VI. Máthêsis e Taxinomia

Capítulo III. Representar; tópico VI. Máthêsis e Taxinomia

  • Projeto de uma ciência geral da ordem; 
  • teoria dos signos analisando a representação; 
  • disposição em quadros ordenados das identidades e das diferenças: 

assim se constituiu na idade clássica um espaço de empiricidade que 

  • não existira até o fim do Renascimento 
  • e que estava condenado a desaparecer desde o início do século XIX. 

Ele é para nós, hoje, tão difícil de restituir e tão profundamente recoberto pelo sistema de positividades a que pertence nosso saber que, durante muito tempo, passou despercebido. 

Deformamo-lo, e mascaramo-lo através de categorias ou de uma distribuição que são nossas. 

Pretende-se reconstituir, ao que parece, o que foram nos séculos XVII e XVIII as “ciências da vida”, da “natureza” ou do “homem”. 

Esquece-se simplesmente que nem o homem, nem a vida, nem a natureza são domínios que se oferecem espontânea e passivamente à curiosidade do saber. 

  • O que torna possível o conjunto da epistémê clássica é, primeiramente, a relação a um conhecimento da ordem. 
  • Quando se trata de ordenar as naturezas simples, recorre-se a uma máthêsis cujo método universal é a Álgebra. 
  • Quando se trata de pôr em ordem naturezas complexas (as representações em geral, tais como são dadas na experiência), é necessário constituir uma taxinomia e, para tanto, instaurar um sistema de signos. 

Os signos estão para a ordem das naturezas compostas como a álgebra está para a ordem das naturezas simples.

Mas, na medida em que 

as representações empíricas devem ser suscetíveis de se analisar como naturezas simples, vê-se que a taxinomia se reporta inteiramente à máthêsis; 

em contrapartida, posto que a percepção das evidências é apenas um caso particular da representação em geral, pode-se dizer igualmente que a máthêsis não é mais do que um caso particular da taxinomia. 

Do mesmo modo, 

os signos que o próprio pensamento estabelece constituem como que uma álgebra das representações complexas; 

e a álgebra, inversamente, é um método para conferir signos às naturezas simples e para operar sobre esses signos. 

Tem-se, pois, a seguinte disposição: Mas não é tudo. 

A taxinomia implica, ademais, um certo continuum das coisas (uma não-descontinuidade, uma plenitude do ser) e uma certa potência da imaginação, que faz aparecer o que não é, mas permite, por isso mesmo, trazer à luz o contínuo. 

A possibilidade de uma ciência das ordens empíricas requer, pois, uma análise do conhecimento – análise que deverá mostrar de que modo a continuidade escondida (e como que confusa) do ser pode reconstituir-se através do liame temporal de representações descontínuas. 

Daí a necessidade, sempre manifestada ao longo da idade clássica, de interrogar a origem dos conhecimentos. De fato, essas análises empíricas não se opõem ao projeto de uma máthêsis universal, como um ceticismo a um racionalismo; elas eram envolvidas nos requisitos de um saber que não se dá mais como experiência do Mesmo, mas como estabelecimento da Ordem. 

Nas duas extremidades da epistémê clássica, tem-se, portanto 

  • uma máthêsis como ciência da ordem calculável 
  • e uma gênese como análise da constituição das ordens a partir de sequências empíricas. 

De um lado, utilizam-se os símbolos das operações possíveis sobre identidades e diferenças; 

de outro, analisam-se as marcas progressivamente depositadas pela semelhança das coisas e as recorrências da imaginação. 

  • Entre a máthêsis e a gênese estende-se a região dos signos – signos que atravessam todo o domínio da representação empírica, mas que jamais a transbordam. 
  • Margeado pelo cálculo e pela gênese, está o espaço do quadro. 
  • Nesse saber, trata-se de afetar com um signo tudo o que pode nos oferecer nossa representação:
    • percepções,
    • pensamentos,
    • desejos; 
  • esses signos devem valer como caracteres, isto é, articular o conjunto da representação em plagas distintas, separadas umas das outras por traços assinaláveis; 
  • autorizam, assim, o estabelecimento de um sistema simultâneo, segundo o qual as representações enunciam sua proximidade e seu afastamento, sua vizinhança e suas distâncias –
    • portanto, a rede que,
      • fora da cronologia, 
      • manifesta seu parentesco e restitui num espaço permanente suas relações de ordem. 

Por essa forma pode-se delinear o quadro das identidades e das diferenças. 

É nessa região que se encontra a história natural ciência dos caracteres que articulam a continuidade da natureza e sua imbricação. 

Nessa região também se encontra a teoria da moeda e do valor – ciência dos signos que autorizam a troca e permitem estabelecer equivalências entre as necessidades ou os desejos dos homens. 

Aí, enfim, se aloja a Gramática geral, ciência dos signos pelos quais os homens reagrupam a singularidade de suas percepções e recortam o movimento contínuo de seus pensamentos. 

Apesar das suas diferenças, esses três domínios só existiram na idade clássica, na medida em que o espaço fundamental do quadro se instaurou entre 

  • o cálculo das igualdades 
  • e a gênese das representações. 

Vê-se que estas três noções – 

  • máthêsis, 
  • taxinomia, 
  • gênese 

– designam menos domínios separados que uma rede sólida de interdependências que define a configuração geral do saber na época clássica. 

A taxinomia não se opõe à máthêsis: aloja-se nela e dela se distingue; pois ela também é uma ciência da ordem – uma máthêsis qualitativa. 

Entendida, porém, no sentido estrito, a máthêsis é ciência das igualdades, portanto, das atribuições e dos juízos; é a ciência da verdade; 

já a taxinomia trata das identidades e das diferenças; é a ciência das articulações e das classes; é o saber dos seres. 

Da mesma forma, a gênese se aloja no interior da taxinomia, ou ao menos encontra nela sua possibilidade primeira.  

Mas a taxinomia estabelece o quadro das diferenças visíveis; a gênese supõe uma série sucessiva; uma trata os signos na sua simultaneidade espacial, como uma sintaxe; a outra os reparte num análogon do tempo, como uma cronologia. 

Em relação à máthêsis, a taxinomia funciona como uma ontologia em face de uma apofântica; em face da gênese, funciona como uma semiologia em face de uma história. 

Ela define, pois, a lei geral dos seres e, ao mesmo tempo, as condições sob as quais é possível conhecê-los. 

Daí o fato de que a teoria dos signos na época clássica tenha podido sustentar ao mesmo tempo 

  • uma ciência de feição dogmática que se apresentava como o conhecimento da própria natureza, 
  • e uma filosofia da representação que, no decurso do tempo, se tornou cada vez mais nominalista e cada vez mais cética. 

Daí também o fato de que semelhante disposição tenha desaparecido a ponto de as eras posteriores perderem até a memória de sua existência: 

é que, após a crítica kantiana e tudo o que se passou na cultura ocidental do fim do século XVIII, uma divisão de um novo tipo se instaurou: 

  • de um lado, a máthêsis se reagrupou, constituindo uma apofântica e uma ontologia; é ela que até nossos dias reinou sobre as disciplinas formais; 
  • de outro lado, a história e a semiologia (esta absorvida, de resto, por aquela) se reuniram nessas disciplinas da interpretação que estenderam seu poder de Schleiermacher a Nietzsche e a Freud. 

Em todo o caso, a epistémê clássica pode se definir, na sua mais geral disposição, 

  • pelo sistema articulado de uma máthêsis, 
  • de uma taxinomia 
  • e de uma análise genética. 

As ciências trazem sempre consigo o projeto mesmo longínquo de uma exaustiva colocação em ordem: apontam sempre para a descoberta de elementos simples e de sua composição progressiva; e, no meio deles, elas formam quadro, exposição de conhecimentos, num sistema contemporâneo de si próprio. 

O centro do saber, nos séculos XVII e XVIII, é o quadro. Quanto aos grandes debates que ocuparam a opinião, alojam- se muito naturalmente nas dobras dessa organização. 

Pode-se perfeitamente escrever uma história do pensamento na época clássica, tomando esses debates como pontos de partida ou como temas. Mas não se fará então mais que a história das opiniões, isto é, das escolhas operadas segundo os indivíduos, os meios, os grupos sociais; e é todo um método de inquirição que está implicado. 

Se se quiser empreender uma análise arqueológica do próprio saber, então não são esses debates célebres que devem servir de fio condutor e articular o propósito. É preciso reconstituir o sistema geral de pensamento, cuja rede, em sua positividade, toma possível um jogo de opiniões simultâneas e aparentemente contraditórias. É essa rede que define as condições de possibilidade de um debate ou de um problema, é ela a portadora da historicidade do saber. 

Se o mundo ocidental debateu-se para saber se a vida era apenas movimento ou se a natureza era bastante ordenada para provar Deus, não é porque um problema fora aberto; é porque, após ter dispersado o círculo indefinido dos signos e das semelhanças, e antes de organizar as séries da causalidade e da história, a epistémê da cultura ocidental abriu um espaço em quadro que ela não cessou de percorrer desde as formas calculáveis da ordem até a análise das mais complexas representações. 

E desse percurso, percebe-se o sulco na superfície histórica dos temas, dos debates, dos problemas e das preferências de opinião. 

Os conhecimentos atravessaram de ponta a ponta um “espaço de saber” que havia sido disposto de uma só vez, no século XVII, e que só devia ser encerrado 150 anos mais tarde. 

Desse espaço em quadro, cumpre empreender agora a análise, lá onde ele aparece sob sua mais clara forma, isto é, 

  • na teoria da linguagem, 
  • da classificação 
  • e da moeda. 

Objetar-se-á talvez que o simples fato de querer analisar, ao mesmo tempo e num só movimento, 

  • a gramática geral, 
  • a história natural 
  • e a economia, 

reportando-as a uma teoria geral dos signos e da representação, supõe uma questão que só pode vir de nosso século. 

Sem dúvida, a idade clássica, não mais que qualquer outra cultura, pôde circunscrever ou nomear o sistema geral de seu saber. Mas esse sistema foi suficientemente constringente para que as formas visíveis dos conhecimentos nele esboçassem por si próprias os seus parentescos, como se os métodos, os conceitos, os tipos de análise, as experiências adquiridas, os espíritos e finalmente os próprios homens se tivessem deslocado ao sabor de uma rede fundamental que definia a unidade implícita mas inevitável do saber. 

Desses deslocamentos, a história mostrou mil exemplos. Trajeto tantas vezes percorrido entre a teoria do conhecimento, a dos signos e a da gramática: 

Port-Royal deu 

  • sua Gramática em complemento e como que em seqüência natural
  •  da sua Lógica, 
  • à qual se liga por uma comum análise dos signos; 

Condillac, Destutt de Tracy, Gerando articularam, uma com outra, a decomposição do conhecimento em suas condições ou “elementos” e a reflexão sobre esses signos de que a linguagem só constitui a aplicação e o uso mais visíveis. 

Trajeto também entre a análise da representação e dos signos e a da riqueza; 

  • Quesnay, o fisiocrata, escreveu um artigo “Evidência” para a Enciclopédia; 
  • Condillac e Destutt colocaram na linha de sua teoria do conhecimento e da linguagem a do comércio e da economia que tinha para eles valor de política e também de moral; 
  • sabe-se que Turgot escreveu o artigo “Etimologia” da Enciclopédia e o primeiro paralelo sistemático entre a moeda e as palavras; 
  • que Adam Smith escreveu, além de sua grande obra econômica, um ensaio sobre a origem das línguas. 

Trajeto entre a teoria das classificações naturais e as da linguagem: 

  • Adanson não pretendeu somente criar uma nomenclatura ao mesmo tempo artificial e coerente no domínio da botânica; tinha em vista (e aplicou-a em parte) toda uma reorganização da escrita em função dos dados fonéticos da linguagem; 
  • Rousseau deixou, entre suas obras póstumas, elementos de botânica e um tratado sobre a origem das línguas. 

Assim se delineava, como em pontilhado, a grande rede do saber empírico: a das ordens não-quantitativas. 

E talvez a unidade recuada, mas insistente de uma Taxinomia universalis apareça com toda a clareza em Lineu, quando ele projeta encontrar, em todos os domínios concretos da natureza ou da sociedade, as mesmas distribuições e a mesma ordem(22). 

O limite do saber seria a transparência perfeita das representações nos signos que as ordenam.

V. A imaginação da semelhança

Capítulo III. Representar; tópico V. A imaginação da semelhança

Eis, pois, os signos, libertos de todo esse fervilhar do mundo onde o Renascimento os havia outrora repartido. 

Estão doravante alojados no interior da representação, no interstício da ideia, nesse tênue espaço onde ela joga consigo mesma, decompondo-se e recompondo-se. 

Quanto à similitude, só lhe resta agora sair do domínio do conhecimento. É o empírico sob sua mais rude forma; já não podemos “olhá-la como fazendo parte da filosofia”(19) a menos que seja desvanecida na sua inexatidão de semelhança e transformada pelo saber numa relação de igualdade ou de ordem. 

E todavia, para o conhecimento, a similitude é uma indispensável moldura. Pois uma igualdade ou uma relação de ordem não pode ser estabelecida entre duas coisas, senão quando sua semelhança tenha sido ao menos a ocasião de compará-las: 

  • Hume colocava a relação de identidade entre aquelas, “filosóficas”, que supõem a reflexão; 
  • já a semelhança pertencia, para ele, às relações naturais, àquelas que constrangem nosso espírito segundo uma “força calma” mas inevitável(20). 

“Que o filósofo se arrogue a precisão quando queira… ouso contudo desafiá-lo a dar um só passo em sua carreira sem a ajuda da semelhança. Que se lance um olhar sobre a face metafisica das ciências, mesmo as menos abstratas; e que me digam se as induções gerais que se tiram dos fatos particulares, ou, antes, se os próprios gêneros, as espécies e todas as noções abstratas podem formar-se de outro modo senão por meio da semelhança.”(21) 

Na orla exterior do saber, a similitude é essa forma somente esboçada, esse rudimento de relação que o conhecimento deve recobrir em toda a sua extensão, mas que, indefinidamente, permanece por sob ele, à maneira de uma necessidade muda e indelével. 

Como no século XVI, semelhança e signo se interpelam fatalmente. Mas de um modo novo. 

Em vez de precisar de uma marca para que seja desvendado seu segredo, 

a similitude é agora o fundo indiferenciado, movediço, instável, sobre o qual o conhecimento pode estabelecer suas relações, suas medidas e suas identidades. 

Dupla reviravolta por conseguinte: 

  • porque é o signo e, com ele, todo o conhecimento discursivo que exigem um fundo de similitude, 
  • e porque não se trata mais de manifestar um conteúdo prévio ao conhecimento, mas de dar um conteúdo que possa oferecer um lugar de aplicação às formas do conhecimento. 

Enquanto no século XVI a semelhança era a relação fundamental do ser consigo mesmo e a dobradura do mundo, 

na idade clássica ela é a mais simples forma sob a qual aparece o que se deve conhecer e que está mais afastado do próprio conhecimento. 

É por ela que a representação pode ser conhecida, isto é, comparada com as que podem ser similares, analisada em elementos (em elementos que lhe são comuns com outras representações), combinada com as que podem apresentar identidades parciais e distribuídas finalmente num quadro ordenado. 

A similitude na filosofia clássica (isto é, numa filosofia da análise) desempenha um papel simétrico ao que a diversidade assegurará no pensamento crítico e nas filosofias do juízo. 

Nessa posição de limite e de condição (aquilo sem o que e aquém do que não se pode conhecer), a semelhança se situa do lado da imaginação ou, mais exatamente, ela só aparece em virtude da imaginação, e a imaginação, em troca, só se exerce apoiando-se nela. 

Com efeito, se se supõem, na cadeia ininterrupta da representação, impressões por mais simples que sejam, e se não houvesse entre elas o menor grau de semelhança, não haveria nenhuma possibilidade para que a segunda lembrasse a primeira, a fizesse reaparecer e autorizasse assim sua reapresentação no imaginário; as impressões se sucederiam na mais total diferença: tão total que não poderia sequer ser percebida, visto que uma representação jamais teria ensejo de se estabelecer num lugar, de ressuscitar outra mais antiga e de se justapor a ela para dar lugar a uma comparação; a tênue identidade necessária a toda diferenciação sequer seria dada. A mudança perpétua se desenrolaria sem referência na perpétua monotonia. 

Mas, se não houvesse na representação o obscuro poder de tornar novamente presente uma impressão passada, nenhuma jamais apareceria como semelhante a uma precedente ou dessemelhante dela. 

Esse poder de lembrar implica ao menos a possibilidade de fazer aparecer como quase semelhantes (como vizinhas e contemporâneas, como existindo quase da mesma forma) duas impressões, das quais uma porém está presente enquanto a outra, desde muito talvez, deixou de existir. 

Sem imaginação não haveria semelhança entre as coisas. 

Vê-se o duplo requisito. 

É preciso que haja, nas coisas representadas, o murmúrio insistente da semelhança; 

é preciso que haja, na representação, o recôndito sempre possível da imaginação. 

E nem um nem outro desses requisitos pode dispensar aquele que o completa e lhe faz face. 

Daí duas direções de análise que se mantiveram ao longo de toda a idade clássica e não deixaram de se aproximar, para finalmente enunciarem, na última metade do século XVIII, sua verdade comum na Ideologia. 

  • De um lado, encontra-se a análise que explica a reversão da série de representações num quadro inatual mas simultâneo de comparações: 

análise da impressão, da reminiscência, da imaginação, da memória, de todo esse fundo involuntário que é como que a mecânica da imagem no tempo. 

  • De outro, há a análise que explica a semelhança das coisas – sua semelhança antes de sua ordenação, sua decomposição em elementos idênticos e diferentes, a repartição em quadro de suas similitudes desordenadas: 

por que, pois, as coisas se oferecem numa imbricação, numa mistura, num entrecruzamento, em que sua ordem essencial está confusa, mas bastante visível ainda para que transpareça sob forma de semelhanças, de similitudes vagas, de ocasiões alusivas para uma memória alerta? 

  • A primeira série de problemas corresponde grosso modo à analítica da imaginação, como poder positivo de transformar o tempo linear da representação em espaço simultâneo de elementos virtuais; 
  • a segunda corresponde grosso modo à análise da natureza, com as lacunas, as desordens, que confundem o quadro dos seres e o dispersam numa seqüência de representações que, vagamente e de longe, se assemelham. 

Ora, esses dois momentos opostos 

  • (um, negativo, da desordem da natureza nas impressões, 
  • outro, positivo, do poder de reconstituir a ordem a partir dessas impressões) 

encontram sua unidade na ideia de uma “gênese”. 

E isso de duas maneiras possíveis. 

Ou o momento negativo (o da desordem, da vaga semelhança) é atribuído à própria imaginação que exerce então, por si só, uma dupla função: se ela pode, apenas pela duplicação da representação, restituir a ordem, é na medida justamente em que ela impediria de perceber diretamente, e na sua verdade analítica, as identidades e as diferenças das coisas. O poder da imaginação é tão-somente o reverso ou a outra face de sua falha. Ela está, no homem, na juntura da alma com o corpo. Com efeito, é aí que Descartes, Malebranche, Spinoza a analisaram, ao mesmo tempo como lugar do erro e poder de aceder à verdade mesmo matemática; nela reconheceram o estigma da finitude, quer como signo de uma queda fora da extensão inteligível, quer como marca de uma natureza limitada. 

O momento positivo da imaginação, ao contrário, pode ser atribuído à semelhança turva, ao murmúrio vago das similitudes. É a desordem da natureza devida à sua própria história, a suas catástrofes, ou talvez simplesmente à sua pluralidade imbricada, que não é mais capaz de oferecer à representação senão coisas que se assemelham. De tal sorte que a representação, sempre acorrentada a conteúdos muito próximos uns dos outros, se repete, se recorda, dobra-se naturalmente sobre si, faz renascer impressões quase idênticas e engendra a imaginação. E nesse burburinho de uma natureza múltipla mas obscuramente e sem razão recomeçada, no fato enigmático de uma natureza que, antes de toda ordem, se assemelha a si mesma, que Condillac e Hume buscaram o liame entre a semelhança e a imaginação. 

Soluções estritamente opostas, mas que respondem ao mesmo problema. 

Compreende-se, em todo o caso, que o segundo tipo de análise tenha sido facilmente desenvolvido não fora mítica do primeiro homem (Rousseau) ou da consciência que desperta (Condillac) ou do espectador estranho jogado no mundo (Hume): essa gênese funcionava exatamente em lugar da própria Gênese. 

Ainda uma observação. 

Se as noções de natureza e de natureza humana tiveram na idade clássica uma certa importância, não é porque bruscamente se descobriu, como campo de pesquisas empíricas, essa potência surda, inesgotavelmente rica, a que se chama a natureza; não é também porque se isolou, no interior dessa vasta natureza, uma pequena região singular e complexa que seria a natureza humana. De fato, esses dois conceitos funcionam para assegurar a interdependência, o liame recíproco da imaginação e da semelhança. 

Decerto que a imaginação não é, em aparência, senão uma das propriedades da natureza humana, e a semelhança um dos efeitos da natureza. 

Mas, seguindo a rede arqueológica, que confere suas leis ao pensamento clássico, 

  • vê-se bem que a natureza humana se aloja nesse tênue extravasamento da representação que lhe permite se reapresentar 

(toda a natureza humana está aí: apenas estreitada ao exterior da representação para que se apresente de novo, no espaço branco que separa a presença da representação e o “re” de sua repetição);

  • e que a natureza não é mais do que o inapreensível tumulto da representação que faz com que a semelhança seja aí sensível antes que a ordem das identidades seja visível. 

Natureza e natureza humana permitem, na configuração geral da epistémê, o ajustamento da semelhança e da imaginação, que funda e torna possíveis todas as ciências empíricas da ordem.

  • No século XVI, a semelhança estava ligada a um sistema de signos; e era sua interpretação que abria o campo dos conhecimentos concretos. 
  • A partir do século XVII, a semelhança é repelida para os confins do saber, do lado de suas mais baixas e mais humildes fronteiras. Lá, ela se liga à imaginação, às repetições incertas, às analogias nebulosas. E, em vez de desembocar numa ciência da interpretação, implica uma gênese que ascende dessas formas rudes do Mesmo aos grandes quadros do saber desenvolvidos segundo as formas da identidade, da diferença e da ordem. 

O projeto de uma ciência da ordem, tal como foi fundado no século XVII, implicava que fosse ele duplicado por uma gênese do conhecimento, como o foi efetivamente, e sem interrupção, de Locke à Ideologia.

IV. A representação reduplicada

Capítulo III. Representar; tópico IV. A representação reduplicada

No entanto, a mais fundamental propriedade dos signos para a epistémê clássica não foi enunciada até o presente. 

Com efeito, que o signo possa ser 

  • mais ou menos provável, 
  • mais ou menos afastado daquilo que significa, 
  • que possa ser natural 
  • ou arbitrário sem que sua natureza ou seu valor de signo seja afetado por isso – 

tudo isso mostra bem que a relação do signo com seu conteúdo não é assegurada na ordem das próprias coisas. 

A relação do significante com o significado se aloja agora num espaço onde nenhuma figura intermediária assegura mais seu encontro: ela é, no interior do conhecimento, o liame estabelecido entre 

  • a ideia de uma coisa 
  • e a ideia de uma outra. 

A Lógica de Port-Royal o diz: 

“O signo encerra duas idéias, uma da coisa que representa, outra da coisa representada; e sua natureza consiste em excitar a primeira pela segunda.”(16) 

Teoria dual do signo, que se opõe sem equívoco à organização mais complexa do Renascimento; então, a teoria do signo implicava três elementos perfeitamente distintos: 

  • o que era marcado, 
  • o que era marcante 
  • e o que permitia ver nisto a marca daquilo; 

ora, este último elemento era a semelhança – o signo marcava na medida em que era “quase a mesma coisa” que o que ele designava. 

É esse sistema unitário e triplo que desaparece ao mesmo tempo que o “pensamento por semelhança”, e que é substituído por uma organização estritamente binária. 

Mas há uma condição para que o signo seja realmente essa pura dualidade. Em seu ser simples de ideia ou de imagem ou de percepção, associada ou substituída a uma outra, o elemento significante não é signo. 

Ele só se torna signo sob a condição de manifestar, além do mais, a relação que o liga àquilo que significa. 

É preciso que ele represente, mas que essa representação, por sua vez, se ache representada nele. 

Condição indispensável à organização binária do signo e que a Lógica de Port-Royal enuncia antes mesmo de dizer o que é um signo: 

“Quando só se olha certo objeto como representando outro, a ideia que dele se tem é uma ideia de signo e esse primeiro objeto se chama signo.”(17) 

A ideia significante se desdobra, porquanto à ideia que substitui outra se superpõe a ideia de seu poder representativo. 

Acaso não haveria três termos: a ideia significada, a ideia significante e, no interior desta, a ideia de seu papel de representação? 

Não se trata, porém, de um retorno sub-reptício a um sistema ternário. Trata-se antes de um desnível inevitável da figura com dois termos, que recua em relação a si mesma e vem alojar-se por inteiro no interior do elemento significante. 

De fato, o significante tem por conteúdo total, por função total e por determinação total somente aquilo que ele representa: 

  • ele lhe é inteiramente ordenado e transparente; 
  • mas esse conteúdo só é indicado numa representação que se dá como tal, 
  • e o significado se aloja sem resíduo e sem opacidade no interior da representação do signo. 

É característico que o exemplo primeiro de um signo que dá a Lógica de Port-Royal 

  • não seja nem a palavra, nem o grito, nem o símbolo, 
  • mas a representação espacial e gráfica – o desenho: mapa ou quadro. 

É que, com efeito, o quadro só tem por conteúdo o que ele representa e, no entanto, esse conteúdo só aparece representado por uma representação. 

A disposição binária do signo, tal como aparece no século XVII, substitui-se a uma organização que, de modos diferentes, era sempre ternária desde os estoicos e mesmo desde os primeiros gramáticos gregos; ora, essa disposição supõe que o signo é uma representação duplicada e reduplicada sobre si mesma. 

Uma ideia pode ser signo de outra 

  • não somente porque entre elas pode estabelecer-se um liame de representação, 
  • mas porque essa representação pode sempre se representar no interior da ideia que representa. 

Ou ainda porque, em sua essência própria, a representação é sempre perpendicular a si mesma: é, ao mesmo tempo, 

  • indicação e aparecer; 
  • relação a um objeto e manifestação de si. 

A partir da idade clássica, o signo é a representatividade da representação enquanto ela é representável. 

Isso tem conseqüências de grande peso. 

Primeiramente, a importância dos signos no pensamento clássico. 

Eles eram outrora meios de conhecer e chaves para um saber; são agora co-extensivos à representação, isto é, ao pensamento inteiro, alojam-se nele, percorrendo-o, porém, em toda a sua extensão: 

  • desde que uma representação esteja ligada a outra e represente em si mesma essa ligação, há signo; 
  • a ideia abstrata significa a percepção concreta donde ela foi formada (Condillac); 
  • a ideia geral é tão-somente uma ideia singular servindo de signos às outras (Berkeley); 
  • as imaginações são signos das percepções donde elas vieram (Hume, Condillac); 
  • as sensações são signos umas das outras (Berkeley, Condillac) 
  • e é possível finalmente que as próprias sensações (como em Berkeley) sejam os signos do que Deus nos quer dizer, o que delas faria como que os signos de um conjunto de signos. 

A análise da representação e a teoria dos signos se interpenetram de modo absoluto: 

  • e no dia em que a Ideologia, no fim do século XVIII, se interrogar sobre o primado que é preciso dar à ideia ou ao signo, 
  • no dia em que Destutt reprovar Gerando por ter elaborado uma teoria dos signos antes de ter definido a ideia(18), 

é que sua imediata interdependência já começará a anuviar-se e que a ideia e o signo cessarão de ser perfeitamente transparentes um ao outro.

Segunda conseqüência: essa extensão universal do signo no campo da representação exclui até a possibilidade de uma teoria da significação. 

Com efeito, interrogar-se sobre o que é a significação supõe que esta seja uma figura determinada na consciência. Mas, se os fenômenos nunca são dados senão numa representação que, em si mesma e por sua representatividade própria, é inteiramente signo, a significação não pode constituir problema. 

Mais ainda, ela nem sequer aparece. 

  • Todas as representações são ligadas entre si como signos; 
  • em conjunto, formam como que uma imensa rede; 
  • cada uma na sua transparência se dá como o signo daquilo que ela representa; 
  • e todavia – ou, antes, por isso mesmo – nenhuma atividade específica da consciência pode jamais constituir uma significação. 

É, sem dúvida, porque o pensamento clássico da representação exclui a análise da significação que nós, que só pensamos os signos a partir desta, temos tanta dificuldade, a despeito da evidência, em reconhecer que a filosofia clássica, de Malebranche à Ideologia, foi inteiramente uma filosofia do signo. 

Não há sentido exterior ou anterior ao signo; nenhuma presença implícita de um discurso prévio que seria necessário restituir para trazer à luz o sentido autóctone das coisas. 

Mas também não há ato constituinte da significação nem gênese interior à consciência. 

É que entre o signo e seu conteúdo não há nenhum elemento intermediário e nenhuma opacidade. Os signos não têm, pois, outras leis, senão aquelas que podem reger seu conteúdo: toda análise de signos é, ao mesmo tempo e de pleno direito, decifração do que eles querem dizer. 

Inversamente, a elucidação do significado nada mais será que a reflexão sobre os signos que o indicam. 

Como no século XVI, “semiologia” e “hermenêutica” se sobrepõem. Mas de uma forma diferente. Na idade clássica, elas não se reúnem mais no terceiro elemento da semelhança; ligam-se neste poder próprio da representação de representar-se a si mesma. 

Não haverá, pois, 

  • uma teoria dos signos 
  • diferente de uma análise do sentido. 

Entretanto, o sistema concede certo privilégio à primeira sobre a segunda; 

  • como ela não dá ao que é significado uma natureza diferente da que concede ao signo, 
  • o sentido não poderá ser mais que a totalidade dos signos desenvolvida em seu encadeamento;
    • ele se dará no quadro completo dos signos. 

Mas, por outro lado, a rede completa dos signos se liga e se articula de acordo com os cortes próprios ao sentido. O quadro dos signos será a imagem das coisas. Se o ser do sentido está inteiramente do lado do signo, o funcionamento está inteiramente do lado do significado. 

É por isso que a análise da linguagem, de Lancelot a Destutt de Tracy, faz-se a partir de uma teoria abstrata dos signos verbais e na forma de uma gramática geral: 

  • mas ela toma sempre por fio condutor o sentido das palavras; 
  • é por isso também que a história natural se apresenta como análise dos caracteres dos seres vivos, mas que, mesmo artificiais, as taxinomias têm sempre o projeto de se ajustar à ordem natural ou de dissociar-se dela o menos possível; 
  • é por isso que a análise das riquezas faz-se a partir da moeda e da troca, mas que o valor é sempre fundado na necessidade. 

Na idade clássica, a ciência pura dos signos vale como o discurso imediato do significado. 

Enfim, última conseqüência que se estende, sem dúvida, até nós: a teoria binária do signo, a que funda, desde o século XVII, toda a ciência geral do signo, está ligada, segundo uma relação fundamental, a uma teoria geral da representação. 

Se o signo é a pura e simples ligação de um significante com um significado (ligação que é arbitrária ou não, voluntária ou imposta, individual ou coletiva), de todo modo a relação só pode ser estabelecida no elemento geral da representação: o significante e o significado só são ligados na medida em que um e outro são (ou foram ou podem ser) representados e em que um representa atualmente o outro. 

Era, pois, necessário que a teoria clássica do signo desse a si própria, como fundamento e justificação filosófica, uma “ideologia”, isto é, uma análise geral de todas as formas da representação, desde a sensação elementar até a ideia abstrata e complexa. 

Era igualmente necessário que, reencontrando o projeto de uma semiologia geral, Saussure desse ao signo uma definição que pôde parecer “psicologista” (ligação de um conceito com uma imagem): é que, de fato, ele redescobria aí a condição clássica para pensar a natureza binária do signo.

III. A representação do signo

Capítulo III. Representar; tópico III. A representação do signo

Que é um signo na idade clássica? 

Pois o que mudou na primeira metade do século XVII e por longo tempo – talvez até hoje – 

  • é o regime inteiro dos signos, as condições sob as quais exercem eles sua estranha função; 
  • é aquilo que, dentre tantas outras coisas que sabemos ou que vemos, os erige de súbito como signos; 
  • é seu próprio ser. 

No limiar da idade clássica, o signo deixa de ser uma figura do mundo; deixa de estar ligado àquilo que ele marca por liames sólidos e secretos da semelhança ou da afinidade. 

O classicismo o define segundo três variáveis (11). 

  • A origem da ligação:
    • um signo pode ser natural (como o reflexo num espelho designa o que ele reflete) 
    • ou de convenção (como uma palavra, para um grupo de homens, pode significar uma ideia). 
  • O tipo da ligação:
    • um signo pode pertencer ao conjunto que ele designa (como a boa fisionomia que faz parte da saúde que ela manifesta) 
    • ou ser dele separado (como as figuras do Antigo Testamento são os signos longínquos da Encarnação e do Resgate). 
  • A certeza da ligação:
    • um signo pode ser tão constante que estamos seguros de sua fidelidade (é assim que a respiração designa a vida); 
    • mas ele pode ser simplesmente provável (como a palidez para a gravidez). 

Nenhuma dessas formas de ligação implica necessariamente a similitude; 

  • o próprio signo natural não a exige: os gritos são os signos espontâneos, mas não análogos, do medo; 
  • ou ainda, como diz Berkeley, as sensações visuais são signos do tato instaurados por Deus e, no entanto, não se lhe assemelham de maneira alguma(12). 

Essas três variáveis substituem a semelhança para definir a eficácia do signo no domínio dos conhecimentos empíricos. 

1. Uma vez que é sempre certo ou provável, o signo deve encontrar seu espaço no interior do conhecimento. 

No século XVI, considerava-se que os signos tinham sido depositados sobre as coisas para que os homens pudessem desvendar seus segredos, sua natureza ou suas virtudes; 

  • mas essa descoberta nada mais era que o fim último dos signos, a justificação de sua presença; 
  • era sua utilização possível, a melhor, sem dúvida; 
  • mas não tinham necessidade de ser conhecidos para existirem: mesmo se permanecessem silenciosos e se jamais alguém os percebesse, nada perdiam de sua consistência. 

Não era o conhecimento mas a linguagem mesma das coisas que os instaurava na sua função significante. 

A partir do século XVII, todo o domínio do signo se distribui entre o certo e o provável: isso quer dizer que não seria mais possível haver signo desconhecido, marca muda. 

Não que os homens estejam de posse de todos os signos possíveis. Mas, sim, que só há signo a partir do momento em que se acha conhecida a possibilidade de uma relação de substituição entre dois elementos já conhecidos. 

O signo não espera silenciosamente a vinda daquele que pode reconhecê-lo: ele só se constitui por um ato de conhecimento. 

É aqui que o saber rompe seu velho parentesco com a divinatio. 

Esta supunha sempre signos que lhe eram anteriores: de sorte que o conhecimento se alojava inteiramente na vaga de um signo descoberto, ou afirmado, ou secretamente transmitido. Tinha por tarefa fazer o levantamento de uma linguagem prévia distribuída por Deus no mundo; é nesse sentido que, por uma implicação essencial, ele adivinhava, e adivinhava o divino. 

Doravante, é no interior do conhecimento que o signo começará a significar: é dele que tirará sua certeza ou sua probabilidade. 

E, se Deus utiliza ainda signos para nos falar através da natureza, serve-se de nosso conhecimento e dos laços que se estabelecem entre as impressões, para instaurar no nosso espírito uma relação de significação. 

Tal é o papel do sentimento em Malebranche ou da sensação em Berkeley: no juízo natural, no sentimento, nas impressões visuais, na percepção da terceira dimensão, são conhecimentos apressados, confusos, mas prementes, inevitáveis e constringentes, que servem de signos a conhecimentos discursivos, que nós, porque não somos puros espíritos, já não temos a prerrogativa ou a permissão de atingir por nós mesmos e apenas pela força de nosso espírito. 

Em Malebranche e Berkeley, o signo gerido por Deus é a superposição sagaz e diligente de dois conhecimentos. Já não há aí divinatio – inserção do conhecimento no espaço enigmático, aberto e sagrado dos signos; mas um conhecimento conciso e concentrado em si mesmo: a centralização de uma longa seqüência de juízos na figura rápida do signo. 

Vê-se também como, por um movimento de retorno, o conhecimento, que encerrou os signos no seu espaço próprio, poderá agora abrir-se à probabilidade: de uma impressão a outra, a relação será de signo a significado, isto é, uma relação que, como na sucessão, se desdobrará da mais fraca probabilidade à maior certeza. 

“A conexão das idéias implica não a relação de causa a efeito mas somente a de um indício e de um signo à coisa significada. O fogo que se vê não é a causa da dor que sofro quando dele me aproximo: é o indício que me previne dessa dor.”(13) 

O conhecimento que adivinhava, por acaso, signos absolutos e mais antigos que ele, 

foi substituído por uma rede de signos construída passo a passo pelo conhecimento do provável. 

Hume tornou-se possível. 

2. Segunda variável do signo: a forma de sua ligação com o que ele significa. 

Pelo jogo da conveniência, da emulação e sobretudo da simpatia, a similitude no século XVI triunfava do espaço e do tempo: pois competia ao signo reduzir e reunir. 

Com o classicismo, ao contrário, o signo se caracteriza por sua essencial dispersão. O mundo circular dos signos convergentes é substituído por um desdobramento ao infinito. 

Nesse espaço, o signo pode ter duas posições: 

  • ou faz parte, a título de elemento, daquilo que ele serve para designar; 
  • ou é dele real e atualmente separado. 

Na verdade, essa alternativa não é radical; pois o signo, para funcionar, deve estar ao mesmo tempo inserido no que ele significa e dele distinto. 

Com efeito, para que o signo seja o que é, é preciso que ele seja dado ao conhecimento ao mesmo tempo que aquilo que ele significa. Como observa Condillac, um som não se tornaria jamais para uma criança o signo verbal de uma coisa, se não tivesse sido ouvido pelo menos uma vez, no momento em que essa coisa é percebida(14). 

Mas, para que um elemento de uma percepção possa tornar-se seu signo, não basta que dela faça parte; 

  • é preciso que seja distinguido a título de elemento e destacado da impressão global a que estava confusamente ligado; 
  • é necessário, pois, que esta seja dividida, que a atenção incida numa dessas regiões imbricadas que a compõem e que delas tenha sido isolada. 

A constituição do signo é, pois, inseparável da análise. 

  • É seu resultado já que, sem ela, não poderia aparecer. 
  • É também seu instrumento, já que, uma vez definido e isolado, ele pode ser reportado a novas impressões; 
  • e aí, desempenha em relação a elas como que o papel de um crivo. 

Porque o espírito analisa, o signo aparece. 

Porque o espírito dispõe de signos, a análise não cessa de prosseguir. 

Compreende-se por que de Condillac a Destutt de Tracy e a Gerando, a doutrina geral dos signos e a definição do poder de análise do pensamento se superpuseram exatamente numa única e mesma teoria do conhecimento. 

Quando a Lógica de Port-Royal dizia que um signo podia ser inerente àquilo que ele designa ou dele separado, mostrava que o signo, na idade clássica, não é mais encarregado de tornar o mundo próximo de si e inerente às suas próprias formas, mas, ao contrário, de estendê-Io, de justapô-lo segundo uma superfície indefinidamente aberta e de prosseguir a partir dele o desdobramento sem termo dos substitutos com os quais o pensamos. É desse modo que o oferecemos ao mesmo tempo à análise e à combinatória, que o tornamos, de ponta a ponta, ordenável. 

O signo no pensamento clássico não apaga as distâncias e não abole o tempo: ao contrário, permite desenrolá-los e percorrê-los passo a passo. Por ele, as coisas tornam-se distintas, conservam-se em sua identidade, desenlaçam-se e se ligam. 

A razão ocidental entra na idade do juízo. 

3. Resta uma terceira variável: a que pode assumir os dois valores da natureza e da convenção. 

Sabia-se desde há muito – e bem antes do Crátilo – que os signos podem ser dados pela natureza ou constituídos pelo homem. 

O século XVI também não o ignorava e reconhecia nas línguas humanas os signos de instituição. 

Mas os signos artificiais só deviam seu poder à sua fidelidade aos signos naturais. Estes, de longe, fundavam todos os outros. 

A partir do século XVII, dá-se um valor inverso à natureza e à convenção: 

natural, o signo não é mais do que um elemento subtraído às coisas e constituído como signo pelo conhecimento. 

Ele é, pois, prescrito, rígido, incômodo, e o espírito não pode assenhorar-se dele. Ao contrário, quando se estabelece um signo de convenção, pode-se sempre (e é preciso, com efeito) escolhê-lo de tal sorte que ele seja simples, fácil de lembrar, aplicável a um número indefinido de elementos, suscetível de se dividir ele próprio e de se compor; o signo de instituição é o signo na plenitude de seu funcionamento. 

É ele que traça a divisória entre o homem e o animal; 

  • ele que transforma a imaginação em memória voluntária, 
  • a atenção espontânea em reflexão, 
  • o instinto em conhecimento racional(15). 

Foi sua carência ainda que Itard descobriu no “Selvagem de Aveyron”. Desses signos de convenção, os signos naturais não passam do esboço rudimentar, o desenho longinquo que só será concluído pela instauração do arbitrário. Mas esse arbitrário é medido por sua função, e suas regras muito exatamente definidas por ela. 

Um sistema arbitrário de signos deve 

  • permitir a análise das coisas nos seus mais simples elementos; 
  • deve decompor até a origem; 
  • mas deve também mostrar como são possíveis combinações desses elementos e permitir a gênese ideal na complexidade das coisas. 

“Arbitrário” só se opõe a “natural” se se quiser designar a maneira como os signos foram estabelecidos. 

Mas o arbitrário é também o crivo de análise e o espaço combinatório através dos quais a natureza vai se oferecer no que ela é ao nível das impressões originárias e em todas as formas possíveis de sua combinação. 

Na sua perfeição, o sistema dos signos 

  • é essa língua simples, absolutamente transparente, que é capaz de nomear o elementar; 
  • é também esse conjunto de operações que define todas as conjunções possíveis. 

A nossos olhos, 

  • essa busca da origem 
  • e esse cálculo dos agrupamentos 

parecem incompatíveis, e nós os explicamos facilmente como uma ambiguidade no pensamento dos séculos XVII e XVIII. 

O mesmo ocorre com o jogo entre o sistema e a natureza. De fato, não há para esse pensamento nenhuma contradição. Mais precisamente, existe uma disposição necessária e única que atravessa toda a epistémê clássica: 

  • é a pertença
    • de um cálculo universal
    • e de uma busca do elementar 
  • a um sistema que é artificial e que, por isso mesmo, pode fazer aparecer a natureza desde seus elementos de origem até a simultaneidade de todas as suas combinações possíveis. 

Na idade clássica, servir-se de signos 

  • não é, como nos séculos precedentes, tentar reencontrar por sob eles o texto primitivo de um discurso afirmado, e reafirmado, para sempre; 
  • é tentar descobrir a linguagem arbitrária que autorizará o desdobramento da natureza no seu espaço, os termos últimos de sua análise e as leis de sua composição. 

O saber não tem mais que desencravar a velha Palavra dos lugares desconhecidos onde ela se pode esconder; cumpre-lhe fabricar uma língua e que ela seja bem-feita – isto é, que, analisante e combinante, ela seja realmente a língua dos cálculos. 

É possível agora definir os instrumentos que ao pensamento clássico prescreve o sistema dos signos. 

  • É ele que introduz no conhecimento a probabilidade, a análise e a combinatória, o arbitrário justificado do sistema. 
  • É ele que dá lugar ao mesmo tempo
    • à busca da origem 
    • e à calculabilidade; 
    • à constituição de quadros fixando as composições possíveis 
    • e à restituição de uma gênese a partir dos mais simples elementos; 
  • é ele que aproxima todo saber de uma linguagem e busca substituir todas as línguas por um sistema de símbolos artificiais e de operações de natureza lógica. 

No nível de uma história das opiniões, tudo isso apareceria sem dúvida como uma imbricação de influências, em que seria necessário sem dúvida fazer aparecer a parte individual que cabe a Hobbes, Berkeley, Leibniz, Condillac, aos ideólogos. 

Mas se se interroga o pensamento clássico ao nível do que arqueologicamente o tornou possível, percebe-se que a dissociação entre o signo e a semelhança no começo do século XVIII fez aparecer estas figuras novas que são a probabilidade, a análise, a combinatória, o sistema e a língua universal, não como temas sucessivos engendrando-se ou repelindo-se uns aos outros, mas como uma rede única de necessidades. 

E foi ela que tornou possíveis essas individualidades a que chamamos Hobbes ou Berkeley ou Hume ou Condillac.

II. A ordem

Capítulo III. Representar; tópico II. A ordem

Não é fácil estabelecer o estatuto das descontinuidades para a história em geral. Menos ainda, sem dúvida, para a história do pensamento.

Pretende-se traçar uma divisória? Todo limite não é mais talvez que um corte arbitrário num conjunto indefinidamente móvel.

Pretende-se demarcar um período?

Tem-se porém o direito de estabelecer, em dois pontos do tempo, rupturas simétricas, para fazer aparecer entre elas um sistema contínuo e unitário?

A partir de que, então, ele se constituiria e a partir de que, em seguida, se desvaneceria e se deslocaria?

A que regime poderiam obedecer ao mesmo tempo sua existência e seu desaparecimento? Se ele tem em si seu princípio de coerência, donde viria o elemento estranho capaz de recusá-lo?

Como pode um pensamento esquivar-se diante de outra coisa que ele próprio?

Que quer dizer, de um modo geral: não mais poder pensar um pensamento?

E inaugurar um pensamento novo?

O descontínuo – o fato de que em alguns anos, por vezes, uma cultura deixa de pensar como fizera até então e se põe a pensar outra coisa e de outro modo – dá acesso, sem dúvida, a uma erosão que vem de fora, a esse espaço que, para o pensamento, está do outro lado, mas onde, contudo, ele não cessou de pensar desde a origem.

Em última análise, o problema que se formula é o das relações do pensamento com a cultura: como sucede que um pensamento tenha um lugar no espaço do mundo, que aí encontre como que uma origem, e que não cesse, aqui e ali, de começar sempre de novo?

Mas talvez não seja ainda o momento de formular o problema; é preciso provavelmente esperar que a arqueologia do pensamento esteja mais assegurada, tenha mais bem assumido a medida daquilo que ela pode descrever direta e positivamente, tenha definido os sistemas singulares e os encadeamentos internos aos quais se endereça, para tentar fazer o contorno do pensamento e interrogá-lo na direção por onde ele escapa de si mesmo. Bastará pois, por ora, acolher essas descontinuidades na ordem empírica, ao mesmo tempo evidente e obscura, em que se dão.

No começo do século XVII, nesse período que, com razão ou não, se chamou barroco, o pensamento cessa de se mover no elemento da semelhança. A similitude não é mais a forma do saber, mas antes a ocasião do erro, o perigo ao qual nos expomos quando não examinamos o lugar mal esclarecido das confusões.

“É um hábito frequente”, diz Descartes nas primeiras linhas das Regulae, “quando se descobrem algumas semelhanças entre duas coisas, atribuir tanto a uma como à outra, mesmo sobre os pontos em que elas são na realidade diferentes, aquilo que se reconheceu verdadeiro para somente uma das duas.”(1)

A idade do semelhante está fechando-se sobre si mesma. Atrás dela só deixa jogos. Jogos cujos poderes de encanto crescem com esse parentesco novo da semelhança com a ilusão;

  • por toda a parte se desenham as quimeras da similitude, mas sabe-se que são quimeras;
  • é o tempo privilegiado do trompe-l’oeil, da ilusão cômica, do teatro que se desdobra e representa um teatro, do quiproquó, dos sonhos e visões;
  • é o tempo dos sentidos enganadores;
  • é o tempo em que as metáforas, as comparações e as alegorias definem o espaço poético da linguagem.

E por isso mesmo, o saber do século XVI deixa a lembrança deformada de um conhecimento misturado e sem regra, onde todas as coisas do mundo se podiam aproximar ao acaso das experiências, das tradições ou das credulidades.

Doravante as belas figuras rigorosas e constringentes da similitude serão esquecidas. E se tornarão os signos que as marcavam por devaneios e encantos de um saber que ainda não se tornara razoável.

Encontra-se, já em Bacon, uma crítica da semelhança. Crítica empírica, que não concerne às relações de ordem e de igualdade entre as coisas, mas aos tipos de espírito e às formas de ilusão às quais elas podem estar sujeitas.

Trata-se de uma doutrina do quiproquó. Bacon não dissipa as similitudes por meio da evidência e de suas regras. Mostra que elas cintilam diante dos olhos, desvanecem-se quando nos aproximamos, mas se recompõem imediatamente, um pouco mais longe.

São ídolos. Os ídolos da caverna e os do teatro fazem-nos crer que as coisas se assemelham ao que aprendemos e às teorias que formamos para nós; outros ídolos fazem-nos crer que as coisas se assemelham entre si.

“O espírito humano é naturalmente levado a supor que há nas coisas mais ordem e semelhança do que possuem; e, enquanto a natureza é plena de exceções e de diferenças, por toda a parte o espírito vê harmonia, acordo e similitude. Daí esta ficção de que todos os corpos celestes descrevem, ao mover-se, círculos perfeitos”:

tais são os ídolos da tribo, ficções espontâneas do espírito.

A eles se juntam – efeitos e por vezes causas – as confusões da linguagem: um só e mesmo nome se aplica indiferentemente a coisas que não são da mesma natureza. São ídolos do fórum (2).

Só a prudência do espírito pode dissipá-los, desde que renuncie a sua pressa e ligeireza natural para tomar-se “penetrante”, e perceber enfim as diferenças próprias à natureza.

A crítica cartesiana da semelhança é de outro tipo.

  • Não é mais o pensamento do século XVI inquietando-se diante de si mesmo e começando a se desprender de suas mais familiares figuras;
  • é o pensamento clássico excluindo a semelhança como experiência fundamental e forma primeira do saber, denunciando nela um misto confuso que cumpre analisar em termos de identidade e de diferenças, de medida e de ordem.

Se Descartes recusa a semelhança,

  • não é excluindo do pensamento racional o ato de comparação, nem buscando limitá-lo,
  • mas, ao contrário, universalizando-o e dando-lhe assim sua mais pura forma.

Com efeito, é pela comparação que encontramos “a figura, a extensão, o movimento e outros semelhantes” – isto é, as naturezas simples – em todos os sujeitos onde elas podem estar presentes.

E, por outro lado, numa dedução do tipo

“todo A é B, todo B é C, logo todo A é C”,

é claro que o espírito

“compara entre si o termo procurado e o termo dado, a saber, A e C, através dessa relação segundo a qual um e outro são B”.

Por consequência, se se puser de parte a intuição de uma coisa isolada, pode-se dizer que todo conhecimento

“se obtém pela comparação de duas ou várias coisas entre si”(3).

Ora, não há conhecimento verdadeiro senão pela intuição, isto é, por um ato singular da inteligência pura e atenta, e pela dedução que liga entre si as evidências.

De que modo a comparação, que é requerida para quase todos os conhecimentos e que, por definição, não é uma evidência isolada nem uma dedução, pode autorizar um pensamento verdadeiro?

“Quase todo o trabalho da razão humana consiste, sem dúvida, em tornar essa operação possível.”4

Existem duas formas de comparação e somente duas:

  • a comparação da medida
  • e a da ordem.

Podem-se medir grandezas ou multiplicidades, isto é, grandezas contínuas ou descontínuas; mas, tanto num caso como no outro, a operação de medida supõe que, diferentemente do cálculo que vai dos elementos para a totalidade, consideremos primeiro o todo e que o dividamos em partes.

Essa divisão vai dar em unidades, entre as quais

  • umas são de convenção ou “de empréstimo” (para as grandezas contínuas)
  • e outras (para as multiplicidades ou grandezas descontínuas) são as unidades da aritmética.

Comparar duas grandezas ou duas multiplicidades exige, de toda maneira, que se aplique à análise de uma e de outra uma unidade comum.

Assim, a comparação efetuada pela medida se reduz, em todos os casos, às relações aritméticas da igualdade e da desigualdade. A medida permite analisar o semelhante segundo a forma calculável da identidade e da diferença(5).

Quanto à ordem, estabelece-se sem referência a uma unidade exterior:

“Reconheço, com efeito, qual é a ordem entre A e B sem nada considerar senão esses dois termos extremos”;

não se pode conhecer a ordem das coisas

  • “na sua natureza isoladamente”,
  • mas, sim, descobrindo aquela que é a mais simples, em seguida aquela que é a mais próxima

para que se possa aceder necessariamente, a partir daí, até as coisas mais complexas.

  • Enquanto a comparação por medida exigia primeiro uma divisão, depois a aplicação de uma unidade comum,
  • aqui comparar e ordenar são uma única e mesma coisa: a comparação pela ordem é um ato simples que permite passar de um termo a outro, depois a um terceiro etc., por um movimento “absolutamente ininterrupto”(6).

Assim se estabelecem séries em que

  • o primeiro termo é uma natureza da qual se pode ter a intuição independentemente de qualquer outra;
  • e em que os outros termos são estabelecidos segundo diferenças crescentes.

Tais são, portanto, os dois tipos de comparação:

  • uma analisa em unidades para estabelecer relações de igualdade e de desigualdade;
  • a outra estabelece elementos, os mais simples que se possam encontrar, e dispõe as diferenças segundo os graus mais fracos possíveis.

Ora, pode-se reduzir a medida das grandezas e das multiplicidades ao estabelecimento de uma ordem; os valores da aritmética são sempre ordenáveis segundo uma série: a multiplicidade das unidades pode, pois,

“dispor-se segundo uma ordem tal que a dificuldade, que pertence ao conhecimento da medida, acabe por depender somente da consideração da ordem”(7).

E é nisso justamente que consistem o método e seu “progresso”:

  • reduzir toda medida (toda determinação pela igualdade e a igualdade)
  • a uma colocação em série que, partindo do simples, faz aparecer as diferenças, como graus de complexidade.

O semelhante, depois de ter sido analisado segundo a unidade e as relações de igualdade ou de desigualdade, é analisado segundo a identidade evidente e as diferenças: diferenças que podem ser pensadas na ordem das inferências.

Entretanto, essa ordem ou comparação generalizada só se estabelece conforme o encadeamento no conhecimento; o caráter absoluto que se reconhece ao que é simples não concerne ao ser das coisas, mas, sim, à maneira como elas podem ser conhecidas.

De tal sorte que uma coisa pode ser absoluta sob certo aspecto e relativa sob outro(8); a ordem pode ser ao mesmo tempo

  • necessária e natural (em relação ao pensamento)
  • e arbitrária (em relação às coisas),

já que uma mesma coisa, segundo a maneira como a consideramos, pode ser colocada num ponto ou noutro da ordem.

Tudo isso teve grandes consequências para o pensamento ocidental.

O semelhante, que fora durante muito tempo categoria fundamental do saber – ao mesmo tempo forma e conteúdo do conhecimento – se acha dissociado numa análise feita em termos de identidade e de diferença; ademais, quer indiretamente por intermédio da medida, quer diretamente e como que nivelada a ela, a comparação é reportada à ordem; enfim, a comparação não tem mais como papel revelar a ordenação do mundo; ela se faz segundo a ordem do pensamento e indo naturalmente do simples ao complexo.

Daí, toda a epistémê da cultura ocidental se acha modificada em suas disposições fundamentais. E em particular o domínio empírico em que o homem do século XVI via ainda estabelecerem-se os parentescos, as semelhanças e as afinidades e em que se entrecruzavam sem fim a linguagem e as coisas – todo esse campo imenso vai assumir uma configuração nova.

Podemos, se quisermos, designá-lo pelo nome de “racionalismo”; podemos, se não tivermos na cabeça senão conceitos prontos, dizer que o século XVII marca o desaparecimento das velhas crenças supersticiosas ou mágicas e a entrada, enfim, da natureza na ordem científica.

Mas o que cumpre apreender e tentar restituir são as modificações que alteraram o próprio saber, nesse nível arcaico, que torna possíveis os conhecimentos e o modo de ser daquilo que se presta ao saber.

Essas modificações podem resumir-se da seguinte maneira.

Primeiro, substituição da hierarquia analógica pela análise:

  • no século XVI, admitia-se de inicio o sistema global das correspondências (a terra e o céu, os planetas e o rosto, o microcosmo e o macrocosmo), e cada similitude singular vinha alojar-se no interior dessa relação de conjunto;
  • doravante, toda semelhança será submetida à prova da comparação, isto é, só será admitida quando for encontrada,
    • pela medida, a unidade comum,
    • ou mais radicalmente, pela ordem, a identidade e a série das diferenças.

Ademais, o jogo das similitudes era outrora infinito; era sempre possível descobrir novas similitudes, e a única limitação vinha da ordenação das coisas, da finitude de um mundo comprimido entre o macrocosmo e o microcosmo.

Agora, uma enumeração completa se tornará possível:

  • quer sob a forma de um recenseamento exaustivo de todos os elementos que constitui o conjunto visado;
  • quer sob a forma de uma colocação em categorias que articula na sua totalidade o domínio estudado;
  • quer, enfim, sob a forma de uma análise de certo número de pontos, em número suficiente, tomados ao longo da série.

A comparação pode portanto atingir uma certeza perfeita: nunca acabado e sempre aberto para novas eventualidades, o velho sistema das similitudes podia, pela via de confirmações sucessivas, tornar-se cada vez mais provável; jamais era certo.

A enumeração completa e a possibilidade de determinar em cada ponto a passagem necessária ao seguinte permitem um conhecimento absolutamente certo das identidades e das diferenças:

“Somente a enumeração nos pode permitir, qualquer que seja a questão a que nos apliquemos, ter sobre ela um julgamento verdadeiro e certo.”(9)

A atividade do espírito – e este é o quarto ponto – não mais consistirá, pois, em aproximar as coisas entre si, em partir em busca de tudo o que nelas possa revelar como que um parentesco, uma atração ou uma natureza secretamente partilhada, mas ao contrário, em discernir: isto é,

  • em estabelecer as identidades,
  • depois a necessidade da passagem a todos os graus que delas se afastam.

Nesse sentido, o discernimento impõe à comparação a busca primeira e fundamental da diferença: obter pela intuição uma representação distinta das coisas e apreender claramente a passagem necessária de um elemento da série àquele que se lhe sucede imediatamente.

Enfim, última consequência, já que conhecer é discernir,

  • a história
  • e a ciência

vão se achar separadas uma da outra.

De um lado, haverá a erudição, a leitura dos autores, o jogo de suas opiniões; este pode, por vezes, ter valor de indicação, menos pelo acordo que aí se forma que pelo desentendimento:

“Quando se trata de uma questão difícil é mais verossímil que se encontrem poucos e não muitos para descobrir a verdade a seu respeito.”

Em face dessa história e sem comum medida com ela, erguem-se os juízos seguros que podemos fazer pelas intuições e seu encadeamento. Eles e só eles constituem a ciência, e mesmo que tivéssemos “lido todos os raciocínios de Platão e de Aristóteles,… não seriam ciências que teríamos aprendido, ao que parece, mas história”(10).

Desde então,

  • o texto cessa de fazer parte dos signos e das formas da verdade;
  • a linguagem não é mais uma das figuras do mundo nem a assinalação imposta às coisas desde o fundo dos tempos.

A verdade encontra sua manifestação e seu signo na percepção evidente e distinta. Compete às palavras traduzi-la, se o podem; não terão mais direito a ser sua marca. A linguagem se retira do meio dos seres para entrar na sua era de transparência e de neutralidade.

Esse é um fenômeno geral na cultura do século XVII – mais geral que a ventura singular do cartesianismo.

É necessário, com efeito, distinguir três coisas.

  • Houve, por um lado, o mecanicismo que, num período afinal bastante curto (quase apenas a segunda metade do século XVII), propôs um modelo teórico para certos domínios do saber como a medicina ou a fisiologia.
  • Houve também um esforço, bastante diverso em suas formas, de matematização do empírico; constante e contínuo para a astronomia e uma parte da física, foi esporádico em outros domínios – às vezes tentado realmente (como em Condorcet), às vezes proposto como ideal universal e horizonte da pesquisa (como em Condillac ou Destutt), às vezes também recusado em sua possibilidade mesma (em Buffon, por exemplo).
  • Todavia, nem esse esforço nem as tentativas do mecanicismo devem ser confundidos com a relação que todo o saber clássico, em sua forma mais geral, mantém com a máthêsis, entendida como ciência universal da medida e da ordem.

Sob as palavras vazias, obscuramente mágicas de “influência cartesiana” ou de “modelo newtoniano”, os historiadores das ideias têm o hábito de misturar essas três coisas e de definir o racionalismo clássico pela tentação de tornar a natureza mecânica e calculável.

Os outros – os semi-hábeis – esforçam-se por descobrir sob esse racionalismo o jogo de “forças contrárias”: aquelas de uma natureza e de uma vida que não se deixam reduzir nem à álgebra nem à física do movimento e que mantêm assim, no fundo do classicismo, o reduto do não-racionalizável.

Essas duas formas de análise são, uma e outra, igualmente insuficientes. Pois o fundamental, para a epistémê clássica,

  • não é nem o sucesso ou o fracasso do mecanicismo,
  • nem o direito ou a impossibilidade de matematizar a natureza,
  • mas sim uma relação com a máthêsis que, até o fim do século XVIII, permanece constante e inalterada.

Essa relação apresenta dois caracteres essenciais.

O primeiro é que as relações entre os seres serão realmente pensadas sob a forma da ordem e da medida, mas com este desequilíbrio fundamental de se poderem sempre reduzir os problemas da medida aos da ordem. De sorte que a relação de todo conhecimento com a máthêsis se oferece como a possibilidade de estabelecer entre as coisas, mesmo não-mensuráveis, uma sucessão ordenada. Nesse sentido, a análise vai adquirir bem depressa valor de método universal; e o projeto leibniziano de estabelecer uma matemática das ordens qualitativas se acha no coração mesmo do pensamento clássico; é em tomo dele que gravita todo esse pensamento.

Por outro lado, porém, essa relação com a máthêsis como ciência geral da ordem

  • não significa uma absorção do saber nas matemáticas nem que nelas se fundamente todo o conhecimento possível;
  • ao contrário, em correlação com a busca de uma máthêsis, vê-se aparecer um certo número de domínios empíricos que até então não tinham sido nem formados nem definidos.

Em nenhum desses domínios ou em quase nenhum é possível encontrar vestígios de um mecanicismo ou de uma matematização; e, contudo, eles se constituíram todos tendo por base uma ciência possível da ordem.

Se eles dependiam efetivamente da Análise em geral, seu instrumento particular não era o método algébrico, mas o sistema dos signos.

Assim apareceram

  • a gramática geral,
  • a história natural,
  • a análise das riquezas,

ciências da ordem no domínio das palavras, dos seres e das necessidades;

e todas essas empiricidades, novas na época clássica e coextensivas à sua duração (têm por pontos de referência cronológicos

  • Lancelot e Bopp,
  • Ray e Cuvier,
  • Petty e Ricardo,

que escreveram,

  • os primeiros por volta de 1660,
  • e os segundos por volta dos anos 1800-1810),

não se puderam constituir sem a relação que toda a epistémê da cultura ocidental manteve então com uma ciência universal da ordem.

Essa relação com a Ordem é tão essencial para a idade clássica quanto foi para o Renascimento a relação com a Interpretação.

E

  • assim como a interpretação do século XVI,
    • superpondo uma semiologia a uma hermenêutica,
    • era essencialmente um conhecimento da similitude,
  • assim a colocação em ordem por meio dos signos constitui todos os saberes empíricos
    • como saberes da identidade e da diferença.

O mundo, a um tempo indefinido e fechado, pleno e tautológico, da semelhança se acha dissociado e como que aberto em seu centro;

  • numa extremidade, encontrar-se-ão os signos tornados instrumentos da análise marcas da identidade e da diferença, princípios da colocação em ordem, chaves para uma taxinomia;
  • e na outra, a semelhança empírica e murmurante das coisas, essa similitude surda que, por sob o pensamento, fornece a matéria infinita das repartições e das distribuições.

De um lado,

  • a teoria geral dos signos, das divisões e das classificações;
  • de outro, o problema das semelhanças imediatas, do movimento espontâneo da imaginação, das repetições da natureza.

Entre os dois, os saberes novos que encontram seu espaço nessa distância aberta.

I. Dom Quixote

Capítulo III. Representar; tópico I. Dom Quixote

Miguel de Cervantes, 1547-1616
Dom Quixote em sua biblioteca

Com suas voltas e reviravoltas, as aventuras de Dom Quixote traçam o limite:

  • nelas terminam os jogos antigos da semelhança e dos signos;
  • nelas já se travam novas relações.

Dom Quixote não é o homem da extravagância, mas antes o peregrino meticuloso que se detém diante de todas as marcas da similitude.

Ele é o herói do Mesmo.

Assim como de sua estreita província, não chega a afastar-se da planície familiar que se estende em torno do Análogo. Percorre-a indefinidamente, sem transpor jamais as fronteiras nítidas da diferença, nem alcançar o coração da identidade.

Ora, ele próprio é semelhante a signos. Longo grafismo magro como uma letra, acaba de escapar diretamente da fresta dos livros. Seu ser inteiro é só linguagem, texto, folhas impressas, história já transcrita. É feito de palavras entrecruzadas; é escrita errante no mundo em meio à semelhança das coisas.

Não porém inteiramente: pois, em sua realidade de pobre fidalgo, só pode tornar-se cavaleiro, escutando de longe a epopeia secular que formula a Lei.

  • O livro é menos sua existência que seu dever.
  • Deve incessantemente consultá-lo, a fim de saber o que fazer e dizer, e quais signos dar a si próprio e aos outros para mostrar que ele é realmente da mesma natureza que o texto donde saiu.

Os romances de cavalaria escreveram de uma vez por todas a prescrição de sua aventura. E cada episódio, cada decisão, cada façanha serão signos, de que Dom Quixote é de fato semelhante a todos esses signos que ele decalcou.

Mas se ele quer ser-lhes semelhante

  • é porque deve prová-los,
  • é porque os signos (legíveis)
  • já não são semelhantes a seres (visíveis).

Todos esses textos escritos, todos esses romances extravagantes são justamente incomparáveis:

  • nada no mundo jamais se lhes assemelhou;
  • sua linguagem infinita fica em suspenso, sem que nenhuma similitude venha jamais preenchê-la;
  • podem ser queimados todos e inteiramente, mas a figura do mundo não será por isso alterada.

Assemelhando-se aos textos de que é o testemunho, o representante, o real análogo, Dom Quixote deve fornecer a demonstração e trazer a marca indubitável de que eles dizem a verdade, de que são realmente a linguagem do mundo. Compete-lhe preencher a promessa dos livros. Cabe-lhes refazer a epopeia, mas em sentido inverso:

  • esta narrava (pretendia narrar) façanhas reais prometidas à memória;
  • já Dom Quixote deve preencher com realidade os signos sem conteúdo da narrativa.

Sua aventura será uma decifração do mundo: um percurso minucioso para recolher em toda a superfície da terra as figuras que mostram que os livros dizem a verdade.

A façanha deve ser prova: consiste não em triunfar realmente é por isso que a vitória não importa no fundo -, mas em transformar a realidade em signo. Em signo de que os signos da linguagem são realmente conformes às próprias coisas.

Dom Quixote lê o mundo para demonstrar os livros. E não concede a si outras provas senão o espelhamento das semelhanças. Seu caminho todo é uma busca das similitudes: as menores analogias são solicitadas como signos adormecidos que cumprisse despertar para que se pusessem de novo a falar. Os rebanhos, as criadas, as estalagens tornam a ser a linguagem dos livros, na medida imperceptível em que se assemelham aos castelos, às damas e aos exércitos. Semelhança sempre frustrada, que transforma a prova buscada em irrisão e deixa indefinidamente vazia a palavra dos livros.

Mas a própria não-similitude tem seu modelo que ela imita servilmente:

  • encontra-o na metamorfose dos encantadores.

De sorte que todos os indícios da não-semelhança, todos os signos que mostram que os textos escritos não dizem a verdade assemelham-se a este jogo de enfeitiçamento que introduz, por ardil, a diferença no indubitável da similitude.

E, como essa magia foi prevista e descrita nos livros, a diferença ilusória que ela introduz nunca será mais que uma similitude encantada. Um signo suplementar, portanto, de que os signos realmente se assemelham à verdade.

Dom Quixote desenha o negativo do mundo do Renascimento;

  • a escrita cessou de ser a prosa do mundo;
  • as semelhanças e os signos romperam sua antiga aliança;
  • as similitudes decepcionam, conduzem à visão e ao delírio;
  • as coisas permanecem obstinadamente na sua identidade irônica: não são mais do que o que são;
  • as palavras erram ao acaso, sem conteúdo, sem semelhança para preenchê-las;
  • não marcam mais as coisas;
  • dormem entre as folhas dos livros, no meio da poeira.

A magia, que permitia a decifração do mundo descobrindo as semelhanças secretas sob os signos, não serve mais senão para explicar de modo delirante por que as analogias são sempre frustradas.

A erudição, que lia como um texto único a natureza e os livros, é reconduzida às suas quimeras: depositados nas páginas amarelecidas dos volumes, os signos da linguagem não têm como valor mais do que a tênue ficção daquilo que representam.

A escrita e as coisas não se assemelham mais. Entre elas, Dom Quixote vagueia ao sabor da aventura. A linguagem, no entanto, não se tornou completamente impotente.

Doravante, detém novos poderes e que lhe são próprios. Na segunda parte do romance, Dom Quixote reencontra personagens que leram a primeira parte do texto e que o reconhecem, a ele, homem real, como o herói do livro.

O texto de Cervantes se dobra sobre si mesmo, se enterra na sua própria espessura e torna-se para si objeto de sua própria narrativa. A primeira parte das aventuras desempenha na segunda o papel que assumiam no início os romances de cavalaria.

Dom Quixote deve ser fiel a esse livro em que ele realmente se tornou;

  • deve protegê-lo dos erros, das falsificações, das sequências apócrifas;
  • deve acrescentar os detalhes omitidos;
  • deve manter sua verdade.

Esse livro, porém, Dom Quixote mesmo não o leu nem pode lê-lo, já que ele o é em carne e osso. Ele, que à força de ler livros tornara-se um signo errante num mundo que não o reconhecia, ei-lo tornado, malgrado ele e sem o saber, um livro que detém sua verdade, reúne exatamente tudo o que ele fez e disse, viu e pensou e permite enfim que o reconheçam, de tal modo se assemelha a todos esses signos cujo sulco indelével deixou atrás de si.

Entre a primeira e a segunda parte do romance, no interstício desses dois volumes e somente pelo poder deles, Dom Quixote assumiu sua realidade. Realidade que ele deve somente à linguagem e que permanece totalmente interior às palavras.

A verdade de Dom Quixote não está na relação das palavras com o mundo,

mas nessa tênue e constante relação que as marcas verbais tecem de si para si mesmas.

A ficção frustrada das epopeias tornou-se no poder representativo da linguagem. As palavras acabam de se fechar na sua natureza de signos.

Dom Quixote é a primeira das obras modernas,

  • pois que aí se vê a razão cruel das identidades e das diferenças desdenhar infinitamente dos signos e das similitudes:
  • pois que aí a linguagem rompe seu velho parentesco com as coisas, para entrar nessa soberania solitária donde só reaparecerá, em seu ser absoluto, tornada literatura;
  • pois que aí a semelhança entra numa idade que é, para ela, a da desrazão e da imaginação.

Uma vez desligados a similitude e os signos, duas experiências podem se constituir e duas personagens aparecer face a face.

O louco, 

  • entendido não como doente,
  • mas como desvio constituído e mantido, como função cultural indispensável, 

tornou-se, na experiência ocidental, o homem das semelhanças selvagens.

Essa personagem, tal como é bosquejada nos romances ou no teatro da época barroca e tal como se institucionalizou pouco a pouco até a psiquiatria do século XIX, é aquela que se alienou na analogia. 

É o jogador desregrado do Mesmo e do Outro.

Toma as coisas pelo que não são e as pessoas umas pelas outras; ignora seus amigos, reconhece os estranhos; crê desmascarar e impõe uma máscara. Inverte todos os valores e todas as proporções, porque acredita, a cada instante, decifrar signos: para ela, os ouropéis fazem um rei. 

Segundo a percepção cultural que se teve do louco até o fim do século XVIII, ele só é o Diferente na medida em que não conhece a Diferença; por toda a parte vê semelhanças e sinais da semelhança; todos os signos para ele se assemelham e todas as semelhanças valem como signos.

Na outra extremidade do espaço cultural, mas totalmente próximo por sua simetria, 

o poeta 

  • é aquele que, por sob as diferenças nomeadas e cotidianamente previstas, reencontra os parentescos subterrâneos das coisas, suas similitudes dispersadas. 
  • Sob os signos estabelecidos e apesar deles, ouve um outro discurso, mais profundo, que lembra o tempo em que as palavras cintilavam na semelhança universal das coisas: a Soberania do Mesmo, tão difícil de enunciar, apaga na sua linhagem a distinção dos signos.

Daí sem dúvida, na cultura ocidental moderna, o face-a-face da poesia e da loucura.

Mas já não se trata do velho tema platônico do delírio inspirado. 

Trata-se da marca de uma nova experiência da linguagem e das coisas.

Às margens de um saber que separa os seres, os signos e as similitudes, e como que para limitar seu poder, o louco garante a função do homossemantismo: reúne todos os signos e os preenche com uma semelhança que não cessa de proliferar.

O poeta garante a função inversa; sustenta o papel alegórico; sob a linguagem dos signos e sob o jogo de suas distinções bem determinadas, põe-se à escuta de “outra linguagem”, aquela, sem palavras nem discursos, da semelhança.

O poeta faz chegar a similitude até os signos que a dizem,

o louco carrega todos os signos com uma semelhança que acaba por apagá-los.

Assim, na orla exterior da nossa cultura e na proximidade maior de suas divisões essenciais, estão ambos nessa situação de “limite” – postura marginal e silhueta profundamente arcaica – onde suas palavras encontram incessantemente seu poder de estranheza e o recurso de sua contestação.

Entre eles abriu-se o espaço de um saber onde, por uma ruptura essencial no mundo ocidental,

  • a questão não será mais a das similitudes,
  • mas a das identidades e das diferenças.