho
      da Construção da representação

      Além do objeto

      A proposição no caminho
      do Instanciamento da Representação

      ‘A proposição é, para a linguagem,
      o que a representação é para o pensamento:
      sua forma ao mesmo tempo mais geral e mais elementar porquanto, desde que a decomponhamos, não encontraremos mais o discurso, mas seus elementos como tantos materiais dispersos.’(*)

      “A língua é
      a mais complexa,
      a mais milagrosa,
      a mais estranha,
      a mais gigantesca e variada
      invenção humana.” (**)

      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

       


      (**) Frases de Millor Fernandes

      Os dois conceitos para o que seja um verbo:
      verbo Processo, e verbo Forma de produção

      Aquém do objeto
      verbo ‘Processo

      Verbo tratado como Processo

      Diante e Além do objeto
      verbo ‘Forma de produção’

      Verbo tratado como Forma de produção

      “A única coisa que o verbo afirma
      é a coexistência de duas representações; 
      por exemplo
      a do verde e da árvore,
      a do homem e da existência ou da morte. 

      É por isso que o tempo dos verbos
      não indica aquele em que
      as coisas aconteceram no absoluto, 
      mas um sistema relativo  
      de anterioridade
      ou simultaneidade 
      das coisas entre si.”
      (*)

      “O limiar da linguagem
      está onde surge o verbo.
      É preciso portanto 
      tratar esse verbo como um ser misto, 
      ao mesmo tempo palavra entre palavras,
      preso às mesmas regras 
      de regência
      e de concordância;
      e depois, em recuo em relação a elas todas, 
      numa região que não é aquela do falado 
      mas aquela donde se fala.
      Ele está na orla do discurso, na juntura entre 
      aquilo que é dito e aquilo que se diz; 
      exatamente lá onde os signos 
      estão em via de se tornar linguagem.
      (*)

      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

      Os dois conceitos para o que seja 'Classificar'

      Aquém do objeto

      Classificar como uma referência
      do visível a si mesmo

      Diante e Além do objeto

      Classificar como uma referência
      do visível ao invisível

      Classificar é referir
      o visível a si mesmo,
      encarregando um dos elementos
      de representar os outros.(*)

      Classificar é referir
      o visível ao invisível
      – como a sua razão profunda –
      e depois, alçar de novo dessa secreta arquitetura, em direção aos seus sinais manifestos, que são dados
      à superfície dos corpos.
      (*)


      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      cap. VII – Os limites da representação;
      tópico III. A organização dos seres; sub-item 3

      Os dois princípios filosóficos para o que seja de trabalho

      Aquém do objeto
      Adam Smith, de 1776(*)

      Princípio monolítico de trabalho
      de Adam Smith, de 1776

      Diante e Além do objeto
      David Ricardo, de 1817(**)

      Princípio dual de trabalho
      de David Ricardo, de 1817


      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas; 
      (*) Capítulo VII – Os limites da representação;
      tópico II. A medida do trabalho;


      As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      (**) Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem;
      tópico II. Ricardo

      Elementos centrais em cada formulação por segmento do espectro

      Aquém do objeto
      PROCESSO

      Diante do objeto
      Forma de produção

      Além do objeto
      NEXO DA PRODUÇÃO

      Processo: elemento central
      no modelo de operação clássico
      Forma de produção: elemento central
      no modelo de operações moderno
      Nexo da produção: resultante da visão
      SSS da organização

      Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais qualquer providência, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

      Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento (laboratório piloto, fábrica) com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo IV – Falar; tópico II. Gramática geral
      Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; I. As novas empiricidades

      Espaços Gerais do Saber
      em cada segmento do espectro

      Aquém do objeto

      Diante do objeto

      Além do objeto

      Espaço Geral do Saber Clássico
      Espaço Geral do Saber no pensamento Moderno
      Espaço interior do Triedro do Saber

      As mudanças nas configurações do pensamento promoveram reposicionamentos das positividades umas em relação às outras, resultando em três espaços gerais do saber.(*)

      (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo III – Representar; tópico VI. Mathésis e Taxinomia;
      Capítulo X – As ciências humanas; tópico I – O triedro dos saberes; 
      de Michel Foucault

      O tempo em cada uma das faixas do espectro;
      e para as diferentes etapas das operações indicadas

      Aquém
      do objeto
      qualquer operação

      Diante 
      do objeto
      caminho da Construção 

      Diante 
      do objeto
      caminho da Instanciamento

      Tempo no LE, em qualquer operação no sistema Input-Output, sob o deus Chronos
      Tempo LD, operação no caminho da Construção da representação,
      sob o deus Kairós
      Tempo LD, operação no caminho do Instanciamento da representação,
      novamente sob o deus Chronos

      Tempo, em cada um dos segmentos do espectro, muda:

      • aquém do objeto, na estrutura input-output sob o pensamento clássico, temos um tempo relativo, ou um tempo calendário, cujo deus é Chronos;
      • diante do objeto mas no caminho da Construção da representação, sob o pensamento filosófico moderno, temos um tempo absoluto, um tempo não-calendário, cujo deus é Kairós;
      • e ainda diante, e também além do objeto, tempos um tempo que volta a ser relativo, calendário, e a soberania volta a ser a de Chronos.

      O espaço dado ao homem - 'naquilo que ele tem de empírico' -
      na estrutura dos modelos

      Aquém do objeto

      Diante e Além do objeto

      Sistema clássico de pensamento:
      sem espaço em sua estrutura
      para os dois papéis do homem.
      Os dois papéis do homem
      presentes e operativos na estrutura
      d'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'

      Antes do fim do século XVIII,
      o homem não existia. (…)
      Sem dúvida,
      as ciências naturais trataram do homem
      como de uma espécie ou de um gênero.”

      As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico II. O lugar do rei

      ‘Na medida, porém, em que as coisas giram sobre si mesmas, reclamando para seu devir não mais que o princípio de sua inteligibilidade e abandonando o espaço da representação, o homem, por seu turno, entra e pela primeira vez,
      no campo do saber ocidental’ (*)

      “O modo de ser do homem, tal como se constituiu no pensamento moderno, permite-lhe desempenhar dois papéis: está, ao mesmo tempo, 

      • no fundamento de todas as positividades,
      • presente, de uma forma
        que não se pode sequer dizer privilegiada,
        no elemento das coisas empíricas.” (**)

       (*) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas; 
      Prefácio

      (**) As palavras e as coisas:
      uma arqueologia das ciências humanas;  
      Capítulo X – As ciências humanas;
      I. O triedro dos saberes

      Desenvolvimento das operações
      por segmento do espectro de modelos

      Aquém do objeto

      Diante do objeto

      Além do objeto

      • no sistema Input-Output; usando uma ordem arbitrariamente escolhida;
      • e com propriedades não-originais e não-constitutivas das coisas, as chamadas ‘aparências’;
      • No sistema correspondente ao que Foucault chama de ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’, que tem como elemento construtivo padrão fundamental a proposição, da qual herda as categorias de ideias ou elementos de imagem de primeiro nível;
      • e com propriedades sim-originais e sim-constitutivas daquilo que se constitui na existência em decorrência das operações.
      • No sistema formulado no campo das ciências humanas, com modelos constituintes compostos por uma combinação dos modelos constituintes das ciências que integram a região epistemológica fundamental, as ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.
      • Nexo da operação.

      Veja mais detalhes nas animações que podem ser encontradas nas páginas de detalhe deste tópico.

      Funcionamento do pensamento
      em cada um dos segmentos desse espectro

      Antes do objeto

      Diante do objeto

      Além do objeto

      Operação no sistema Input-Output
      sobre representações pré-existentes
      Operação de construção de representação não existente no repositório
      Operação de instanciamento de representação pré-existente no repositório

      Paletas com o conjunto completo de ideias ou elementos de imagem necessários para a formulação das respectivas imagens das ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t ; incluindo relacionamentos entre esses elementos de imagem.(*)

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
      tópico I. As novas empiricidades, de Michel Foucault

      Estruturas de conceitos em cada ambiente de formulação identificado pela possibilidade ou pela impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação

      Posição em relação ao par sujeito-objeto

      Estrutura conceitual
      para o pensamento clássico
      Estrutura conceitual
      para o pensamento moderno

      Referencial:

      • Ordem pela ordem;

      Princípios organizadores: 

      • Caráter e similitude;

      Métodos:

      • Identidade e semelhança

      Referencial:

      • Utopia;

      Princípios organizadores: 

      • Analogia e Sucessão;

      Métodos:

      • Análise e Síntese

      ‘Assim, estes três pares,
      função-norma,
      conflito-regra,
      significação-sistema,

      cobrem, por completo,
      o domínio inteiro
      do conhecimento do homem.'(*)

      São essas as ferramentas de que se arma o pensamento – em cada segmento do espectro de modelos, para produzir as imagens que servem de mapas, para orientação na construção das representações.

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

      Imaginação e Conceituação - funções humanas reversíveis:
      Imagens tradicionais e Técnicas

      Imagens tradicionais

      Imagens técnicas

      Classes de abstrações

      As imagens tradicionais
      Imagens técnicas, as imagens produzidas por aparelhos (computadores)
      Classes de abstrações
      • Imaginação e Conceituação, funções humanas reversíveis que todos temos para codificar e decodificar imagens tradicionais e textos;
        • idolatria é o uso continuado de imagens que, quando decodificadas, não mais nos levam à visão da ocorrência no espaço-tempo x, y, z e t, isto é, imagens que não mais nos servem de guias para o mundo, mas de biombos;
        • textolatria é o uso continuado de textos que, quando decodificados, não mais nos levam às imagens que fizemos para as ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t
      • e as Imagens técnicas, especiais, aquelas imagens produzidas por aparelhos (computadores em destaque); as Imagens técnicas exigem, para seu entendimento, uma Conceituação especial.(*)

      (*) Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia;
      Capítulos I – A imagem; e II – A imagem técnica,
      de Vilém Flusser 

      Modelos constituintes de modelos
      em cada uma das faixas desse espectro

      Posição relativa modelo de operações - sujeito-objeto

      Aquém

      não há modelos constituintes nesse segmento do espectro, já que, pelos pressupostos adotados (Universo, realidade única) nada é constituído na existência em decorrência das operações feitas

      Diante

      modelo constituinte composto pelo par constituinte correspondente ao campo em que o modelo é formulado, tomados isoladamente em cada área: 

      • Vida (Biologia) –
        [função-norma]; 
      • Trabalho (Economia) –
        [conflito-regra]; 
      • Linguagem (Filologia)- [significação-sistema]

      para Além

      campo das Ciências Humanas com modelos constituintes formados por uma combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, tomados todos em conjunto em cada modelo, dada ênfase a uma das áreas das ciências da região epistemológica fundamental

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
      Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

       

      O espectro de modelos, segundo essa possibilidade de sim-fundar, ou não-fundar, as sínteses no espaço da representação: Aquém, Diante e para Além do objeto - os segmentos do espectro de modelos de visões de ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t

      O modo como Foucault descreve o problema que encontrou em seu trabalho pode ser mapeado em um espectro de modelos agrupados segundo os dois fatores por ele percebidos:  fator 1, com duas regiões quanto à fundação das sínteses na representação e com três regiões quanto à posição relativa ao objeto e ao sujeito: 
      Aquém, Diante e para Além do objeto. 

      Fundação das sínteses no espaço da representação

      Impossibilidade

      Possibilidade

      Aquém

      do objeto
      (e do sujeito)

      Diante

      do objeto
      (e do sujeito)

      para Além

      do objeto
      (e do sujeito)

      Fator 1 – o domínio/contaminação do pensamento com o uso simultâneo de configurações de pensamento 

      • com a  impossibilidade 
      • e também com a possibilidade,

      de fundar as sínteses da representação da empiricidade objeto, no espaço da representação’; com duas regiões em um espectro de modelos:

      Fator 2 – dar conta da obrigação correlativa (…) de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os “quase-transcendentais”

      com as seguintes regiões no espectro de modelos:

       1. região do espectro: ‘Aquém do objeto’ (na impossibilidade);

       2. região do espectro: ‘Diante do objeto’ (na possibilidade)

        • da Vida, (Biologia) par constituinte função-norma
        • do Trabalho, (Economia) par conflito-regra
        • e da Linguagem. (Filologia) par significação-sistema

       3. região do espectro: ‘para Além do objeto’, (na possibilidade) e no campo das ciências humanas, no espaço interior do triedro dos saberes.

      outra região no espectro de modelos, com modelo constituinte único composto dos três pares constituintes das três regiões epistemológicas fundamentais

      - A pedra de tropeço no caminho de Michel Foucault e
      - Os caminhos (e alterações de rota) de Maturana

      Michel Foucault
      1926-1984

      “É que o pensamento que nos é contemporâneo e com o qual, queiramos ou não, pensamos, se acha ainda muito dominado 

      • pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII, de fundar as sínteses [da empiricidade objeto do pensamento] no espaço da representação;
      • e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
        de abrir o 
        campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, para além do objeto, esses “quase-transcendentais” que são para nós a Vida, o Trabalho, e a Linguagem.”  (*)
      Humberto Maturana
      1928-

      “Substituir 

      • a noção de input-output 
      • pela de acoplamento estrutural 

      foi um passo importante na boa direção por evitar a armadilha da linguagem clássica de fazer do organismo um sistema de processamento de informação.
      (…) Contudo é uma formulação fraca por não propor uma alternativa construtiva e deixar a interação na bruma de uma simples perturbação. (…) Frequentemente se tem feito a crítica de que a autopoiese leva a uma posição solipsista. (**)

      (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico: I. As novas empiricidades
      (**) De máquinas e de seres vivos: autopoiese – a organização do vivo; Prefácio à segunda edição; tópico Além da autopoiese; sub-tópico: Enacção e cognição, de Francisco José Garcia Varela

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      Modelo descritivo da produção clássico

      Paleta de ideias ou elementos de imagem
      presentes na configuração de pensamento clássico

      Mapa resumo das operações SSS na organização
      centrada no par sujeito-objeto

      A organização das operações na estrutura SSS

      Mapeamento da disposição SSS das operações em uma organização