V. Ideologia e crítica

Capítulo VII - Os limites da representação; tópico V. Ideologia e crítica

  • Na gramática geral, 
  • na história natural, 
  • na análise das riquezas, 

produziu-se, pois, nos últimos anos do século XVIII, um acontecimento que, em todas elas, foi do mesmo tipo. 

Os signos de que as representações eram afetadas, 

a análise das identidades e das diferenças que então se podia estabelecer, 

o quadro ao mesmo tempo contínuo e articulado que se instaurava na profusão das similitudes, 

a ordem definida entre as multiplicidades empíricas 

doravante não podem mais se fundar apenas na reduplicação da representação em relação a ela mesma. 

A partir desse acontecimento, 

  • o que valoriza os objetos do desejo não são mais apenas os outros objetos que o desejo pode representar, mas um elemento irredutível a essa representação: o trabalho; 
  • o que permite caracterizar um ser natural não são mais os elementos que se podem analisar sobre as representações que dele e de outros se fazem, mas certa relação interior a esse ser e a que se chama sua organização; 
  • o que permite definir uma língua não é a maneira como ela representa as representações, mas certa arquitetura interna, certa maneira de modificar as próprias palavras segundo a postura gramatical que ocupam umas em relação às outras: é seu sistema flexional. 

Em todos os casos, 

  • a relação da representação consigo mesma 
  • e as relações de ordem que ela permite determinar fora de toda medida quantitativa 

passam agora por condições exteriores à própria representação na sua atualidade. 

Para ligar a representação de um sentido com a de uma palavra, cumpre referir-se e recorrer às leis puramente gramaticais de uma linguagem que, fora de todo poder de representar as representações, está submetida ao sistema rigoroso de suas modificações fonéticas e de suas subordinações sintéticas; 

  • na idade clássica, as línguas tinham uma gramática porque tinham poder de representar; 
  • agora representam a partir dessa gramática, que é para elas como que
    • um reverso histórico, 
    • um volume interior e necessário 
  • cujos valores representativos não constituem mais que a face externa, cintilante e visível.

Para ligar num caráter definido

  • uma estrutura parcial 
  • e a visibilidade de conjunto de um ser vivo, 

é preciso agora referir-se às leis puramente biológicas que, fora de todas as marcas sinaléticas, está como que em recuo em relação a elas, organizam as relações entre funções e órgãos; 

  • os seres vivos não mais definem suas semelhanças, suas afinidades e suas famílias a partir de sua descritibilidade desdobrada; 
  • possuem caracteres que a linguagem pode percorrer e definir, porque têm uma estrutura que é como o reverso sombrio, volumoso e interior de sua visibilidade:
    • é na superfície clara e discursiva dessa massa secreta mas soberana que os caracteres emergem, espécie de depósito exterior à periferia de organismos agora enrolados sobre si mesmos. 

Enfim, quando se trata de ligar 

  • a representação de um objeto de necessidade 
  • a todos aqueles que podem figurar em face dele no ato de troca, 

é preciso recorrer 

  • à forma 
  • e à quantidade 

de um trabalho que lhe determinam o valor; 

  • o que hierarquiza as coisas nos movimentos contínuos do mercado não são os outros objetos nem as outras necessidades; 
  • é a atividade que as produziu e que, silenciosamente, nelas se depositou; 
  • são as jornadas e as horas necessárias para fabricá-Ias, para extraí-Ias ou transportá-Ias que constituem seu peso próprio, sua solidez mercantil, sua lei interior e, por conseguinte, o que se pode chamar seu preço real; 

a partir desse núcleo essencial, as trocas poderão efetuar-se e os preços de mercado, depois de oscilarem, encontrarão seu ponto fixo.

Esse acontecimento um pouco enigmático, esse acontecimento subterrâneo que, nos fins do século XVIII, se produziu nesses três domínios, submetendo-os num só lance a uma mesma ruptura, pode, pois, agora ser assinalado na unidade que funda suas formas diversas. 

Vê-se quão superficial seria buscar essa unidade do lado de um progresso na racionalidade ou da descoberta de um tema cultural novo. 

Nos últimos anos do século XVIII, 

  • não se introduziram os fenômenos complexos da biologia, ou da história das línguas ou da produção industrial em formas de análise racional a que, até então, elas teriam permanecido estranhas; 
  • tampouco se despertou de súbito o interesse – sob a “influência” de não se sabe que “romantismo” nascente – pelas figuras complexas da vida, da história e da sociedade; 
  • não se desprendeu, sob a instância de seus problemas, de um racionalismo submetido ao modelo da mecânica, às regras da análise e às leis do entendimento. 

Ou, antes, tudo isso se produziu efetivamente, mas como movimento de superfície: 

  • alteração e desvio dos interesses culturais, 
  • redistribuição das opiniões e dos juízos, 
  • aparecimento de novas formas no discurso científico, 
  • rugas traçadas pela primeira vez sobre a face esclarecida do saber. 

De maneira mais fundamental, e naquele nível em que os conhecimentos se enraízam em sua positividade, 

o acontecimento concerne 

  • não aos objetos visados, analisados e explicados no conhecimento, nem mesmo à maneira de os conhecer ou de os racionalizar, 
  • mas à relação da representação para com o que nela é dado. 

O que se produziu com Adam Smith, com os primeiros filólogos, com Jussieu, Vicq d’ Azyr ou Lamarck, foi um desnível ínfimo, mas absolutamente essencial e que abalou todo o pensamento ocidental: 

a representação perdeu o poder de criar, a partir de si mesma, no seu desdobramento próprio e pelo jogo que a reduplica sobre si, os liames que podem unir seus diversos elementos. 

Nenhuma composição, nenhuma decomposição, nenhuma análise em identidades e em diferenças pode mais justificar o liame das representações entre si; a ordem, o quadro onde ela se espacializa, as vizinhanças que ela define, as sucessões que autoriza como tantos percursos possíveis entre os pontos de sua superfície não têm mais o poder de ligar as representações entre si ou, entre si, os elementos de cada uma. 

A condição desses liames reside doravante no exterior da representação, para além de sua imediata visibilidade, numa espécie de mundo subjacente, mais profundo que ela própria e mais espesso. 

Para atingir esse ponto em que se vinculam 

  • as formas visíveis dos seres – a estrutura dos vivos, 
  • o valor das riquezas, 
  • a sintaxe das palavras – 

é preciso dirigir-se para esse cume, para essa extremidade necessária mas jamais acessível que se entranha fora do nosso olhar, no coração mesmo das coisas. 

Retiradas em direção à sua essência própria, habitando enfim na força que as anima, na organização que as mantém, na gênese que não cessou de produzi-Ias, as coisas escapam, na sua verdade fundamental, ao espaço do quadro; 

  • em vez de serem unicamente a constância que distribui segundo as mesmas formas as suas representações, 
  • elas se enrolam sobre si mesmas, 
  • dão-se um volume próprio, 
  • definem para si um espaço interno que, para nossa representação, está no exterior: 

É a partir da arquitetura
que escondem,
da coesão que mantém
seu reino soberano e secreto
sobre cada uma de suas partes,
é do fundo dessa força que as faz nascer
e nelas permanece como que imóvel
mas ainda vibrante,
que as coisas,
por fragmentos, perfis, pedaços, retalhos,
vêm oferecer-se
bem parcialmente
à representação. 
Desta sua inacessível reserva
ela só destaca, peça por peça,
tênues elementos
cuja Unidade
permanece travada
sempre aquém. 

O espaço de ordem 

  • que servia de lugar-comum à representação e às coisas, 
  • à visibilidade empírica e às regras essenciais, 
  • que unia as regularidades da natureza e as semelhanças da imaginação no quadriculado das identidades e das diferenças, 
  • que expunha a sequência empírica das representações num quadro simultâneo e permitia percorrer, passo a passo, segundo uma seqüência lógica, o conjunto dos elementos da natureza tornados contemporâneos deles próprios

 – esse espaço de ordem vai doravante ser rompido: 

  • haverá coisas, com sua organização própria, suas secretas nervuras, o espaço que as articula, o tempo que as produz; 
  • e, depois, a representação, pura sucessão temporal, em que elas se anunciam sempre parcialmente 
  • a uma subjetividade, a uma consciência, ao esforço singular de um conhecimento,
    • ao indivíduo “psicológico” que, do fundo de sua própria história, ou a partir da tradição que se lhe transmitiu, tenta saber. 

A representação está em via de não mais poder definir o modo de ser comum às coisas e ao conhecimento. O ser mesmo do que é representado vai agora cair fora da própria representação. Essa proposição, entretanto, é imprudente. Antecipa em todo o caso uma disposição do saber que não está ainda definitivamente estabelecida no final do século XVlII. 

Não se deve esquecer que, se Smith, Jussieu e W. Jones se serviram das noções de trabalho, de organização e de sistema gramatical, 

  • não foi para sair do espaço tabular definido pelo pensamento clássico, 
  • não foi para contornar a visibilidade das coisas e escapar ao jogo da representação que representa a si mesma; 
  • foi somente para aí instaurar uma forma de ligação que fosse ao mesmo tempo analisável, constante e fundada.

 Tratava-se sempre de encontrar a ordem geral das identidades e das diferenças. 

O grande desvio que irá buscar, do outro lado da representação, o ser mesmo do que é representado não se realizou ainda; 

somente já está instaurado o lugar a partir do qual ele será possível. 

Esse lugar, porém, figura sempre nas disposições interiores da representação. 

Sem dúvida, a essa configuração epistemológica ambígua corresponde uma dualidade filosófica que indica seu próximo desfecho. 

A coexistência, no final do século XVIII, 

  • da Ideologia 
  • e da filosofia crítica
    • – de Destutt de Tracy e de Kant – 

partilha, sob a forma de dois pensamentos exteriores um ao outro mas simultâneos, o que as reflexões científicas mantêm numa unidade destinada a dissociar-se dentro em breve. 

Em Destutt ou Gerando, a Ideologia se apresenta ao mesmo tempo 

  • como a única forma racional e científica que a filosofia possa revestir 
  • e como o único fundamento filosófico que possa ser proposto às ciências em geral e a cada domínio singular do conhecimento. 

Ciência das idéias, a Ideologia deve ser um conhecimento do mesmo tipo que aqueles que se dão por objeto os seres da natureza, ou as palavras da linguagem, ou as leis da sociedade. 

Mas, na medida mesma em que tem por objeto as idéias, a maneira de exprimi-Ias em palavras e de ligá-Ias em raciocínios, ela vale como a Gramática e a Lógica de toda ciência possível. 

A Ideologia não interroga o fundamento, os limites ou a raiz da representação; percorre o domínio das representações em geral; fixa as sucessões necessárias que aí aparecem; define os liames que aí se travam; manifesta as leis de composição e de decomposição que aí podem reinar. 

Aloja todo saber no espaço das representações e, percorrendo esse espaço, formula o saber das leis que o organiza. 

É, em certo sentido, o saber de todos os saberes. 

Mas essa reduplicação fundadora não a faz sair do campo da representação; tem por finalidade calcar todo saber sobre uma representação de cuja imediatez jamais se escapa: 

“Alguma vez vos apercebestes um pouco do que seja precisamente pensar, do que experimentais quando pensais em qualquer coisa que for?.. Vós vos dizeis: eu penso isto, quando tendes uma opinião, quando formais um juízo. Efetivamente, fazer um juízo verdadeiro ou falso é um ato do pensamento; esse ato consiste em sentir que existe uma ligação, uma relação… Pensar, como vedes, é sempre sentir e não é mais que sentir.”(27) 

É preciso notar entretanto que, 

  • definindo o pensamento de uma relação pela sensação dessa relação ou, mais sucintamente, o pensamento em geral pela sensação, Destutt cobre realmente, sem dele sair, o domínio inteiro da representação; 
  • atinge, porém, a fronteira em que a sensação, como forma primeira, absolutamente simples da representação, como conteúdo mínimo do que pode ser dado ao pensamento, cai na ordem das condições fisiológicas capazes de a explicarem.
    • Aquilo que, lido num sentido, aparece como a mais tênue generalidade do pensamento,
      • aparece, decifrado em outra direção, como o resultado complexo de uma singularidade zoológica: 

“Tem-se apenas um conhecimento incompleto de um animal se não se conhecerem as suas faculdades intelectuais. A ideologia é uma parte da zoologia, e é sobretudo no homem que essa parte é importante e merece ser aprofundada.”(28) 

A análise da representação, no momento em que atinge sua maior extensão, toca, em sua orla mais exterior, um domínio que seria mais ou menos – ou antes, que será, pois não existe ainda – o de uma ciência natural do homem. 

Por muito diferentes que sejam pela sua forma, seu estilo e seu intento, a questão kantiana e a dos Ideólogos têm o mesmo ponto de aplicação: 

  • a relação das representações entre si. 

Mas essa relação – o que a funda e a justifica -, 

  • Kant não a requer ao nível da representação,
    • mesmo atenuada em seu conteúdo até não ser mais, nos confins da passividade e da consciência, do que pura e simples sensação; 
  • interroga-a na direção do que a toma possível em sua generalidade. 

Em vez de fundar o liame entre as representações por uma espécie de escavação interna que o esvaziasse pouco a pouco até a pura impressão,

estabelece-o sobre as condições que definem sua forma universalmente válida. 

Dirigindo assim sua questão, 

  • Kant contorna a representação e o que nela é dado, 
  • para endereçar-se àquilo mesmo a partir do qual toda representação, seja ela qual for, pode ser dada. 

Não são, pois, as próprias representações que, segundo as leis de um jogo que lhes pertenceria propriamente, poderiam desenvolver-se a partir de si e, num só movimento, decompor-se (pela análise) e se recompor (pela síntese): somente juízos de experiência ou constatações empíricas podem fundar-se sobre os conteúdos da representação. 

Qualquer outra ligação, para ser universal, deve fundar-se para além de toda experiência, no a priori que a toma possível. 

Não que se trate de um outro mundo, mas das condições sob as quais pode existir qualquer representação do mundo em geral. 

Há, portanto, uma correspondência certa entre a crítica kantiana e o que, na mesma época, se apresentava como a primeira forma mais ou menos completa de análise ideológica. 

Mas a Ideologia, estendendo sua reflexão sobre todo o campo do conhecimento 

– desde as impressões originárias até a economia política, passando pela lógica, a aritmética, as ciências da natureza e a gramática -, 

tentava retomar na força da representação aquilo mesmo que estava em via de se constituir e de se reconstituir fora dela. 

Essa retomada só podia fazer-se sob a forma quase mítica de uma gênese ao mesmo tempo singular e universal: 

  • uma consciência, isolada, vazia e abstrata 
  • devia, a partir da mais tênue representação, desenvolver pouco a pouco o grande quadro de tudo o que é representável. 

Nesse sentido, 

a Ideologia é a última das filosofias clássicas 

– um pouco como Juliette é a última das narrativas clássicas. 

As cenas e os raciocínios de Sade retomam toda a nova violência do desejo, no desdobramento de uma representação transparente e sem falhas; as análises da Ideologia retomam, na narrativa de um nascimento, todas as formas, até as mais complexas, da representação. 

Em face da Ideologia, a critica kantiana marca, em contra partida, o limiar de nossa modernidade; interroga a representação, 

  • não segundo o movimento indefinido que vai do elemento simples a todas as suas combinações possíveis, 
  • mas a partir de seus limites de direito. 

Sanciona assim, pela primeira vez, este acontecimento da cultura européia que é contemporâneo do fim do século XVIII: 

a retirada do saber e do pensamento para fora do espaço da representação. 

Este é então posto em questão 

  • no seu fundamento, 
  • na sua origem 
  • e nos seus limites: 

por isso mesmo, o campo ilimitado da representação, que o pensamento clássico instaurara, que a Ideologia quisera percorrer num passo a passo discursivo e científico, aparece como uma metafísica. Mas como uma metafísica que jamais se teria delimitado a si mesma, que se teria assentado num dogmatismo desavisado, e jamais fizera vir à plena luz a questão de seu direito. 

Nesse sentido, a Critica ressalta a dimensão metafísica que a filosofia do século XVIII quisera reduzir unicamente pela análise da representação. 

Mas abre, ao mesmo tempo, a possibilidade de uma outra metafisica que teria por propósito interrogar, fora da representação, tudo o que constitui sua fonte e origem; ela permite essas filosofias da Vida, da Vontade, da Palavra, que o século XIX vai desenvolver na esteira da critica.

IV. A flexão das palavras

Capítulo VII - Os limites da representação; tópico IV. A flexão das palavras

Encontra-se a réplica exata desses acontecimentos do lado das análises da linguagem. 

Nisso, porém, têm elas, sem dúvida, uma forma mais discreta e também uma cronologia mais lenta. 

Há para isso uma razão fácil de descobrir; 

é que, durante toda a idade clássica, a linguagem foi posta e refletida como discurso, isto é, como análise espontânea da representação. 

De todas as formas de ordem não-quantitativa, era a mais imediata, a menos preparada, a mais profundamente ligada ao movimento próprio da representação. 

E, nessa medida, estava mais bem enraizada nela e no seu modo de ser do que estas ordens refletidas – sábias ou interessadas – que fundavam 

  • a classificação dos seres 
  • ou a troca das riquezas.

 Modificações técnicas como as que afetaram 

  • a medida dos valores de troca 
  • ou os procedimentos da caracterização 

bastaram para alterar consideravelmente a análise das riquezas ou a história natural. 

Para que a ciência da linguagem sofresse modificações tão importantes, foram necessários acontecimentos mais profundos, capazes de mudar, na cultura ocidental, até o ser mesmo das representações. 

Assim como a teoria do nome, nos séculos XVII e XVIII, 

se alojava o mais perto possível da representação e com isso comandava, até certo ponto,

a análise das estruturas e do caráter nos seres vivos, 

a do preço e do valor nas riquezas, 

assim também, no fim da idade clássica, 

é ela que subsiste mais tempo, só se desfazendo tardiamente no momento em que a própria representação se modifica ao nível mais profundo de seu regime arqueológico. 

Até o começo do século XIX, as análises da linguagem só manifestam ainda poucas mudanças. As palavras são sempre interrogadas a partir de seus valores representativos, como elementos virtuais do discurso que lhes prescreve a todas um mesmo modo de ser. 

No entanto, esses conteúdos representativos já não são analisados somente na dimensão que a aproxima de uma origem absoluta, seja ela mítica ou não. 

Na gramática geral sob sua forma mais pura, 

  • todas as palavras de uma língua eram portadoras de uma significação mais ou menos oculta, mais ou menos derivada, 
  • mas cuja primitiva razão de ser residia numa designação inicial. 

Toda língua, por mais complexa que fosse, achava-se situada na abertura, disposta de uma vez por todas, pelos gritos arcaicos. 

As semelhanças laterais com as outras línguas – sonoridades vizinhas recobrindo significações análogas – só eram observadas e coligidas para confirmar a relação vertical de cada uma com esses valores profundos, encobertos, quase mudos. 

No último quartel do século XVIII a comparação horizontal entre as línguas adquire outra função: 

  • não mais permite saber o que cada uma pode comportar de memória ancestral, que marcas de antes de BabeI estão depositadas na sonoridade de suas palavras; 
  • deve permitir, porém, medir até que ponto elas se assemelham, qual a densidade de suas similitudes, em que limites são transparentes uma à outra. 

Daí essas grandes confrontações de línguas diversas que se vê surgirem no fim do século – e por vezes sob a pressão de motivos políticos, como as tentativas feitas na Rússia(20) para estabelecer um levantamento das línguas do Império; 

em 1787, aparece em Petrogrado o primeiro volume do Glossarium comparatiuum totius orbis; 

ele contém referência a 279 línguas:
171 para a Ásia,
55 para a Europa,
30 para a África,
23 para a América(21). 

Essas comparações fazem-se ainda exclusivamente a partir e em função dos conteúdos representativos; 

  • confronta-se um mesmo núcleo de significação – que serve de invariante – com as palavras pelas quais as diversas línguas podem designá-Io (Adelung(22) dá 500 versões do pater em línguas e dialetos diferentes); 
  • ou então, escolhendo uma raiz como elemento constante através de formas ligeiramente variadas, determina-se o leque dos sentidos que ela pode assumir (são os primeiros ensaios de lexicografia, como a de Buthet de La Sarthe). 

Todas essas análises remetem sempre a dois princípios que eram já os da gramática geral: 

  • o de uma língua primitiva e comum que teria fornecido o lote inicial das raízes, 
  • e o de uma série de acontecimentos históricos, estranhos à linguagem e que, do exterior, a vergam, gastam-na, apuram-na, agilizam-na, multiplicam ou misturam suas formas (invasões, migrações, progressos dos conhecimentos, liberdade ou escravidão política etc.). 

Ora, a confrontação das línguas, no fim do século XVIII, traz à luz uma figura intermediária entre a articulação dos conteúdos e o valor das raÍzes: trata-se da flexão.

Certamente, os gramáticos conheciam desde muito tempo os fenômenos flexionais (assim como, em história natural, conhecia-se o conceito de organização antes de PalIas ou Lamarck; e, em economia, o conceito de trabalho antes de Adam Smith); 

mas as flexões só eram analisadas por seu valor representativo – quer fossem consideradas como representações anexas, quer se visse nelas uma forma de ligar entre si as representações (alguma coisa como uma outra ordem das palavras). 

Mas, quando se faz, como Coeurdoux(23) e William Jones(24) a comparação entre as diferentes formas do verbo ser em sânscrito e em latim ou em grego, descobre-se uma relação de constância que é inversa àquela que se admitia correntemente: a raiz é que é alterada e as flexões é que são análogas. 

A série sânscrita asmi, asi, asti, smas, stha, santi, corresponde exatamente, mas por analogia flexional, à série latina sum, es, est, sumus, estis, sunt. 

Sem dúvida, Coeurdoux e Anquetil-Duperron permaneciam ao nível das análises da gramática geral quando o primeiro via nesse paralelismo os restos de uma língua primitiva; e o segundo, o resultado da mistura histórica que se teria feito entre hindus e mediterrâneos na época do reino de Bactriana. 

Mas o que estava em jogo nessa conjugação comparada 

  • já não era mais o liame entre sílaba primitiva e sentido primeiro,
    • era uma relação mais complexa entre as modificações do radical e as funções da gramática; 
  • descobria-se que em duas línguas diferentes havia uma relação constante entre uma série determinada de alterações formais e uma série igualmente determinada de funções gramaticais, de valores sintáticos ou de modificações sem sentido. 

Por isso mesmo, a gramática geral começa a mudar de configuração: 

  • seus diversos segmentos teóricos não mais se encadeiam totalmente do mesmo modo uns nos outros; 
  • e a rede que os une desenha um percurso já ligeiramente diferente. 

Na época de Bauzée ou de Condillac, 

  • a relação entre as raízes de forma tão hábil e o sentido determinado nas representações, 
  • ou ainda o liame entre o poder de designar e o de articular, 

era assegurado pela soberania do Nome. 

Agora um novo elemento intervém: 

  • do lado do sentido ou da representação, ele indica apenas um valor acessório, necessariamente secundário (trata-se do papel de sujeito ou de complemento desempenhado pelo indivíduo ou pela coisa designada; trata-se do tempo da ação); 
  • mas, do lado da forma, ele constitui o conjunto sólido, constante, inalterável ou quase, cuja lei soberana se impõe às raízes representativas até modificar elas próprias. 

Mais ainda, esse elemento, secundário pelo valor significativo, primeiro pela consciência formal, não é, ele próprio, uma sílaba isolada, como uma espécie de raiz constante; é um sistema de modificações cujos segmentos diversos são solidários uns aos outros: a letra s não significa a segunda pessoa, como a letra e significava, segundo Court de Gébelin, a respiração, a vida e a existência; é o conjunto das modificações m, s, t, que dá à raiz verbal os valores da primeira, segunda e terceira pessoa. 

Essa nova análise, até o fim do século XVIII, se aloja na busca dos valores representativos da linguagem. 

É ainda do discurso que se trata. Já aparece porém, através do sistema das flexões, a dimensão do gramatical puro: 

  • a linguagem não é mais constituída somente de representações e de sons que, por sua vez, as representam e se ordenam entre si como o exigem os liames do pensamento; 
  • é, ademais, constituída de elementos formais, agrupados em sistema, e que impõem aos sons, às sílabas, às raízes, um regime que não é o da representação. 

Introduz-se assim na análise da linguagem um elemento que lhe é irredutível (como se introduz o trabalho na análise da troca ou a organização na dos caracteres). 

A título de consequência primeira, pode-se notar o aparecimento, no fim do século XVIII, de uma fonética que não é mais busca dos primeiros valores expressivos, mas análise dos sons, de suas relações e de sua transformação possível uns nos outros; Helwag, em 1781, define o triângulo vocálico(25). 

Pode-se notar também o aparecimento dos primeiros esboços de gramática comparada; 

  • não se toma mais como objeto de comparação nas diversas línguas o par formado por um grupo de letras e por um sentido, 
  • mas conjuntos de modificações de valor gramatical (conjugações, declinações e afixações). 

As línguas são confrontadas não mais por aquilo que as palavras designam, mas pelo que as liga umas às outras; elas vão agora comunicar-se, 

  • não por intermédio desse pensamento anônimo e geral que devem representar, 
  • mas diretamente, uma com a outra, graças a esses finos instrumentos de aparência tão frágil, mas tão constantes, tão irredutíveis, que dispõem as palavras umas em relação às outras. 

Como dizia Monboddo: 

“Sendo o mecanismo das línguas menos arbitrário e mais bem regulado que a pronúncia das palavras, aí encontramos um excelente critério para determinar a afinidade das línguas entre si. É por isso que, quando vemos duas línguas empregarem da mesma forma esses grandes procedimentos da linguagem, a derivação, a composição, a inflexão, podemos disso concluir que uma deriva da outra ou que são, ambas, dialetos de uma mesma língua primitiva.”(26) 

Enquanto a língua fora definida como discurso, não podia ter outra história senão a de suas representações: se as idéias, as coisas, os conhecimentos, os sentimentos, porventura mudavam, então e somente então a língua se modificava e na exata proporção de suas mudanças. 

Doravante, porém, há um “mecanismo” interior das línguas que determina 

  • não só a individualidade de cada uma, 
  • mas também suas semelhanças com as outras: 
  • é ele que, portador de 
    • identidade e de diferença, 
    • signo de vizinhança, 
    • marca do parentesco, 
  • vai tornar-se suporte da história. 

Por ele, a historicidade poderá introduzir-se na espessura da própria palavra.

III. A organização dos seres

Capítulo VII - Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

No domínio da história natural, as modificações que se podem constatar entre os anos 1775 e 1795 são do mesmo tipo.

Não se repõe em questão o que está no princípio das classificações: 

  • estas têm sempre por finalidade determinar o “caráter”
    • que agrupa os indivíduos e as espécies em unidades gerais, 
    • que distingue essas unidades umas das outras 
    • e que lhes permite enfim se encaixarem de maneira a formar um quadro em que todos os indivíduos e todos os grupos, conhecidos ou desconhecidos, poderão encontrar seu lugar. 

Esses caracteres são extraídos da representação total dos indivíduos; são sua análise e permitem, representando essas representações, constituir uma ordem; os princípios gerais da taxinomia – aqueles mesmos que orientaram os sistemas de Tournefort e de Lineu, o método de Adanson – continuam a valer do mesmo modo para A.-L. de Jussieu, para Vicq d’Azyr, para Lamarck, para Candolle. 

E, contudo, a técnica que permite estabelecer o caráter, a relação entre estrutura visível e critérios de identidade são modificadas assim como foram modificadas por Adam Smith as relações da necessidade ou do preço. 

Ao longo de todo o século XVIII, os classificadores estabeleceram o caráter pela comparação de estruturas visíveis, isto é, relacionando elementos que eram homogêneos, pois que cada um podia, segundo o princípio ordenador que fosse escolhido, servir para representar todos os outros: 

  • a única diferença residia no fato de que,
    • para os partidários do sistema, os elementos representativos eram fixados desde o início, 
    • e, para os partidários do método, eles se desprendiam pouco a pouco de uma confrontação progressiva. 

Mas a passagem da estrutura descrita para o caráter classificador se fazia inteiramente ao nível das funções representativas que o visível exercia em relação a si mesmo. 

A partir de Jussieu, de Lamarck e de Vicq d’ Azyr, 

  • o caráter, ou antes, a transformação da estrutura em caráter
    • vai basear-se num princípio estranho ao domínio do visível – um princípio interno, irredutível ao jogo recíproco das representações. 

Esse princípio (ao qual corresponde, na ordem da economia, o trabalho) é a organização. 

Como fundamento das taxinomias, a organização aparece de quatro modos diferentes. 

1. Primeiro, sob a forma de uma hierarquia dos caracteres. 

Com efeito, se não se expõem as espécies umas ao lado das outras e na sua maior diversidade, mas se se aceitam, para delimitar imediatamente o campo de investigação, os vastos agrupamentos que a evidência impõe 

  • – como as gramíneas, as compostas, as crucíferas, as leguminosas, para as plantas; 
  • ou, para os animais, os vermes, os peixes, as aves, os quadrúpedes – 

vê-se que certos caracteres são absolutamente constantes e não estão ausentes em nenhum dos gêneros, nenhuma das espécies que se podem aí reconhecer: 

por exemplo, a inserção dos estames, sua situação em relação ao pistilo, a inserção da corola quando ela traz estames, o número de lóbulos que acompanham o embrião na semente. 

Outros caracteres são muito freqüentes numa família, mas não atingem o mesmo grau de constância; 

é que são formados por órgãos menos essenciais (número de pétalas, presença ou ausência da corola, situação respectiva do cálice ou do pistilo): são os caracteres “secundários sub-uniformes”. 

Enfim, os caracteres “terciários semi-uniformes” são ora constantes ora variáveis (estrutura monófila ou polífila do cálice, número de compartimentos no fruto, situação das flores e das folhas, natureza do caule): 

com esses caracteres semi-uniformes não é possível definir famílias ou ordens – não que eles não sejam capazes, se os aplicássemos a todas as espécies, de formar entidades gerais, mas porque não concernem ao que há de essencial num grupo de seres vivos. 

Cada grande família natural tem requisitos que a definem, e os caracteres que permitem reconhecê-Ia são os mais próximos dessas condições fundamentais; assim, sendo a reprodução a função maior da planta, o embrião será sua parte mais importante, e poder-se-ão repartir os vegetais em três classes: acotilédones, monocotilédones e dicotilédones. 

Com base nesses caracteres essenciais e “primários”, os outros poderão aparecer e introduzir distinções mais sutis.

Vê-se que o caráter já não é diretamente extraído da estrutura visível e sem outro critério senão sua presença ou ausência; funda-se na existência de funções essenciais ao ser vivo e nas relações de importância que já não procedem apenas da descrição. 

2. Os caracteres estão, pois, ligados a funções. 

Volta-se, num sentido, à velha teoria das assinalações ou das marcas pelo que se supunha que os seres traziam, no ponto mais visível de sua superfície, o signo do que neles era o mais essencial. 

Aqui, porém, as relações de importância são relações de subordinação funcional. Se o número de cotilédones é decisivo para classificar os vegetais, é porque desempenham um papel determinado na função de reprodução, e porque estão ligados, por isso mesmo, a toda a organização interna da planta; indicam uma função que comanda toda a disposição do indivíduos(8). 

Assim, para os animais, Vicq d’Azyr mostrou que as funções alimentares são, sem dúvida, as mais importantes; é por essa razão que “relações constantes existem entre a estrutura dos dentes dos carnívoros e a de seus músculos, de seus dedos, de suas unhas, de sua língua, de seu estômago, de seus intestinos”(9). 

O caráter não é portanto estabelecido por uma relação do visível consigo próprio; em si mesmo, não é mais do que a saliência visível de uma organização complexa e hierarquizada, em que a função desempenha um papel essencial de comando e de determinação. 

Não é por ser frequente nas estruturas observadas que um caráter é importante; 

é por ser funcionalmente importante que o encontramos com frequência. 

Como observará Cuvier, resumindo a obra dos últimos grandes partidários do método do século, à medida que nos elevamos em direção às classes mais gerais, 

“mais também as propriedades que permanecem comuns são constantes; e, como as relações mais constantes são aquelas que pertencem às partes mais importantes, os caracteres das divisões superiores se acharão extraídos das partes mais importantes… Dessa forma, o método será natural, uma vez que leva em conta a importância dos órgãos”(10). 

3. Nessas condições, compreende-se como pôde a noção de vida tomar-se indispensável à ordenação dos seres naturais.

 Tornou-se indispensável por duas razões: 

  • primeiro, era preciso poder apreender na profundidade do corpo as relações que ligam os órgãos superficiais àqueles cuja existência e forma oculta asseguram as funções essenciais; 

assim, Storr propõe classificar os mamíferos segundo a disposição de seus cascos; é que esta está ligada aos modos de deslocamento e às possibilidades motoras do animal; ora, esses modos, por sua vez, estão em correlação com a forma de alimentação e os diferentes órgãos do sistema digestivo(11). 

  • Ademais, pode ocorrer que os caracteres mais importantes sejam os mais escondidos; 

já na ordem vegetal, pôde-se constatar que não são as flores e os frutos – partes mais visíveis da planta – os elementos significativos, mas o aparelho embrionário e órgãos como os cotilédones. 

Esse fenômeno é mais frequente ainda nos animais. 

Storr pensava ser preciso definir as grandes classes pelas formas da circulação; e Lamarck, que contudo não praticava pessoalmente a dissecação, recusa para os animais inferiores um princípio de classificação que só se fundasse em sua forma visível: 

“A consideração das articulações do corpo e dos membros dos crustáceos fez com que todos os naturalistas os olhassem como verdadeiros insetos, e eu próprio, durante muito tempo, segui a opinião comum a esse respeito. Mas, como é reconhecido que a organização é a mais essencial de todas as considerações para guiar numa distribuição metódica e natural dos animais, assim como para determinar entre eles as verdadeiras relações, resulta daí que os crustáceos, respirando unicamente por brânquias à maneira dos moluscos e, tendo como eles, um coração muscular, devem ser localizados imediatamente após eles, antes dos aracnídeos e dos insetos, que não têm uma semelhante organização.”(12) 

Classificar, portanto,
não será mais
referir o visível a si mesmo,
encarregando um de seus elementos
de representar os outros;
será, num movimento
que faz revolver a análise,
reportar o visível ao invisível,
como à sua razão profunda,
depois alçar de novo
dessa secreta arquitetura
em direção aos seus sinais manifestos,
que são dados à superfície dos corpos. 

Como dizia Pinel, na sua obra de naturalista, 

“atermo-nos aos caracteres exteriores designados pelas nomenclaturas não é fechar para nós mesmos a mais fecunda fonte de instruções e nos recusar, por assim dizer, a abrir o grande livro da natureza que, contudo, nos propomos conhecer?”13. 

Doravante, o caráter reassume seu velho papel de sinal visível despontando em direção a uma profundidade escondida; 

  • mas o que ele indica não é um texto secreto, uma palavra encoberta ou uma semelhança demasiado preciosa para ser exposta; 
  • é o conjunto coerente de uma organização que retoma na trama única de sua soberania tanto o visível como o invisível. 

4. O paralelismo entre classificação e nomenclatura é por isso mesmo rompido. 

Enquanto a classificação consistia numa repartição progressivamente encaixada no espaço visível, era muito concebível que a delimitação e a denominação desses conjuntos pudessem realizar-se paralelamente. 

O problema do nome e o problema do gênero eram isomorfos. 

Mas agora que o caráter não pode mais classificar a não ser referindo-se primeiro à organização dos indivíduos, 

o “distinguir” não se faz mais segundo os mesmos critérios e as mesmas operações que o “denominar”. 

Para encontrar os conjuntos fundamentais que reagrupam os seres naturais, é necessário percorrer esse espaço em profundidade que conduz 

  • dos órgãos superficiais aos mais secretos 
  • e, destes, às grandes funções que eles asseguram.

 Em contrapartida, uma boa nomenclatura continuará a se desdobrar no espaço plano do quadro: 

  • a partir dos caracteres visíveis do indivíduo, 
  • será necessário chegar ao compartimento preciso onde se encontra o nome desse gênero e de sua espécie. 

Há uma distorção fundamental entre o espaço da organização e o da nomenclatura: 
ou, antes,
em vez de se recobrirem exatamente,
são doravante perpendiculares um ao outro; e no seu ponto de junção
encontra-se o caráter manifesto,
que indica, em profundidade, uma função
e permite, na superfície,
encontrar um nome. 

Essa distinção que, em alguns anos, tornará caducas a história natural e a preeminência da taxinomia, é devida ao gênio de Lamarck: 

no Discurso preliminar da Flore française, opôs ele como radicalmente distintas as duas tarefas da botânica: 

  • a “determinação”, que aplica as regras da análise e permite encontrar o nome pelo simples jogo de um método binário
    • (ou tal caráter está presente no indivíduo que se examina e é preciso buscar situá- lo na parte direita do quadro;
    • ou ele não está presente e é preciso buscar na parte esquerda; e isso até a última determinação); 
  • e a descoberta das relações reais de semelhança, que supõe o exame da organização inteira das espécies(14). 

O nome e os gêneros, a designação e a classificação, a linguagem e a natureza deixam de ser entrecruzados de pleno direito. 

A ordem das palavras e a ordem dos seres não se recortam mais senão numa linha artificialmente definida. 

Sua velha interdependência que fundara
a história natural na idade clássica
e que conduzira, num só movimento,
– a estrutura até o caráter,
– a representação até o nome
– e o indivíduo visível até o gênero abstrato, começa a desfazer-se.

Começa-se a falar sobre coisas que têm lugar num espaço diverso do das palavras. 

Ao fazer, e muito cedo, semelhante distinção, Lamarck 

  • encerrou a idade da história natural, 
  • entreabriu a da biologia
    • muito melhor, de um modo bem mais certo e radical do que ao retomar, cerca de 20 anos mais tarde, o tema já conhecido da série única das espécies e de sua transformação progressiva. 

O conceito de organização já existia 

  • na história natural do século XVIII – 
  • assim como, na análise das riquezas, a noção de trabalho que tampouco foi inventada no desembocar da idade clássica; 

mas servia então para definir um certo modo de composição dos indivíduos complexos a partir de materiais mais elementares; 

Lineu, por exemplo, distinguia a “justaposição”, que faz crescer o mineral e a “intuscepção” pela qual o vegetal se desenvolve nutrindo-se(15). 

Bonnet opunha o “agregado” dos “sólidos brutos” à “composição dos sólidos organizados” que “entrelaça num número quase infinito de partes, algumas fluidas, outras sólidas”(16). 

Ora, esse conceito de organização jamais servira, antes do fim do século, para fundar a ordem da natureza, para definir seu espaço, ou para limitar-lhe as figuras. 

É através das obras de Jussieu, de Vicq d’ Azyr e de Lamarck, que ele começa a funcionar pela primeira vez como método de caracterização: 

  • subordina os caracteres uns aos outros; 
  • liga-os a funções; 
  • dispõe-nos segundo uma arquitetura tanto interna quanto externa e não menos invisível que visível; 
  • reparte-os num espaço diverso daquele dos nomes, do discurso e da linguagem. 

Não basta mais só para designar uma categoria de seres entre outros; 

não indica mais apenas um corte no espaço taxinômico; 

define para certos seres a lei interior, que permite a uma de suas estruturas assumir o valor de caráter. 

A organização se insere 

  • entre as estruturas que articulam 
  • e os caracteres que designam 

– introduzindo entre eles um espaço profundo, interior, essencial. 

Essa mutação importante se exerce ainda no elemento da história natural; 

  • ela modifica os métodos e as técnicas de uma taxinomia; 
  • não recusa suas condições fundamentais de possibilidade; 
  • não toca no modo de ser de uma ordem natural. 

Entretanto, acarreta uma consequência maior: a radicalização da divisão entre orgânico e inorgânico. 

No quadro dos seres que a história natural desdobrava, 

  • o organizado 
  • e o não-organizado 

definiam não mais que duas categorias; estas se entrecruzavam sem coincidirem necessariamente com a oposição entre 

  • o ser vivo 
  • e o não-vivo. 

A partir do momento em que a organização se torna conceito fundador da caracterização natural e permite passar da estrutura visível à designação, ela própria tem que deixar de ser apenas um caráter; contorna o espaço taxinômico onde estava alojada e é ela, por sua vez, que dá lugar a uma classificação possível. 

Por isso mesmo, a oposição entre o orgânico e o inorgânico torna-se fundamental. 

É, com efeito, a partir dos anos 1775-1795, 

  • que a velha articulação dos três ou quatro reinos desaparece; 
  • a oposição dos dois reinos – orgânico e inorgânico – não a substitui exatamente; 
  • torna-a antes impossível, impondo outra divisão, em outro nível e em outro espaço. 

PalIas e Lamarck (17) formulam essa grande dicotomia, com a qual vem coincidir a oposição entre o ser vivo e o não-vivo. 

“Só há dois reinos na natureza”, escreve Vicq d’ Azyr, em 1786, “um que usufrui a vida e outro que dela está privado.”(18) 

O orgânico torna-se o ser vivo e o ser vivo é o que produz, crescendo e reproduzindo-se; o inorgânico é o não-vivo, o que não se desenvolve nem se reproduz; é, nos limites da vida, o inerte e o infecundo – a morte. E se se mistura à vida, é como aquilo que nela tende a destruí-Ia e a matá-Ia. 

“Existem em todos os seres vivos duas forças poderosas, muito distintas e sempre em oposição entre si, de tal sorte que cada uma delas destrói perpetuamente os efeitos que a outra consegue produzir.”(19) 

Vê-se como, fraturando em profundidade o grande quadro da história natural, 

  • alguma coisa como uma biologia vai tornar-se possível; 
  • e como também poderá emergir nas análises de Bichat a oposição fundamental entre a vida e a morte. 

Não se tratará do triunfo, mais ou menos precário, de um vitalismo sobre um mecanismo; 

o vitalismo e seu esforço para definir a especificidade da vida não são mais que os efeitos de superfície desses acontecimentos arqueológicos.

II. A medida do trabalho

Capítulo VII - Os limites da representação; tópico II. A medida do trabalho

Afirma-se facilmente que Adam Smith fundou a economia política moderna – poder-se-ia dizer a economia simplesmente – introduzindo o conceito de trabalho num domínio de reflexão que ainda não o conhecia: de imediato, todas as velhas análises da moeda, do comércio e da troca teriam sido remetidas a uma idade pré-histórica do saber – com exceção talvez unicamente da fisiocracia, à qual se concede o mérito de ter tentado ao menos a análise da produção agrícola. 

É verdade que Adam Smith refere, logo de início, a noção de riqueza à de trabalho: 

“O trabalho anual de uma nação é o fundo primitivo que fornece ao consumo anual todas as coisas necessárias e cômodas à vida; e essas coisas são sempre ou o produto imediato desse trabalho ou compradas de outras nações com esse produto”(1); 

é também verdade que Smith reporta 

  • o “valor em uso” das coisas à necessidade dos homens, 
  • e o “valor em troca” à quantidade de trabalho aplicada para produzi-lo:

 “O valor de uma mercadoria qualquer, para aquele que a possui e que não pretenda pessoalmente dela fazer uso ou consumi-Ia, mas que tem a intenção de trocá-Ia por outra coisa, é igual à quantidade de trabalho que essa mercadoria lhe permite comprar ou encomendar.”(2) 

De fato, a diferença entre as análises de Smith e as de Turgot ou Cantillon é menor do que se crê; ou, antes, não reside lá onde se imagina. Desde Cantillon e antes dele já se distinguiam perfeitamente o valor de uso e o valor de troca; desde Cantillon igualmente, utilizava-se a quantidade de trabalho para medir este último. 

Mas a quantidade de trabalho inscrita no preço das coisas não passava de um instrumento de medida, ao mesmo tempo relativo e redutível. Com efeito, o trabalho de um homem valia a quantidade de alimento que era necessária a ele e à sua família para os manter durante o tempo que durava a obra(3). 

De sorte que, em última instância, a necessidade – o alimento, o vestuário, a habitação – definia a medida absoluta do preço de mercado. 

Ao longo de toda a idade clássica, é a necessidade que mede as equivalências, o valor de uso que serve de referência absoluta aos valores de troca; é o alimento que afere os preços, dando à produção agrícola, ao trigo e à terra o privilégio que todos lhes reconheceram. 

Adam Smith não inventou portanto o trabalho como conceito econômico, porquanto já o encontramos em Cantillon, em Quesnay, em Condillac; nem mesmo lhe faz desempenhar um papel novo, pois dele também se serve como medida do valor de troca: 

“O trabalho é a medida real do valor permutável de toda mercadoria.”(4) 

Desloca-o porém: 

  • conserva-lhe sempre a função de análise das riquezas permutáveis; 
  • essa análise, entretanto, não é mais um puro e simples momento para reconduzir a troca à necessidade (e o comércio ao gesto primitivo da permuta); 
  • ela descobre uma unidade de medida irredutível, insuperável e absoluta. 

Desde logo, as riquezas não estabelecerão mais a ordem interna de suas equivalências por uma comparação dos objetos a trocar, nem por uma estimação do poder próprio a cada um de representar um objeto de necessidade (e, em último recurso, o mais fundamental de todos, o alimento); elas se decomporão segundo as unidades de trabalho que realmente as produziram. 

As riquezas são sempre elementos representativos que funcionam: mas o que representam finalmente 

  • não é mais o objeto do desejo, 
  • é o trabalho.

 Duas objeções, porém, logo se apresentam: 

como pode o trabalho ser medida fixa do preço natural das coisas, se ele próprio tem um preço – e que é variável? 

Como pode o trabalho ser uma unidade insuperável, se ele muda de forma e se o progresso das manufaturas o torna incessantemente mais produtivo, dividindo-o sempre mais?

 Ora, é justamente através dessas objeções e como que por seu intermédio que podemos trazer à luz a irredutibilidade do trabalho e seu caráter primeiro. 

Com efeito, 

  • há regiões no mundo e momentos numa mesma região em que o trabalho é caro:
    • os operários são pouco numerosos, 
    • os salários elevados; 
  • em outras partes e em outros momentos,
    • a mão-de-obra abunda, é mal retribuída, 
    • o trabalho é barato. 

Mas o que se modifica nessas alternâncias é a quantidade de alimento que se pode obter com um dia de trabalho; 

  • se há poucas mercadorias e muitos consumidores, cada unidade de trabalho só será recompensada por uma fraca quantidade de subsistência; 
  • em contrapartida, ela será bem paga se as mercadorias se encontram em abundância. 

Isso não passa de conseqüências de uma situação de mercado; 

  • o próprio trabalho, 
  • as horas passadas, 
  • o esforço e a fadiga são, 

de todo modo, os mesmos; e quanto mais necessárias forem essas unidades, tanto mais caros serão os produtos. 

“As quantidades iguais de trabalho são sempre iguais para aquele que trabalha.”(5) 

E contudo poder-se-ia dizer que essa unidade não é fixa, já que, para produzir um único e mesmo objeto, será preciso, conforme a perfeição das manufaturas (isto é, segundo a divisão do trabalho que se instaurou), um labor mais ou menos longo. 

Mas, na verdade, não foi o trabalho em si mesmo que mudou; foi a relação do trabalho com a produção de que ele é suscetível. 

O trabalho, entendido como jornada, esforço e fadiga, é um numerador fixo: só o denominador (o número de objetos produzidos) é capaz de variações. 

  • Um operário que tivesse de fazer sozinho as 18 operações distintas de que necessita a fabricação de um alfinete não produziria, sem dúvida, mais que cerca de 20 deles no curso de todo um dia. 
  • Mas dez operários que tivessem de efetuar cada qual somente uma ou duas operações poderiam fazer juntos mais de 48 mil alfinetes num dia; portanto, cada operário, realizando uma décima parte desse produto, pode ser considerado como fazendo em seu dia 4.800 alfinetes(6). 

A potência produtiva do trabalho foi multiplicada; numa mesma unidade (a jornada de um assalariado), os objetos fabricados aumentaram; seu valor de troca vai portanto baixar, isto é, cada um deles, por sua vez, só poderá comprar uma quantidade de trabalho proporcionalmente menor. 

O trabalho não diminuiu em relação às coisas; foram as coisas que como que se estreitaram em relação à unidade de trabalho. Troca-se, é verdade, porque se têm necessidades; sem elas, o comércio não existiria, nem tampouco o trabalho, nem sobretudo essa divisão que o torna mais produtivo. Inversamente, são as necessidades que, quando satisfeitas, limitam o trabalho e seu aperfeiçoamento: 

“Uma vez que é a faculdade de trocar que dá lugar à divisão do trabalho, o aumento dessa divisão deve, por conseqüência, ser sempre limitado pela extensão da faculdade de trocar ou, em outros termos, pela extensão do mercado.”(7) 

As necessidades e a troca de produtos que podem responder a elas são sempre o princípio da economia: são seu primeiro motor e a circunscrevem; o trabalho e a divisão que o organiza não passam de seus efeitos. 

Mas, no interior da troca, na ordem das equivalências, a medida que estabelece as igualdades e as diferenças é de natureza diversa da necessidade. 

Não está ligada apenas ao desejo dos indivíduos, modificada com ele e variável como ele. É uma medida absoluta, se com isso se entender que não depende do coração dos homens ou de seu apetite; impõe-se-lhes do exterior: é seu tempo e é seu esforço. 

Em relação à de seus predecessores, a análise de Adam Smith representa um desfecho essencial: 

  • ela distingue a razão da troca e a medida do permutável, 
  • a natureza do que é trocado e as unidades que permitem sua decomposição.

Troca-se porque se tem necessidade, e os objetos precisamente de que se tem necessidade, mas a ordem das trocas, sua hierarquia e as diferenças que aí se manifestam são estabelecidas pelas unidades de trabalho que foram depositadas nos objetos em questão. 

Se, para a experiência dos homens – ao nível do que se vai incessantemente chamar de psicologia – o que eles trocam é o que lhes é “indispensável, cômodo ou agradável”, para o economista, o que circula sob a forma de coisas é trabalho. 

Não mais objetos de necessidade que se representam uns aos outros, mas tempo e fadiga, transformados, ocultos, esquecidos. Esse desfecho é de grande importância. 

Certamente, Adam Smith analisa ainda, como seus predecessores, esse campo de positividade a que o século XVIII chamou “riquezas”; e, com isso, entendia também ele objetos de necessidade – os objetos portanto de uma certa forma de representação – representando-se a si próprios nos movimentos e nos processos da troca. 

  • Mas, no interior dessa reduplicação e para regular sua lei, as unidades e as medidas da troca, ele formula um princípio de ordem que é irredutível à análise da representação:
    • traz à luz o trabalho, isto é, o esforço e o tempo, essa jornada que, ao mesmo tempo talha e gasta a vida de um homem. 

A equivalência dos objetos do desejo 

  • não é mais estabelecida por intermédio de outros objetos e de outros desejos, 
  • mas por uma passagem ao que lhes é radicalmente heterogêneo;
    • se há uma ordem nas riquezas, 
    • se isto pode comprar aquilo, 
    • se o ouro vale duas vezes mais que a prata, 
    • não é mais porque os homens têm desejos comparáveis; 
    • não é porque através de seu corpo eles experimentam a mesma fome ou porque o coração de todos obedece às mesmas seduções; 
    • é porque todos eles são submetidos ao tempo, ao esforço, à fadiga e, indo ao extremo, à própria morte. 

Os homens trocam porque experimentam necessidades e desejos; 

mas podem trocar e ordenar essas trocas porque são submetidos ao tempo e à grande fatalidade exterior. 

Quanto à fecundidade desse trabalho, não é ela devida tanto à habilidade pessoal ou ao cálculo dos interesses; funda-se em condições, também estas, exteriores à sua representação: progresso da indústria, aumento da divisão de tarefas, acúmulo de capitais, divisão do trabalho produtivo e do trabalho não-produtivo. 

Vê-se de que maneira a reflexão sobre as riquezas começa, com Adam Smith, a extravasar o espaço que lhe era designado na idade clássica; 

  • era então alojada no interior da “ideologia” – da análise da representação; 
  • doravante, ela se refere, como que de viés, a dois domínios que escapam, tanto um quanto o outro, às formas e às leis da decomposição das idéias:
    • de um lado, ela desponta já para uma antropologia que põe em questão a essência do homem (sua finitude, sua relação com o tempo, a iminência da morte) e o objeto no qual ele investe as jornadas de seu tempo e de seu esforço sem poder nele reconhecer o objeto de sua necessidade imediata; 
    • e, de outro, indica, ainda no vazio, a possibilidade de uma economia política
      • que não mais teria por objeto a troca das riquezas (e o jogo das representações que a cria), 
      • mas sua produção real: formas do trabalho e do capital. 

Compreende-se como, entre essas positividades recentemente formadas – 

uma antropologia que fala de um homem tornado estranho a si mesmo e uma economia que fala de mecanismos exteriores à consciência humana

 – a Ideologia ou a Análise das representações se reduzirá, em breve, a ser não mais que uma psicologia, ao mesmo tempo em que, diante dela, contra ela e dominando-a bem logo do alto de si mesma, se abre a dimensão de uma história possível. 

A partir de Smith, o tempo da economia 

  • não será mais aquele, cíclico, dos empobrecimentos e dos enriquecimentos; 
  • também não será o crescimento linear das políticas hábeis que, aumentando sempre ligeiramente as espécies em circulação, aceleram a produção mais rapidamente do que elevam os preços; 
  • será o tempo interior de uma organização que cresce segundo sua própria necessidade e se desenvolve segundo leis autóctones – o tempo do capital e do regime de produção.

I. A idade da história

Capítulo VII - Os limites da representação; tópico I. A idade da história

Os últimos anos do século XVIII são rompidos por uma descontinuidade simétrica àquela que, no começo do século XVII, cindira o pensamento do Renascimento;  

então, as grandes figuras circulares em que se encerrava a similitude tinham-se deslocado e aberto para que o quadro das identidades pudesse desdobrar-se; 

e esse quadro agora vai por sua vez desfazer-se,
alojando-se o saber num espaço novo. 

Descontinuidade tão enigmática
em seu princípio, em seu primitivo despedaçamento,
quanto a que separa os círculos de Paracelso
da ordem cartesiana. 

Donde vem bruscamente essa mobilidade inesperada das disposições epistemológicas, o desvio das positividades umas em relação às outras,
mais profundamente ainda
a alteração de seu modo de ser? 

Como ocorre que o pensamento se desprenda daquelas plagas que habitava outrora –
gramática geral, história natural, riquezas
– e deixe oscilar no erro, na quimera, no não-saber aquilo mesmo que, menos de 20 anos antes, estava estabelecido e afirmado no espaço luminoso do conhecimento? 

A que acontecimento ou a que lei obedecem essas mutações que fazem com que de súbito as coisas não sejam mais percebidas, descritas, enunciadas, caracterizadas, classificadas e’ sabidas do mesmo modo e que, no interstício das palavras ou sob sua transparência, não sejam mais as riquezas, os seres vivos, o discurso que se oferecem ao saber, mas seres radicalmente diferentes? 

Se, para uma arqueologia do saber, essa abertura profunda na camada das continuidades deve ser analisada, e minuciosamente, não pode ser ela “explicada”, nem mesmo recolhida numa palavra única. 

É um acontecimento radical que se reparte por toda a superfície visível do saber e cujos signos, abalos, efeitos, podem-se seguir passo a passo. 

Somente o pensamento, assenhoreando-se de si mesmo na raiz de sua história, poderia fundar, sem nenhuma dúvida, o que foi, em si mesma, a verdade solitária desse acontecimento. 

A arqueologia, essa, deve percorrer o acontecimento segundo sua disposição manifesta; 

  • ela dirá como as configurações próprias a cada positividade se modificaram 
  • (ela analisa por exemplo,
    • para a gramática, o desaparecimento do papel maior atribuído ao nome e a importância nova dos sistemas de flexão;
    • ou ainda, a subordinação, no ser vivo, do caráter à função); 
  • ela analisará a alteração dos seres empíricos que povoam as positividades
    • (a substituição do discurso pelas línguas, 
    • das riquezas pela produção); 
  • estudará o deslocamento das positividades umas em relação às outras 
  • (por exemplo,
    • a relação nova entre a biologia, as ciências da linguagem e a economia); 
  • enfim e sobretudo, mostrará que o espaço geral do saber não é mais
    •  o das identidades e  das diferenças, 
    • o das ordens não-quantitativas, 
    • o de uma caracterização universal, 
    • de uma taxinomia geral, 
    • de uma máthêsis do não-mensurável, 
  • mas
    • um espaço feito de organizações, isto é, de relações internas entre elementos, cujo conjunto assegura uma função; 
    • mostrará que essas organizações são descontínuas, 
    • que não formam, pois, um quadro de simultaneidades sem rupturas, 
    • mas que algumas são do mesmo nível 
    • enquanto outras traçam séries ou sequências lineares. 

De sorte que se vêem surgir,
como princípios organizadores
desse espaço de empiricidades,
a Analogia e a Sucessão:
de uma organização a outra, o liame, com efeito,
não pode mais ser 

a identidade de um ou vários elementos,

mas 

a identidade da relação entre os elementos
(onde a visibilidade não tem mais papel)
e da função que asseguram; 

ademais, se porventura essas organizações se avizinham por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, 

não é porque

ocupem localizações próximas num espaço de classificação, 

mas sim porque 

foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra
e uma logo após a outra

no devir das sucessões.

 Enquanto, no pensamento clássico,

  • a seqüência das cronologias não fazia mais que percorrer o espaço prévio e mais fundamental de um quadro que de antemão apresentava todas as suas possibilidades,

doravante

  • as semelhanças contemporâneas e observáveis simultaneamente no espaço não serão mais que as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede de analogia em analogia. 

A ordem clássica 

distribuía num espaço permanente as identidades e as diferenças não-quantitativas que separavam e uniam as coisas: 

era essa a ordem que reinava soberanamente, mas a cada vez segundo formas e leis ligeiramente diferentes, sobre o discurso dos homens, o quadro dos seres naturais e a troca das riquezas. 

A partir do século XIX, 

a História vai desenrolar numa série temporal as analogias que aproximam umas das outras as organizações distintas. 

É essa História que, progressivamente, imporá suas leis à análise da produção, à dos seres organizados, enfim, à dos grupos linguísticos. 

  • A História dá lugar às organizações analógicas, 
  • assim como a Ordem abria o caminho das identidades e das diferenças sucessivas. 

Mas vê-se bem que 

a História não deve ser aqui entendida como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram; 

ela é o modo de ser fundamental das empiricidades, aquilo a partir de que elas são afirmadas, postas, dispostas e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis. 

Assim como a Ordem no pensamento clássico 

  • não era a harmonia visível das coisas, seu ajustamento, sua regularidade ou sua simetria constatados, 
  • mas o espaço próprio de seu ser e aquilo que, antes de todo conhecimento efetivo, as estabelecia no saber, 

assim também a História, a partir do século XIX, 

  • define o lugar de nascimento do que é empírico, lugar onde, aquém de toda cronologia estabelecida, ele assume o ser que lhe é próprio. 

É por isso certamente que tão cedo a História se dividiu, segundo um equívoco que sem dúvida não é possível vencer, entre 

  • uma ciência empírica dos acontecimentos 
  • e esse modo de ser radical que prescreve seu destino a todos os seres empíricos e a estes seres singulares que somos nós. 

A História, como se sabe, é efetivamente a região mais erudita, mais informada, mais desperta, mais atravancada talvez de nossa memória; mas é igualmente a base a partir da qual todos os seres ganham existência e chegam à sua cintilação precária. 

Modo de ser de tudo o que nos é dado na experiência, a História tornou-se assim o incontornável de nosso pensamento: no que, sem dúvida, não é tão diferente da Ordem clássica. 

  • Essa também podia ser estabelecida num saber organizado mas era mais fundamentalmente o espaço onde todo ser vinha ao conhecimento; 
  • e a metafisica clássica alojava-se precisamente nessa distância
    • da Ordem à ordem, 
    • das classificações à Identidade, 
    • dos seres naturais à Natureza:
    • em suma,
      • da percepção (ou da imaginação) dos homens 
      • para com o entendimento e a vontade de Deus. 

A filosofia do século XIX se alojará na distância 

  • da história à História, 
  • dos acontecimentos à Origem, 
  • da evolução ao primeiro dilaceramento da fonte, 
  • do esquecimento ao Retorno. 

Portanto, 

  • ela só não será mais Metafisica na medida em que será Memória 
  • e, necessariamente, reconduzirá o pensamento à questão de saber o que é, para o pensamento, ter uma história. 

Essa questão infatigavelmente acossará a filosofia, de Hegel a Nietzsche, e para além desses. 

Não vejamos nisso o fim de uma reflexão filosófica autônoma, demasiado matinal e demasiado orgulhosa para se inclinar exclusivamente sobre o que foi dito antes dela e por outros; não tomemos isso como um pretexto para denunciar um pensamento impotente para manter-se de pé sozinho e sempre constrangido a enrolar-se a um pensamento já realizado. 

Basta reconhecer aí uma filosofia 

  • já desprendida de certa metafisica, porque desligada do espaço da ordem, 
  • mas votada ao Tempo, ao seu fluxo, a seus retornos, porque presa ao modo de ser da História. 

É preciso, porém, retomar, com um pouco mais de detalhe, ao que se passou na curva dos séculos XVIII e XIX: 

  • a essa mutação demasiado rapidamente desenhada da Ordem à História 
  • e à alteração fundamental dessas positividades que, durante quase um século e meio, deram lugar a tantos saberes vizinhos –
    • análise das representações, 
    • gramática geral, 
    • história natural, 
    • reflexões sobre as riquezas 
    • e o comércio. 

Como essas maneiras de ordenar a empiricidade que foram o discurso, o quadro, as trocas, se desvaneceram? 

Em que outro espaço e segundo quais figuras as palavras, os seres, os objetos da necessidade tomaram lugar e se distribuíram uns em relação aos outros? 

Que novo modo de ser devem ter recebido para que todas essas mudanças fossem possíveis e para que aparecessem, ao cabo de alguns anos apenas, esses saberes agora familiares a que chamamos, desde o século XIX, filologia, biologia, economia política? 

Imaginamos facilmente que, se esses novos domínios foram definidos no século passado, é porque um pouco mais de objetividade no conhecimento, de exatidão na observação, de rigor no raciocínio, de organização na pesquisa e na informação cientifica – tudo isso ajudado, com um pouco de sorte ou de gênio, por algumas descobertas felizes, nos fez sair de uma idade pré-histórica em que o saber balbuciava ainda com a Gramática de Port-Royal, as classificações de Lineu e as teorias do comércio ou da agricultura. 

Mas 

  • se, do ponto de vista da racionalidade dos conhecimentos, podemos realmente falar em pré-história, 
  • para as positividades só podemos falar em história. 

E foi realmente necessário
um acontecimento fundamental
– um dos mais radicais, sem dúvida, que ocorreram na cultura ocidental,
para que se desfizesse
a positividade do saber clássico
e se constituísse uma positividade
de que, por certo, não saímos inteiramente. 

Esse acontecimento, sem dúvida porque estamos ainda presos na sua abertura, nos escapa em grande parte. 

Sua amplitude, as camadas profundas que atingiu, todas as positividades que ele pode subverter e recompor, a potência soberana que lhe permitiu atravessar, em alguns anos apenas, o espaço inteiro de nossa cultura, tudo isso só poderia ser estimado e medido ao termo de uma inquirição quase infinita que só concerniria, nem mais nem menos, ao ser mesmo de nossa modernidade. 

  • A constituição de tantas ciências positivas, 
  • o aparecimento da literatura, 
  • a volta da filosofia sobre seu próprio devir, 
  • a emergência da história
    • ao mesmo tempo como saber 
    • e como modo de ser da empiricidade, 
  • não são mais que sinais de uma ruptura profunda. 

Sinais dispersos no espaço do saber, pois que se deixam perceber na formação, 

  • aqui de uma filologia, 
  • ali de uma economia política, 
  • ali ainda de uma biologia. 

Dispersão também na cronologia: certamente, o conjunto do fenômeno se situa entre datas facilmente assinaláveis

  • (os pontos extremos são os anos 1775 e 1825); 
  • podem-se porém reconhecer, em cada um dos domínios estudados, duas fases sucessivas que se articulam uma à outra, mais ou menos por volta dos anos 1795-1800. 

Na primeira dessas fases, 

  • o modo de ser fundamental das positividades não muda; 
  • as riquezas dos homens, 
  • as espécies da natureza, 
  • as palavras de que as línguas são povoadas

 permanecem ainda o que eram na idade clássica:

  • representações duplicadas – representações cujo papel consiste em designar representações, analisá Ias, decompô-Ias e compô-Ias, para fazer nelas surgir, com o sistema de suas identidades e de suas diferenças, o princípio geral de uma ordem. 

É somente na segunda fase que as palavras, as classes e as riquezas adquirirão um modo de ser que não é mais compatível com o da representação. 

Em contra partida, o que se modifica muito cedo, desde as análises de Adam Smith, de A.-L. de Jussieu ou de Viq d’Azyr, na época de Jones ou de Anquetil- Duperron, é a configuração das positividades: 

a maneira como, no interior de cada uma, os elementos representativos funcionam uns em relação aos outros, a maneira como asseguram seu duplo papel de designação e de articulação, como chegam, pelo jogo das comparações, a estabelecer uma ordem. 

É essa primeira fase que será estudada no presente capítulo.

4.0 Os dois tipos de reflexão assumidos pelo pensamento e os respectivos perfis
que permitem identificar cada um deles

Os perfis das duas configurações do pensamento, segundo o pensamento de Foucault:
os pensamentos clássico (de antes de 1775); e moderno( de depois de 1825)

e veja mais abaixo:

Os dois tipos de reflexão assumidos pelo pensamento
vistos pelos perfis (estruturas conceituais) que permitem identificar cada um deles

pensamento clássico,
antes de 1775

perfil do pensamento clássico,
o de antes de 1775

pensamento moderno,
depois de 1775

perfil do pensamento moderno,
o de depois de 1825

“Assim o círculo se fecha.

Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

Mas que são esses sinais? 

Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam,

que há aqui um
caráter

no qual convém se deter,
porque ele indica uma secreta
e essencial semelhança? 

Que forma constitui o signo
no seu singular valor de signo? 

– É a semelhança.
Ele significa na medida
em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude). 

Contudo, 

  • não é a homologia que ele assinala, 

pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; 

  • trata-se de outra semelhança, 

uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. 

De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

  • o signo da simpatia resida na analogia, 
  • o da analogia na emulação, 
  • o da emulação na conveniência, 

que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

  • a marca da simpatia… 

A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

“A arqueologia, essa, deve percorrer o acontecimento segundo sua disposição manifesta; ela dirá como as configurações próprias a cada positividade se modificaram 

  • (ela analisa por exemplo, para a gramática, o desaparecimento do papel maior atribuído ao nome e a importância nova dos sistemas de flexão; ou ainda, a subordinação, no ser vivo, do caráter à função); 

ela analisará a alteração dos seres empíricos que povoam as positividades 

  • (a substituição do discurso pelas línguas, das riquezas pela produção); 

estudará o deslocamento das positividades umas em relação às outras 

  • (por exemplo, a relação nova entre a biologia, as ciências da linguagem e a economia); 

enfim e sobretudo, mostrará que o espaço geral do saber não é mais o das identidades e das diferenças, o das ordens não-quantitativas, o de uma caracterização universal, de uma taxinomia geral, de uma máthêsis do não-mensurável, 

  • mas um espaço feito de organizações, isto é, de relações internas entre elementos, cujo conjunto assegura uma função; 
  • mostrará que essas organizações são descontínuas, que não formam, pois, um quadro de simultaneidades sem rupturas, mas que algumas são do mesmo nível enquanto outras traçam séries ou sequências lineares. 

 De sorte que se vêem surgir, 

como princípios organizadores
desse espaço de empiricidades, 

a Analogia
e a Sucessão:

de uma organização a outra, o liame, com efeito, 

  • não pode mais ser a identidade de um ou vários elementos,
  • mas a identidade da relação entre os elementos (onde a visibilidade não tem mais papel) 
  • e da função que asseguram; 

ademais, se porventura essas organizações se avizinham por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias,

  • não é porque ocupem localizações próximas num espaço de classificação,
  • mas sim porque foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra no devir das sucessões. 

Enquanto, no pensamento clássico,

a seqüência das cronologias não fazia mais que percorrer o espaço prévio e mais fundamental de um quadro que de antemão apresentava todas as suas possibilidades,

doravante

as semelhanças contemporâneas e observáveis simultaneamente no espaço não serão mais que as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede de analogia em analogia.  (*)

 

 

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap. – II. A prosa do mundo;
tópico II. As assinalações
de Michel Foucault

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap. – VII. Os limites da representação;
tópico I. A idade da história
de Michel Foucault

Operações possíveis sob as condições de pensamento dadas pelos respectivos perfís do pensamento filosófico clássico, o de antes de 1775 e pelo moderno, de depois de 1825.

Operação de pensamento no período clássico, antes de 1775
operação de instanciamento de representação formulada
modo de ser fundamental não muda
Ordem arbitrária ou Quadro de simultaneidades
Operação de pensamento no período moderno, depois de 1825,
no caminho da Construção da representação:
'modo de ser fundamental' sim, muda.
Ordem dada pela gramática da língua

(*) A ordem clássica

distribuía num espaço permanente as identidades e as diferenças não-quantitativas que separavam e uniam as coisas:

era essa a ordem que reinava soberanamente,

mas a cada vez segundo formas e leis
ligeiramente diferentes,

  • sobre o discurso dos homens, [gramática geral]
  • o quadro dos seres naturais [história natural]
  • e a troca das riquezas. [análise das riquezas] (**)

(**) A partir do século XIX, a História 
vai desenrolar numa série temporal 
as analogias que aproximam umas das outras as organizações distintas. 
É essa História que, 
progressivamente, imporá suas leis 

  • à análise da produção, [análise da produção]
  • à dos seres organizados,  [biologia] enfim, 
  • à dos grupos linguísticos [filologia]. 

A História 
dá lugar às organizações analógicas, 

assim como a Ordem 
abria o caminho 
das identidades e das diferenças sucessivas.

A forma de reflexão que se instaura depois de 1825 no pensamento moderno,
 e o perfil dado por essa condição de possibilidade do pensamento:
referencial, princípios organizadores e métodos; com as duas sintaxes envolvidas

A forma de reflexão que se instaura
com esse perfil de conceitos do pensamento moderno, o de depois de 1825
Princípios organizadores do pensamento
de depois da descontinuidade epistemológica
de 1775-1825

“Instaura-se
uma forma de reflexão,
bastante afastada
do cartesianismo
e da análise kantiana,
em que está em questão,
pela primeira vez,
o ser do homem,
nessa dimensão segundo a qual
o pensamento
se dirige ao impensado
e com ele se articula. Isso tem duas conseqüências.”

 (…) “A outra consequência é positiva.
Concerne à relação
do homem
com o impensado,
ou mais exatamente,
ao seu aparecimento gêmeo
na cultura ocidental.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap. – IX. O homem e seus duplos;
tópico V. O “cogito” e o impensado
de Michel Foucault

A partir de Ricardo,
o trabalho, desnivelado em relação à representação,
e instalando-se em uma região
em que ela não tem mais domínio,
organiza-se segundo uma causalidade
que lhe é própria

 (…)

A quantidade de trabalho
necessária para a fabricação de uma coisa
(ou para sua colheita, ou para seu transporte)
e que determina seu valor
depende das formas de produção:
segundo o grau de divisão no trabalho,
a quantidade e a natureza dos instrumentos,
o volume de capital de que dispõe o empresário
e o que ele investiu nas instalações de sua fábrica,
a produção será modificada;
em certos casos será dispendiosa;
em outros, o será menos.

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap. – VIII. Trabalho, Vida e Linguagem;
tópico II. Ricardo
de Michel Foucault

A Utopia – tomada como referencial – é o impensado a que Foucault se refere na animação acima referindo-se àquilo em direção ao qual o pensamento (do homem) se dirige; essa ideia – ou elemento de imagem – pode ser chamado de

  • visão,
  • limite da estratégia,
  • direção na qual se expande o pensamento,

e outros modos de denominar a mesma coisa.

O homem – aquele cujo pensamento se dirige ao impensado com a intenção de articular-se com este – é o sujeito da operação de articulação cujo resultado é a representação para o que antes era inarticulado.

O predicado do sujeito é composto por:

  • um verbo – a Forma de produção encontrada para proceder a articulação;
  • um atributo – o objeto da articulação, a representação possível para o pensamento antes não-articulado.

Vê-se com bastante clareza que a articulação feita pelo pensamento com o impensado tem a forma de uma proposição em uma linguagem natural falada.

8. O princípio dual de trabalho
de David Ricardo, de 1817

“A quantidade de trabalho
necessária para a fabricação
de uma coisa [atributo do predicado]
(ou para sua colheita,
ou para seu transporte)
e que determina seu valor depende
das  formas de produção:
[verbo do predicado do sujeito]
segundo o grau de divisão no trabalho,
a quantidade e
a natureza dos instrumentos,
o volume de capital de que dispõe
o empresário
[sujeito da operação de produção]
e o que ele investiu nas instalações
de sua fábrica, a produção será modificada; em certos casos será dispendiosa;
em outros, o será menos.”

As palavras e as coisas:
uma arqueologia das ciências humanas
Cap.  8 – Trabalho, vida e linguagem;
tópico II. Ricardo
de Michel Foucault
(citando Obras completas de David Ricardo)

Comentários

    O salto do pensamento para fora do espaço da representação

    O salto do pensamento para fora do espaço da representação

    A partir de Ricardo,
    o trabalho,
    desnivelado em relação à representação,
    e instalando-se em uma região
    onde ela não tem mais domínio,
    organiza-se segundo uma causalidade
    que lhe é própria.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
    tópico II. Ricardo

    Uma evidência ilustrativa do salto dado pelo pensmaento para fora do domínio da representação ao modelar a operação de construção de uma representação nova.

    A partir do período após a descontinuidade epistemológica de 1775-1825 cessa o primado da representação. 

    Isso não quer dizer que o pensamento doravante prescinda da representação.

    Ela continua lá, necessária, imprescindível, apenas que a operação de construção de representações transcorre em espaços que estão fora do seu domínio, como a figura mostra.

    Comentários

      O ‘Lugar desde onde se fala’ e o ‘Lugar do falado’

      O 'Lugar desde onde se fala' e o 'Lugar do falado'

      Esses dois lugares - o 'lugar desde onde se fala' e o 'lugar do falado' -
      juntos delimitam o 'Lugar do nascimento do que é empírico', espaço onde se dá a articulação do pensamento do homem com o impensado feita no domínio do Pensamento e da Língua e sua ligação com o domínio do Discurso e da Representação

      O 'Lugar desde onde se fala' e o 'Lugar do falado' e seu continente, o 'Lugar do nascimento do que é empírico'

      Lugar deste onde se fala: ideias que formulam a proposição (sujeito e predicado;
      Lugar desde onde se fala: ideias que dão suporte na experiência ao instanciamento da representação no ambiente

      Lugar desde onde se fala

      Lugar do falado

      são sub-espaços do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ o que implica que o pensamento está funcionando com o entendimento do pensamento moderno, o de depois de 1825 e portanto, de modo consistente com o Princípio dual de trabalho de David Ricardo, de 1817.

      Dada a paleta de ideias - ou elementos de imagem - requeridos na composição do Lugar desde onde se fala e do Lugar do falado, não há como defini-los sob o pensamento clássico.

      Lugar de nascimento do que é empírico:
      espaço ocupado pelo
      . 'Lugar desde onde se fala'
      . e pelo 'Lugar do falado'.

      Lugar desde onde se fala

      As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidas na formulação da proposição estão contidas no espaço chamado de Lugar desde onde se fala:

      • sujeito: o homem na posição de raiz de toda positividade
      • predicado do sujeito
        • verbo: Forma de produção, o elemento central da operação de construção da representação;
        • atributo: a representação em construção, nas posições extremas da operação de construção.

      Esse espaço coincide com o espaço chamado por Humberto Maturana de ‘operar’, o retângulo vermelho na figura ao lado, parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas no interior do domínio do Pensamento e da Língua.

      Lugar do falado

      As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidos na sustentação da Forma de produção na experiência estão no lugar do falado:

      • processos, atividades, tasks

      A operação de construção da representação escolhe os elementos de suporte na experiência à Forma de produção, que deve ser capaz de produzir quando implementada, uma instância da representação com o operar vislumbrado – ou o mais próximo disso possível. Humberto Maturana chama esse espaço de ‘suporte ao operar’, o retângulo amarelo na figura ao lado. 

      O Lugar do falado é parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas suas ideias – ou elementos de imagem – fazem parte do domínio do Discurso e da Representação.

      Comentários

        Anatomia ou cartografia dos modelos: os diferentes lugares onde o pensamento acontece,
        em função do perfil de pensamento e do caminho no qual seguem as operações

        Anatomia ou cartografia dos modelos: os diferentes lugares onde o pensamento acontece,
        em função do perfil de pensamento e do caminho no qual seguem as operações.
        Os lugares onde o pensamento acontece - e as operações também

        Lugar do nascimento do que é empírico: pensamento moderno - caminho da Construção da representação
        Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno no caminho do Instanciamento da representação objeto

        Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

        Encontra-se sob o pensamento clássico, o de ante de 1775, e também pode ocorrer no caminho do Instanciamento da representação, sob o pensamento moderno.

        Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

        Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

        No pensamento moderno
        o conceito 'modo de se fundamental das empiricidades' é o elemento ordenador da História.
        As setas amarelas dirigidas para baixo indicam mudança nesse conceito,
        e que história foi feita em decorrência do sucesso desta operação.
        A ênfase que em geral é dada ao Mercado
        pode ser um indicador da falta de percepção conceitual
        do pensamento filosófico moderno

        o Lugar de nascimento do que é empírico e o Circuito das trocas

        No pensamento clássico, o de antes de 1775
        toda a operação transcorre no interior do Circuito das trocas

        O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
        lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico

        Na palheta de ideias do pensamento clássico não há o conceito de objeto definido por propriedades originais e constitutivas; as coisas são vistas a partir de “aparências” ou propriedades não-originais e não-constitutivas.

        A partir do pressuposto que caracteriza o lado esquerdo da figura, 

        “A existência precede a distinção” 

        tudo é considerado pré-existente e integrante do Universo.

        Assim, na operação clássica sobre o sistema Input-Output, não há como definir o conceito ‘modo de ser fundamental’ de empiricidade objeto já que as coisas não são pensadas desse modo, usando propriedades sim-originais e sim-constitutivas.

        No pensamento clássico as operações são formuladas e desencadeadas a partir de propriedades não-originais e não-constitutivas, ou as “aparências”.
         

        O que há são 

        • Entradas (caracterizadas por uma propriedade não-original e não-constitutiva) 

        • e Saídas (idem idem)

        E toda a operação transcorre no interior do Circuito das trocas, ou  o Mercado.

        No pensamento moderno, o de depois de 1825

        no caminho da Construção da representação nova,
        a operação transcorre no interior do Lugar de nascimento do que é empírico

        Lugar do nascimento do que é empírico
        é o lugar onde o pensamento altera
        o ‘modo de ser fundamental’
        da empiricidade objeto da operação.

        O que acontece no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ está antes de toda a possibilidade de cronologia, e aquém de qualquer operação no âmbito do Mercado 

        O Lugar de nascimento do que é empírico
        lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
        e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado

        A palheta de ideias – ou elementos de imagem – do pensamento moderno, é construída a partir do tipo de reflexão que se instaura em nossa cultura:

        “Instaura-se uma forma de reflexão,
        bastante afastada do cartesianismo
        e da análise kantiana,
        em que está em questão,
        pela primeira vez,
        o ser do homem,
        nessa dimensão segundo a qual
        o pensamento
        se dirige ao impensado
        e com ele se articula.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Cap. IX – O homem e seus duplos;
        tópico V – O “cogito” e o impensado

        “Assim como a Ordem
        no pensamento clássico

        não era a harmonia visível das coisas,
        seu ajustamento,
        sua regularidade ou sua simetria constatados,
        mas o espaço próprio de seu ser
         e aquilo que,
        antes de todo conhecimento efetivo,

        as estabelecia no saber,

        assim também a História,
        a partir do século XIX,
        define
        o lugar de nascimento do que é empírico,

        lugar onde,
        aquém de toda cronologia estabelecida,
        ele assume o ser que lhe é próprio.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Cap. VII – Os limites da representação;
        tópico I – A idade da história

        O Lugar de nascimento do que é empírico, na figura e animação ao lado –  é o espaço demarcado pelas chaves verticais composto de duas áreas em domínios diferentes:

        • o retângulo vermelho, parte do domínio do Pensamento e da Língua, abriga a parte da operação de construção de representação nova que define a dinâmica consistente cm o ‘operar’ vislumbrado para a empiricidade objeto;

        • o retângulo amarelo, parte do domínio do Discurso e da Representação, abriga a parte da operação de construção da nova representação com o suporte na experiência ao operar vislumbrado para a empiricidade objeto.

        Alteração no 'modo de ser fundamental' da empiricidade objeto implica em fazer História

        O ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades é o elemento ordenador dessa História que define o lugar de nascimento do que é empírico, entendendo esse conceito como sendo “aquilo a partir do que elas podem ser afirmadas, postas, dispostas e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.”  

        Assim, o evento de objeto (f) – a seta amarela vertical para baixo que marca o fim da operação de construção da representação – marca também que história foi feita. 

        Esse é um tempo absoluto, um tempo aquém de toda cronologia estabelecida. Essa percepção contrapõe-se ao tempo relativo, tempo calendário, que caracteriza as operações sob o pensamento clássico, e de maneira semelhante, as operações de instanciamento de operações recuperadas do Repositório.

        Isso determina distinção fundamental entre eventos (i) e (f) de objeto no caminho da construção da representação, e eventos (i) e (f) de inicio e fim de processos suporte da Forma de produção, estes, não relacionados a objeto.

        O escopo da operação de construção de representação nova é poder descrever uma representação para a empiricidade objeto por meio de propriedades originais e constitutivas.

        Antes da operação de construção da representação nova, as propriedades da representação em construção não existem. No ponto de início da operação existe somente a arquitetura comum a todas as representações, na qual tais propriedades descrevem representações. Ao final da operação essas propriedades sim-originais e sim-constitutivas passam a existir.

        no caminho do Instanciamento de representação pré-existente no Repositório
        a operação de Instanciamento transcorre novamente no Circuito das trocas

        O Circuito das trocas
        as chaves horizontais amarelas
        onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental' não se altera

        Vislumbrado um ‘operar’ atribuído a uma empiricidade objeto, sempre, a primeira providência é uma consulta ao repositório de proposições explicativas formuladas de acordo com as regras da linguagem sobre a existência de representação capaz de resolver esse ‘operar’.

        • no caso negativo (inexistência de representação que sirva a esse ‘operar’, é desencadeada a operação de Construção da representação;
        • no caso positivo, sim, já existe representação para o ‘operar’ atribuído à empiricidade objeto, então, mantida a decisão de continuidade da operação, essa representação existente no Repositório é recuperada, e a operação de Instanciamento pode ser desencadeada.

        A representação recuperada para instanciamento tem todas as suas propriedades, sejam as originais e constitutivas, sejam as não-originais e não-constitutivas, ou as “aparências” existentes. 

        Desse modo, durante a operação de Instanciamento o ‘modo de ser fundamental’ dessa empiricidade objeto em instanciamento não são alteradas e permanece o mesmo que ela tinha ao ser recuperada do Repositório. 

        Assim, toda a operação de Instanciamento passa a ocorrer no interior do Circuito das trocas, ou Mercado, tal como acontecia sob o pensamento clássico.

        Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
        sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
        sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
        com duas amplitudes - abrangências muito diferentes
        ]
        Caos como um tipo de ordem instável
        em que as sequências temporais são muito complexas e revelam estruturas
        que nos permitem melhor entender o mundo que nos cerca

        Paleta de ideias ou elementos de imagem
        presentes na configuração de pensamento clássico

        Las meninas, Diego Velázquez, 1656; óleo sobre tela; Museu do Prado, Madrid, Espanha

        O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

        Proposição instanciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
        designações primitivas inativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes e ativados; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
        recuperada desde o Repositório para objeto desta operação
        Proposição explicativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
        designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
        Proposição enunciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
        designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção inexistentes; linguagem de ação ou raiz não contém a representação para essa empiricidade objeto
        a proposição no pensamento clássico
        ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca
        a proposição no pensamento moderno: ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca
        ECA-moderno
        Características do pensamento moderno
        o de depois de 1825
        ECA-Clássico
        Características do pensamento clássico
        o de antes de 1775
        homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775,
        considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
        como um gênero, ou uma espécie
        os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
        no livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
        caminho do Instanciamento da representação, com valor já atribuído;
        que tem início novamente no interior do Circuito das trocas
        fontes de valor para a representação em construção: a) designações primitivas; b) linguagem de ação ou taiz.

        Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

        Funcionamento
        do pensamento
        funcionamento das operações no pensamento clássico
        Modelo de
        Operação de produção
        relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
        e o sistema Input-Output
        do LE da figura.
        Modelo da 
        Organização de produção
        Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
        múltiplos sistemas de categorias
        Modelo de operações
        e de organização
        Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
        Modelo de  Operação
        contábil-financeira
        O modelo de operação
        no sistema contábil-financeiro
        Modelo da  Organização
        ponto de vista financeiro
        a organização no sistema contábil-financeiro

        Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

        Funcionamento
        de operação do pensamento
        O funcionamento das operações no pensamento moderno
        Modelo de
        Operação de produção
        relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e 'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'
        Modelo da 
        Organização de produção
        o modelo de organização 'Mapa da atividade semicondutores', da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
        O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
        instanciamento de representação
        O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
        do movimento Reengenharia

        O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

        Assim, estes três pares,

        • função e norma,
        • conflito e regra,
        • significação e sistema,

        cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

        Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

        • do nível da psicologia,
        • da sociologia
        • ou da análise das linguagens

        é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

        • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

        Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

        Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo X  – As ciências humanas;
         III. Os três modelos
        Michel Foucault 

        O Triedro dos saberes: eixos e faces
        espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
        O interior ao Triedro dos saberes
        o espaço das Ciências humanas

        Aquém do objeto

        Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

        • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

        Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
        existem desde sempre e para sempre,
        e integram o Universo em uma visão única.

        Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

        Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

        Diante do objeto

        No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

        • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

        No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

        • Ciências da vida (Biologia):


          função-norma
          ;

        • Ciências do trabalho (Economia):


          conflito-regra;

        • Ciências da Linguagem (Filologia):

          significação-sistema.

        Além do objeto

        No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

        Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

        • da Vida-(Biologia),
        • do Trabalho-(Economia)
        • e da Linguagem-(Filologia).

        O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

        O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

        • Ciências da vida  (Biologia):
          função-norma;

          +
          Ciências do trabalho (Economia):

          conflito-regra;
          +
          Ciências da Linguagem (Filologia):
          significação-sistema.

        Sob ciências humanas como:

        • economia política;
        • sociologia,
        • psicologia e psicanálise

        estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

        - Lugar do nascimento do que é empírico:
        pensamento moderno - caminho da Construção da representação
        - Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

        Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

        Encontra-se 

        • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
        • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

        Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

        Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

        O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
        lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
        O Lugar de nascimento do que é empírico
        lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
        e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
        O Circuito das trocas
        as chaves horizontais amarelas
        onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
        não se altera

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        2Assim como a Ordem
        no pensamento clássico
        não era
        a harmonia visível
        das coisas,
        seu ajustamento,
        sua regularidade
        ou sua simetria constatados,
        mas o espaço próprio de seu ser
        e aquilo que,
        antes de todo
        conhecimento efetivo,
        as estabelecia no saber,

        1″Mas vê-se bem
        que a História
        não deve ser aqui entendida
        como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

        ela é
        o modo de ser fundamental
        das empiricidades,

        aquilo a partir de que elas são

        • afirmadas,
        • postas,
        • dispostas
        • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

        [veja citação 2 à esquerda]

        A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

        Qual será a explicação para isso?

        Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

        Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

        3assim também a História,
        a partir do século XIX,
        define o
        lugar de nascimento
        do que é empírico,
        lugar onde,
        aquém
        de toda cronologia estabelecida,
        ele assume o ser
        que lhe é próprio.

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VII – Os limites da representação;
        I. A idade da história
        Michel Foucault 

        - Lugar do nascimento do que é empírico:
        pensamento moderno - caminho da Construção da representação
        - Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

        Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

        Encontra-se 

        • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
        • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

        Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

        Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        2Assim como a Ordem
        no pensamento clássico
        não era
        a harmonia visível
        das coisas,
        seu ajustamento,
        sua regularidade
        ou sua simetria constatados,
        mas o espaço próprio de seu ser
        e aquilo que,
        antes de todo
        conhecimento efetivo,
        as estabelecia no saber,

        1″Mas vê-se bem
        que a História
        não deve ser aqui entendida
        como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

        ela é
        o modo de ser fundamental
        das empiricidades,

        aquilo a partir de que elas são

        • afirmadas,
        • postas,
        • dispostas
        • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

        [veja citação 2 à esquerda]

        assim também a História,
        a partir do século XIX,
        define o
        lugar de nascimento
        do que é empírico,
        lugar onde,
        aquém de toda cronologia estabelecida,
        ele assume o ser
        que lhe é próprio.

        A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

        Qual será a explicação para isso?

        Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

        Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VII – Os limites da representação;
        I. A idade da história
        Michel Foucault 

        Questões/Perguntas

        _thumb história do livro

        A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,
         – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

        - Lugar do nascimento do que é empírico:
        pensamento moderno - caminho da Construção da representação
        - Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

        Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

        Encontra-se 

        • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
        • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

        Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

        Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

        O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
        lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
        O Lugar de nascimento do que é empírico
        lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
        e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
        O Circuito das trocas
        as chaves horizontais amarelas
        onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
        não se altera

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        2Assim como a Ordem
        no pensamento clássico
        não era
        a harmonia visível
        das coisas,
        seu ajustamento,
        sua regularidade
        ou sua simetria constatados,
        mas o espaço próprio de seu ser
        e aquilo que,
        antes de todo
        conhecimento efetivo,
        as estabelecia no saber,

        1″Mas vê-se bem
        que a História
        não deve ser aqui entendida
        como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

        ela é
        o modo de ser fundamental
        das empiricidades,

        aquilo a partir de que elas são

        • afirmadas,
        • postas,
        • dispostas
        • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

        [veja citação 2 à esquerda]

        A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

        Qual será a explicação para isso?

        Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

        Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

        3assim também a História,
        a partir do século XIX,
        define o
        lugar de nascimento
        do que é empírico,
        lugar onde,
        aquém
        de toda cronologia estabelecida,
        ele assume o ser
        que lhe é próprio.

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VII – Os limites da representação;
        I. A idade da história
        Michel Foucault 

        Questões/Perguntas

        _thumb história do livro

        A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,  – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

        Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço no caminho,
        encontradas por Foucault durante seu trabalho no livro
        ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’

        exemplos de modelos de operações e de organizações muito usados ainda hoje, mostrando esses dois obstáculos presentes entre nós atualmente.

        os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
        no livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
        Michel Foucault
        1926-1984

        “Eis que nos adiantamos
        bem para além do acontecimento histórico
        que se impunha situar
        – bem para além das margens cronológicas dessa ruptura
        que divide, em sua profundidade,
        a epistémê do mundo ocidental
        e isola para nós o começo de certa
        maneira moderna de conhecer as empiricidades.

        É que o pensamento que nos é contemporâneo
        e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
        se acha ainda muito dominado

        1 pela impossibilidade
        trazida à luz por volta 
        do fim do século XVIII, 
        de fundar as sínteses
        no espaço da representação:

        2 e pela obrigação 
        correlativa, simultânea, 

        mas logo dividida contra si mesma, 
        de abrir o campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, 
        para além do objeto, 

        esses “quase-transcendentais” 
        que são para nós 
        Vida, o Trabalho, a Linguagem.

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;

        Capítulo VIII – Trabalho, vida e linguagem;
        tópico I – As novas empiricidades

        no pensamento clássico
        aquém do objeto
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        diante do objeto
        depois de 1825

        espaço interior
        Triedro dos saberes
        para além do objeto
        reservado às
        Ciências humanas

        comparações de diferentes configurações de pensamento feitas por Michel Foucault
        A impossibilidade
        [no pensamento clássico,
        LE da figura]
        contra a sim-possibilidade
        [no pensamento moderno,
        LD da figura]
        de fundar as sínteses
        [da empiricidade objeto]
        no espaço da representação.
        o espaço interno do
        Triedro dos saberes
        - o habitat das ciências humanas -
        mostrando o modelo constituinte composto e comum a todas as Ciências Humanas

        Os obstáculos no caminho de Foucault 

        aquém do objeto

        diante do objeto

        para além do objeto

        0 Foucault havia anteriormente identificado o perfil do pensamento no período clássico, com uma configuração tal que a capacidade (ou a possibilidade – e mesmo a intenção) de fundar as sínteses – dos objetos de operações cujas representações resultassem dessas operações – no espaço da representação não era sequer cogitada:

        • em razão dos pressupostos adotados,

        e principalmente, em razão 

        • do tipo de leitura feita do fenômeno ‘operações’ das trocas, 
          • na leitura então feita, o ponto de início do fenômeno  ‘operações’, estava inserido no exato momento em que a troca tem todas as condições para acontecer; (os dois objetos da troca – o dado e o obtido –  tinham representações disponíveis e já carregadas de valor).

        1 Michel Foucault relata a seguinte situação:

        • ele havia delineado um tipo de pensamento ‘com o qual queiramos ou não pensamos’, um pensamento que segundo ele ‘tem a nossa idade e a nossa geografia’,
          • com a possibilidade de fundar as sínteses (da empiricidade objeto da operação) no espaço da representação;

        para conseguir fundar as sínteses no espaço da representação,

        • foi necessário alterar profundamente todos os pressupostos

        e a leitura feita do que seja uma operação e a análise de valor, exigiram:

        • o deslocamento do ponto de inserção da análise desde o ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
        • para um ponto antes da possibilidade da troca, quando os elementos que dão as condições de efetivação dessa troca, ainda não existissem,

        incorporando à análise, a operação de construção da representação nova. 

        E ele havia percebido que esse pensamento com o qual queiramos ou não pensamos

        • estava muito contaminadodominado, mesmo –
          • justamente pela impossibilidade de fazer isso (essa fundação das sínteses do objeto da operação no espaço da representação), sendo esta impossibilidade  uma característica do pensamento clássico.

        2 Ele percebia ainda uma obrigação a cumprir:

        • a de abrir o campo transcendental da subjetividade
          • e constituir, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem.

        Ele descobre que operações nos domínios das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem podem ser expressos completamente em cada domínio, por pares de modelos constituintes:

        • Vida(Biologia)
          • função-norma;
        • Trabalho(Economia)
          • conflito-regra;
        • Linguagem(Filologia)
          • significação sistema;

        e que os modelos constituintes das Ciências humanas são sempre compostos por uma combinação desses três pares de modelos constituintes.

        O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

        • Ciências da vida  (Biologia):
          [função-norma];

          +
          Ciências do trabalho (Economia):
          [conflito-regra];
          +
          Ciências da Linguagem (Filologia):
          [significação-sistema].

        Podemos ver a atualidade dessa percepção de Foucault
        com Exemplos de modelos para operações e organizações
        construídos sobre estruturas de conceitos
        uns que não permitem, e outros que ao contrário sim permitem
        a fundação das sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação.

        Veja isso aqui.

        Os tratamentos dados ao homem em nossa cultura, no pensamento clássico e no moderno, segundo Michel Foucault; 

        e as ideias – ou elementos de imagem – requeridos para compor estruturalmente modelos de operações e modelos de organizações
        com os respectivos tratamentos dados ao homem

        homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775, considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
        como um gênero, ou uma espécie
        homem no sistema de operações do pensamento moderno, o de depois de 1825 considerado em sua duplicidade de papéis:
        1. raiz e fundamento de toda positividade
        2. elemento do que é empírico.

        “Instaura-se
        uma forma de reflexão
        bastante afastada
        do cartesianismo
        e da análise kantiana,
        em que está em questão,
        pela primeira vez,
        o ser do homem,
        nessa dimensão
        segundo a qual
        o pensamento
        se dirige ao impensado,
        e com ele se articula.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
        V. O cogito e o impensado
        Michel Foucault 

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        “No pensamento clássico,
        aquele para quem
        a representação existe,
        e que nela se representa a si mesmo,
        aí se reconhecendo
        por imagem ou reflexo,
        aquele que trama
        todos os fios entrecruzados
        da “representação em quadro” -,
        esse [o ser do homem]
        jamais se encontra lá presente.

        Antes do fim do século XVIII,
        o homem não existia.

        Sem dúvida,
        as ciências naturais
        trataram do homem como 

        • de uma espécie
        • ou de um gênero

        a discussão
        sobre o problema das raças,
        no século XVIII, o testemunha.
        A gramática e a economia,
        por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade,
        de desejo,
        ou de memória
        e de imaginação.”

        Mas não havia
        consciência epistemológica

        do homem como tal.

        “Antes do fim do século XVIII,
        o homem não existia.”

        “O modo de ser do homem,
        tal como se constituiu
        no pensamento moderno,
        permite-lhe desempenhar dois papéis:
        está, ao mesmo tempo,

        • no fundamento
          de todas as positividades,
        • presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
          no elemento
          das coisas empíricas.

        Esse fato
        – e não se trata aí
        da essência em geral do homem,
        mas pura e simplesmente
        desse a priori histórico que,
        desde o século XIX,
        serve de solo quase evidente
        ao nosso pensamento –
        esse fato é, sem dúvida, decisivo
        para o estatuto a ser dado
        às “ciências humanas”,
        a esse corpo de conhecimentos
        (mas mesmo esta palavra
        é talvez demasiado forte:
        digamos,
        para sermos mais neutros ainda,
        a esse conjunto de discursos)
        que toma por objeto o homem
        no que ele tem de empírico.”

        É possível pensar as condições em que se dá a subjetividade de um ‘homem’ tratado como espécie, ou gênero?

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IX – O homem e seus duplos;
        II. O lugar do rei
        Michel Foucault 

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo X  – As ciências humanas;
         I. O triedro dos saberes
        Michel Foucault 

        Veja o ponto “2. as possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações de troca’ e respectivas possibilidades de análise de valor que elas nos permitem fazer”

        Parece ser a opção de leitura da ‘operação de troca’ deslocada para um ponto antes das existência dos objetos da troca o que arrasta o ser do homem e cada objeto da troca para a Forma de reflexão que se instaura em nossa cultura.

        O fenômeno ‘operações’ (em qualquer área): visões com duas abrangências muito diferentes dependendo da leitura que fazemos.

        As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ – de qualquer tipo – e a análise das diferentes origens do valor carregado pelas proposições para as representações em função da inserção do ponto de início de leitura de ‘operações’; 

        Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
        sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
        sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
        com duas amplitudes - duas abrangências muito diferentes

        Note-se que as condições para a ocorrência da troca – a existência simultânea dos dois objetos de troca, o que é dado e o que é recebido – são satisfeitas em duas situações:

        • 1. no pensamento clássico pelo posicionamento do ponto de início de leitura sob essa condição, quer dizer, a existência prévia do que é dado e do que é recebido;
        • 2. no pensamento moderno, pela satisfação dessa pré-condição no início do Instanciamento da representação, porém com a condição da execução anterior da Construção da representação, também incluída no escopo da operação. 

        Nos pontos marcados por setas amarelas para baixo (1) e (2) as pré-condições para a ocorrência da troca são dadas, qualquer que seja a estrutura de pensamento – clássico ou moderno – segundo o pensamento de Michel Foucault.

        O que não muda entre essas duas possibilidades

        A proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações e suas duas possibilidades de carregamento de valor, quanto às respectivas origens

        A proposição é para a linguagem
        o que a representação é
        para o pensamento:
        sua forma, ao mesmo tempo
        mais geral e mais elementar,
        porquanto, desde que a decomponhamos, não reencontraremos mais o discurso,
        mas seus elementos
        como tantos materiais dispersos.

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IV  – Falar;
        tópico III – Teoria do verbo
        Michel Foucault 

        (…) Em outras palavras,
        para que, numa troca,
        uma coisa possa representar outra,
        é preciso que elas existam
        já carregadas de valor;
        e, contudo,
        o valor só existe
        no interior da representação

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VI – Trocar;
        V. A formação do valor
        Michel Foucault 

        O que sim muda entre essas duas possibilidades

        A origem do valor carregado pelo veículo de carregamento de valor na representação: a proposição, sempre, porém em linguagens essencialmente diferentes e representações com origens de valor distintas.

        “Valer, para o pensamento clássico,
        é primeiramente valer alguma coisa,
        poder substituir essa coisa num processo de troca.

        A moeda só foi inventada,
        os preços só foram fixados e só se modificam
        na medida em que essa troca existe.

        Ora, a troca é um fenômeno simples
        apenas na aparência.

        Com efeito, só se troca numa permuta,
        quando cada um dos dois parceiros
        reconhece um valor
        para aquilo que o outro possui.

        Num sentido, é preciso, pois,
        que as coisas permutáveis,
        com seu valor próprio,
        existam antecipadamente nas mãos de cada um,
        para que a dupla cessão e a dupla aquisição
        finalmente se produzam.

        Mas, por outro lado,

        • o que cada um come e bebe,
          aquilo de que precisa para viver
          não tem valor
          enquanto não o cede;
        • e aquilo de que não tem necessidade
          é igualmente desprovido de valor
          enquanto não for usado
          para adquirir alguma coisa de que necessite.

        Em outras palavras,
        para que, numa troca,
        uma coisa possa representar outra,
        é preciso que elas existam
        já carregadas de valor;
        e, contudo,
        o valor só existe
        no interior da representação

        • (atual [troca imediata]
        • ou possível [permutabilidade]),

        isto é, no interior

        1. da troca
          [representação existente]
        2. ou da permutabilidade
          [representação possível]
          .

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VI – Trocar;
        V. A formação do valor
        Michel Foucault 

        O funcionamento da troca em cada uma das duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operação’: no ato mesmo da troca; ou anterior à troca, na criação das condições de troca

        “Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

        1. leitura já dadas as condições de troca;
        2. leitura na permutabilidade, isto é na criação de condições de troca

        1 uma analisa o valor
        no ato mesmo da troca,
        no ponto de cruzamento
        entre o dado e o recebido;

        • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra
          • toda a essência da linguagem no interior da proposição;

        3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

        2 outra analisa-o
        como anterior à troca
        e como condição primeira
        para que esta possa ocorrer.

        • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das
          • designações primitivas
          • linguagem de ação ou raiz;

        4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

        fora de si mesma e como que

          • na natureza, ou nas   
          • analogias das coisas;

        a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VI – Trocar;
        V. A formação do valor
        Michel Foucault 

        Esta segunda leitura para ‘operações’
        – que orienta a análise de valor
        desde antes do momento da troca -,
        não é possível sem a presença do homem
        na estrutura dos modelos.

        Isso fica bastante claro com a descrição da forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

        Esses dois pontos de inserção da leitura da operação de troca
        mostrados nos modelos de operações

        Colocando o ponto de inserção de leitura do fenômeno ‘operações’ antes da existência dos objetos envolvidos na troca, ocorre uma portentosa ampliação no escopo da operação – de qualquer natureza -, incorporando toda a etapa de construção de representação nova. Veja isso aqui.

        As características das duas configurações do pensamento:

        • a do pensamento clássico, de antes de 1775;
        • e a do pensamento moderno, de depois de 1825

        características de características, ou características de segunda ordem,
        das configurações do pensamento em cada caso.

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        _Estrutura IO-transformação
        Os princípios organizadores
        sob o pensamento clássico:
        o de antes de 1775
        'Caráter' e 'Similitude'
        Características do pensamento clássico, o de antes de 1775
        Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
        o de depois de 1825
        'Analogia' e 'Sucessão'
        Características do pensamento moderno, o de depois de 1825

        “Instaura-se
        uma forma de reflexão
        bastante afastada
        do cartesianismo
        e da análise kantiana,
        em que está em questão,
        pela primeira vez,
        o ser do homem,
        nessa dimensão
        segundo a qual
        o pensamento
        se dirige ao impensado,
        e com ele se articula.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
        V. O cogito e o impensado
        Michel Foucault 

        “Assim o círculo se fecha.

        Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

        As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

        Mas que são esses sinais? 

        Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

        • que há aqui um caráter 

        no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

        Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

        • – É a semelhança

        Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

        Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

        Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

        • o signo da simpatia resida na analogia, 
        • o da analogia na emulação, 
        • o da emulação na conveniência, 

        que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

        • a marca da simpatia… 

        A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

        De sorte que se vêem surgir,
        como princípios organizadores
        desse espaço de empiricidades, 

        • a Analogia 
        • e a Sucessão

        de uma organização a outra,
        o liame, com efeito,
        não pode mais ser
        a identidade de um
        ou vários elementos,
        mas a identidade
        da relação entre os elementos
        (onde a visibilidade
        não tem mais papel)
        e da função que asseguram;
        ademais, se porventura essas organizações se avizinham
        por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
        localizações próximas
        num espaço de classificação,
        mas sim porque
        foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
        no devir das sucessões.
        Enquanto, no pensamento clássico,
        a seqüência das cronologias
        não fazia mais que percorrer
        o espaço prévio e mais fundamental
        de um quadro
        que de antemão apresentava
        todas as suas possibilidades,
        doravante
        as semelhanças contemporâneas
        e observáveis simultaneamente
        no espaço não serão mais que
        as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
        de analogia em analogia.
        A ordem clássica
        distribuía num espaço permanente
        as identidades
        e as diferenças não-quantitativas
        que separavam e uniam as coisas:
        era essa a ordem
        que reinava soberanamente,
        mas a cada vez
        segundo formas e leis
        ligeiramente diferentes,
        sobre o discurso dos homens,
        o quadro dos seres naturais
        e a troca das riquezas.

        A partir do século XIX,
        a História
        vai desenrolar
        numa série temporal
        as analogias
        que aproximam umas das outras
        as organizações distintas.

        É essa História que,
        progressivamente,
        imporá suas leis

        • à análise da produção,
        • à dos seres organizados, enfim,
        • à dos grupos linguísticos.

        A História dá lugar
        às organizações analógicas,
        assim como a Ordem
        abria o caminho
        das identidades
        e das diferenças sucessivas.

        Essa forma de reflexão surgida será decorrência da segunda leitura do que seja uma operação de troca e portanto não pode prescindir do homem e do objeto?

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo II – A prosa do mundo;
        II. As assinalações
        Michel Foucault 

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VII – Os limites da representação;
        I. A idade da história
        Michel Foucault 

        os lugares onde ocorrem as operações: 

        • Lugar de nascimento do que é empírico
          – operações de Construção de representações;
          • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades sim muda
        • Circuito onde ocorrem as trocas‘ ou Mercado
          – operações de Instanciamento de representações já existentes;
          • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.
        Lugar do nascimento do que é empírico:
        pensamento moderno – caminho da Construção da representação
        Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

        Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

        Encontra-se 

        • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
        • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, apenas no caminho do Instanciamento da representação.

        Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

        Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, e apenas no caminho da Construção da representação

        O 'Circuito das trocas',
        ou 'Mercado'
        as chaves amarelas no LE da figura, lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
        O Lugar de nascimento do que é empírico - fora e antes do Mercado -
        lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
        e onde se dá a articulação
        do pensamento do homem,
        com o impensado
        O Circuito das trocas
        as chaves horizontais amarelas
        no LD da figura, onde ocorrem operações durante as quais
        o 'modo de ser fundamental'
        não se altera; é novamente o Mercado, agora no pensamento moderno

        ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ é o conceito chave aqui.

        No pensamento clássico, o de antes de 1775, pelos pressupostos adotados, é impossível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades cuja definição escapa ao escopo destas operações.

        Estas operações transcorrem no interior do Circuito das trocas, a chave amarela horizontal, lugar onde não há alteração no modo como as coisas se apresentam à operação.

        No pensamento moderno, o de depois de 1825, pelos pressupostos adotados é sim possível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades objeto da operação de Construção da representação que, se nova nesse domínio e ambiente, é o próprio escopo destas operações.

        Operações no caminho da Construção da representação transcorrem no interior do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, as chaves coloridas verticais, em um espaço que engloba os lugares  desde onde se fala e do falado. O sucesso dessas operações altera ‘o modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto, e com isso, faz-se História.

        No pensamento moderno, o de depois de 1825, em uma operação de Instanciamento de representação objeto cuja construção da representação foi anteriormente feita e incorporada ao Repositório, a representação objeto de Instanciamento é recuperada do Repositório.

        Assim, a operação de Instanciamento não altera o ‘modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto de instanciamento.

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        2Assim como a Ordem
        no pensamento clássico
        não era
        a harmonia visível
        das coisas,
        seu ajustamento,
        sua regularidade
        ou sua simetria constatados,
        mas o espaço próprio de seu ser
        e aquilo que,
        antes de todo
        conhecimento efetivo,
        as estabelecia no saber,

        1″Mas vê-se bem
        que a História
        não deve ser aqui entendida
        como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

        ela é

        o modo de ser fundamental
        das empiricidades,

        aquilo a partir de que elas são

        • afirmadas,
        • postas,
        • dispostas
        • e repartidas no espaço do saber

        para eventuais conhecimentos
        e para ciências possíveis.

        3 assim também
        a História,
        a partir do século XIX,
        define o

        lugar de nascimento
        do que é empírico,

        lugar onde,
        aquém
        de toda cronologia estabelecida,
        ele assume o ser
        que lhe é próprio.

        A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

        Qual será a explicação para isso?

        Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

        Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VII – Os limites da representação;
        I. A idade da história
        Michel Foucault 

        os princípios organizadores dos modelos de operações que fazemos

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        _Estrutura IO-transformação
        Os princípios organizadores
        sob o pensamento clássico:
        o de antes de 1775
        ‘Caráter’ e ‘Similitude’
        Características do pensamento clássico
        o de antes de 1775

        “Assim o círculo se fecha.

        Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

        As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

        Mas que são esses sinais? 

        Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

        • que há aqui um caráter 

        no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

        Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

        • – É a semelhança

        Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

        Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

        Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

        • o signo da simpatia resida na analogia, 
        • o da analogia na emulação, 
        • o da emulação na conveniência, 

        que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

        • a marca da simpatia… 

        A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

        Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
        o de depois de 1825
        'Analogia' e 'Sucessão'
        Características do pensamento moderno
        o de depois de 1825

        De sorte que se vêem surgir,
        como princípios organizadores
        desse espaço de empiricidades, 

        • a Analogia 
        • e a Sucessão

        de uma organização a outra,
        o liame, com efeito,
        não pode mais ser
        a identidade de um
        ou vários elementos,
        mas a identidade
        da relação entre os elementos
        (onde a visibilidade
        não tem mais papel)
        e da função que asseguram;
        ademais, se porventura essas organizações se avizinham
        por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
        localizações próximas
        num espaço de classificação,
        mas sim porque
        foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
        no devir das sucessões.
        Enquanto, no pensamento clássico,
        a seqüência das cronologias
        não fazia mais que percorrer
        o espaço prévio e mais fundamental
        de um quadro
        que de antemão apresentava
        todas as suas possibilidades,
        doravante
        as semelhanças contemporâneas
        e observáveis simultaneamente
        no espaço não serão mais que
        as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
        de analogia em analogia.
        A ordem clássica
        distribuía num espaço permanente
        as identidades
        e as diferenças não-quantitativas
        que separavam e uniam as coisas:
        era essa a ordem
        que reinava soberanamente,
        mas a cada vez
        segundo formas e leis
        ligeiramente diferentes,
        sobre o discurso dos homens,
        o quadro dos seres naturais
        e a troca das riquezas.

        A partir do século XIX,
        a História
        vai desenrolar
        numa série temporal
        as analogias
        que aproximam umas das outras
        as organizações distintas.

        É essa História que,
        progressivamente,
        imporá suas leis

        • à análise da produção,
        • à dos seres organizados, enfim,
        • à dos grupos linguísticos.

        A História dá lugar
        às organizações analógicas,
        assim como a Ordem
        abria o caminho
        das identidades
        e das diferenças sucessivas.

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo II – A prosa do mundo;
        II. As assinalações
        Michel Foucault 

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VII – Os limites da representação;
        I. A idade da história
        Michel Foucault 

        os lugares contidos dentro do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’:

        • o lugar ‘desde onde se fala
        • e o lugar ‘do falado‘;

        consistentes com os blocos do ‘operar‘ e do ‘suporte ao operar‘ de Humberto Maturana

        Esses dois lugares – o ‘desde onde se fala’ e o ‘do falado’ –
        juntos delimitam o espaço onde se dá a articulação
        do pensamento do homem com o impensado feita
        no domínio do Pensamento e da Língua
        e sua ligação com o domínio do Discurso e da Representação

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
        lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico

        Lugar desde onde se fala

        Lugar do falado

        são sub-espaços do Lugar de nascimento do que é empírico o que implica que o pensamento está funcionando com o entendimento do pensamento moderno, o de depois de 1825, a coluna ao lado, portanto.

        • Lugar desde onde se fala não pode ser delineado sob o pensamento clássico pela falta da ideia e do elemento de imagem ‘homem’, aquele que fala, raiz e fundamento de toda positividade, e também da ideia do objeto resultado da articulação do pensamento com o impensado, feita pelo homem,;
        • e o Lugar do falado, analogamente, não pode ser delineado no LE da figura. 

        todo o espaço  corresponde, no LE da figura, ao domínio todo em que ocorrem as operações sob o pensamento clássico, a saber, o domínio do Discurso e da Representação.

        A leitura do que sejam Operações sob o entendimento no pensamento clássico pressupõe o ponto de inserção para análise no exato cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca, cuja condição de possibilidade está, desse modo, dada.

        Lugar deste onde se fala:
        ideias que formulam a proposição /
        (sujeito e predicado do sujeito);
        Lugar do falado:
        ideias que dão suporte na experiência ao instanciamento da representação
        no domínio e ambiente

        Lugar do nascimento do que é empírico: espaço ocupado por:

        • Lugar desde onde se fala;
        • Lugar do falado

        O Lugar de nascimento do que é empírico, como o nome sugere, está situado antes do circuito das trocas, e em seu interior ocorre a construção de representação nova.

        Essa visão do que sejam operações corresponde à leitura de operações, ou visão desse fenômeno como desde um ponto de inserção anterior à troca

        Lugar desde onde se fala

        As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidas na formulação da proposição estão contidas no espaço chamado de Lugar desde onde se fala:

        • sujeito: o homem na posição de raiz de toda positividade
        • predicado do sujeito
          • verbo: Forma de produção, o elemento central da operação de construção da representação;
          • atributo: a representação em construção, nas posições extremas da operação de construção.

        Esse espaço coincide com o espaço chamado por Humberto Maturana de ‘operar’, o retângulo vermelho na figura ao lado, parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas no interior do domínio do Pensamento e da Língua.

        Lugar do falado

        As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidos na sustentação da Forma de produção na experiência estão no lugar do falado:

        • elementos de suporte na experiência à Forma de produção, onde se encontram
          • processos, atividades, tasks

        A operação de construção da representação escolhe os elementos de suporte na experiência à Forma de produção, que deve ser capaz de produzir quando implementada, uma instância da representação com o operar vislumbrado – ou o mais próximo disso possível. Humberto Maturana chama esse espaço de ‘suporte ao operar’, o retângulo amarelo na figura ao lado. 

        O Lugar do falado é parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas suas ideias – ou elementos de imagem – fazem parte do domínio do Discurso e da Representação.

        “É preciso, portanto,
        tratar esse verbo
        como um ser misto,

        ao mesmo tempo
        palavra entre as palavras,

        preso às mesmas regras,
        obedecendo como elas
        às leis de regência
        e de concordância;


        e depois,


        em recuo em relação a elas todas,

        numa região que

        • não é
          aquela do falado

        • mas aquela 
          donde se fala.

        Ele está na orla do discurso,
        na juntura entre

        • aquilo que é dito

        • e aquilo que se diz,

        exatamente lá onde os signos
        estão em via de se tornar linguagem.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IV – Falar;
        tópico III. A teoria do verbo
        por Michel Foucault

        Há correspondências que precisam ser anotadas, entre elas:

        • no princípio dual de trabalho de David Ricardo
          • aquela atividade que está na origem do valor das coisas 
          • tem suas ideias – ou seus elementos de imagem no lugar desde onde se fala
        • no LD – lado direito da figura 2 de Humberto Maturana
          • os dois blocos do ‘Explicar com Reformular’ em que Maturana divide suas explicações
            • sobre o que acontecia com o ser vivo,
            • e o modo como ele o via no seu espaço de distinções
          • correspondem apropriadamente com o que Foucault chama respectivamente de 
            • Lugar desde onde se fala e 
            • Lugar do falado.

        Processo e Mercado são os conceitos largamente utilizados;
        e ao mesmo tempo não se ouve falar 

        • em Forma de produção
        • ou em Lugar de nascimento do que é empírico,
        • e menos ainda em Nexo da produção

        como ideias – ou elementos de imagem – em modelos de operações e organizações

        no pensamento clássico
        aquém do objeto
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        diante do objeto
        depois de 1825

        espaço interior Triedro dos saberes
        para além do objeto
        reservado às Ciências humanas

        Aquém do objeto:
        Processo

        Diante do objeto:
        Forma de produção

        Além do objeto
        Nexo da operação

        o elemento central em operações
        no pensamento clássico
        Processo
        o elemento central em operações
        no pensamento moderno
        Forma de produção
        o Nexo da produção,
        o elemento central do modelo de organização no formato SSS
        • Elemento central:
          • Processo

        entendido sob o primeiro conceito de verbo explicado por Michel Foucault, como elemento gerador de um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si, que o mais que faz é indicar a coexistência de duas representações.

        • característica emergente: 
          • fluxo
        • metáfora 
          • transformação única
        • Elemento central:
          • Forma de produção

        entendida sob o segundo conceito de verbo explicado por Michel Foucault, tratado como um ser misto, inicialmente palavra entre palavras, preso às mesmas regras às mesmas regras, obedecendo como elas às mesmas leis de regência e concordância, e depois, em recuo em relação a elas todas, numa região que não é aquela do falado, mas aquela donde se fala.

        • característica emergente:
          • permanência
        • metáfora
          • conversão ou duas transformações
        • Elemento central:
          • Nexo da produção

        a formulação para além do objeto associa o sistema cujo resultado é o produto, aquilo que se quer obter, com o instrumento imprescindível para obtê-lo.

        • propriedades emergentes:
          • simetria, simbiose e sinergia

        Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais nada, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

        Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

        o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Verbo’;
        para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

        Ideias – ou elementos de imagem – centrais no LE e no LD da figura
        Processo o elemento central no pensamento clássico
        Forma de produção o elemento central no pensamento moderno, com as
        designações primitivas e a linguagem de ação ou raiz

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        Aquém do objeto

        Conceito de Verbo 'Processo'
        na configuração de pensamento
        do período clássico, antes de 1775

        Verbo como
        Processo

        “A única coisa que o verbo afirma
        é a coexistência de duas representações:
        por exemplo, 

        • a do verde
          e da árvore,

        • a do homem
          e da existência

          ou da morte; 

        é por isso que
        o tempo dos verbos

        não indica
        aquele [tempo]

        em que as coisas existiram
        no absoluto,

        mas um sistema relativo
        de anterioridade ou de simultaneidade
        das coisas entre si.”

        Diante e Além do objeto

        Conceito de Verbo 'Forma de produção'
        na configuração de pensamento
        do período moderno, depois de 1825

        Verbo como
        Forma de produção

        “É preciso, portanto,
        tratar esse verbo
        como um ser misto,

        ao mesmo tempo
        palavra entre as palavras,

        preso às mesmas regras,
        obedecendo como elas
        às leis de regência
        e de concordância;


        e depois,


        em recuo em relação a elas todas,

        • numa região que não é
          aquela do falado

        • mas aquela
          donde se fala.

        Ele está na orla do discurso,
        na juntura entre

        • aquilo que é dito

        • e aquilo que se diz,

        exatamente lá onde os signos
        estão em via de se tornar linguagem.”

        Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, para o que seja um ‘Verbo’, e a total consistência entre o segundo conceito/tratamento e ‘Forma de produção’

        • por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IV – Falar;
        tópico III. A teoria do verbo
        por Michel Foucault

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IV – Falar;
        tópico III. A teoria do verbo
        por Michel Foucault

        o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Classificar’;
        para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        Aquém
        do objeto

        O conceito de 'Classificar'
        no pensamento clássico
        o de antes de 1775

        ‘Classificar’
        no pensamento clássico

        Aquém do objeto,
        isto é,
        no pensamento filosófico Classico
        o de antes de 1775

        nessa faixa do espectro de modelos
        que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

        Classificar
        é referir

        • o visível
        • a si mesmo,

        encarregando um dos elementos
        de representar os outros.”

        Diante e Além
        do objeto

        O conceito de 'Classificar'
        no pensamento moderno
        o de depois de 1825

        ‘Classificar’
        no pensamento moderno

        Diante, e Além do objeto, 
        isto é, 
        no pesamento filosófico moderno,
        o de depois de 1825

        nessa faixa do espectro de modelos 
        que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

        “Em um movimento
        que faz revolver a análise

        Classificar
        é referir

        • o visível 
        • ao invisível 

        – como a sua razão profunda -, 

        e depois,
        alçar de novo
        dessa secreta arquitetura,
        em direção aos seus
        sinais manifestos,
        que são dados
        à superfície dos corpos.”

        Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

        pares de modelos constituintes das ciências do eixo epistemológico fundamental

        • da Vida(Biologia) [função-norma],
        • do Trabalho(Economia) [conflito-regra]
        • e da Linguagem(Filologia) [significação-sistema]

        e o modelo constituinte padrão, comum a todas das ciências humanas; um modelo composto por uma combinação entre esses três pares de modelos constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem

        no pensamento clássico
        antes de 1775
        aquém do objeto

        no pensamento moderno
        depois de 1825
        diante do objeto

        no pensamento moderno
        também depois de 1825
        para além do objeto

        não há modelos constituintes sob o pensamento clássico

        O Triedro dos saberes: eixos e faces
        espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
        O interior ao Triedro dos saberes
        o espaço das Ciências humanas

        Aquém do objeto

        Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

        Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
        existem desde sempre e para sempre,
        e integram o Universo em uma visão única.

        Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

        Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

        Diante do objeto

        A modelagem em cada área do saber é feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

        No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

        • Ciências da vida (Biologia):


          [função-norma]
          ;

        • Ciências do trabalho (Economia):


          [conflito-regra];

        • Ciências da Linguagem (Filologia):

          [significação-sistema].

        Além do objeto

        No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências
        da Vida
        -(Biologia), do Trabalho-(Economia) e da Linguagem-(Filologia).

        O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

        • Ciências da vida  (Biologia):
          [função-norma];

          +
          Ciências do trabalho (Economia):
          [conflito-regra];

          +
          Ciências da Linguagem (Filologia):
          [significação-sistema].

        Proposição: o bloco construtivo

        • padrão,
        • genérico
        • e fundamental

        oferecido pela gramática da língua para construção de representações.

        Esse bloco construtivo ‘proposição’ carrega valor para as representações, mas faz isso de ao menos dois modos diferentes e com duas visões distintas para o que sejam ‘operações’.

        “Valer, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

        Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

        Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

        Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que

        • a dupla cessão
        • e a dupla aquisição

        finalmente se produzam.

        Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

        Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra,

        • é preciso que elas existam já carregadas de valor;
          • e, contudo, o valor só existe no interior da representação
            (atual ou possível), isto é,
          • no interior da troca ou da permutabilidade.

        “A proposição é
        para a linguagem
        o que a representação é
        para o pensamento
        sua forma,
        ao mesmo tempo
        mais geral
        e mais elementar
        porquanto,
        desde que a decomponhamos,
        não encontremos mais o discurso
        mas seus elementos
        como tantos materiais dispersos

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VI – Trocar;
        V. A formação do valor
        Michel Foucault 

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Cap. IV – Falar;
        tópico: III – A teoria do verbo
        Michel Foucault

        no pensamento clássico
        antes de 1775

        no pensamento moderno
        depois de 1825

        questão/pergunta

        a proposição no pensamento clássico
        ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca

        a toda a essência da linguagem  encerrada – diretamente – na própria proposição;

        junto com esse ‘encerramento’ vão as ideias – ou elementos de imagem – necessários para a formulação da proposição, que assim, não participam do modelo de operações.

        a proposição no pensamento moderno ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca

        a descoberta da essência da linguagem  fora dela mesma, linguagem; a proposição formulada no modelo por suas ideias ou elementos de imagem presentes; inicialmente vazia, apenas um enunciado, é preenchida de valor a partir de duas fontes:

        • as designações primitivas;
        • a linguagem de ação ou raiz

        ambas assinaladas na figura.

        “Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

        1 uma analisa o valor

        • no ato mesmo da troca,

        no ponto de cruzamento
        entre o dado e o recebido;

        • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da
          • proposição;

        3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

        2 outra analisa-o

        • como anterior à troca 

        e como condição primeira
        para que esta possa ocorrer.

        • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem
          do lado das
          • designações primitivas
          • linguagem de ação ou raiz;

        4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

        • fora de si mesma e como que
          • na natureza, ou nas   
          • analogias das coisas;

        a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor,

        • antes da troca
        • e das medidas recíprocas da necessidade.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VI – Trocar;
        V. A formação do valor
        Michel Foucault 

        Ideias – ou elementos de imagem – requeridos para a
        Formulação da proposição, e valor carregado 

        Ideias – ou elementos de imagem requeridos para formulação da proposição ausentes da estrutura do modelo de operação.

        Valor carregado diretamente na proposição.

        impossibilidade de formulação da proposição com ideias – ou elementos de imagem – requeridos, pela ausência do homem em sua duplicidade de papéis, e pela noção de objeto descrito por suas propriedades originais e constitutivas.

        Proposição formulada com ideias ou elementos de imagem pertencentes à estrutura interna do modelo de operações;

        Valor carregado pela proposição com origem fora da linguagem

        • designações primitivas

        a busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, para a representação da empiricidade objeto no domínio e ambiente em que a operação acontece. 

        • linguagem de ação ou raiz

        todo o conteúdo do Repositório de proposições explicativas da experiência formuladas de acordo com as regras da língua, à disposição da construção de novas representações.

        Os tipos de sistemas que dão suporte a operações,
        em função da configuração do pensamento:

        • no pensamento clássico: o sistema Input-Output, ou um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si;
        • no pensamento moderno: um sistema construído no interior do Lugar de nascimento do que é empírico, lugar onde as empiricidades objeto das operações adquirem ‘o ser que lhes é próprio’.

        no pensamento clássico
        antes de 1775
        verbo ‘Processo

        no pensamento moderno
        depois de 1825
        verbo ‘Forma de produção

        questão/pergunta

        Operação clássica sob o conceito de Verbo 'Processo'
        na configuração de pensamento
        do período clássico, antes de 1775

        “A única coisa
        que o verbo afirma

        é a coexistência de duas representações:
        por exemplo, 

        • a do verde
          e da árvore,

        • a do homem
          e da existência

          ou da morte; 

        é por isso
        que o tempo dos verbos

        não indica
        aquele [tempo]

        em que as coisas existiram
        no absoluto,

        mas um sistema relativo
        de anterioridade ou de simultaneidade
        das coisas entre si.”

        Operação moderna sob o conceito de
        Verbo 'Forma de produção'
        na configuração de pensamento
        do período moderno, depois de 1825

        “É preciso, portanto,
        tratar esse verbo
        como um ser misto,

        ao mesmo tempo
        palavra entre as palavras,

        preso às mesmas regras,
        obedecendo como elas
        às leis de regência
        e de concordância;


        e depois,


        em recuo em relação a elas todas,

        • numa região que não é
          aquela do falado

        • mas aquela
          donde se fala.

        Ele está na orla do discurso,
        na juntura entre

        • aquilo que é dito

        • e aquilo que se diz,

        exatamente lá onde os signos
        estão em via de se tornar linguagem.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IV – Falar;
        tópico III. A teoria do verbo
        por Michel Foucault

        O tipo de sistema

        O conceito acima é explícito em fornecer uma descrição do tipo de sistema para operações sob o pensamento clássico.

        Trata-se de 

        • um sistema relativo
          de anterioridade ou de simultaneidade
          das coisas entre si; 

        uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

        asdf

        Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

        O tipo de leitura

        asdf

        Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

        asdf

        Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

        o tempo nas operações, em função dos sistemas
        em cada segmento do espectro de modelos

        no pensamento clássico
        antes de 1775
        aquém do objeto

        no pensamento moderno
        depois de 1825
        diante e para além do objeto

        no pensamento moderno
        também depois de 1825
        diante e para além do objeto

        formulação reversível
        e somente 
        instanciamento
        da representação;
        deus Chronos

        formulação irreversível
        e operação de construção
        da representação 
        deus Kairós

        formulação reversível
         e operação instanciamento
        da representação
        deus Chronos

        pensamento clássico, o de antes de 1775
        tempo calendário no sistema Input-Output
        operação de instanciamento de representação anteriormente formulada
        pensamento moderno, o de depois de 1825
        tempo absoluto sistema absoluto
        no caminho da Construção da representação
        pensamento moderno, o de depois de 1825
        tempo relativo, sistema relativo ou absoluto,
        no caminho do Instanciamento da representação

        Aquém do objeto

        Diante ou para além do objeto

        Nota: a existência precede as distinções feitas na operação.

        Tempo na formulação e no instanciamento da representação:

        • formulação reversível durante a formulação;
        • tempo calendário, ou tempo relativo no sentido de que
          • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f),
          • a posição calendário do outro evento (f) ou (i) pode ser calculada com as propriedades aparentes disponíveis antes e depois da operação;
        • irreversibilidades somente na etapa de instanciamento da representação

        Não há nada que possa ser afirmado, posto, disposto e repartido no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis e assim não se pode falar em ‘modo de ser fundamental’ do que quer que seja. 

        Assim, no pensamento clássico, não é possível adotar esse conceito ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ como elemento ordenador da história, que é compreendida como sucessão de fatos assim como se sucedem.

        caminho da
        Construção da representação
        Nota: a existência se constitui com as distinções feitas na operação

        Durante essa operação, a empiricidade objeto da operação, sim, muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

        Tempo no caminho da Construção da representação, durante a formulação da representação:

        • formulação irreversível durante a formulação;
        • tempo absoluto no sentido de que a empiricidade objeto ‘assume o ser que lhe é próprio’ em decorrência da operação, e então:
          • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f)
          • não é possível o cálculo da inserção calendário do outro evento (f) ou (i) a partir dessa inserção calendário do evento anterior em virtude da não disponibilidade das propriedades antes/depois da operação;
        •  irreversibilidades ocorrem na formulação da operação de construção da representação.

        A empiricidade objeto da operação tem um novo ‘modo de ser fundamental’, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’.

        Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da história, durante esse tipo de operações, sim, faz-se história.

         caminho do
        Instanciamento da representação

        Nota: a existência volta a preceder as distinções feitas na operação.
         

        Durante essa operação a empiricidade objeto não muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

        Tempo  no caminho do Instanciamento da representação previamente existente no Repositório e dele recuperada para a posição de empiricidade objeto na presente operação de instanciamento:

        • formulação volta a ser reversível; (é possível descartar uma formulação de instanciamento e formular outra com novas escolhas, sem perdas;
        • tempo volta a ser tempo calendário, ou tempo relativo;
        • irreversibilidades no caminho do Instanciamento da representação ocorrem em decorrência do desencadeamento dos elementos de suporte na experiência à Forma de produção.

        A empiricidade objeto da operação tem exatamente o mesmo ‘modo de ser fundamental’ com que foi recuperada do repositório, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’ exatamente da mesma forma como havia sido acrescentada ao repositório.

        Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da História, durante esse tipo de operações não se faz história.

        Modelagem de operações e organizações organizadas pelo par sujeito-objeto, com operações específicas e separadas para cada um desses pares, porém relacionadas:

         

        • um modelo para a operação e organização para o objeto esperado pelo Cliente (Produto);
        • e um modelo para a operação e organização  para o instrumento capaz de obter o Produto, bem como obter o objeto esperado pelo Acionista (Benefícios de toda espécie, Lucros)

        Mapa geral das operações na disposição SSS

        Modelagem para uma organização incluindo o objeto esperado de interesse do Cliente
        e o instrumento capaz de obtê-lo, e também o objeto esperado de interesse do Acionista
        identificando o nexo da produção

        Argumento: a modelagem de operações
        organizada pelo par sujeito-objeto

        Construção da estrutura de operações na disposição SSS – Simétrica, Simbiótica e Sinérgica

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        Cronologia básica da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura ocidental entre os anos 1775-1825 segundo Michel Foucault.

        • fases e ponto de ruptura desse evento;
        • linha de tempo com as defasagens entre conquistas no pensamento e respectivo uso nas áreas técnicas;
        • alguns autores importantes de um e de outro lado desse evento;
        • ponto de entrada do homem em nossa cultura;
        • alguns autores citados como referências em modelos sociais, econômicos e políticos
        Michel Foucault
        1926-1984

        “E foi realmente necessário 
        um acontecimento fundamental
        – um dos mais radicais, sem dúvida, 1
        que ocorreram na cultura ocidental,
        para que se desfizesse a positividade do saber clássico
        e se constituísse uma positividade de que, por certo,
        não saímos inteiramente.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VII – Os limites da representação;
        tópico I. A idade da história

        Cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
        defasagens entre conquistas no pensamento filosófico e respectiva utilização prática

        cronologia básica da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

        A descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, segundo o pensamento de Michel Foucault
        uma linha de tempo mostrando os intervalos de tempo entre o desenvolvimento de conhecimento e sua aplicação prática

        O ponto de surgimento do homem em nossa cultura

         “É somente na segunda fase que as palavras, as classes e as riquezas adquirirão um modo de ser que não é mais compatível com o da representação.

        Em contra partida, o que se modifica muito cedo, desde as análises de Adam Smith, de A.-L. de Jussieu ou de Viq d’Azyr, na época de Jones ou de Anquetil-Duperron,

        • é a configuração das positividades: a maneira como, no interior de cada uma,
          • os elementos representativos funcionam uns em relação aos outros, 
          • a maneira como asseguram seu duplo papel de designação e de articulação, 
          • como chegam, pelo jogo das comparações, a estabelecer uma ordem. “

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas
        Cap.VII – Os limites da representação
        tópico I. A idade da história

        Datas e fases da descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, e surgimento do homem no pensamento em nossa cultura segundo o pensamento de Michel Foucault.

        Alguns autores fundamentos filosóficos do liberalismo, e autores chave do pensamento moderno posicionados em relação à descontinuidade epistemológica de 1775-1825

        Algumas personagens importantes para entendimento da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

        Michel Foucault ao delinear sua arqueologia das ciências humanas, propósito do ‘As palavras e as coisas’, com certeza tomou conhecimento do trabalho desses autores.

        • autores clássicos:
          • Adam Smith,
          • John Locke, 
          • David Hume, 
          • J. J. Rousseau, 
          • Jeremy Bentham, 
          • e J. M. Keynes (este, expressamente classificado por Foucault como não moderno)
        • autores modernos:
          • David Ricardo
          • Sigmund Schlomo Freud 
          • entre muitos outros.

        Michel Foucault menciona ainda em destaque, como artífices do pensamento moderno e fontes para o seu próprio pensamento:

        • Georges Cuvier, naturalista, 1769-1832
        • Franz Bopp, linguista, 1792-1867
        • David Ricardo, economista, 1772-1823

        Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

        Funcionamento
        do pensamento
        funcionamento das operações no pensamento clássico
        Modelo de
        Operação de produção
        relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
        e o sistema Input-Output
        do LE da figura.
        Modelo da 
        Organização de produção
        Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
        múltiplos sistemas de categorias
        Modelo de operações
        e de organização
        Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
        Modelo de  Operação
        contábil-financeira
        O modelo de operação
        no sistema contábil-financeiro
        Modelo da  Organização
        ponto de vista financeiro
        a organização no sistema contábil-financeiro

        Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

        Funcionamento
        de operação do pensamento
        O funcionamento das operações no pensamento moderno
        Modelo de
        Operação de produção
        relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e 'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'
        Modelo da 
        Organização de produção
        o modelo de organização 'Mapa da atividade semicondutores', da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
        O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
        instanciamento de representação
        O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
        do movimento Reengenharia

        O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

        Assim, estes três pares,

        • função e norma,
        • conflito e regra,
        • significação e sistema,

        cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

        Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

        • do nível da psicologia,
        • da sociologia
        • ou da análise das linguagens

        é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

        • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

        Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

        Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo X  – As ciências humanas;
         III. Os três modelos
        Michel Foucault 

        O Triedro dos saberes: eixos e faces
        espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
        O interior ao Triedro dos saberes
        o espaço das Ciências humanas

        Aquém do objeto

        Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

        • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

        Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
        existem desde sempre e para sempre,
        e integram o Universo em uma visão única.

        Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

        Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

        Diante do objeto

        No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

        • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

        No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

        • Ciências da vida (Biologia):


          função-norma
          ;

        • Ciências do trabalho (Economia):


          conflito-regra;

        • Ciências da Linguagem (Filologia):

          significação-sistema.

        Além do objeto

        No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

        Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

        • da Vida-(Biologia),
        • do Trabalho-(Economia)
        • e da Linguagem-(Filologia).

        O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

        O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

        • Ciências da vida  (Biologia):
          função-norma;

          +
          Ciências do trabalho (Economia):

          conflito-regra;
          +
          Ciências da Linguagem (Filologia):
          significação-sistema.

        Sob ciências humanas como:

        • economia política;
        • sociologia,
        • psicologia e psicanálise

        estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

        A descrição feita por Michel Foucault de duas possibilidades
        de posicionamento do pensamento com relação a valor

        “Valor, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

        Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

        Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

        Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisição finalmente se produzam.

        Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

        Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor; e, contudo, o valor só existe no interior da representação (atual ou possível), isto é, no interior da troca ou da permutabilidade.

        Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

        1. uma analisa o valor no ato mesmo da troca, no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
        2. outra analisa-o como anterior à troca e como condição primeira para que esta ossa ocorrer.

        Os dois pontos de partida distintos adotados pelo pensamento para análise de valor

        1. a primeira possibilidade de leitura

        A análise de valor no ato mesmo da troca,
        no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido

        2. a segunda possibilidade de leitura

        A análise de valor como anterior à troca
        e como condição primeira para que esta possa ocorrer.

        A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da proposição;

        • no [neste] primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tomando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

        a outra, [corresponde] a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das designações primitivas – linguagem de ação ou raiz(*);

        • na outra [nesta] forma de análise, a linguagem está enraizada fora de si mesma e como que na natureza ou nas analogias das coisas; a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.

        Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho do Instanciamento da representação

        Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento clássico, antes de 1775

        Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho da Construção da representação

        Cap. I. Las Meninas

        Capítulo I. Las Meninas

        Las meninas, de Diego Velázquez, 1656;
        óleo sobre tela; Museu do Prado,
        Madrid, Espanha

        I

        O pintor está ligeiramente afastado do quadro. Lança um olhar em direção ao modelo; talvez se trate de acrescentar um último toque, mas é possível também que o primeiro traço não tenha ainda sido aplicado. O braço que segura o pincel está dobrado para a esquerda, na direção da palheta; permanece imóvel, por um instante, entre a tela e as cores, Essa mão hábil está pendente do olhar; e o olhar, em troca, repousa sobre o gesto suspenso. Entre a fina ponta do pincel e o gume do olhar, o espetáculo vai liberar seu volume. Não sem um sistema sutil de evasivas. 

        Distanciando-se um pouco, o pintor colocou-se ao lado da obra na qual trabalha. Isso quer dizer que, para o espectador que no momento olha, ele está à direita de seu quadro, o qual ocupa toda a extremidade esquerda. A esse mesmo espectador o quadro volta as costas: dele só se pode perceber o reverso, com a imensa armação que o sustenta. 

        O pintor, em contrapartida, é perfeitamente visível em toda a sua estatura; de todo modo, ele não está encoberto pela alta tela que, talvez, irá absorvê-lo logo em seguida, quando, dando um passo em sua direção, se entregará novamente a seu trabalho; sem dúvida, nesse mesmo instante, ele acaba de aparecer aos olhos do espectador, surgindo dessa espécie de grande gaiola virtual que a superfície que ele está pintando projeta para trás. 

        Podemos vê-Io agora, num instante de pausa, no centro neutro dessa oscilação. Seu talhe escuro, seu rosto claro são meios-termos entre o visível e o invisível: saindo dessa tela que nos escapa, ele emerge aos nossos olhos; mas quando, dentro em pouco, der um passo para a direita, furtando-se aos nossos olhares, achar-se-á colocado bem em face da tela que está pintando; entrará nessa região onde seu quadro, negligenciado por um instante, se lhe vai tornar de novo visível, sem sombra nem reticência. 

        Como se o pintor não pudesse ser ao mesmo tempo visto no quadro em que está representado e ver aquele em que se aplica a representar alguma coisa. Ele reina no limiar dessas duas visibilidades incompatíveis. O pintor olha, o rosto ligeiramente virado e a cabeça inclinada para o ombro. 

        Fixa um ponto invisível, mas que nós, espectadores, podemos facilmente determinar, pois que esse ponto somos nós mesmos: nosso corpo, nosso rosto, nossos olhos. 

        O espetáculo que ele observa é, portanto, duas vezes invisível: uma vez que não é representado no espaço do quadro e uma vez que se situa precisamente nesse ponto cego, nesse esconderijo essencial onde nosso olhar se furta a nós mesmos no momento em que olhamos. 

        E, no entanto, como poderíamos deixar de ver essa invisibilidade, que está aí sob nossos olhos, já que ela tem no próprio quadro seu sensível equivalente, sua figura selada? 

        Poder-se-ia, com efeito, adivinhar o que o pintor olha, se fosse possível lançar os olhos sobre a tela a que se aplica; desta, porém, só se distingue a textura, os esteios na horizontal e, na vertical, o oblíquo do cavalete. 

        O alto retângulo monótono que ocupa toda a parte esquerda do quadro real e que figura o verso da tela representada reconstituiu, sob as espécies de uma superfície, a invisibilidade em profundidade daquilo que o artista contempla: este espaço em que nós estamos, que nós somos. 

        Dos olhos do pintor até aquilo que ele olha, está traçada uma linha imperiosa que nós, os que olhamos, não poderíamos evitar: ela atravessa o quadro real e alcança, à frente da sua superfície, o lugar de onde vemos o pintor que nos observa; esse pontilhado nos atinge infalivelmente e nos liga à representação do quadro. 

        Aparentemente, esse lugar é simples; constitui-se de pura reciprocidade: olhamos um quadro de onde um pintor, por sua vez, nos contempla. Nada mais que um face-a-face, olhos que se surpreendem, olhares retos que, em se cruzando, se superpõem. E, no entanto, essa tênue linha de visibilidade envolve, em troca, toda uma rede complexa de incertezas, de trocas e de evasivas. 

        O pintor só dirige os olhos para nós na medida em que nos encontramos no lugar do seu motivo. Nós, espectadores, estamos em excesso. Acolhidos sob esse olhar, somos por ele expulsos, substituídos por aquilo que desde sempre se encontrava lá, antes de nós: o próprio modelo. 

        Mas, inversamente, o olhar do pintor, dirigido para fora do quadro, ao vazio que lhe faz face, aceita tantos modelos quantos espectadores lhe apareçam; nesse lugar preciso mas indiferente, o que olha e o que é olhado permutam-se incessantemente. Nenhum olhar é estável, ou antes, no sulco neutro do olhar que traspassa a tela perpendicularmente, o sujeito e o objeto, o espectador e o modelo invertem seu papel ao infinito. 

        E, na extremidade esquerda do quadro, a grande tela virada exerce aí sua segunda função: obstinadamente invisível, impede que seja alguma vez determinável ou definitivamente estabelecida a relação dos olhares. A fixidez opaca que ela faz reinar num lado torna para sempre instável o jogo das metamorfoses que, no centro, se estabelece entre o espectador e o modelo. 

        Porque só vemos esse reverso, não sabemos quem somos nem o que fazemos. Somos vistos ou vemos? O pintor fixa atualmente um lugar que, de instante a instante, não cessa de mudar de conteúdo, de forma, de rosto, de identidade. 

        Mas a imobilidade atenta de seus olhos remete a uma outra direção, que eles já seguiram frequentes vezes e que breve, sem dúvida alguma, vão retomar: a da tela imóvel sobre a qual se traça, está talvez traçado, desde muito tempo e para sempre, um retrato que jamais se apagará.

         De sorte que o olhar soberano do pintor comanda um triângulo virtual, que define em seu percurso esse quadro de um quadro: 

        • no vértice – único ponto visível – os olhos do artista; 
        • na base, de um lado, o lugar invisível do modelo, 
        • do outro, a figura provavelmente esboçada na tela virada. 

        No momento em que colocam o espectador no campo de seu olhar, os olhos do pintor captam-no, constrangem-no a entrar no quadro, designam-lhe um lugar ao mesmo tempo privilegiado e obrigatório, apropriam-se de sua luminosa e visível espécie e a projetam sobre a superfície inacessível da tela virada. 

        Ele vê sua invisibilidade tornada visível ao pintor e transposta em uma imagem definitivamente invisível a ele próprio. 

        Surpresa que é multiplicada e tornada ainda mais inevitável por um estratagema marginal. Na extremidade direita, o quadro recebe sua luz de uma janela representada segundo uma perspectiva muito curta; dela apenas se visualiza o vão; de sorte que o fluxo de luz que ela espalha largamente banha ao mesmo tempo, com a mesma generosidade, dois espaços vizinhos, entrecruzados, mas irredutíveis: 

        • a superfície da tela, com o volume que ela representa (isto é, o ateliê do pintor, ou a sala em que instalou seu cavalete), 
        • e, à frente dessa superfície, o volume real que o espectador ocupa (ou então o lugar irreal do modelo). 

        E, percorrendo a sala da direita para a esquerda, a vasta luz dourada impele ao mesmo tempo o espectador em direção ao pintor e o modelo em direção à tela; é ela também que, iluminando o pintor, torna-o visível ao espectador e faz brilhar como linhas de ouro, aos olhos do modelo, a moldura da tela enigmática, onde sua imagem, transposta, vai se achar encerrada. 

        Esta janela encantoada, parcial, apenas indicada, libera uma luz inteira e mista que serve de lugar-comum à representação. 

        Ela equilibra, na outra extremidade do quadro, a tela invisível: 

        • assim como esta, virando as costas aos espectadores, se redobra contra o quadro que a representa e forma, pela superposição de seu reverso visível sobre a superfície do quadro que a contém, o lugar, para nós inacessível, onde cintila a Imagem por excelência; 
        • assim a janela, pura abertura, instaura um espaço tão manifesto quanto o outro é oculto; tão comum ao pintor, às personagens, aos modelos, aos espectadores quanto o outro é solitário (pois ninguém o olha, nem mesmo o pintor). 

        Da direita, derrama-se por uma janela invisível o puro volume de uma luz que torna visível toda representação; 

        à esquerda, estende-se a superfície que encobre, do outro lado de sua textura demasiado visível, a representação que ela contém. 

        Inundando a cena (quero dizer, tanto a sala quanto a tela, a sala representada na tela e a sala onde a tela está colocada), a luz envolve as personagens e os espectadores, impelindo-os, sob o olhar do pintor, em direção ao lugar onde seu pincel os vai representar. 

        Esse lugar, porém, nos é recusado. 

        Olhamo-nos olhados pelo pintor e tornados visíveis aos seus olhos pela mesma luz que no-lo faz ver. E, no momento em que vamos nos apreender transcritos por sua mão como num espelho, deste não podemos surpreender mais que o insípido reverso. O outro lado de um reflexo. 

        Ora, exatamente em face dos espectadores – de nós mesmos – sobre a parede que constitui o fundo da sala, o autor representou uma série de quadros; e eis que, entre todas essas telas suspensas, uma dentre elas brilha com um clarão singular. Sua moldura é mais larga, mais sombria que a das outras; uma fina linha branca, no entanto, a duplica interiormente, difundindo sobre toda a sua superfície uma luz dificilmente determinável; pois não vem de parte alguma senão de um espaço que lhe seria interior. 

        Nessa luz estranha aparecem duas silhuetas e, acima delas, um pouco para trás, uma pesada cortina de púrpura. Os outros quadros só dão a ver algumas manchas mais pálidas no limite de uma noite sem profundeza. Esse, ao contrário, abre-se para um espaço em recuo onde formas reconhecíveis se dispõem numa claridade que só a ele pertence. 

        Entre todos esses elementos destinados a oferecer representações, mas que as contestam, as recusam, as esquivam por sua posição ou sua distância, esse é o único que funciona com toda a honestidade e que dá a ver o que deve mostrar. A despeito de seu distanciamento, a despeito da sombra que o envolve. 

        Mas não é um quadro: é um espelho. 

        Ele oferece enfim esse encantamento do duplo, que tanto as pinturas afastadas quanto a luz do primeiro plano com a tela irônica recusavam. 

        De todas as representações que o quadro representa, ele é a única visível; mas ninguém o olha. Em pé ao lado de sua tela, a atenção toda absorvida pelo seu modelo, o pintor não pode ver esse espelho que brilha suavemente atrás dele. 

        As outras personagens do quadro estão, na maioria, voltadas também elas para o que se deve passar à frente – para a clara invisibilidade que margeia a tela, para esse átrio de luz, onde seus olhares têm para ver aqueles que os vêem, e não para essa cavidade sombria pela qual se fecha o quarto onde estão representadas. 

        Há, com efeito, algumas cabeças que se oferecem de perfil: nenhuma, porém, suficientemente virada para olhar, no fundo da sala, esse espelho desolado, pequeno retângulo brilhante que nada mais é senão visibilidade, mas sem nenhum olhar capaz de apossar-se dela, torná-Ia atual e comprazer-se no fruto, subitamente amadurecido, de seu espetáculo. 

        É preciso reconhecer que essa indiferença só se iguala à do espelho. Com efeito, este nada reflete daquilo que se encontra no mesmo espaço que ele: nem o pintor, que lhe volta as costas, nem as personagens no centro da sala. Em sua clara profundidade, não é o visível que ele fita. 

        Na pintura holandesa, era tradição que os espelhos desempenhassem um papel de reduplicação: repetiam o que era dado uma primeira vez no quadro, mas no interior de um espaço irreal, modificado, estreitado, recurvo. Ali se via a mesma coisa que na primeira instância do quadro, porém decomposta e recomposta segundo uma outra lei. 

        Aqui o espelho nada diz do que já foi dito. Sua posição, entretanto, é quase central: sua borda superior está exatamente sobre a linha que reparte em duas a altura do quadro, ocupa sobre a parede do fundo (ao menos sobre a parte visível desta) uma posição mediana; deveria, pois, ser atravessado pelas mesmas linhas perspectivas que o próprio quadro; poder-se-ia esperar que um mesmo ateliê, um mesmo pintor, uma mesma tela nele se dispusessem segundo um espaço idêntico; poderia ser o duplo perfeito. 

        Ora, ele não faz ver nada do que o próprio quadro representa. Seu olhar imóvel vai captar à frente do quadro, nessa região necessariamente invisível que forma sua face exterior, as personagens que ali estão dispostas. 

        Em vez de girar em torno de objetos visíveis, esse espelho atravessa todo o campo da representação, negligenciando o que aí poderia captar, e restitui a visibilidade ao que permanece fora de todo olhar. 

        Mas essa invisibilidade que ele supera não é a do oculto: não contorna o obstáculo, não desvia a perspectiva, endereça-se ao que é invisível ao mesmo tempo pela estrutura do quadro e por sua existência como pintura. 

        O que nele se reflete é o que todas as personagens da tela estão fixando, o olhar reto diante delas; é, pois, o que se poderia ver, se a tela se prolongasse para a frente, indo mais para baixo, até envolver as personagens que servem de modelos ao pintor. Mas é também, já que a tela se interrompe ali, dando a ver o pintor e seu ateliê, o que está exterior ao quadro, na medida em que ele é quadro, isto é, fragmento retangular de linhas e cores, encarregado de representar alguma coisa aos olhos de todo espectador possível. 

        No fundo da sala, ignorado por todos, o espelho inesperado faz brilhar as figuras que o pintor olha (o pintor e sua realidade representada, objetiva, de pintor trabalhando); mas também as figuras que olham o pintor (nessa realidade material que as linhas e as cores depositaram sobre a tela). 

        Estas figuras são, uma e outra, igualmente inacessíveis, mas de modo diferente: a primeira, por um efeito de composição que é próprio ao quadro; a segunda, pela lei que preside à existência mesma de todo quadro em geral. 

        Aqui, o jogo da representação consiste em conduzir essas duas formas de invisibilidade uma ao lugar da outra, numa superposição instável – e em restituí-Ias logo à outra extremidade do quadro – a esse pólo que é o mais altamente representado: o de uma profundidade de reflexo na reentrância de uma profundidade de quadro. 

        O espelho assegura uma metátese da visibilidade que incide ao mesmo tempo sobre o espaço representado no quadro e sua natureza de representação; faz ver, no centro da tela, aquilo que, do quadro, é duas vezes necessariamente invisível. 

        Estranha maneira de aplicar ao pé da letra, mas invertendo-o, o conselho que o velho Pachero dera, ao que parece, ao seu aluno, quando trabalhava no ateliê de Sevilha: 

        “A imagem deve sair da moldura.”

         

         II

        Mas talvez seja tempo de nomear enfim essa imagem que aparece no fundo do espelho e que o pintor contempla à frente do quadro. Talvez valha a pena fixar de vez a identidade das personagens presentes ou indicadas, para não nos atrapalharmos infinitamente nestas designações flutuantes, um pouco abstratas, sempre suscetíveis de equívocos e de desdobramentos: “o pintor”, “as personagens”, “os espectadores”, “as imagens”. 

        Em vez de prosseguir sem fim numa linguagem fatalmente inadequada ao visível, bastaria dizer 

        • que Velásquez compôs um quadro; que nesse quadro ele se representou a si mesmo no seu ateliê, ou num salão do Escorial, 
        • a pintar duas personagens que a infanta Margarida vem contemplar, 
        • rodeada de aias, 
        • de damas de honor, 
        • de cortesãos 
        • e de anões; 
        • que a esse grupo pode-se muito precisamente atribuir nomes: a tradição reconhece 
        • aqui dona Maria Agustina Sarmiente, 
        • ali, Nieto, 
        • no primeiro plano, Nicolaso Pertusato, bufão italiano. 

        Bastaria acrescentar que as duas personagens que servem de modelo ao pintor não são visíveis, ao menos diretamente; mas que podemos distingui- Ias num espelho; que se trata, sem dúvida, 

        • do rei Filipe IV 
        • e de sua esposa Mariana. 

        Esses nomes próprios constituiriam indícios úteis evitariam designações ambíguas; eles nos diriam, em todo o caso, o que o pintor olha e, com ele, a maioria das personagens do quadro. 

        Mas a relação da linguagem com a pintura é uma relação infinita. Não que a palavra seja imperfeita e esteja, em face do visível, num déficit que em vão se esforçaria por recuperar. 

        São irredutíveis uma ao outro: 

        • por mais que se diga o que se vê, 
          • o que se vê não se aloja jamais no que se diz, 
        • e por mais que se faça ver o que se está dizendo por imagens, metáforas, comparações, 
          • o lugar onde estas resplandecem não é aquele que os olhos descortinam, 
          • mas aquele que as sucessões da sintaxe definem. 

        Ora, o nome próprio, nesse jogo, não passa de um artifício: 

        • permite mostrar com o dedo, quer dizer, fazer passar sub-repticiamente 
          • do espaço onde se fala 
          • para o espaço onde se olha, 
        • isto é, ajustá-los comodamente um sobre o outro como se fossem adequados. 

        Mas, se se quiser manter aberta a relação entre a linguagem e o visível, se se quiser falar não de encontro a, mas a partir de sua incompatibilidade, de maneira que se permaneça o mais próximo possível de uma e de outro, é preciso então pôr de parte os nomes próprios e meter-se no infinito da tarefa. 

        É, talvez, por intermédio dessa linguagem nebulosa, anônima, sempre meticulosa e repetitiva, porque demasiado ampla, que a pintura, pouco a pouco, acenderá suas luzes. 

        É preciso, pois, fingir não saber quem se refletirá no fundo do espelho e interrogar esse reflexo ao nível de sua existência. 

        De início, ele é o verso da grande tela representada à esquerda. O verso ou, antes, a face dianteira, pois que mostra de frente o que ela, por sua posição, esconde. 

        Ademais, opõe-se à janela e a reforça. Como ela, é um lugar-comum ao quadro e ao que lhe é exterior. 

        • A janela, porém, opera pelo movimento contínuo de uma efusão que, da direita para a esquerda, agrega às personagens atentas, ao pintor, ao quadro, o espetáculo que contemplam; 
        • já o espelho, por um movimento violento, instantâneo e de pura surpresa, vai buscar, à frente do quadro, aquilo que é olhado mas não visível, a fim de, no extremo da profundidade fictícia, torná-lo visível mas indiferente a todos os olhares. 

        O pontilhado imperioso que está traçado entre o reflexo e o que ele reflete corta perpendicularmente o fluxo lateral da luz. 

        Enfim – e é a terceira função desse espelho – ele põe em paralelo uma porta que, como ele, se abre na parede do fundo. 

        Também ela recorta um retângulo claro, cuja luz fosca não se irradia pela sala. Não passaria de uma placa dourada, não estivesse ela aberta para fora através de um batente esculpido, da curva de uma cortina e da sombra de vários degraus. Aí começa um corredor; mas, em vez de se perder em meio à obscuridade, ele se dissipa num brilho amarelo, cuja luz, sem entrar, rodopia em tomo de si mesma e repousa. 

        Sobre esse fundo, ao mesmo tempo próximo e sem limite, um homem destaca sua alta silhueta; ele é visto de perfil; com uma das mãos retém o peso de um cortinado; seus pés estão pousados sobre dois degraus diferentes; tem o joelho dobrado. Talvez vá entrar na sala; talvez se limite a espiar o que se passa no interior, contente de surpreender sem ser observado. 

        Tal como o espelho, fixa o verso da cena: tanto quanto ao espelho, ninguém lhe presta atenção. 

        Não se sabe donde vem; pode-se supor que, seguindo por incertos corredores, contornou a sala onde as personagens estão reunidas e onde trabalha o pintor; talvez estivesse, há pouco, também ele à frente da cena, na região invisível que é contemplada por todos os olhos do quadro. Como as imagens que se distinguem no fundo do espelho, é possível que ele seja um emissário desse espaço evidente e escondido. 

        Há, no entanto, uma diferença: 

        • ele está ali em carne e osso; surgiu de fora, no limiar da área representada; ele é indubitável – não um reflexo provável, mas uma irrupção. 
        • O espelho, fazendo ver, para além mesmo dos muros do ateliê, o que se passa à frente do quadro, faz oscilar, na sua dimensão sagital, o interior e o exterior. 

        Com um pé sobre o degrau e o corpo inteiramente de perfil, o visitante ambíguo entra e sai ao mesmo tempo, num balancear imóvel. Ele repete, sem sair do lugar, mas na realidade sombria de seu corpo, o movimento instantâneo das imagens que atravessam a sala, penetram no espelho, nele se refletem e dele ressaltam como espécies visíveis, novas e idênticas. Pálidas, minúsculas, essas silhuetas no espelho são recusadas pela alta e sólida estatura do homem que surge no vão da porta. 

        Cumpre, no entanto, retomar do fundo do quadro em direção à frente da cena; é preciso abandonar esse circuito cuja voluta se acaba de percorrer. 

        Partindo do olhar do pintor que, à esquerda, constitui como que um centro deslocado, distingue-se primeiro o reverso da tela, depois os quadros expostos, com o espelho no centro, a seguir a porta aberta, novos quadros, cuja perspectiva, porém, muito aguda, só deixa ver as molduras em sua densidade, enfim, à extremidade direita a janela, ou, antes, a fenda por onde se derrama a luz. 

        Essa concha em hélice oferece todo o ciclo da representação: o olhar, a palheta e o pincel, a tela inocente de signos (são os instrumentos materiais da representação), os quadros, os reflexos, o homem real (a representação acabada, mas como que liberada de seus conteúdos ilusórios ou verdadeiros que lhe são justapostos); depois, a representação se dilui: só se vêem as molduras e essa luz que, do exterior, banha os quadros, os quais, contudo, devem em troca reconstituir à sua própria maneira, como se ela viesse de outro lugar, atravessando suas molduras de madeira escura. E essa luz, vemo-la, com efeito, no quadro, parecendo emergir no interstício da moldura; e de lá ela alcança a fronte, as faces, os olhos, o olhar do pintor que segura numa das mãos a palheta e, na outra, o fino pincel… 

        Assim se fecha a voluta, ou melhor, por essa luz, ela se abre. Essa abertura não é mais, como no fundo, uma porta que se abriu; é a própria amplitude do quadro, e os olhares que por ela passam não são de um visitante longínquo. 

        O friso que ocupa o primeiro e o segundo planos do quadro representa – se se incluir o pintor – oito personagens. Cinco delas, a cabeça mais ou menos inclinada, virada ou abaixada, olham na direção perpendicular do quadro. 

        O centro do grupo é ocupado pela pequena infanta, com seu amplo vestido cinza e rosa. A princesa vira a cabeça para a direita do quadro, enquanto seu busto e os grandes folhos do vestido pendem ligeiramente para a esquerda; o olhar, porém, dirige-se aprumado na direção do espectador que se acha em face do quadro. 

        Uma linha mediana que dividisse a tela em duas alas iguais passaria entre os dois olhos da criança. Seu rosto está a um terço da altura total do quadro. De sorte que aí reside, sem dúvida, o tema principal da composição; aí, o objeto mesmo dessa pintura. 

        Como que para prová-lo e melhor sublinhá-lo, o autor recorreu a uma figura tradicional: ao lado da personagem principal, colocou outra, ajoelhada, que a olha. Como um ofertante em prece, como o Anjo saudando a Virgem, uma governanta de joelhos estende as mãos para a princesa. Seu rosto se recorta num perfil perfeito. Está à altura do da criança. A aia olha para a princesa e só para ela. 

        Um pouco mais à direita, outra dama de honor, voltada também para a infanta, ligeiramente inclinada acima dela mas com os olhos claramente dirigidos para a frente, lá onde já olham o pintor e a princesa. 

        Enfim, dois grupos de duas personagens: um, em recuo; outro, composto de anões, no primeiro plano. Em cada par, uma personagem olha em frente, a outra à direita ou à esquerda. Por sua posição e por sua proporção, esses dois grupos se correspondem e se emparelham: 

        • atrás, os cortesãos (a mulher, à esquerda, olha para a direita); 
        • à frente, os anões (o rapaz que está na extremidade direita olha para o interior do quadro). 

        Esse conjunto de personagens assim dispostas pode constituir, conforme a atenção que se dê ao quadro ou o centro de referência que se escolha, duas figuras. 

        Uma seria um grande X; 

        • no ponto superior esquerdo estaria o olhar do pintor 
        • e, à direita, o do cortesão; 
        • na ponta inferior, do lado esquerdo, está o canto da tela representada de costas (mais exatamente, o pé do cavalete); 
        • do lado direito, o anão (com o calçado deposto sobre o dorso do cão). 

        No cruzamento dessas duas linhas, no centro do X, o olhar da infanta. 

        A outra figura seria antes a de uma vasta curva; 

        • suas duas pontas seriam determinadas pelo pintor à esquerda e pelo cortesão à direita – extremidades altas e recuadas; 
        • o recôncavo, bem mais aproximado, coincidiria com o rosto da princesa e com o olhar que a aia lhe dirige. 

        Essa tênue linha desenha uma concha que, ao mesmo tempo, encerra e libera, no meio do quadro, a localização do espelho. 

        Há, pois, dois centros que podem organizar o quadro, conforme a atenção do espectador divague e se prenda aqui ou ali. 

        A princesa mantém-se de pé no meio de uma cruz de Santo André, que gira em torno dela com o turbilhão dos cortesãos, damas de honor, animais e bufões. 

        Mas essa rotação é fixa. Fixa por um espetáculo que seria absolutamente invisível se essas mesmas personagens, subitamente imóveis, não oferecessem, como que no vão de uma taça, a possibilidade de olhar no fundo de um espelho, o dúplice imprevisto de sua contemplação. 

        No sentido da profundidade, a princesa se superpõe ao espelho; 

        no da altura, é o reflexo que se superpõe ao rosto. Mas a perspectiva os torna muito próximos um do outro. 

        Ora, cada um deles emana uma linha inevitável; 

        • uma, saída do espelho, transpõe toda a espessura representada (e mesmo além dela, já que o espelho perfura a parede do fundo e faz nascer atrás dela um outro espaço); 
        • a outra é mais curta; vem do olhar da criança e só atravessa o primeiro plano. 

        Essas duas linhas sagitais são convergentes, segundo um ângulo muito agudo, e o ponto de seu encontro, saindo da tela, se fixa à frente do quadro, mais ou menos lá de onde o olhamos. Ponto duvidoso, pois que não o vemos; ponto, porém, inevitável e perfeitamente definido, pois que é prescrito por essas duas figuras mestras e confirmado ainda por outros pontilhados adjacentes que nascem do quadro e que também dele escapam. 

        Que há, enfim, nesse lugar perfeitamente inacessível, porquanto exterior ao quadro, mas prescrito por todas as linhas de sua composição? 

        Que espetáculo é esse, quem são esses rostos que se refletem primeiro no fundo das pupilas da infanta, depois dos cortesãos e do pintor e, finalmente, na claridade longínqua do espelho? 

        Mas a questão logo se desdobra: 

        • o rosto que o espelho reflete é igualmente aquele que o contempla; 
        • o que todas as personagens do quadro olham são também as personagens a cujos olhos elas são oferecidas como uma cena a contemplar; 
        • o quadro como um todo olha a cena para a qual ele é, por sua vez, uma cena. 

        Pura reciprocidade que manifesta o espelho que olha e é olhado, e cujos dois momentos são desprendidos nos dois ângulos do quadro: 

        • à esquerda a tela virada, pela qual o ponto exterior se torna puro espetáculo; 
        • à direita o cão estirado, único elemento do quadro que não olha nem se mexe, porque ele, com seus fortes relevos e a luz que brinca em seus pelos sedosos, só é feito para ser um objeto a ser olhado. 

        O primeiro olhar lançado ao quadro nos ensinou de que é constituído esse espetáculo-de-olhares. 

        São os soberanos. 

        Adivinhamo-los já no olhar respeitoso da assistência, no espanto da criança e dos anões. Reconhecemo-los, no fundo do quadro, nas duas pequenas silhuetas que o espelho reflete. Em meio a todos esses rostos atentos, a todos esses corpos ornamentados, eles são a mais pálida, a mais irreal, a mais comprometida de todas as imagens; um movimento, um pouco de luz bastariam para fazê-los desvanecer-se. 

        De todas as personagens representadas, elas são também as mais desprezadas, pois ninguém presta atenção a esse reflexo que se esgueira por trás de todo o mundo e se introduz silenciosamente por um espaço insuspeitado; na medida em que são visíveis, são a forma mais frágil e mais distante de toda realidade. 

        Inversamente, na medida em que, residindo no exterior do quadro, se retiraram para uma invisibilidade essencial, ordenam em torno delas toda a representação; 

        • é diante delas que as coisas estão, é para elas que se voltam, é a seus olhos que se mostra a princesa em seu vestido de festa; 
        • da tela virada à infanta e desta ao anão que brinca na extremidade direita, desenha-se uma curva (ou então, abre-se o braço inferior do X) para ordenar em relação a eles toda a disposição do quadro e fazer aparecer, assim, o verdadeiro centro da composição, ao qual o olhar da infanta e a imagem no espelho estão finalmente submetidos. 

        Esse centro é simbolicamente soberano na sua particularidade histórica, já que é ocupado pelo rei Filipe IV e sua esposa. 

        Mas, sobretudo, ele o é pela tríplice função que ocupa em relação ao quadro. 

        Nele vêm superpor-se exatamente 

        • o olhar do modelo no momento em que é pintado, 
        • o do espectador que contempla a cena 
        • e o do pintor no momento em que compõe seu quadro (não o que é representado, mas o que está diante de nós e do qual falamos). 

        Essas três funções “olhantes” confundem-se em um ponto exterior ao quadro: isto é, ideal em relação ao que é representado, mas perfeitamente real, porquanto é a partir dele que se torna possível a representação; nessa realidade mesma, ele não pode deixar de ser invisível. E, contudo, essa realidade é projetada no interior do quadro – projetada e difratada em três figuras que correspondem às três funções desse ponto ideal e real. 

        São elas: 

        • à esquerda, o pintor com sua palheta na mão (autoretrato do autor do quadro); 
        • à direita o visitante, com um pé sobre o degrau, prestes a entrar na sala; ele capta ao revés toda a cena, mas vê de frente o par real, que é o próprio espetáculo; 
        • no centro, enfim, o reflexo do rei e da rainha, ornamentados, imóveis, na atitude de pacientes modelos. .

        Tal reflexo mostra ingenuamente, e na sombra, aquilo que todos olham no primeiro plano. Restitui, como que por encanto, o que falta a cada olhar: 

        • ao do pintor, o modelo que é recopiado no quadro pelo seu duplo representado; 
        • ao do rei, seu retrato que se completa nesse lado da tela que ele não pode distinguir do lugar em que está; 
        • ao do espectador, o centro real da cena, cujo lugar ele assumiu como que por intrusão. 

        Mas talvez essa generosidade do espelho seja simulada; talvez esconda tanto ou mais do que manifesta. O lugar onde impera o rei com sua esposa é também o do artista e o do espectador: no fundo do espelho poderiam aparecer – deveriam aparecer – o rosto anônimo do transeunte e o de Velásquez. Pois a função desse reflexo é atrair para o interior do quadro o que lhe é intimamente estranho: o olhar que o organizou e aquele para o qual ele se desdobra. 

        Mas, por estarem presentes no quadro, à direita e à esquerda, o artista e o visitante não podem estar alojados no espelho: 

        do mesmo modo o rei aparece no fundo do espelho, na medida mesma em que não faz parte do quadro. 

        Na grande voluta que percorria o perímetro do ateliê, desde o olhar do pintor, sua palheta e sua mão suspensa, até os quadros terminados, a representação nascia, completava-se para se desfazer novamente na luz; o ciclo era perfeito. 

        Em contrapartida, as linhas que atravessam a profundidade do quadro são incompletas; falta, a todas, uma parte de seu trajeto. 

        Essa lacuna é devida à ausência do rei – ausência que é um artifício do pintor. Mas esse artifício recobre e designa um lugar vago que é imediato: o do pintor e do espectador quando olham ou compõem o quadro. 

        É que, nesse quadro talvez, como em toda representação de que ele é, por assim dizer, a essência manifestada, 

        • a invisibilidade profunda do que se vê é solidária 
        • com a invisibilidade daquele que vê – malgrado os espelhos, os reflexos, as imitações, os retratos. 

        Em torno da cena 

        • estão depositados os signos e as formas sucessivas da representação; 
        • mas a dupla relação 
          • da representação com o modelo e com o soberano, 
          • com o autor e com aquele a quem ela é dada em oferenda, 
        • essa relação é necessariamente interrompida. 

        Ela jamais pode estar toda presente, ainda quando numa representação que se desse a si própria em espetáculo. 

        Na profundidade que atravessa a tela, que a escava ficticiamente e a projeta para a frente dela própria, não é possível que a pura felicidade da imagem ofereça alguma vez, em plena luz, 

        • o mestre que representa 
        • e o soberano representado. 

        Talvez haja, neste quadro de Velásquez, como que a representação da representação clássica e a definição do espaço que ela abre. 

        Com efeito, ela intenta representar-se a si mesma em todos os seus elementos, com suas imagens, os olhares aos quais ela se oferece, os rostos que torna visíveis, os gestos que a fazem nascer. 

        Mas aí, nessa dispersão que ela reúne e exibe em conjunto, por todas as partes um vazio essencial é imperiosamente indicado: o desaparecimento necessário daquilo que a funda – daquele a quem ela se assemelha e daquele a cujos olhos ela não passa de semelhança. 

        Esse sujeito mesmo – que é o mesmo – foi elidido. 

        E livre, enfim, dessa relação que a acorrentava, a representação pode se dar como pura representação.

         

        V. O ser da linguagem

        Capítulo II. A prosa do mundo; tópico V. O ser da linguagem

        Desde o estoicismo, o sistema dos signos no mundo ocidental fora ternário, já que nele se reconhecia

        • o significante,
        • o significado
        • e a “conjuntura” (o ‘túyxavov).

        A partir do século XVII, em contrapartida, a disposição dos signos tornar-se-á binária, pois que será definida, com Port- Royal,

        • pela ligação de um significante
        • com um significado.

        No Renascimento, a organização é diferente e muito mais complexa; ela é ternária, já que apela

        • para o domínio formal das marcas,
        • para o conteúdo que se acha por elas assinalado
        • e para as similitudes que ligam as marcas às coisas designadas;

        porém, como a semelhança é tanto a forma dos signos quanto seu conteúdo, os três elementos distintos dessa distribuição se resolvem numa figura única.

        Essa disposição, com o jogo que ela autoriza, se reencontra, mas invertida, na experiência da linguagem. Com efeito, esta existe primeiramente, em seu ser bruto e primitivo, sob a forma simples, material, de uma escrita, de um estigma sobre as coisas, de uma marca espalhada pelo mundo e que faz parte de suas mais indeléveis figuras.

        Num sentido, essa camada da linguagem é única e absoluta. Mas ela faz logo nascer duas outras formas de discurso que a vão enquadrar:

        • acima dela, o comentário, que retoma os signos dados com um novo propósito
        • e, abaixo, o texto, cujo comentário supõe a primazia oculta por sob as marcas visíveis a todos.

        Daí três níveis de linguagem a partir do ser único da escrita. É esse jogo complexo que vai desaparecer com o fim do Renascimento. E isso de duas maneiras:

        • seja porque as figuras que oscilavam indefinidamente entre um e três termos vão ser fixadas numa forma binária que as tornará estáveis;
        • seja porque a linguagem, em vez de existir como escrita material das coisas, não achará mais seu espaço senão no regime geral dos signos representativos.

        Essa nova disposição implica o aparecimento de um novo problema até então desconhecido: com efeito, perguntava-se

        • como reconhecer que um signo designasse realmente aquilo que ele significava;
        • a partir do século XVII, perguntar-se-á como um signo pode estar ligado àquilo que ele significa.

        Questão à qual a idade clássica responderá pela análise da representação;

        e à qual o pensamento moderno responderá pela análise do sentido e da significação.

        Mas, por isso mesmo, a linguagem não será nada mais

        • que um caso particular da representação (para os clássicos)
        • ou da significação (para nós).

        A profunda interdependência da linguagem e do mundo se acha desfeita.

        O primado da escrita está suspenso.

        Desaparece então essa camada uniforme onde se entrecruzavam indefinidamente

        • o visto e o lido,
        • o visível e o enunciável.

        As coisas e as palavras vão separar-se.

        O olho será destinado a ver e somente a ver; o ouvido somente a ouvir.

        O discurso terá realmente por tarefa dizer o que é, mas não será nada mais que o que ele diz.

        Imensa reorganização da cultura de que a idade clássica foi a primeira etapa, a mais importante talvez, posto ser ela a responsável pela nova disposição na qual estamos ainda presos – posto ser ela que nos separa de uma cultura onde a significação dos signos não existia, por ser absorvida na soberania do Semelhante; mas onde seu ser enigmático, monótono, obstinado, primitivo, cintilava numa dispersão infinita.

        Nada mais há em nosso saber nem em nossa reflexão que nos traga hoje a lembrança desse ser. Nada mais, salvo talvez a literatura e ainda de um modo mais alusivo e diagonal que direto.

        Pode-se dizer, num certo sentido, que a “literatura”, tal como se constituiu e assim se designou no limiar da idade moderna, manifesta o reaparecimento, onde era inesperado, do ser vivo da linguagem.

        Nos séculos XVII e XVIII, a existência própria da linguagem, sua velha solidez de coisa inscrita no mundo foram dissolvidas no funcionamento da representação; toda linguagem valia como discurso.

        A arte da linguagem era uma maneira de “fazer signo” ao mesmo tempo de significar alguma coisa e de dispor, em torno dessa coisa, signos: uma arte, pois, de nomear e, depois, por uma reduplicação ao mesmo tempo demonstrativa e decorativa, de captar esse nome, de encerrá-lo e encobri-lo por sua vez com outros nomes, que eram sua presença adiada, seu signo segundo, sua figura, seu aparato retórico.

        Ora, ao longo de todo o século XIX e até nossos dias ainda – de Hôlderlin a Mallarmé, a Antonin Artaud – a literatura só existiu em sua autonomia, só se desprendeu de qualquer outra linguagem, por um corte profundo, na medida em que constituiu uma espécie de “contradiscurso” e remontou assim da função representativa ou significante da linguagem àquele ser bruto esquecido desde o século XVI.

        Crê-se atingir a essência mesma da literatura, interrogando-a não mais ao nível do que ela diz, mas na sua forma significante: fazendo-o, permanece-se no estatuto clássico da linguagem.

        Na idade moderna, a literatura é o que compensa (e não o que confirma) o funcionamento significativo da linguagem. Através dela o ser da linguagem brilha de novo nos limites da cultura ocidental e em seu coração – pois ele é, desde o século XVI, aquilo que lhe é mais estranho; porém, desde esse mesmo século XVI, ele está no centro do que ela recobriu.

        Eis por que, cada vez mais, a literatura aparece como o que deve ser pensado; mas também, e pela mesma razão, como o que não poderá em nenhum caso ser pensado a partir de uma teoria da significação.

        Quer a analisemos do lado do significado (o que ela quer dizer, suas “ideias”, o que ela promete ou o que exige), quer do lado do significante (com a ajuda de esquemas tomados à linguística ou à psicanálise), pouco importa: isso não passa de um episódio.

        Tanto num caso como no outro, buscam-na fora do lugar onde, para a nossa cultura, ela jamais cessou, desde há um século e meio, de nascer e de se imprimir.

        Tais modos de decifração provém de uma situação clássica da linguagem aquela que reinou no século XVII, quando o regime dos signos se tornou binário e quando a significação foi refletida na forma da representação; então a literatura era realmente composta de um significante e de um significado e merecia ser analisada como tal.

        A partir do século XIX, a literatura repõe à luz a linguagem no seu ser: não, porém, tal como ela aparecia ainda no final do Renascimento.

        Porque agora não há mais aquela palavra primeira, absolutamente inicial, pela qual se achava fundado e limitado o movimento infinito do discurso; doravante a linguagem vai crescer sem começo, sem termo e sem promessa.

        É o percurso desse espaço vão e fundamental que traça, dia a dia, o texto da literatura.

        IV. A escrita das coisas

        Capítulo II. A prosa do mundo; tópico IV. A escrita das coisas

        No século XVI, a linguagem real não é um conjunto de signos independentes, uniforme e liso, em que as coisas viriam refletir-se como num espelho, para aí enunciar, uma a uma, sua verdade singular.

        É antes coisa opaca, misteriosa, cerrada sobre si mesma, massa fragmentada e ponto por ponto enigmática, que se mistura aqui e ali com as figuras do mundo e se imbrica com elas: tanto e tão bem que, todas juntas, elas formam uma rede de marcas, em que cada uma pode desempenhar, e desempenha de fato, em relação a todas as outras, o papel de conteúdo ou de signo, de segredo ou de indicação.

        No seu ser bruto e histórico do século XVI, a linguagem não é um sistema arbitrário; está depositada no mundo e dele faz parte, porque, ao mesmo tempo, as próprias coisas escondem e manifestam seu enigma como uma linguagem e porque as palavras se propõem aos homens como coisas a decifrar.

        A grande metáfora do livro que se abre, que se soletra e que se lê para conhecer a natureza não é mais que o reverso visível de uma outra transferência, muito mais profunda, que constrange a linguagem a residir do lado do mundo, em meio às plantas, às ervas, às pedras e aos animais.

        A linguagem faz parte da grande distribuição das similitudes e das assinalações. Por conseguinte, deve, ela própria, ser estudada como uma coisa da natureza. Seus elementos têm, como os animais, as plantas ou as estrelas, suas leis de afinidade e de conveniência, suas analogias obrigatórias.

        Ramus dividia sua gramática em duas partes.

        • A primeira era consagrada à etimologia, o que não quer dizer que se buscasse aí o sentido originário das palavras, mas sim as “propriedades” intrínsecas das letras, das sílabas, enfim, das palavras inteiras.
        • A segunda parte tratava da sintaxe: seu propósito era ensinar

        “a construção das palavras entre si mediante suas propriedades” e consistia “quase que apenas em conveniência e mútua comunhão das propriedades, como a do nome com o nome ou com o verbo, do advérbio com todas as palavras às quais é associado, da conjunção na ordem das coisas conjugadas”(29).

        A linguagem não é o que é porque tem um sentido; seu conteúdo representativo que, para os gramáticos dos séculos XVII e XVIII terá tanta importância a ponto de servir de fio condutor para suas análises, não tem aqui papel a desempenhar.

        As palavras agrupam sílabas e as sílabas, letras, porque há, depositadas nestas, virtudes que as aproximam e as desassociam, exatamente como no mundo as marcas se opõem ou se atraem umas às outras.

        O estudo da gramática repousa, no século XVI, na mesma disposição epistemológica em que repousam a ciência da natureza ou as disciplinas esotéricas.

        As Únicas diferenças são:

        • há uma natureza e várias línguas;
        • e, no esoterismo, as propriedades das palavras, das sílabas e das letras são descobertas por um outro discurso que permanece secreto,
        • enquanto na gramática são as palavras e as frases de todos os dias que, por si mesmas, enunciam suas propriedades.

        A linguagem está a meio caminho entre

        • as figuras visíveis da natureza
        • e as conveniências secretas dos discursos esotéricos.

        É uma natureza fragmentada, dividida contra ela mesma e alterada, que perdeu sua transparência primeira; é um segredo que traz em si, mas na superfície, as marcas decifráveis daquilo que ele quer dizer. É, ao mesmo tempo, revelação subterrânea e revelação que, pouco a pouco, se restabelece numa claridade ascendente.

        Sob sua forma primeira, quando foi dada aos homens pelo próprio Deus, a linguagem era um signo das coisas absolutamente certo e transparente, porque se lhes assemelhava. Os nomes eram depositados sobre aquilo que designavam, assim como a força está escrita no corpo do leão, a realeza no olhar da águia, como a influência dos planetas está marcada na fronte dos homens: pela forma da similitude.

        Essa transparência foi destruída em BabeI para punição dos homens.

        • As línguas foram separadas umas das outras e se tornaram incompatíveis,
        • somente na medida em que antes se apagou essa semelhança com as coisas que havia sido a primeira razão de ser da linguagem.

        Todas as línguas que conhecemos, só as falamos agora com base nessa similitude perdida e no espaço por ela deixado vazio. Só há uma língua que guarda sua memória, porque deriva diretamente desse primeiro vocabulário agora esquecido; porque Deus não quis que o castigo de Babel escapasse a lembrança dos homens; por que essa língua teve de servir para narrar a velha Aliança de Deus com seu povo; enfim, porque é nessa língua que Deus se dirigiu aos que o escutavam.

        O hebreu carrega, pois, como resquícios as marcas da nomeação primeira. E aquelas palavras que Adão havia pronunciado, impondo-as aos animais, permaneceram, ao menos em parte, arrastando consigo na sua espessura, como um fragmento de saber silencioso, as propriedades imóveis dos seres:

        “Assim a cegonha, tão louvada por causa da caridade para com seus pais e mães, é chamada em hebreu Chasida, que quer dizer bondosa, caridosa, dotada de piedade… O nome Sus, do cavalo, é considerado do verbo Hasas, se não for antes este verbo que deriva do nome e que significa altear-se, pois, entre todos os animais de quatro pés, aquele é altivo e bravo como Jó o descreve no capítulo 39”(30).

        Mas isso não passa de monumentos fragmentários; as outras línguas perderam essas similitudes radicais que só o hebreu conserva, para mostrar que foi outrora a língua comum a Deus, a Adão e aos animais da primeira terra. Mas, se a linguagem não mais se assemelha imediatamente às coisas que ela nomeia, não está por isso separada do mundo; continua, sob uma outra forma, a ser o lugar das revelações e a fazer parte do espaço onde a verdade, ao mesmo tempo, se manifesta e se enuncia.

        Certamente que não é mais a natureza na sua visibilidade de origem, mas também não é um instrumento misterioso, cujos poderes somente alguns privilegiados conheceriam. É antes a figura de um mundo em via de se redimir, colocando-se, enfim, à escuta da verdadeira palavra.

        É por isso que Deus quis que o latim, linguagem de sua igreja, se expandisse por todo o globo terrestre. É por isso que todas as linguagens do mundo, tal como foi possível conhecê-las graças a essa conquista, formam, em conjunto, a imagem da verdade.

        O espaço em que se desdobram e sua imbricação liberam o signo do mundo salvo, tal como a disposição dos primeiros nomes se assemelhava às coisas que Deus colocara a serviço de Adão.

        Claude Duret observa que

        • os hebreus, os cananeus, os samaritanos, os caldeus, os sírios, os egípcios, os púnicos, os cartagineses, os sarracenos, os turcos, os mouros, os persas, os tártaros escrevem da direita para a esquerda, seguindo assim

        “o curso e movimento diário do primeiro céu, que é muito perfeito, conforme a opinião do grande Aristóteles, aproximando-se da unidade”;

        • os gregos, os georgianos, os maronitas, os jacobitas, os coftitas, os tzvernianos, os posnanianos e, certamente, os latinos e todos os europeus escrevem da esquerda para a direita, seguindo

        “o curso e movimento do segundo céu, conjunto dos sete planetas”;

        • os indianos, os catânios, os chineses, os japoneses escrevem de cima para baixo, conforme

        “a ordem da natureza, que deu aos homens a cabeça no alto e os pés embaixo”;

        • “ao contrário dos supracitados”, os mexicanos escrevem
          • quer de baixo para cima,
          • quer em “linhas espirais, como as que o Sol faz em seu curso anual sobre o Zodíaco”.

        E assim,

        “por esses cinco diversos modos de escrever, os segredos e mistérios da janela do mundo e da forma da cruz, conjunto da redondeza do céu e da terra, são propriamente denotados e expressos”(31).

        As línguas estão com o mundo

        • numa relação mais de analogia que de significação;
        • ou, antes, seu valor de signo e sua função de duplicação se sobrepõem;
        • elas dizem o céu e a terra de que são a imagem;
        • reproduzem, na sua mais material arquitetura, a cruz cujo advento anunciam – esse advento que, por sua vez, se estabelece pelas Escrituras e pela Palavra.

        Há uma função simbólica na linguagem:

        • mas, desde o desastre de BabeI, não devemos mais buscá-la senão em raras exceções(32) nas próprias palavras,
        • mas antes na existência mesma da linguagem,
        • na sua relação total com a totalidade do mundo,
        • no entrecruzamento de seu espaço com os lugares e as figuras do cosmos.

        Daí a forma do projeto enciclopédico, tal como aparece no fim do século XVI ou nos primeiros anos do século seguinte:

        • não refletir o que se sabe no elemento neutro da linguagem – o uso do alfabeto como ordem enciclopédica arbitrária, mas eficaz, só aparecerá na segunda metade do século XVII(33) –
        • mas reconstituir, pelo encadeamento das palavras e por sua disposição no espaço, a ordem mesma do mundo.

        É esse projeto que se encontra em

        • Gregório, no seu Syntaxeon artis mirabilis (1610),
        • em Alstedius com sua Encyclopaedia (1630);
        • ou ainda em Cristophe de Savigny (Tableau de tous les arts libéraux) que consegue espacializar os conhecimentos, ao mesmo tempo segundo a forma cósmica, imóvel e perfeita do círculo e aquela, sublunar, perecível, múltipla e dividida da árvore;
        •  encontramo-lo também em La Croix du Maine, que imagina um espaço ao mesmo tempo de Enciclopédia e de Biblioteca, que permitiria dispor os textos escritos segundo as figuras da vizinhança, do parentesco, da analogia e da subordinação, prescritas pelo próprio mundo(34).

        De todo modo, um tal entrelaçamento da linguagem com as coisas, num espaço que lhes seria comum, supõe um privilégio absoluto da escrita. Esse privilégio dominou todo o Renascimento e, sem dúvida, foi um dos grandes acontecimentos da cultura ocidental.

        A imprensa, a chegada à Europa dos manuscritos orientais, o aparecimento de uma literatura que não era mais feita pela voz ou pela representação nem comandada por elas, a primazia dada à interpretação dos textos religiosos sobre a tradição e o magistério da igreja – tudo isso testemunha, sem que se possam apartar os efeitos e as causas, o lugar fundamental assumido, no Ocidente, pela Escrita.

        Doravante, a linguagem tem por natureza primeira ser escrita. Os sons da voz formam apenas sua tradução transitória e precária.

        • O que Deus depositou no mundo são palavras escritas; quando Adão impôs os primeiros nomes aos animais, não fez mais que ler essas marcas visíveis e silenciosas;
        • a Lei foi confiada a Tábuas, não à memória dos homens; e a verdadeira Palavra, é num livro que a devemos encontrar.

        Tanto Vigenere como Duret(35) diziam – e em termos quase idênticos – que a escrita precedera sempre a fala, certamente na natureza, talvez mesmo no saber dos homens.

        Pois poderia bem ser que antes de BabeI, antes do Dilúvio, houvesse uma escrita composta pelas marcas mesmas da natureza, de tal sorte que esses caracteres tivessem o poder de agir diretamente sobre as coisas, atraí-las ou repeli-las, figurar suas propriedades, suas virtudes e seus segredos.

        Escrita primitivamente natural, da qual certos saberes esotéricos e a cabala, em primeiro lugar, conservaram a memória dispersada e tentam retomar os poderes desde muito tempo adormecidos.

        O esoterismo do século XVI é um fenômeno de escrita, não de fala. Esta, em todo o caso, é despojada de seus poderes;

        • ela só é, dizem Vigenère e Duret, a parte fêmea da linguagem, como seu intelecto passivo;
        • já a Escrita é o intelecto agente, o “princípio macho” da linguagem.

        Somente ela detém a verdade. Essa primazia da escrita explica a presença gêmea de duas formas que são indissociáveis no saber do século XVI, apesar de sua oposição aparente.

        Trata-se, em primeiro lugar, da não-distinção entre o que se vê e o que se lê, entre o observado e o relatado, da constituição, pois, de uma superfície única e lisa, onde o olhar e a linguagem se entrecruzam ao infinito; e trata-se também, inversamente, da dissociação imediata de toda linguagem que desdobra, sem um termo jamais assinalável, a repetição do comentário.

        Buffon, um dia, estranhará que se possa encontrar em um naturalista como Aldrovandi uma mistura inextrincável de descrições exatas de citações relatadas, de fábulas sem critica, de observações concernindo indiferentemente à anatomia, aos brasões, ao habitat, aos valores mitológicos de um animal, aos usos que dele se podem fazer na medicina ou na magia. E, com efeito, quando nos reportamos à Historia serpentum et draconum, vemos o capítulo “Da Serpente em Geral” desenvolver-se segundo as seguintes rubricas:

        • equívoco (isto é, os diferentes sentidos da palavra serpente), sinônimos e etimologias, diferenças, forma e descrição, anatomia, natureza e costumes, temperamento, coito e geração, voz, movimentos, lugares, alimentação, fisionomia, antipatia, simpatia, modos de captura, morte e ferimentos pela serpente, modos e sinais de envenenamento, remédios, epítetos, denominações, prodígios e presságios, monstros, mitologia, deuses aos quais é consagrada, apólogos, alegorias e mistérios, hieróglifos, emblemas e símbolos, adágios, moedas, milagres, enigmas, divisas, signos heráldicos, fatos históricos, sonhos, simulacros e estátuas, usos nos alimentos, usos na medicina, usos diversos.

        E Buffon diz:

        “Que se julgue, a partir disso, que porção de história natural se pode encontrar em toda essa miscelânea de escrita. Tudo isso não é descrição, mas lenda.”

        Com efeito, para Aldrovandi e seus contemporâneos, tudo isso é legenda – coisas para ler.

        Mas a razão disso não está em que se prefira a autoridade dos homens à exatidão de um olhar não-prevenido, mas em que a natureza, em si mesma, é um tecido ininterrupto de palavras e de marcas, de narrativas e de caracteres, de discursos e de formas.

        Quando se tem de fazer a história de um animal, inútil e impossível escolher entre o ofício de naturalista e o de compilador: o que é preciso é recolher, numa única e mesma forma do saber, tudo o que foi visto e ouvido, tudo o que foi contado pela natureza ou pelos homens, pela linguagem do mundo, das tradições ou dos poetas.

        Conhecer um animal, ou uma planta, ou uma coisa qualquer da terra, é recolher toda a espessa camada dos signos que puderam ter sido depositados neles ou sobre eles; é reencontrar também todas as constelações de formas em que eles assumem valor de insígnia.

        Aldrovandi não era nem melhor nem pior observador que Buffon; não era mais crédulo que ele nem menos empenhado na fidelidade do olhar ou na racionalidade das coisas.

        Simplesmente o seu olhar não estava ligado às coisas pelo mesmo sistema, nem pela mesma disposição da epistémê. O próprio Aldrovandi contemplava meticulosamente uma natureza que era, toda ela, escrita.

        Saber consiste, pois, em referir a linguagem à linguagem. Em restituir a grande planície uniforme das palavras e das coisas. Em fazer tudo falar. Isto é, em fazer nascer, por sobre todas as marcas, o discurso segundo do comentário.

        O que é próprio do saber não é nem ver nem demonstrar, mas lnterpretar.

        Comentário das Escrituras, comentários dos antigos, comentário do que relataram os viajantes, comentário das lendas e das fábulas:

        • não se solicita a cada um desses discursos que se interpreta seu direito de enunciar uma verdade;
        • só se requer dele a possibilidade de falar sobre ele.

        A linguagem tem em si mesma seu princípio interior de proliferação.

        “Há mais a fazer interpretando as interpretações que interpretando as coisas; e mais livros sobre os livros que sobre qualquer outro assunto; nós não fazemos mais que nos entreglosar.”(36)

        Não se trata aí da constatação do malogro de uma cultura soterrada sob seus próprios monumentos; mas da definição da relação inevitável que a linguagem do século XVI entretinha consigo mesma.

        De um lado, esta relação permite uma mobilização infinita da linguagem que não cessa de se desenvolver, de se retomar e de fazer imbricarem-se suas formas sucessivas.

        Talvez pela primeira vez na cultura ocidental descobre-se essa dimensão absolutamente aberta de uma linguagem que não pode mais se deter porque, jamais encerrada numa palavra definitiva, só enunciará sua verdade num discurso futuro, inteiramente consagrado a dizer o que irá dizer; mas esse próprio discurso não tem o poder de se deter sobre si e encerra aquilo que diz como uma promessa legada ainda a um outro discurso…

        A tarefa do comentário, por definição, não pode jamais ser completada. E, contudo, o comentário é inteiramente voltado para a parte enigmática, murmurada, que se oculta na linguagem comentada: faz nascer, por sob o discurso existente, um outro discurso, mais fundamental e como que “mais primeiro”, cuja restituição ele se propõe como tarefa.

        Só há comentário se, por sob a linguagem que se lê e se decifra, corre a soberania de um Texto primitivo. E é esse texto que, fundando o comentário, lhe promete como recompensa sua descoberta final.

        De tal sorte que a necessária proliferação da exegese é medida, idealmente limitada e, contudo, incessantemente animada por esse reino silencioso.

        A linguagem do século XVI – entendida não como um episódio na história da língua, mas como uma experiência cultural global – foi sem dúvida tomada nesse jogo, nesse interstício entre o Texto primeiro e o infinito da Interpretação.

        Fala-se sobre o fundo de uma escrita que se incorpora ao mundo; fala-se infinitamente sobre ela, e cada um de seus signos torna-se, por sua vez, escrita para novos discursos; mas cada discurso se endereça a essa primeira escrita, cujo retorno ao mesmo tempo promete e desvia.

        Vê-se que a experiência da linguagem pertence à mesma rede arqueológica a que pertence o conhecimento das coisas da natureza. Conhecer essas coisas era patentear o sistema das semelhanças que as tornavam próximas e solidárias umas às outras; não se podia, porém, fazer o levantamento das similitudes senão na medida em que um conjunto de signos formava o texto de uma indicação peremptória. Ora, esses mesmos signos não eram senão um jogo de semelhanças e remetiam a uma tarefa infinita, necessariamente inacabada, de conhecer o similar.

        Da mesma forma, mas com alguma transposição, a linguagem se dá por tarefa restituir um discurso absolutamente primeiro que, no entanto, ela só pode enunciar acercando-se dele, tentando dizer a seu propósito coisas semelhantes a ele, e fazendo nascer assim, ao infinito, as fidelidades vizinhas e similares da interpretação.

        O comentário se assemelha indefinidamente ao que ele comenta e que jamais pode enunciar; assim como o saber da natureza encontra sempre novos signos da semelhança, porque a semelhança não pode ser conhecida por si mesma, já que os signos não podem ser outra coisa senão similitudes. E,

        • assim como esse jogo infinito da natureza encontra seu liame, sua forma e sua limitação na relação do microcosmo com o macrocosmo,
        • assim a tarefa infinita do comentário se assegura na promessa de um texto efetivamente escrito, que um dia a interpretação revelará por inteiro.

        III. Os limites do mundo

        Capítulo II. A prosa do mundo; tópico III. Os limites do mundo

        Tal é, em seu esboço geral, a epistémê do século XVI.

        Essa configuração traz consigo um certo número de consequências. E, de início, o caráter ao mesmo tempo

        • pletórico
        • e absolutamente pobre

        desse saber.

        Pletórico porque ilimitado.

        A semelhança jamais permanece estável em si mesma;

        • só é fixada se remete a uma outra similitude que, por sua vez, requer outras;
        • de sorte que cada semelhança só vale pela acumulação de todas as outras,
        • e que o mundo inteiro deve ser percorrido para que a mais tênue das analogias seja justificada e apareça enfim como certa.

        É, pois, um saber que poderá, que deverá proceder por acúmulo infinito de confirmações requerendo-se umas às outras. E por isso, desde suas fundações, esse saber será movediço. A única forma de ligação possível entre os elementos do saber é a adição. Daí essas imensas colunas, daí sua monotonia.

        Colocando a semelhança (ao mesmo tempo terceira potência e poder único, pois que habita do mesmo modo a marca e o conteúdo) como nexo entre o signo e o que ele indica, o saber do século XVI condenou-se a só conhecer sempre a mesma coisa, mas a conhecê-la apenas ao termo jamais atingido de um percurso indefinido.

        É aí que funciona a categoria, demasiado ilustre, do microcosmo.

        Sem dúvida, essa noção foi reanimada, através da Idade Média e desde o começo do Renascimento, por certa tradição neoplatônica. Mas ela acabou por desempenhar, no século XVI, um papel fundamental no saber.

        Pouco importa que ela seja ou não, como se dizia outrora, visão do mundo ou Weltanschauung. De fato, ela tem uma, ou melhor, duas funções muito precisas na configuração epistemológica dessa época.

        • Como categoria de pensamento,
          • aplica a todos os domínios da natureza o jogo das semelhanças redobradas;
          • garante à investigação que cada coisa encontrará, numa escala maior, seu espelho e sua segurança macroscópica;
          • afirma, em troca, que a ordem visível das mais altas esferas virá mirar-se na profundeza mais sombria da terra.
        • Mas, entendida como configuração geral da natureza,
          • ela coloca limites reais e, por assim dizer, tangíveis ao inacessível curso das similitudes que se permutam.
          • Indica que existe um grande mundo e que seu perímetro traça o limite de todas as coisas criadas;
          • que, na outra extremidade, existe uma criatura privilegiada que reproduz, nas suas dimensões restritas, a ordem imensa do céu, dos astros, das montanhas, dos rios e das tempestades;
          • e que é entre os limites efetivos dessa analogia constitutiva que se desenvolve o jogo das semelhanças.

        Por isso mesmo, a distância do microcosmo ao macrocosmo pode ser imensa, mas não é infinita; os seres que aí residem podem ser numerosos, mas afinal poderíamos contá-los; e, consequentemente, as similitudes que, pelo jogo dos signos que elas exigem, apóiam-se sempre umas nas outras, não se arriscam mais a escapar indefinidamente. Para se apoiarem e se reforçarem, elas têm um domínio perfeitamente cerrado. A natureza, como o jogo dos signos e das semelhanças, fecha-se sobre si mesma segundo a figura redobrada do cosmos.

        É necessário, pois, evitar inverter as relações.

        Sem dúvida alguma, a ideia do microcosmo é, como se diz, “importante” no século XVI; dentre todas as formulações que uma inquirição poderia recensear, ela seria provavelmente uma das mais frequentes.

        • Mas não se trata aqui de um estudo de opiniões que somente uma análise estatística do material escrito permitiria conduzir.
        • Se, em contrapartida, se interroga o saber do século XVI em seu nível arqueológico isto é, naquilo que o tornou possível -, as relações entre o macrocosmo e o microcosmo aparecem como um simples efeito de superfície.

        Não foi porque se acreditava em tais relações que se passou a buscar todas as analogias do mundo.

        Mas havia no coração do saber uma necessidade: era preciso

        • ajustar a infinita riqueza de uma semelhança, introduzida como terceiro entre os sinais e seus sentidos,
        • e a monotonia imposta pela mesma repartição da semelhança ao significante e ao que ele significava.

        Numa epistémê onde signos e semelhanças se enrolavam reciprocamente segundo uma voluta que não tinha termo, era realmente necessário que se pensasse na relação do microcosmo com o macrocosmo como a garantia desse saber e o termo de sua expansão.

        Graças à mesma necessidade, esse saber devia acolher, ao mesmo tempo e no mesmo plano,

        • magia
        • e erudição.

        Afigura-se-nos que os conhecimentos do século XVI eram constituídos por uma mistura instável

        • de saber racional,
        • de noções derivadas das práticas da magia
        • e de toda uma herança cultural, cujos poderes de autoridade a redescoberta de textos antigos havia multiplicado.

        Assim concebida, a ciência dessa época aparece dotada de uma estrutura frágil; ela não seria mais do que o lugar liberal de um afrontamento entre

        • a fidelidade aos antigos, o gosto pelo maravilhoso
        • e uma atenção já despertada para essa soberana racionalidade na qual nos reconhecemos.

        E essa época trilobada se refletiria no espelho de cada obra e de cada espírito dividido…

        De fato, não é de uma insuficiência de estrutura que sofre o saber do século XVI. Vimos, ao contrário, quão meticulosas são as configurações que definem seu espaço. É esse rigor que impõe a relação com a magia e com a erudição não conteúdos aceitos, mas formas requeridas.

        O mundo é coberto de signos que é preciso decifrar, e estes signos, que revelam semelhanças e afinidades, não passam, eles próprios, de formas da similitude.

        Conhecer será, pois, interpretar: ir da marca visível ao que se diz através dela e, sem ela, permaneceria palavra muda, adormecida nas coisas.

        “Nós, homens, descobrimos tudo o que está oculto nas montanhas por meio de sinais e correspondências exteriores; e é assim que encontramos todas as propriedades das ervas e tudo o que está nas pedras. Nada há nas profundezas dos mares, nada nas alturas do firmamento que o homem não seja capaz de descobrir. Não há montanha bastante vasta para ocultar ao olhar do homem o que nela existe; isso lhe é revelado por sinais correspondentes.”(27)

        A adivinhação não é uma forma concorrente de conhecimento; incorpora-se ao próprio conhecimento. Ora esses signos que se interpretam só designam o oculto na medida em que se lhe assemelham; e não se atuará sobre as marcas sem operar ao mesmo tempo sobre o que é, por elas secretamente indicado.

        Eis por que as plantas que representam a cabeça, ou os olhos, ou o coração, ou o fígado, terão eficácia sobre um órgão; eis por que os próprios animais são sensíveis às marcas que os designam.

        “Dize-me pois” pergunta Paracelso, “por que a serpente na Helvécia, na Argólida, na Suécia, compreende as palavras gregas Osy, Osya, Osy… Em que academias aprenderam, já que, ao escutarem a palavra, viram em seguida sua cauda, a fim de não escutá-la de novo? Não obstante sua natureza e seu espírito, basta escutarem a palavra para permanecerem imóveis e não envenenarem ninguém com sua ferida venenosa.”

        E não se diga que isso é somente o efeito do ruído das palavras pronunciadas:

        “Se escreveres, em tempo favorável, somente lavras em velino, pergaminho, papel, e a impuseres à serpente, esta não ficará menos imóvel que se as tivesses articulado em voz alta?”.

        O projeto das “Magias naturais”, que ocupa um amplo lugar no final do século XVI e se alonga até plenos meados do século XVII, não é um efeito residual na consciência européia; ele foi ressuscitado – diz expressamente Campanella(28) – e por razões contemporâneas:

        • porque a configuração fundamental do saber remetia umas às outras as marcas e as similitudes.

        A forma era inerente à maneira de conhecer. E, pela mesma razão, a erudição: pois, no tesouro que nos transmitiu a Antiguidade, a linguagem vale como o signo das coisas.

        Não há diferença entre

        • essas marcas visíveis que Deus depositou sobre a superfície da Terra, para nos fazer conhecer seus segredos interiores,
        • e as palavras legíveis que a Escritura ou os sábios da Antiguidade, esclarecidos por uma luz divina, depositaram nesses livros que a tradição salvou.

        A relação com os textos é da mesma natureza que a relação com as coisas; aqui e lá são signos que arrolamos. Mas Deus, para exercitar nossa sabedoria, só semeou na natureza figuras a serem decifradas (e é nesse sentido que o conhecimento deve ser divinatio), enquanto os antigos já deram interpretações que não temos senão que recolher.

        Que deveríamos somente recolher, se não fosse necessário aprender sua língua, ler seus textos, compreender o que dizem.

        A herança da Antiguidade é como a própria natureza, um vasto espaço a interpretar; aqui e lá é preciso arrolar signos e pouco a pouco fazê-Ios falar. Em outras palavras, Divinatio e Eruditio são uma mesma hermenêutica.

        Ela se desenvolve, porém, segundo figuras semelhantes, em dois níveis diferentes:

        • uma vai da marca muda à própria coisa
          (e faz falar a natureza);
        • a outra vai do grafismo imóvel à clara palavra (restitui vida às linguagens adormecidas).

        Mas, assim como os sinais naturais estão ligados ao que indicam pela profunda relação de semelhança, assim também o discurso dos antigos é feito à imagem do que ele enuncia;

        • se tem para nós o valor de um signo precioso, é porque, do fundo de seu ser, e pela luz que não cessou de atravessá-lo desde seu nascimento, está ajustado às próprias coisas, forma seu espelho e sua emulação;
        • ele é, para a verdade eterna, o que os sinais são para os segredos da natureza (desta palavra, ele é o sinal a decifrar);
        • tem, com as coisas que desvela, uma afinidade sem idade.

        Inútil, pois, pedir-lhe seu título de autoridade; ele é um tesouro de signos ligados por similitude àquilo que eles podem designar.

        A única diferença é que se trata de um tesouro de segundo grau, remetendo às notações da natureza, as quais indicam obscuramente o fino ouro das próprias coisas. A verdade de todas essas marcas quer atravessem a natureza, quer se alinhem nos pergaminhos e nas bibliotecas – é em toda a parte a mesma: tão arcaica quanto a instituição de Deus.

        Entre as marcas e as palavras, não difere a observação da autoridade aceita ou o verificável da tradição. Por toda a parte há somente um mesmo jogo, o do signo e do similar, e é por isso que a natureza e o verbo podem se entrecruzar ao infinito, formando, para quem sabe ler, como que um grande texto único.

        II. As assinalações

        Capítulo II. A prosa do mundo; tópico II. As assinalações

        E, no entanto, o sistema não é fechado. Subsiste uma abertura: por ela, todo o jogo das semelhanças se arriscaria a escapar de si mesmo ou a permanecer na noite, se uma nova figura da similitude não viesse completar o círculo tomá-lo ao mesmo tempo perfeito e manifesto.

        Convenientia, aemulatio, analogia e simpatia nos dizem de que modo o mundo deve se dobrar sobre si mesmo, se duplicar, se refletir ou se encadear para que as coisas possam assemelhar-se. Dizem-nos os caminhos da similitude e por onde eles passam;

        • não onde ela está
        • nem como a vemos,
        • nem com que marca a reconhecemos.

        Ora, talvez nos ocorresse atravessar toda essa proliferação maravilhosa das semelhanças, sem mesmo suspeitarmos que ela está preparada, desde muito tempo, pela ordem do mundo e para nosso maior beneficio.

        Para saber que o acônito cura nossas doenças de olhos ou que a noz esmagada com o álcool sana as dores de cabeça, é preciso uma marca que no-la advirta: sem o que este segredo permaneceria indefinidamente adormecido.

        Saberíamos jamais que existe, de um homem com seu planeta, uma relação de geminidade ou de contenda, se não houvesse em seu corpo e entre as rugas de seu rosto, o sinal de que ele é rival de Marte ou aparentado a Saturno?

        É preciso que as similitudes submersas estejam assinaladas na superfície das coisas; é necessária uma marca visível das analogias invisíveis.

        Acaso não será toda semelhança a um tempo o que há de mais manifesto e o que está mais bem oculto?

        Com efeito,

        • ela não é composta de porções justapostas – algumas idênticas, outras diferentes -;
        • ela é, por inteiro, uma similitude
          • que se vê
          • ou que não se vê.

        Seria, pois, sem critério, se não houvesse nela – ou acima ou ao lado – um elemento de decisão que transformasse sua duvidosa cintilação em clara certeza.

        Não há semelhança sem assinalação.

        O mundo do similar só pode ser um mundo marcado.

        “Não é vontade de Deus”, diz Paracelso, “que o que ele cria para o beneficio do homem e o que lhe deu permaneça escondido… E ainda que ele tenha escondido certas coisas, nada deixou sem sinais exteriores e visíveis com marcas especiais – assim como um homem que enterrou um tesouro marca a sua localização a fim de que possa reencontrá-lo.”(19)

        O saber das similitudes funda-se

        • na súmula de suas assinalações
        • e na sua decifração.

        Inútil deter-se na casca das plantas para conhecer sua natureza; é preciso ir diretamente às suas marcas –

        “à sombra e imagem de Deus que elas trazem ou à virtude interna que lhes foi dada do céu como por dote natural,… virtude, digo eu, que se reconhece melhor pela assinalação”(20).

        O sistema das assinalações inverte a relação do visível com o invisível.

        A semelhança era

        • a forma invisível daquilo que, do fundo do mundo, tornava as coisas visíveis;
        • mas para que essa forma, por sua vez, venha até a luz, é necessária uma figura visível que a tire de sua profunda invisibilidade.

        Eis por que a face do mundo é coberta de brasões, de caracteres, de cifras, de palavras obscuras – de “hieróglifos”, dizia Turner.

        E o espaço das semelhanças imediatas torna-se como um grande livro aberto; é carregado de grafismos; ao longo da página, veem-se figuras estranhas que se entrecruzam e por vezes se repetem. Só se tem que decifrá-las:

        “Não é verdade que todas as ervas, árvores e outros, provenientes das entranhas da terra, são outros tantos livros e sinais mágicos?”(21).

        O grande espelho calmo, no fundo do qual as coisas se mirariam e remeteriam umas às outras suas imagens, é, na realidade, todo buliçoso de palavras.

        Os reflexos mudos são duplicados por que os indicam. E, graças a uma última forma de semelhança que envolve todas as outras e as encerra em um único, mundo pode se comparar a um homem que fala;

        “Assim como os secretos movimentos de seu entendimento são manifestados pela voz, assim não parece que as ervas falam ao médico curioso por sua assinalação, descobrindo-lhe… suas virtudes interiores ocultas sob o véu do silêncio da natureza?”(22)

        Mas convém nos determos mais sobre essa própria linguagem.

        • Sobre os signos de que é formada.
        • Sobre a maneira como esses signos remetem ao que indicam.

        Há simpatia entre o acônito e os olhos. Essa afinidade imprevista permaneceria na sombra se não houvesse sobre a planta uma assinalação, uma marca e como que uma palavra dizendo que ela é boa para as doenças dos olhos.

        • Esse signo perfeitamente legível em suas sementes: são pequenos globos escuros engastados em películas brancas, que figuram aproximadamente o que as pálpebras são para os olhos(23).
        • O mesmo se passa com a afinidade entre a noz e a cabeça; o que cura “as aflições do pericrânio” é a espessa casca verde que repousa sobre os ossos – sobre o invólucro – do fruto: mas os males interiores da cabeça são evitados pelo próprio núcleo “que indica totalmente o cérebro”(24).

        O sinal da afinidade, e o que a torna visível, é simplesmente a analogia; a cifra da simpatia reside na proporção.

        Mas que assinalação trará a própria proporção para que seja possível reconhecê-la?

        Como se poderia saber que as pregas da mão ou as rugas da fronte desenham no corpo dos homens o que são as inclinações, os acidentes ou os reveses no grande tecido da vida?

        Somente porque a simpatia faz comunicarem-se o corpo e o céu e transmite o movimento dos planetas às aventuras dos homens. Somente também porque a brevidade de uma linha reflete a imagem simples de uma vida curta, o cruzamento de duas pregas, o encontro de um obstáculo, o movimento ascendente de uma ruga, a escalada de um homem para o sucesso. A largura é sinal de riqueza e de importância; a continuidade marca a fortuna, a descontinuidade, o infortúnio(25).

        A grande analogia do corpo e do destino é assinalada por todo o sistema dos espelhos e das atrações. São as simpatias e as emulações que assinalam as analogias.

        Quanto à emulação,

        • podemos reconhecê-la na analogia:
          • os olhos são estrelas porque espalham a luz sobre os rostos como os astros na obscuridade,
          • e porque os cegos são no mundo como os que têm clarividência no mais soturno da noite.
        • Podemos reconhecê-la também na conveniência:
          • sabe-se, desde os gregos, que os animais fortes e corajosos têm a extremidade dos membros larga e bem desenvolvida como se seu vigor tivesse sido comunicado às partes mais distantes do seu corpo.
          • Do mesmo modo, o rosto e a mão do homem carregarão a semelhança com a alma à qual estão ligados.

        O reconhecimento das mais visíveis similitudes apóia-se, pois, numa descoberta que é a da conveniência das coisas entre si.

        E se lembrarmos agora que a conveniência não é sempre definida por uma localização atual, mas que muitos seres que se convêm estão separados

        (como ocorre entre a doença e seu remédio, entre o homem e seus astros, entre a planta e o solo de que precisa)

        tornar-se-á de novo necessário um sinal da conveniência.

        Ora, que outra marca existe de que duas coisas estão encadeadas uma à outra senão que elas se atraem reciprocamente, como o sol e a flor do girassol, ou a água e o rebento do pepino(26), senão que entre elas há afinidade e como que simpatia?

        Assim o círculo se fecha. Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos.

        As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada.

        Mas que são esses sinais?

        Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, que há aqui um caráter no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança?

        Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo?- É a semelhança. Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

        Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira.

        Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança.

        De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro,

        • se não fosse esse pequeno desnível que faz com que
          • o signo da simpatia resida na analogia,
          • o da analogia na emulação,
          • o da emulação na conveniência,
          • que, por sua vez, para ser reconhecida, requer a marca da simpatia…

        A assinalação e o que ela designa

        • são exatamente da mesma natureza;
        • apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.

        Forma assinalante e forma assinalada são semelhanças, mas paralelas.

        E é por isso, sem dúvida, que, no saber do século XVI,

        • a semelhança é o que há de mais universal;
        • ao mesmo tempo aquilo que há de mais visível,
        • mas que se deve, entretanto, buscar descobrir por ser o mais escondido;
        • o que determina a forma do conhecimento (pois só se conhece seguindo os caminhos da similitude)
        • e o que lhe garante a riqueza de seu conteúdo (pois, desde que soergamos os signos e olhemos o que eles indicam, deixamos vir às claras e cintilar na sua própria luz a própria Semelhança).

        Chamemos hermenêutica ao conjunto de conhecimentos e de técnicas que permitem fazer falar os signos e descobrir seu sentido;

        chamemos semiologia ao conjunto de conhecimentos e de técnicas que permitem distinguir onde estão os signos, definir o que os institui como signos, conhecer seus liames e as leis de seu encadeamento:

        o século XVI superpôs

        • semiologia
        • e hermenêutica

        na forma da similitude.

        Buscar o sentido é trazer à luz o que se assemelha.

        Buscar a lei dos signos é descobrir as coisas que são semelhantes.

        A gramática dos seres é sua exegese.

        E a linguagem que eles falam não narra outra coisa senão a sintaxe que os liga.

        A natureza das coisas, sua coexistência, o encadeamento que as vincula e pelo que se comunicam não é diferente de sua semelhança. E esta só aparece na rede de signos que, de um extremo ao outro, percorre o mundo.

        A “natureza” está inserida na fina espessura que mantém, uma acima da outra, semiologia e hermenêutica;

        • ela só é misteriosa e velada, só se oferece ao conhecimento por ela às vezes confundido,
        • na medida em que essa superposição não se faz sem um ligeiro desnível das semelhanças.

        De imediato, o crivo não é claro; a transparência se acha turva desde o primeiro lance. Aparece um espaço sombrio que será necessário progressivamente aclarar.

        É aí que está a “natureza” e é isso que é mister aplicar-se a conhecer.

        Tudo seria imediato e evidente

        • se a hermenêutica da semelhança
        • e a semiologia das assinalações coincidissem sem a menor oscilação.

        Mas, posto que há um “vão” entre

        • as similitudes que formam grafismo
        • e as que formam discurso,

        o saber e seu labor infinito recebem aí o espaço que lhes é próprio: terão que sulcar essa distância indo, por um ziguezague indefinido, do semelhante ao que lhe é semelhante.

        I. As quatro similitudes

        Capítulo II. A prosa do mundo; tópico I. As quatro similitudes

        Até o fim do século XVI, a semelhança desempenhou um papel construtor no saber da cultura ocidental.

        • Foi ela que, em grande parte, conduziu a exegese e a interpretação dos textos:
        • foi ela que organizou o jogo dos símbolos, permitiu o conhecimento das coisas visíveis e invisíveis, guiou a arte de representá-las.

        O mundo enrolava-se sobre si mesmo:

        • a terra repetindo o céu, os rostos mirando-se nas estrelas e a erva envolvendo nas suas hastes os segredos que serviam ao homem. A pintura imitava o espaço.

        E a representação – fosse ela festa ou saber – se dava como repetição: teatro da vida ou espelho do mundo, tal era o título de toda linguagem, sua maneira de anunciar-se e de formular seu direito de falar.

        É preciso nos determos um pouco nesse momento do tempo em que a semelhança desfará sua dependência para com o saber e desaparecerá, ao menos em parte, do horizonte do conhecimento.

        No fim do século XVI, no começo ainda do século XVII, como era pensada a similitude?

        Como podia ela organizar as figuras do saber?

        E se é verdade que as coisas que se assemelhavam eram em número infinito, podem-se, ao menos, estabelecer as formas segundo as quais era possível ocorrer-lhes serem semelhantes umas às outras?

        A trama semântica da semelhança no século XVI é muito rica: Amicitia, Aequalitas (contractus, consensus, matrimonium, societas, pax et similia), Consonantia, Concertus, Continuum, Paritas, Proportio, Similitudo, Conjunctio, Copula (1).

        E há ainda muitas outras noções que, na superfície do pensamento, se entrecruzam, se imbricam, se reforçam ou se limitam. Por ora, basta indicar as principais figuras que prescrevem suas articulações ao saber da semelhança. Dentre elas há quatro seguramente essenciais.

        • Similitude
          1. Convenientia;
          2. Aemulatio;
          3. Analogia;
          4. Simpatias – antipatias

        Primeiro, a convenientia.

        Na verdade, por esta palavra é designada com mais força a vizinhança dos lugares que a similitude. São “convenientes” as coisas que, aproximando-se umas das outras, vêm a se emparelhar; tocam-se nas bordas, suas franjas se misturam, a extremidade de uma designa o começo da outra. Desse modo, comunica-se o movimento, comunicam-se as influências e as paixões, e também as propriedades.

        De sorte que, nessa articulação das coisas, aparece uma semelhança.

        Dupla, desde que se tenta destrinchá-la:

        • semelhança do lugar, do local onde a natureza colocou as duas coisas, similitude, pois, de propriedades; pois, neste continente natural que é o mundo, a vizinhança não é uma relação exterior entre as coisas, mas o signo de um parentesco ao menos obscuro. E, depois, desse contato nascem por permuta novas semelhanças; um regime comum se impõe;
          • à similitude como razão surda da vizinhança,
          • superpõe-se uma semelhança que é o efeito visível da proximidade.

        A alma e o corpo, por exemplo, são duas vezes convenientes:

        • foi preciso que o pecado tivesse tornado a alma espessa, pesada e terrestre, para que Deus a colocasse nas entranhas da matéria.
        • Mas, por essa vizinhança,
          • a alma recebe os movimentos do corpo e se assimila a ele,
          • enquanto o “corpo se altera e se corrompe pelas paixões da alma”(2).

        Na vasta sintaxe do mundo, os diferentes seres se ajustam uns aos outros; a planta comunica com o animal, a terra com o mar, o homem com tudo o que o cerca.

        A semelhança impõe vizinhanças que, por sua vez, asseguram semelhanças. O lugar e a similitude se imbricam:

        • vê-se crescer limos nos dorsos das conchas,
        • plantas nos galhos dos cervos,
        • espécies de ervas no rosto dos homens;
        • e o estranho zoófito justapõe, misturando-as, as propriedades que o tornam semelhante tanto à planta quanto ao animal(3).

        São signos de conveniência.

        A convenientia é uma semelhança ligada ao espaço na forma da “aproximação gradativa”. É da ordem da conjunção e do ajustamento.

        Por isso pertence menos às próprias coisas que ao mundo onde elas se encontram.

        O mundo é a “conveniência” universal das coisas;

        • há tantos peixes na água quanto sobre a terra animais ou objetos produzidos pela natureza ou pelos homens (não há peixes que se chamam Episcopus, outros Catena, outros Priapus?);
        • na água e sobre a superfície da terra, tantos seres quantos os há no céu e aos quais correspondem;
        • enfim, em tudo o que é criado, há tantos quantos se poderiam encontrar eminentemente contidos em Deus, “Semeador da Existência, do Poder, do Conhecimento e do Amor”(4).

        Assim, pelo encadeamento da semelhança e do espaço, pela força dessa conveniência que avizinha o semelhante e assimila os próximos, o mundo constitui cadeia consigo mesmo. Em cada ponto de contato começa e acaba um elo que se assemelha ao precedente e se assemelha ao seguinte: e, de círculos em círculos, as similitudes prosseguem retendo os extremos na sua distância (Deus e a matéria), aproximando-os, de maneira que a vontade do Todo- Poderoso penetre até os recantos mais adormecidos.

        É essa cadeia imensa, estendida e vibrante, essa corda da conveniência, que Porta evoca num texto de sua Magia natural:

        “No tocante a sua vegetação, a planta convém com a besta bruta e, por sentimento, o animal brutal com o homem, que se conforma ao resto dos astros por sua inteligência; essa ligação procede tão apropriadamente que parece uma corda estendida desde a primeira causa até as coisas baixas e ínfimas, por uma ligação recíproca e contínua; de sorte que a virtude superior, expandindo seus raios, chegará a tal ponto que, se lhe tocarmos uma extremidade, tremerá e fará mover o resto.”(5)

        A segunda forma da similitude é a aemulatio:

        uma espécie de conveniência, mas que fosse liberada da lei do lugar e atuasse, imóvel, na distância.

        Um pouco como se a conveniência espacial tivesse sido rompida, e os elos da cadeia, desatados, reproduzissem seus círculos longe uns dos outros, segundo uma semelhança sem contato.

        Há na emulação algo do reflexo e do espelho: por ela, as coisas dispersas através do mundo se correspondem.

        • De longe, o rosto é o êmulo do céu
        • e, assim como o intelecto do homem reflete, imperfeitamente, a sabedoria de Deus,
        • assim os dois olhos, com sua claridade limitada, refletem a grande iluminação que, no céu, expandem o Sol e a Lua;
        • a boca é Vênus, pois que por ela passam os beijos e as palavras de amor;
        • o nariz dá a minúscula imagem do cetro de Júpiter e do caduceu de Mercúrio(6).

        Por esta relação de emulação, as coisas podem se imitar de uma extremidade à outra do universo sem encadeamento nem proximidade:

        • por sua reduplicação em espelho, o mundo abole a distância que lhe é própria;
        • triunfa assim sobre o lugar que é dado a cada coisa.

        Desses reflexos que percorrem o espaço, quais são os primeiros?

        Onde a realidade, onde a imagem projetada?

        Frequentemente não é possível dizê-lo, pois a emulação é uma espécie de geminação natural das coisas; nasce de uma dobra do ser, cujos dois lados imediatamente se defrontam. Paracelso compara essa duplicação fundamental do mundo à imagem de dois gêmeos

        “que se assemelham perfeitamente, sem que seja possível a ninguém dizer qual deles trouxe ao outro sua similitude”(7).

        No entanto, a emulação não deixa inertes, uma em face da outra, as duas figuras refletidas que ela opõe.

        Pode ocorrer a uma ser mais fraca e acolher a forte influência daquela que vem refletir-se no seu espelho passivo.

        As estrelas não têm primazia sobre as ervas da terra, das quais são o modelo sem mudança, a forma inalterável e sobre as quais lhes é dado verter secretamente toda a dinastia de suas influências? A terra sombria é o espelho do céu disseminado, mas, nesta contenda, os dois rivais não têm nem o mesmo valor nem a mesma dignidade. As luzes da erva, sem violência, reproduzem a forma pura do céu:

        “As estrelas”, diz Crollius, “são a matriz de todas as ervas, e cada estrela do céu não é mais que a prefiguração espiritual de uma erva tal como a representa e, assim como cada erva ou planta é uma estrela terrestre olhando o céu, assim também cada estrela é uma planta celeste em forma espiritual, a qual só pela matéria é diferente das terrestres (…), as plantas e as ervas celestes estão viradas para o lado da terra e olham diretamente as ervas que elas procriaram, infundindo-lhes alguma virtude particular”(8).

        Mas pode também ocorrer que a contenda permaneça aberta e que o calmo espelho não reflita mais que a imagem dos “dois soldados irritados”. A similitude torna-se então o combate de uma forma contra outra – ou melhor, de uma mesma forma separada de si pelo peso da matéria ou pela distância dos lugares.

        O homem de Paracelso é, como o firmamento,

        “constelado de astros”; mas não está a ele ligado como “o ladrão às galeras, o assassino ao suplício da roda, o peixe ao pescador, a caça ao caçador”.

        Pertence ao firmamento do homem ser “livre e poderoso”, “não obedecer a ordem alguma”, “não ser regido por nenhuma das outras criaturas”. Seu céu interior pode ser autônomo e repousar somente em si mesmo, sob a condição, porém, de que, por sua sabedoria, que é também saber, ele se torne semelhante à ordem do mundo, a retome em si e faça assim equilibrar no seu firmamento interno aquele onde cintilam as estrelas visíveis.

        Então, essa sabedoria do espelho envolverá, em troca, o mundo onde estava colocada; seu grande elo girará até o fundo do céu e mais além; o homem descobrirá que contém “as estrelas no interior de si mesmo (…), e que assim carrega o firmamento com todas as suas influências”(9).

        A emulação apresenta-se de início sob a forma de um simples reflexo, furtivo, longínquo; percorre em silêncio os espaços do mundo.

        Mas a distância que ela transpõe não é anulada por sua sutil metáfora; permanece aberta para a visibilidade. E, neste duelo, as duas figuras afrontadas se apossam uma da outra.

        • o semelhante envolve o semelhante,
        • que, por sua vez, o cerca
        • e, talvez, será novamente envolvido por uma duplicação
        • que tem o poder de prosseguir ao infinito.

        Os elos da emulação não formam uma cadeia como os elementos da conveniência: mas, antes, círculos concêntricos, refletidos e rivais.

        Terceira forma da similitude, a analogia.

        Velho conceito, familiar já à ciência grega e ao pensamento medieval, mas cujo uso se tornou provavelmente diferente.

        Nessa analogia superpõem-se

        • convenientia
        • e aemulatio.

        Como esta, assegura o maravilhoso afrontamento das semelhanças através do espaço; mas fala, como aquela, de ajustamentos, de liames e de juntura.

        Seu poder é imenso, pois as similitudes que executa não são aquelas visíveis, maciças, das próprias coisas; basta serem as semelhanças mais sutis das relações.

        Assim alijada, pode tramar, a partir de um mesmo ponto, um número indefinido de parentescos.

        A relação, por exemplo,

        • dos astros
        • com o céu onde cintilam,

        reencontra-se igualmente:

        • na da erva com a terra,
        • dos seres vivos com o globo onde habitam,
        • dos minerais e dos diamantes com as rochas onde se enterram
        • dos órgãos dos sentidos com o rosto que animam,
        • das manchas da pele com o corpo que elas marcam secretamente.

        Uma analogia pode também se voltar sobre si mesma sem ser por isso contestada.

        A velha analogia da planta com o animal

        (o vegetal é um animal que se sustenta com a cabeça para baixo, a boca – ou as raízes – entranhada na terra),

        Césalpin não a critica nem a põe de parte; reforça-a, ao contrário, multiplica-a por ela própria, quando descobre que a planta é um animal de pé, cujos princípios nutritivos sobem de baixo para cima, ao longo de uma haste que se estende como um corpo e se completa por uma cabeça – ramalhete, flores, folhas: relação inversa mas não contraditória com a analogia primeira, que coloca “a raiz na parte inferior da planta, a haste na parte superior, pois, nos animais, a rede venosa começa também na parte inferior do ventre e a veia principal sobe para o coração e a cabeça”10.

        Tanto essa reversibilidade como esta polivalência conferem à analogia um campo universal de aplicação. Por ela, todas as figuras do mundo podem se aproximar.

        Existe, entretanto, nesse espaço sulcado em todas as direções, um ponto privilegiado: é saturado de analogias (cada uma pode aí encontrar um de seus pontos de apoio) e, passando por ele, as relações se invertem sem se alterar.

        Esse ponto é o homem; ele está em proporção com o céu, assim como com os animais e as plantas, assim como com a terra, os metais, as estalactites ou as tempestades.

        Erguido entre as faces do mundo, tem relação com o firmamento

        (seu rosto está para seu corpo como a face do céu está para o éter; seu pulso bate-lhe nas veias como os astros circulam segundo suas vias próprias; as sete aberturas formam no seu rosto o que são os sete planetas do céu);

        todas essas relações, porém, ele as desloca e as reencontramos, similares, na analogia do animal humano com a terra que habita:

        sua carne é uma gleba, seus ossos, rochedos, suas veias, grandes rios; sua bexiga é o mar e seus sete membros principais, os sete metais que se escondem no fundo das minas (11).

        O corpo do homem é sempre a metade possível de um atlas universal. Sabe-se como Pierre Belon traçou, até nos detalhes, a primeira tábua comparada do esqueleto humano com o dos pássaros: ali se vê

        “a ponta da asa chamada apêndice, que está em proporção com a asa, com o polegar, com a mão; a extremidade da ponta da asa, que é como nossos dedos (…); o osso, tido como pernas para os pássaros, correspondendo ao nosso calcanhar; assim como temos quatro dedos pequenos nos pés, assim os pássaros têm quatro dedos, dos quais o de trás tem proporção semelhante à do dedo grande do nosso pé”(12).

        Tanta precisão só constitui anatomia comparada para um olhar munido dos conhecimentos do século XIX.

        Ocorre que o crivo pelo qual deixamos chegar ao nosso saber as figuras da semelhança recobre nesse ponto (e quase somente nesse ponto) aquele que o saber do século XVI dispusera sobre as coisas.

        Mas a descrição de Belon, a bem dizer, só procede da positividade que, em sua época, a tornou possível.

        • Ela não é mais racional nem mais científica que certa observação de Aldrovandi, quando ele compara as partes inferiores do homem aos lugares infectos do mundo, ao Inferno, às suas trevas, aos condenados que são como excrementos do Universo(13);
        • ela pertence à mesma cosmografia analógica que a comparação, clássica na época de Crollius, entre a apoplexia e a tempestade: a borrasca começa quando o ar se toma pesado e se agita, a crise, no momento em que os pensamentos se tornam pesados, inquietos; depois as nuvens se acumulam, o ventre incha, o trovão estronda e a bexiga se rompe; os relâmpagos fulminam enquanto os olhos brilham com um fulgor terrível, a chuva cai, a boca espuma, o raio deflagra enquanto os espíritos fazem rebentar a pele; mas eis que o tempo se torna claro e a razão se restabelece no doente(14).

        O espaço das analogias é, no fundo, um espaço de irradiação. Por todos os lados, o homem é por ele envolvido; mas esse mesmo homem, inversamente, transmite as semelhanças que recebe do mundo. Ele é’ o grande fulcro das proporções – o centro onde as relações vem se apoiar e donde são novamente refletidas.

        Enfim, a quarta forma da semelhança é assegurada pelo jogo das simpatias.

        Nela nenhum caminho é de antemão determinado, nenhuma distância é suposta, nenhum encadeamento prescrito.

        A simpatia atua em estado livre nas profundezas do mundo. Em um instante percorre os espaços mais vastos:

        • do planeta ao homem que ela rege, a simpatia desaba de longe como o raio;
        • ela pode nascer, ao contrário, de um só contato – como essas “rosas fúnebres que servirão num funeral”, que, pela simples vizinhança com a morte, tornam “triste e agonizante” (15) toda pessoa que respirar seu perfume.

        Mas é tal seu poder, que ela não se contenta em brotar de um único contato e em percorrer os espaços; suscita o movimento das coisas no mundo e provoca a aproximação das mais distantes.

        Ela é princípio de mobilidade:

        • atrai o que é pesado para o peso do solo e o que é leve para o éter sem peso;
        • impele as raízes para a água e faz girar com a curva do sol a grande flor amarela do girassol.

        Mais ainda,

        atraindo as coisas umas às outras por um movimento exterior e visível,

        suscita em segredo um movimento interior – um deslocamento de qualidades que se substituem mutuamente:

        • o fogo, porque quente e leve,
        • se eleva no ar, para o qual as chamas infatigavelmente se erguem;
        • perde, porém, sua própria secura (que o aparentava à terra)
        • e adquire assim certa umidade (que o liga à água e ao ar);
        • desaparece então em ligeiro vapor, em fumaça azul, em nuvem: tornou-se ar.

        A simpatia é uma instância do Mesmo tão forte e tão contumaz que não se contenta em ser uma das formas do semelhante;

        • tem o perigoso poder de assimilar,
        • de tornar as coisas idênticas umas às outras,
        • de misturá-las,
        • de fazê-las desaparecer em sua individualidade – de torná-las, pois, estranhas ao que eram.

        A simpatia transforma. Altera, mas na direção do idêntico, de sorte que, se seu poder não fosse contrabalançado, o mundo se reduziria a um ponto, a uma massa homogênea, à morna figura do Mesmo:

        todas as suas partes se sustentariam e se comunicariam entre si sem ruptura nem distância, como elos de metal suspensos por simpatia à atração de um único ímã(16).

        Eis por que a simpatia é compensada por sua figura gêmea, a antipatia.

        Esta mantém as coisas em seu isolamento e impede a assimilação; encerra cada espécie na sua diferença obstinada e na sua propensão a perseverar no que é:

        “É assaz conhecido que as plantas têm ódio entre si… diz-se que a oliveira e a videira odeiam a couve; o pepino foge da oliveira… Sabendo-se que seu crescimento se deve ao calor do sol e à umidade da terra, é necessário que toda árvore opaca e espessa – assim como aquela que tem várias raízes – seja perniciosa às outras”(17)

        Assim, infinitamente, através do tempo, os seres do mundo se odiarão e manterão, contra toda simpatia, seu feroz apetite.

        “O rato da Índia é pernicioso ao crocodilo, pois a natureza lho deu por inimigo; de sorte que, quando esse violento animal se deita ao sol, ele lhe arma uma emboscada e astúcia mortal; percebendo que o crocodilo, adormecido em suas delícias, dorme com a goela aberta, entra por ela e desliza pela ampla garganta até o seu ventre, rói-lhe as entranhas e sai enfim pelo ventre do animal morto.”

        Mas os inimigos do rato, por sua vez, o espreitam: pois está em discórdia com a aranha e, “combatendo frequentemente com o áspide, morre”.

        Por este jogo de antipatia que as dispersa tanto quanto as atrai ao combate, torna-as mortíferas e as expõe, por sua.vez, à morte, sucede que as coisas e os animais e todas as figuras do mundo permanecem o que são.

        A identidade das coisas, o fato de que possam assemelhar-se a outras e aproximar-se delas, sem contudo se dissiparem, preservando sua singularidade, é o contrabalançar constante da simpatia e da antipatia que o garante. Explica que as coisas cresçam, se desenvolvam, se misturem, desapareçam, morram, mas indefinidamente se reencontrem; em suma,

        • que haja um espaço (não, porém, sem referência nem repetição, sem amparo de similitude)
        • e um tempo (que deixa, porém, reaparecer indefinidamente as mesmas figuras, as mesmas espécies, os mesmos elementos).

        “Conquanto em si mesmos os quatro corpos (água, ar, fogo, terra) sejam simples e tenham suas qualidades distintas, todavia o Criador ordenou que de elementos misturados seriam compostos os corpos elementares, razão pela qual suas conveniências e discordâncias são notórias, o que se conhece pelas suas qualidades. O elemento do fogo é quente e seco; tem, portanto, antipatia pelos da água, que é fria e úmida. O ar quente é úmido, a terra fria é seca, eis a antipatia. Para conciliá-los, o ar foi colocado entre o fogo e a água, a água, entre a terra e o ar. Enquanto é quente, o ar se avizinha do fogo e sua umidade se acomoda com a da água. Ademais, porque sua umidade é temperada, modera o calor do fogo de que também recebe ajuda, assim como, de outro lado, por seu calor medíocre, amorna a frieza úmida da água. A umidade da água é aquecida pelo calor do ar e abranda a fria secura da terra.”(18)

        A soberania do par simpatia – antipatia, o movimento e a dispersão que ele prescreve dão lugar a todas as formas da semelhança.

        Assim se encontram retomadas e explicadas as três primeiras similitudes.

        Todo o volume do mundo,

        • todas as vizinhanças da conveniência,
        • todos os ecos da emulação,
        • todos os encadeamentos da analogia

        são suportados, mantidos e duplicados por esse espaço da simpatia e da antipatia que não cessa de aproximar as coisas e de mantê-las a distância.

        Através desse Jogo, o mundo permanece idêntico;

        • as semelhanças continuam a ser o que são
        • e a se assemelharem.

        O mesmo persiste o mesmo, trancafiado sobre si.

         
         
        [wpforo]

        espaço para discussão de conceitos

        icone-MFoucault-01
        Michel Foucault 1926-1984

        A percepção da contaminação do pensamento com o qual pensamos, pela impossibilidade de fundar as sínteses na representação

        “Eis que nos adiantamos bem para além
        do acontecimento histórico que se impunha situar
        – bem para além das margens cronológicas
        dessa ruptura que divide, em sua profundidade,
        a epistémê do mundo ocidental
        e isola para nós o começo
        de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades.

        É que o pensamento que nos é contemporâneo
        e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
        se acha ainda muito dominado
        pela impossibilidade,
        trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
        de fundar as sínteses no espaço da representação
        e pela obrigação
        correlativa, simultânea,

        mas logo dividida contra si mesma,
        de abrir o campo transcendental da subjetividade
        e de constituir inversamente,
        para além do objeto,
        esses “quase-transcendentais” que são para nós
        a Vida, o Trabalho, a Linguagem.”

        A nova forma de reflexão se instaura no pensamento em nossa cultura, o motor constituinte “dessa maneira moderna de conhecer empiricidades”

        “Instaura-se um tipo de reflexão
        bastante afastado do cartesianismo
        e da análise kantiana,
        em que está em questão,
        pela primeira vez,
        o ser do homem,
        nessa dimensão segundo a qual
        o pensamento
        se dirige ao impensado
        e com ele se articula.”

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Cap. VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
        tópico I. As novas empiricidades

        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Cap. IX – O homem e seus duplos ;
        tópico V – O “cogito” e o impensado.

        • a impossibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé clássica.
        • essa impossibilidade de fundar as sínteses implica na seleção da visão de ‘operações’ e análise de valor no exato ponto de cruzamento entre o dado e o recebido, e para a primeira possibilidade de análise de valor. 
        • a possibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé moderna.
        • essa possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação implica em uma visão de ‘operações’ e análise de valor antes do ponto de cruzamento acima, o que leva o modelo para a segunda possibilidade de análise de valor.
        • essa forma de reflexão que se instaura no pensamento em nossa cultura exige duas coisas: 
          • o ‘ser do homem’;
          • o impensado e sua contrapartida no espaço da representação

        a percepção  dessa contaminação, dominação mesmo,
        do pensamento com o qual ‘queiramos ou não‘ pensamos,
        – hoje em dia, e aqui e agora –
        por configurações de pensamento
        com a possibilidade, e também
        com impossibilidade
        de fundar as sínteses – da empiricidade objeto – 
        no espaço da representação
        muda completamente os domínios e os lugares onde ocorrem as operações,
         as paletas de ideias ou elementos de imagem, assim como as estruturas e os relacionamentos entre eles.

        A primeira pedra de tropeço
        no caminho de Michel Foucault
        comparações feitas por Foucault de diferentes configurações de pensamento
        Uma operação, de pensamento, de produção, etc. com a paleta de ideias e a estrutura do pensamento moderno, de depois da descontinuidade epistemológica ocorrida no período 1775-1825, segundo Michel Foucault

        Há diferentes modelos
        que formulamos para 
        visões de ocorrências 
        no espaço-tempo x, y, z e t.

        Ao suspeitar
        da contaminação do pensamento
        – do nosso, daquele com o qual queiramos ou não pensamos –
        por essa impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, ele manifesta sua percepção de que de fato isso acontece em volta de nós e conosco.

        Esses modelos,
        diferentes em seus fundamentos,
        são usados juntos
        e/ou simultaneamente
        no mesmo domínio e ambiente 
        em um pensamento
        contaminado
        por duas epistemologias,
        ou por duas maneiras
        de conhecer
        aquilo que dizemos
        que conhecemos.

        Existem modelos,
        todos em uso atualmente,
        que podem ser agrupados
        em duas famílias:

        • aqueles com a possibilidade
        • e aqueles com a impossibilidade 

         de fundar as sínteses
         – da empiricidade objeto da operação-
        no espaço da representação.

        Essa a distinção entre modelos
          com e modelos sem essa possibilidade
        de fundar as sínteses
        [da empiricidade objeto da operação]
        no espaço da representação,
        que Michel Foucault faz sugere que analisemos os modelos de operações e de organizações existentes, isto é, nos modelos que usamos hoje, em busca de características de características, ou características de segunda ordem, pelas quais podem ser associados com o pensamento antes, depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825, oferecendo os necessários elementos para identificação.

        A figura na coluna do meio acima mostra a configuração do pensamento (o clássico,  de antes de 1775), com a impossibilidade de fundar as sínteses (da(s) empiricidade(s) objeto da operação) no espaço da representação.

        Clicando nessa figura, a animação mostrará as alterações em toda a configuração do pensamento, para levantar essa impossibilidade.

        A alteração se passa no lado direito da figura. 

        A primeira coisa que muda é o tipo de reflexão que se instaura. 

        Como decorrência, muda toda a paleta de ideias, ou elementos de imagem; 

        Muda ainda o perfil do pensamento em cada configuração: 

        • o referencial
            • a ordem pela ordem
            • dá lugar à utopia do não articulado;
        • os princípios organizadores
            • que eram Caráter e Similitude
            • passam a ser Analogia e Sucessão;
        • e os métodos,
            • que eram identidade e semelhança
            • passam a ser Análise e Síntese.

        Lista de posts

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        dez (10) pontos para contextualização entre Prefácio e texto do livro
        'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'

        1. A Forma de Reflexão que se instaura em nossa cultura
        2. Proposição: o bloco padrão genérico e fundamental
        para construção de representações
        3. Princípios organizadores do pensamento de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
        4. O Conceito de verbo no pensamento clássico,
        o de antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
        5. O conceito de verbo no pensamento moderno, o de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
        6. As duas sintaxes mencionadas por Foucault no Prefácio
        6.1 A sintaxe que autoriza a construção das frases
        6.2 A sintaxe que autoriza manter juntas
        as palavras e as coisas
        7. O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith,
        de 1776
        8. O princípio dual de trabalho de David Ricardo,
        de 1817
        8.1 A importância de David Ricardo,

        Nosso roteiro (Michel Foucault) e nossa inspiração (Humberto Maturana)

        Fale conosco

        O sistema SIPOC/FEPSC

        O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

        - História, modo de ser fundamental das empiricidades,
        . o Circuito das trocas e o Lugar de nascimento do que é empírico
        . Pensamento conservador e pensamento progressista

        Posição relativa do par sujeito-objeto e o modelo de operações

        Aquém 

        história como sucessão de fatos
        tais como se sucederam

        História como sucessão de fatos tais como se sucederam

        Diante e Além

        história como alterações no ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades

        História como mudança no 'modo de ser fundamental'

        Duas possibilidades de leitura de operações;
        duas origens de valor (interna e externa na linguagem) para representações

        Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
        sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
        sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
        com duas amplitudes - duas abrangências muito diferentes

        Ciência e Tecnologia dependem da Filosofia e são funções das ferramentas de pensamento de que dispõe a configuração do pensamento utilizada em sua geração.

        Os três movimentos do pensamento segundo Vilém Flusser

        Usando o pensamento de Vilém Flusser:

        • Pensamento é um transformador do duvidoso em língua;
        • Filosofia, ou Reflexão, é texto produzido pelo pensamento ao voltar-se contra si mesmo para corrigir-se e renovar-se.
        • ciência, como o resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo, para compreendê-lo, é texto filosófico aplicado. 
        • e tecnologia, como resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo para modificá-lo, é texto científico aplicado; 

        Descontinuidades epistemológicas refletem conquistas humanas no pensamento e são aprimoramentos na maneira que usamos para conhecer.  Há portanto uma relação entre, de um lado, o modo como colocamos em marcha nosso desejo de transformar o duvidoso em língua a cada nível, e de outro lado, a filosofia que temos, e a Ciência que temos, ou a tecnologia de que dispomos. Filosofia, Ciência e Tecnologia são funções do como como vemos o mundo e as coisas.

        Michel Foucault (*) descreve uma descontinuidade epistemológica (uma alteração no modo como nos voltamos para o mundo para conhecer o que dizemos que conhecemos), e aponta com toda clareza diferentes jogos de ferramentas de pensamento ou estruturas conceituais, características de uma e de outra dessas epistemologias, de um e de outro lado desse evento. E aponta um período em nossa cultura ocidental, em que o pensamento esteve dominado por uma característica do período anterior.

        A solução de questões trazidas à luz por essa nova maneira de conhecer (a nova epistemologia) não poderão ser resolvidas se correspondentes ciência e tecnologia não forem desenvolvidas também.

        Pensamento conservador e progressista

        Acompanhando o trabalho arqueológico de Michel Foucault em direção a essa classe especial de saberes, a esse conjunto de discursos chamado de ciências humanas, vê-se que em certo período consolidou-se um tipo de pensamento em cuja configuração a etapa de construção de novas representações foi incorporada. Antes disso, essa etapa de construção da representação nova ficava fora do escopo do pensamento, e depois disso essa etapa permaneceu definitivamente incorporada.

        Para a configuração de pensamento que deixa fora do seu escopo a etapa de construção de novas representações a alternativa é conviver com tudo o que existe desde sempre e para sempre, tomando as coisas como pré-existentes e pertencentes ao Universo. Esse modo de pensar tem características de conservadorismo, enquanto aquela outra configuração do pensamento que inclui em seu escopo a geração de novas representações, as características de progressismo.

        Neste trabalho algumas – bastantes – características de uma e de outra dessas duas características de configurações do pensamento foram apresentadas o que de certa forma pode ser usado para qualificar com algo mais do que a qualidade ‘conservador’ um pensamento de direita; e com a qualidade ‘progressista’ um pensamento de esquerda, delineando com mais precisão uma e outra dessas configurações.

        (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

        Panorama visto desde meu posto de observação

        É real hoje, aqui, agora, e entre nós, a percepção – feita por Foucault – do domínio/contaminação do pensamento – ‘com o qual queiramos ou não pensamos‘ – pela impossibilidade de fundar as sínteses (do pensamento sobre a empiricidade objeto da operação) no espaço da representação(*).

        Esse tipo de pensamento dominante, aquele com a impossibilidade de fundar as sínteses, é ao mesmo tempo o tipo de pensamento que não inclui a operação de construção de novas representações. E a estrutura das operações sem essa etapa reforça essa impossibilidade. Nesse contexto modelos com e modelos sem essa impossibilidade são tratados como se variações sobre o mesmo tema fossem, e não produções do pensamento completamente diferentes.

        Estamos projetando e usando hoje, modelos para operações e organizações, de produção e outras, com o pensamento de exatos dois séculos atrás.

        Para que isso possa ser percebido pelo projetista de modelos em diversas áreas é necessário o rompimento das condições em que se dá essa contaminação e esse domínio de uma das configurações de pensamento sobre a outra, obliterando justamente aquela que corresponde a uma conquista humana no pensamento. Para que isso aconteça é necessário que seja atendido um requisito: a construção de um critério para identificação e comparação de modelos, e sua aplicação no caso presente.

        Daqui de onde vejo as coisas, é unânime a visão das coisas em termos de processo. Ninguém fala de nada além de processos: mapeia-se processos, otimiza-se processos, etc. etc. o que quer que seja, mas sempre processos. Sem que nos demos conta de como sejam as diferentes estruturas das operações em que tais ‘processos’ ocupam posição operacional. 

        Michel Foucault pode fornecer os elementos necessários para a construção desse critério. Nossa intenção aqui é destacar em Foucault o que pode ser usado para o estabelecimento de uma relação pensamento – e sua aplicação na modelagem de operações em organizações. 

        (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

        Cronologia do evento fundador da nossa modernidade no pensamento;
        linha de tempo com os períodos de contaminação do pensamento
        por configurações diferentes.

        uma cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
        o evento fundador da nossa modernidade no pensamento
        Linha de tempo das conquistas humanas no pensamento e respectiva utilização prática

        Acoplamentos estruturais do sistema descrito no LD - o Explicar com Reformular: os internos e aqueles com o ambiente externo

        Diante e para Além do objeto

        Acoplamento estrutural interno:
        condições de possibilidade
        Acoplamento estrutural interno:
        pontos de acoplamento
        Acoplamento estrutural externo:
        parcial quando há diferenças nas estruturas
        • os domínios do Operar – retângulo vermelho; e do Suporte ao operar – domínio amarelo, que compõem o ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ parte do ‘Explicar com ‘Reformular’ a empiricidade objeto, durante o caminho da Construção da representação, são exemplo do primeiro acoplamento interno. Acoplamento semelhante ocorre durante o caminho do Instanciamento da representação.(*)

           

        • há ainda acoplamentos externos ‘por cima’, lateralmente, e por baixo da estrutura no LD da figura nos dois caminhos o da Construção e o do Instanciamento. O acoplamento externo ‘por cima’ depende da estrutura com a qual se dará acopamento, e pode ser parcial.

        Playground para projetistas de modelos: uma coleção de modelos de diversos tipos, para aplicação dos conceitos apresentados

        Uma coleção com mais de duas dúzias de modelos, (*) para descobrir com que tipo de pensamento foram feitos:

        • se COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; ou
        • ou se SEM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação

        (*) Proposta de metodologia para o planejamento e implantação de manufatura integrada por computador
        de Bremer, C. F. USP SC fev 1995; entre outras fontes

        Estruturas dos modelos, resultantes da utilização do referencial,dos princípios organizadores e dos métodos usados pelo pensamento, por segmento de modelos 

        Aquém do objeto

        Modelo de operações de Buffa e modelo de uma organização adaptado de Mauro Zilbovicius

        Diante do objeto

        Modelo de operações do Kanban e modelo de organização da Reengenharia

        Além do objeto

        Modelo de uma ciência humana Análise da produção como exemplo de qualquer outro modelo de ciência humana
        Estrutura matricial – Quadro de categorias clássico. Utilização de várias ordens ligeiramente diferentes em um mesmo modelo de operações.
        Estrutura hierárquica característica do objeto análogo composto substitutivo ao vislumbrado. Utilização de uma única ordem ao longo do modelo.
        Mesmas características dos modelos para o segmento Diante do objeto, mas aqui, com um modelo constituinte combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.

        O modelo 5W2H, de um lado, e de outro, o modelo de operações do Kanban
        e o modelo proposto no LD da Figura 2: usos diferentes para as mesmas ideias
        ou elementos de imagem envolvidos na formulação da proposição

        Aquém do objeto

        Diante e Além do objeto

        Modelo Provision Workbench, da Proforma
        Modelo de operações de produção do Kanban
        Modelo proposto para 'uma certa maneira de conhecer empiricidades'

        O exame dessas três figuras mostra que ideias, elementos de imagem, homônimos, podem ser usados de modo diferente em modelos feitos sob estruturas conceituais diferentes.

        No modelo 5W e 2H no lado esquerdo acima, o destaque dado pelo losango em vermelho é nosso. Não estava na figura original. A figura é organizada por um sistema de categorias composto pelas 7 perguntas 5W2H. 

        O modelo da produção do Kanban é sim-discriminativo com relação ao elemento componente do objeto da operação de produção, e é formulado como uma proposição instanciativa de um objeto previamente projetado, e portanto cuja representação foi anteriormente construída

        O modelo de operações de construção de representação para empiricidade objeto (LD da figura) é feito calcado no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo; está evidenciada a formulação no formato de uma proposição. A origem de valor adotada está nas designações primitivas ( conjunto de operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites) e da linguagem de uso (o Repositório)

        O pensamento de outros grandes pensadores:
        John Dewey e seus dois modos de ver o mundo;
        Ilya Prigogine e o conceito de caos para a ciência moderna

        Diante do objeto

        Ver [homem e experiência] e [natureza] vistos juntos
        Os conceitos de caos, na ciência moderna;
        e de Arte como a formulação com leis e eventos

        As duas animações acima – a nosso ver – apenas mostram que tanto John Dewey na sua visão [homem] [experiência] e [natureza] juntos; quanto Ilya Prigogine  na sua visão do que seja caos na ciência moderna, estão pensando com uma configuração de pensamento COM a possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, o que não era comum para a ciência clássica, toda reversível.

        Sistema Formulador

        Aquém do objeto

        Modelo relacional de dados do Microsoft Project 4.0

        Diante do objeto

        Módulo central do Sistema Formulador

        O Sistema Formulador:

        É um ante-projeto de um sistema para gestão de projetos com estrutura conceitual consistente com o pensamento moderno. 
        O módulo principal do sistema é uma unidade lógica que relaciona entidades envolvidas na proposição enunciadora de operações, mantidas em banco de dados, e gera sistematicamente o modelo de operações. O Microsoft Project, então, importa o modelo gerado como se fosse próprio, e a gestão continua, agora com um modelo gramaticalmente correto e criteriosamente estruturado.

        Este é um ante-projeto de um sistema de gestão COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; esse sistema pode evoluir para um sistema visual de gestão e outros aplicativos.

        Destaque para dois modelos existentes:
        1) LE, o SIPOC (FEPSC) do SixSigma; 2) LD e o Visão da PHD, da PHD Brasil
        e no centro, as diferenças entre eles

        Aquém do objeto

        O diagrama FEPSC (SIPOC) mostrando a estrutura

        diferenças

        Comparação

        Diante do objeto

        A Visão da PHD

        Comparação do modelo SIPOC ou FEPSC – SixSigma(*) com o modelo Visão da PHD(**) do ponto de vista das estruturas respectivas.
        A animação central mostra o que falta – estruturalmente – ao SixSigma para ter a estrutura do modelo da direita.

        (*) Gestão integrada de processos e da tecnologia da informação; capítulo Identificação, análise e melhoria de processos críticos Figura 3.1 Representação da FEPSC, de Roberto Gilioli Rotondaro
        Coordenadores: Fernando José Barbin Laurindo e Roberto Gilioli Rotondaro, Editora Atlas, jan/2006
        (**) A Visão da PHD, da empresa PHD Brasil

        O mapa de operações de produção do Kanban;
        e o mapa da organização segundo a Reengenharia

        Diante do objeto

        Modelo de operações
        do Kanban

        Modelo de operações do Kanban

        Mapa da organização
        segundo a Reengenharia

        Mapa da Reengenharia (modificado) e comentado

        Temos à esquerda, o modelo do Kanban com a referência (*) abaixo. e á direita, a Figura 7.1 do livro Reengenharia, referência (**) abaixo. São organizados sobre a proposição, e pertencem à configuração do pensamento moderno.  Você pode certificar-se  da veracidade dessas duas afirmativas neste ponto (17).

        (*) Artigo ‘A comparison of Kanban and MRP concepts for the control of Repetitive Manufacturing Systems’ de:
        James W. Rice da Western Kentucky University e Takeo Yoshikawa da Yolohama National University
        (**) Reengenharia – revolucionando a empresa: em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência 
        de Michael Hammer e James Champy

        Exemplos de modelos existentes, e muito usados,
        nas diferentes estruturas conceituais

        Aquém do objeto

        Diante do objeto

        Modelos de: operação de produção; e organização típica
        Modelos de: operação contábil/financeira e modelo de organização
        Modelos de: operação de produção do Kanban; e modelo de organização da Reengenharia

        Exemplos de modelos muito conhecidos para operações e para as organizações

        • operação: Operações de produção, de Elwood S. Buffa;
        • organização: adaptação de Organização típica.
        • operação: operação contábil financeira débito e crédito;
        • organização: Ativo, Passivo e Resultados.
        • operação: modelo do Kanban;
        • organização: mapa da reengenharia.

        A proposição como o bloco construtivo padrão  (Lego)
        fundamental para a construção de representações

        Aquém do objeto

        Proposição ausente
        do sistema Input-Output

        Diante do objeto

        A proposição no caminho
        da Construção da representação

        Além do objeto

        A proposição no caminho
        do Instanciamento da Representação

        ‘A proposição é, para a linguagem,
        o que a representação é para o pensamento:
        sua forma ao mesmo tempo mais geral e mais elementar porquanto, desde que a decomponhamos, não encontraremos mais o discurso, mas seus elementos como tantos materiais dispersos.’(*)

        “A língua é
        a mais complexa,
        a mais milagrosa,
        a mais estranha,
        a mais gigantesca e variada
        invenção humana.” (**)

        (*) As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

         


        (**) Frases de Millor Fernandes

        Os dois conceitos para o que seja um verbo:
        verbo Processo, e verbo Forma de produção

        Aquém do objeto
        verbo ‘Processo

        Verbo tratado como Processo

        Diante e Além do objeto
        verbo ‘Forma de produção’

        Verbo tratado como Forma de produção

        “A única coisa que o verbo afirma
        é a coexistência de duas representações; 
        por exemplo
        a do verde e da árvore,
        a do homem e da existência ou da morte. 

        É por isso que o tempo dos verbos
        não indica aquele em que
        as coisas aconteceram no absoluto, 
        mas um sistema relativo  
        de anterioridade
        ou simultaneidade 
        das coisas entre si.”
        (*)

        “O limiar da linguagem
        está onde surge o verbo.
        É preciso portanto 
        tratar esse verbo como um ser misto, 
        ao mesmo tempo palavra entre palavras,
        preso às mesmas regras 
        de regência
        e de concordância;
        e depois, em recuo em relação a elas todas, 
        numa região que não é aquela do falado 
        mas aquela donde se fala.
        Ele está na orla do discurso, na juntura entre 
        aquilo que é dito e aquilo que se diz; 
        exatamente lá onde os signos 
        estão em via de se tornar linguagem.
        (*)

        (*) As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

        Os dois conceitos para o que seja 'Classificar'

        Aquém do objeto

        Classificar como uma referência
        do visível a si mesmo

        Diante e Além do objeto

        Classificar como uma referência
        do visível ao invisível

        Classificar é referir
        o visível a si mesmo,
        encarregando um dos elementos
        de representar os outros.(*)

        Classificar é referir
        o visível ao invisível
        – como a sua razão profunda –
        e depois, alçar de novo dessa secreta arquitetura, em direção aos seus sinais manifestos, que são dados
        à superfície dos corpos.
        (*)


        (*) As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        cap. VII – Os limites da representação;
        tópico III. A organização dos seres; sub-item 3

        Os dois princípios filosóficos para o que seja de trabalho

        Aquém do objeto
        Adam Smith, de 1776(*)

        Princípio monolítico de trabalho
        de Adam Smith, de 1776

        Diante e Além do objeto
        David Ricardo, de 1817(**)

        Princípio dual de trabalho
        de David Ricardo, de 1817


        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas; 
        (*) Capítulo VII – Os limites da representação;
        tópico II. A medida do trabalho;


        As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        (**) Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem;
        tópico II. Ricardo

        Elementos centrais em cada formulação por segmento do espectro

        Aquém do objeto
        PROCESSO

        Diante do objeto
        Forma de produção

        Além do objeto
        NEXO DA PRODUÇÃO

        Processo: elemento central
        no modelo de operação clássico
        Forma de produção: elemento central
        no modelo de operações moderno
        Nexo da produção: resultante da visão
        SSS da organização

        Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais qualquer providência, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

        Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento (laboratório piloto, fábrica) com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

        (*) As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo IV – Falar; tópico II. Gramática geral
        Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; I. As novas empiricidades

        Espaços Gerais do Saber
        em cada segmento do espectro

        Aquém do objeto

        Diante do objeto

        Além do objeto

        Espaço Geral do Saber Clássico
        Espaço Geral do Saber no pensamento Moderno
        Espaço interior do Triedro do Saber

        As mudanças nas configurações do pensamento promoveram reposicionamentos das positividades umas em relação às outras, resultando em três espaços gerais do saber.(*)

        (*) As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo III – Representar; tópico VI. Mathésis e Taxinomia;
        Capítulo X – As ciências humanas; tópico I – O triedro dos saberes; 
        de Michel Foucault

        O tempo em cada uma das faixas do espectro;
        e para as diferentes etapas das operações indicadas

        Aquém
        do objeto
        qualquer operação

        Diante 
        do objeto
        caminho da Construção 

        Diante 
        do objeto
        caminho da Instanciamento

        Tempo no LE, em qualquer operação no sistema Input-Output, sob o deus Chronos
        Tempo LD, operação no caminho da Construção da representação,
        sob o deus Kairós
        Tempo LD, operação no caminho do Instanciamento da representação,
        novamente sob o deus Chronos

        Tempo, em cada um dos segmentos do espectro, muda:

        • aquém do objeto, na estrutura input-output sob o pensamento clássico, temos um tempo relativo, ou um tempo calendário, cujo deus é Chronos;
        • diante do objeto mas no caminho da Construção da representação, sob o pensamento filosófico moderno, temos um tempo absoluto, um tempo não-calendário, cujo deus é Kairós;
        • e ainda diante, e também além do objeto, tempos um tempo que volta a ser relativo, calendário, e a soberania volta a ser a de Chronos.

        O espaço dado ao homem - 'naquilo que ele tem de empírico' -
        na estrutura dos modelos

        Aquém do objeto

        Diante e Além do objeto

        Sistema clássico de pensamento:
        sem espaço em sua estrutura
        para os dois papéis do homem.
        Os dois papéis do homem
        presentes e operativos na estrutura
        d'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'

        Antes do fim do século XVIII,
        o homem não existia. (…)
        Sem dúvida,
        as ciências naturais trataram do homem
        como de uma espécie ou de um gênero.”

        As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
        Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico II. O lugar do rei

        ‘Na medida, porém, em que as coisas giram sobre si mesmas, reclamando para seu devir não mais que o princípio de sua inteligibilidade e abandonando o espaço da representação, o homem, por seu turno, entra e pela primeira vez,
        no campo do saber ocidental’ (*)

        “O modo de ser do homem, tal como se constituiu no pensamento moderno, permite-lhe desempenhar dois papéis: está, ao mesmo tempo, 

        • no fundamento de todas as positividades,
        • presente, de uma forma
          que não se pode sequer dizer privilegiada,
          no elemento das coisas empíricas.” (**)

         (*) As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas; 
        Prefácio

        (**) As palavras e as coisas:
        uma arqueologia das ciências humanas;  
        Capítulo X – As ciências humanas;
        I. O triedro dos saberes

        Desenvolvimento das operações
        por segmento do espectro de modelos

        Aquém do objeto

        Diante do objeto

        Além do objeto

        • no sistema Input-Output; usando uma ordem arbitrariamente escolhida;
        • e com propriedades não-originais e não-constitutivas das coisas, as chamadas ‘aparências’;
        • No sistema correspondente ao que Foucault chama de ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’, que tem como elemento construtivo padrão fundamental a proposição, da qual herda as categorias de ideias ou elementos de imagem de primeiro nível;
        • e com propriedades sim-originais e sim-constitutivas daquilo que se constitui na existência em decorrência das operações.
        • No sistema formulado no campo das ciências humanas, com modelos constituintes compostos por uma combinação dos modelos constituintes das ciências que integram a região epistemológica fundamental, as ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.
        • Nexo da operação.

        Veja mais detalhes nas animações que podem ser encontradas nas páginas de detalhe deste tópico.

        Funcionamento do pensamento
        em cada um dos segmentos desse espectro

        Antes do objeto

        Diante do objeto

        Além do objeto

        Operação no sistema Input-Output
        sobre representações pré-existentes
        Operação de construção de representação não existente no repositório
        Operação de instanciamento de representação pré-existente no repositório

        Paletas com o conjunto completo de ideias ou elementos de imagem necessários para a formulação das respectivas imagens das ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t ; incluindo relacionamentos entre esses elementos de imagem.(*)

        (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
        tópico I. As novas empiricidades, de Michel Foucault

        Estruturas de conceitos em cada ambiente de formulação identificado pela possibilidade ou pela impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação

        Posição em relação ao par sujeito-objeto

        Estrutura conceitual
        para o pensamento clássico
        Estrutura conceitual
        para o pensamento moderno

        Referencial:

        • Ordem pela ordem;

        Princípios organizadores: 

        • Caráter e similitude;

        Métodos:

        • Identidade e semelhança

        Referencial:

        • Utopia;

        Princípios organizadores: 

        • Analogia e Sucessão;

        Métodos:

        • Análise e Síntese

        ‘Assim, estes três pares,
        função-norma,
        conflito-regra,
        significação-sistema,

        cobrem, por completo,
        o domínio inteiro
        do conhecimento do homem.'(*)

        São essas as ferramentas de que se arma o pensamento – em cada segmento do espectro de modelos, para produzir as imagens que servem de mapas, para orientação na construção das representações.

        (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

        Imaginação e Conceituação - funções humanas reversíveis:
        Imagens tradicionais e Técnicas

        Imagens tradicionais

        Imagens técnicas

        Classes de abstrações

        As imagens tradicionais
        Imagens técnicas, as imagens produzidas por aparelhos (computadores)
        Classes de abstrações
        • Imaginação e Conceituação, funções humanas reversíveis que todos temos para codificar e decodificar imagens tradicionais e textos;
          • idolatria é o uso continuado de imagens que, quando decodificadas, não mais nos levam à visão da ocorrência no espaço-tempo x, y, z e t, isto é, imagens que não mais nos servem de guias para o mundo, mas de biombos;
          • textolatria é o uso continuado de textos que, quando decodificados, não mais nos levam às imagens que fizemos para as ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t
        • e as Imagens técnicas, especiais, aquelas imagens produzidas por aparelhos (computadores em destaque); as Imagens técnicas exigem, para seu entendimento, uma Conceituação especial.(*)

        (*) Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia;
        Capítulos I – A imagem; e II – A imagem técnica,
        de Vilém Flusser 

        Modelos constituintes de modelos
        em cada uma das faixas desse espectro

        Posição relativa modelo de operações - sujeito-objeto

        Aquém

        não há modelos constituintes nesse segmento do espectro, já que, pelos pressupostos adotados (Universo, realidade única) nada é constituído na existência em decorrência das operações feitas

        Diante

        modelo constituinte composto pelo par constituinte correspondente ao campo em que o modelo é formulado, tomados isoladamente em cada área: 

        • Vida (Biologia) –
          [função-norma]; 
        • Trabalho (Economia) –
          [conflito-regra]; 
        • Linguagem (Filologia)- [significação-sistema]

        para Além

        campo das Ciências Humanas com modelos constituintes formados por uma combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, tomados todos em conjunto em cada modelo, dada ênfase a uma das áreas das ciências da região epistemológica fundamental

        (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
        Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

         

        O espectro de modelos, segundo essa possibilidade de sim-fundar, ou não-fundar, as sínteses no espaço da representação: Aquém, Diante e para Além do objeto - os segmentos do espectro de modelos de visões de ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t

        O modo como Foucault descreve o problema que encontrou em seu trabalho pode ser mapeado em um espectro de modelos agrupados segundo os dois fatores por ele percebidos:  fator 1, com duas regiões quanto à fundação das sínteses na representação e com três regiões quanto à posição relativa ao objeto e ao sujeito: 
        Aquém, Diante e para Além do objeto. 

        Fundação das sínteses no espaço da representação

        Impossibilidade

        Possibilidade

        Aquém

        do objeto
        (e do sujeito)

        Diante

        do objeto
        (e do sujeito)

        para Além

        do objeto
        (e do sujeito)

        Fator 1 – o domínio/contaminação do pensamento com o uso simultâneo de configurações de pensamento 

        • com a  impossibilidade 
        • e também com a possibilidade,

        de fundar as sínteses da representação da empiricidade objeto, no espaço da representação’; com duas regiões em um espectro de modelos:

        Fator 2 – dar conta da obrigação correlativa (…) de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os “quase-transcendentais”

        com as seguintes regiões no espectro de modelos:

         1. região do espectro: ‘Aquém do objeto’ (na impossibilidade);

         2. região do espectro: ‘Diante do objeto’ (na possibilidade)

          • da Vida, (Biologia) par constituinte função-norma
          • do Trabalho, (Economia) par conflito-regra
          • e da Linguagem. (Filologia) par significação-sistema

         3. região do espectro: ‘para Além do objeto’, (na possibilidade) e no campo das ciências humanas, no espaço interior do triedro dos saberes.

        outra região no espectro de modelos, com modelo constituinte único composto dos três pares constituintes das três regiões epistemológicas fundamentais

        - A pedra de tropeço no caminho de Michel Foucault e
        - Os caminhos (e alterações de rota) de Maturana

        Michel Foucault
        1926-1984

        “É que o pensamento que nos é contemporâneo e com o qual, queiramos ou não, pensamos, se acha ainda muito dominado 

        • pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII, de fundar as sínteses [da empiricidade objeto do pensamento] no espaço da representação;
        • e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
          de abrir o 
          campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, para além do objeto, esses “quase-transcendentais” que são para nós a Vida, o Trabalho, e a Linguagem.”  (*)
        Humberto Maturana
        1928-

        “Substituir 

        • a noção de input-output 
        • pela de acoplamento estrutural 

        foi um passo importante na boa direção por evitar a armadilha da linguagem clássica de fazer do organismo um sistema de processamento de informação.
        (…) Contudo é uma formulação fraca por não propor uma alternativa construtiva e deixar a interação na bruma de uma simples perturbação. (…) Frequentemente se tem feito a crítica de que a autopoiese leva a uma posição solipsista. (**)

        (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico: I. As novas empiricidades
        (**) De máquinas e de seres vivos: autopoiese – a organização do vivo; Prefácio à segunda edição; tópico Além da autopoiese; sub-tópico: Enacção e cognição, de Francisco José Garcia Varela

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        Modelo descritivo da produção clássico

        Paleta de ideias ou elementos de imagem
        presentes na configuração de pensamento clássico

        Mapa resumo das operações SSS na organização
        centrada no par sujeito-objeto

        A organização das operações na estrutura SSS

        Mapeamento da disposição SSS das operações em uma organização