O ‘Lugar desde onde se fala’ e o ‘Lugar do falado’

O 'Lugar desde onde se fala' e o 'Lugar do falado'

Esses dois lugares - o 'lugar desde onde se fala' e o 'lugar do falado' -
juntos delimitam o 'Lugar do nascimento do que é empírico', espaço onde se dá a articulação do pensamento do homem com o impensado feita no domínio do Pensamento e da Língua e sua ligação com o domínio do Discurso e da Representação

O 'Lugar desde onde se fala' e o 'Lugar do falado' e seu continente, o 'Lugar do nascimento do que é empírico'

Lugar deste onde se fala: ideias que formulam a proposição (sujeito e predicado;
Lugar desde onde se fala: ideias que dão suporte na experiência ao instanciamento da representação no ambiente

Lugar desde onde se fala

Lugar do falado

são sub-espaços do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ o que implica que o pensamento está funcionando com o entendimento do pensamento moderno, o de depois de 1825 e portanto, de modo consistente com o Princípio dual de trabalho de David Ricardo, de 1817.

Dada a paleta de ideias - ou elementos de imagem - requeridos na composição do Lugar desde onde se fala e do Lugar do falado, não há como defini-los sob o pensamento clássico.

Lugar de nascimento do que é empírico:
espaço ocupado pelo
. 'Lugar desde onde se fala'
. e pelo 'Lugar do falado'.

Lugar desde onde se fala

As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidas na formulação da proposição estão contidas no espaço chamado de Lugar desde onde se fala:

  • sujeito: o homem na posição de raiz de toda positividade
  • predicado do sujeito
    • verbo: Forma de produção, o elemento central da operação de construção da representação;
    • atributo: a representação em construção, nas posições extremas da operação de construção.

Esse espaço coincide com o espaço chamado por Humberto Maturana de ‘operar’, o retângulo vermelho na figura ao lado, parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas no interior do domínio do Pensamento e da Língua.

Lugar do falado

As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidos na sustentação da Forma de produção na experiência estão no lugar do falado:

  • processos, atividades, tasks

A operação de construção da representação escolhe os elementos de suporte na experiência à Forma de produção, que deve ser capaz de produzir quando implementada, uma instância da representação com o operar vislumbrado – ou o mais próximo disso possível. Humberto Maturana chama esse espaço de ‘suporte ao operar’, o retângulo amarelo na figura ao lado. 

O Lugar do falado é parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas suas ideias – ou elementos de imagem – fazem parte do domínio do Discurso e da Representação.

Comentários

    Anatomia ou cartografia dos modelos: os diferentes lugares onde o pensamento acontece,
    em função do perfil de pensamento e do caminho no qual seguem as operações

    Anatomia ou cartografia dos modelos: os diferentes lugares onde o pensamento acontece,
    em função do perfil de pensamento e do caminho no qual seguem as operações.
    Os lugares onde o pensamento acontece - e as operações também

    Lugar do nascimento do que é empírico: pensamento moderno - caminho da Construção da representação
    Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno no caminho do Instanciamento da representação objeto

    Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

    Encontra-se sob o pensamento clássico, o de ante de 1775, e também pode ocorrer no caminho do Instanciamento da representação, sob o pensamento moderno.

    Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

    Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

    No pensamento moderno
    o conceito 'modo de se fundamental das empiricidades' é o elemento ordenador da História.
    As setas amarelas dirigidas para baixo indicam mudança nesse conceito,
    e que história foi feita em decorrência do sucesso desta operação.
    A ênfase que em geral é dada ao Mercado
    pode ser um indicador da falta de percepção conceitual
    do pensamento filosófico moderno

    o Lugar de nascimento do que é empírico e o Circuito das trocas

    No pensamento clássico, o de antes de 1775
    toda a operação transcorre no interior do Circuito das trocas

    O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
    lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico

    Na palheta de ideias do pensamento clássico não há o conceito de objeto definido por propriedades originais e constitutivas; as coisas são vistas a partir de “aparências” ou propriedades não-originais e não-constitutivas.

    A partir do pressuposto que caracteriza o lado esquerdo da figura, 

    “A existência precede a distinção” 

    tudo é considerado pré-existente e integrante do Universo.

    Assim, na operação clássica sobre o sistema Input-Output, não há como definir o conceito ‘modo de ser fundamental’ de empiricidade objeto já que as coisas não são pensadas desse modo, usando propriedades sim-originais e sim-constitutivas.

    No pensamento clássico as operações são formuladas e desencadeadas a partir de propriedades não-originais e não-constitutivas, ou as “aparências”.
     

    O que há são 

    • Entradas (caracterizadas por uma propriedade não-original e não-constitutiva) 

    • e Saídas (idem idem)

    E toda a operação transcorre no interior do Circuito das trocas, ou  o Mercado.

    No pensamento moderno, o de depois de 1825

    no caminho da Construção da representação nova,
    a operação transcorre no interior do Lugar de nascimento do que é empírico

    Lugar do nascimento do que é empírico
    é o lugar onde o pensamento altera
    o ‘modo de ser fundamental’
    da empiricidade objeto da operação.

    O que acontece no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ está antes de toda a possibilidade de cronologia, e aquém de qualquer operação no âmbito do Mercado 

    O Lugar de nascimento do que é empírico
    lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
    e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado

    A palheta de ideias – ou elementos de imagem – do pensamento moderno, é construída a partir do tipo de reflexão que se instaura em nossa cultura:

    “Instaura-se uma forma de reflexão,
    bastante afastada do cartesianismo
    e da análise kantiana,
    em que está em questão,
    pela primeira vez,
    o ser do homem,
    nessa dimensão segundo a qual
    o pensamento
    se dirige ao impensado
    e com ele se articula.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. IX – O homem e seus duplos;
    tópico V – O “cogito” e o impensado

    “Assim como a Ordem
    no pensamento clássico

    não era a harmonia visível das coisas,
    seu ajustamento,
    sua regularidade ou sua simetria constatados,
    mas o espaço próprio de seu ser
     e aquilo que,
    antes de todo conhecimento efetivo,

    as estabelecia no saber,

    assim também a História,
    a partir do século XIX,
    define
    o lugar de nascimento do que é empírico,

    lugar onde,
    aquém de toda cronologia estabelecida,
    ele assume o ser que lhe é próprio.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. VII – Os limites da representação;
    tópico I – A idade da história

    O Lugar de nascimento do que é empírico, na figura e animação ao lado –  é o espaço demarcado pelas chaves verticais composto de duas áreas em domínios diferentes:

    • o retângulo vermelho, parte do domínio do Pensamento e da Língua, abriga a parte da operação de construção de representação nova que define a dinâmica consistente cm o ‘operar’ vislumbrado para a empiricidade objeto;

    • o retângulo amarelo, parte do domínio do Discurso e da Representação, abriga a parte da operação de construção da nova representação com o suporte na experiência ao operar vislumbrado para a empiricidade objeto.

    Alteração no 'modo de ser fundamental' da empiricidade objeto implica em fazer História

    O ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades é o elemento ordenador dessa História que define o lugar de nascimento do que é empírico, entendendo esse conceito como sendo “aquilo a partir do que elas podem ser afirmadas, postas, dispostas e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.”  

    Assim, o evento de objeto (f) – a seta amarela vertical para baixo que marca o fim da operação de construção da representação – marca também que história foi feita. 

    Esse é um tempo absoluto, um tempo aquém de toda cronologia estabelecida. Essa percepção contrapõe-se ao tempo relativo, tempo calendário, que caracteriza as operações sob o pensamento clássico, e de maneira semelhante, as operações de instanciamento de operações recuperadas do Repositório.

    Isso determina distinção fundamental entre eventos (i) e (f) de objeto no caminho da construção da representação, e eventos (i) e (f) de inicio e fim de processos suporte da Forma de produção, estes, não relacionados a objeto.

    O escopo da operação de construção de representação nova é poder descrever uma representação para a empiricidade objeto por meio de propriedades originais e constitutivas.

    Antes da operação de construção da representação nova, as propriedades da representação em construção não existem. No ponto de início da operação existe somente a arquitetura comum a todas as representações, na qual tais propriedades descrevem representações. Ao final da operação essas propriedades sim-originais e sim-constitutivas passam a existir.

    no caminho do Instanciamento de representação pré-existente no Repositório
    a operação de Instanciamento transcorre novamente no Circuito das trocas

    O Circuito das trocas
    as chaves horizontais amarelas
    onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental' não se altera

    Vislumbrado um ‘operar’ atribuído a uma empiricidade objeto, sempre, a primeira providência é uma consulta ao repositório de proposições explicativas formuladas de acordo com as regras da linguagem sobre a existência de representação capaz de resolver esse ‘operar’.

    • no caso negativo (inexistência de representação que sirva a esse ‘operar’, é desencadeada a operação de Construção da representação;
    • no caso positivo, sim, já existe representação para o ‘operar’ atribuído à empiricidade objeto, então, mantida a decisão de continuidade da operação, essa representação existente no Repositório é recuperada, e a operação de Instanciamento pode ser desencadeada.

    A representação recuperada para instanciamento tem todas as suas propriedades, sejam as originais e constitutivas, sejam as não-originais e não-constitutivas, ou as “aparências” existentes. 

    Desse modo, durante a operação de Instanciamento o ‘modo de ser fundamental’ dessa empiricidade objeto em instanciamento não são alteradas e permanece o mesmo que ela tinha ao ser recuperada do Repositório. 

    Assim, toda a operação de Instanciamento passa a ocorrer no interior do Circuito das trocas, ou Mercado, tal como acontecia sob o pensamento clássico.

    Módulos do Projeto Formulador, do slider central da primeira página deste trabalho

    Módulos do slider central da página inicial do Projeto Formulador

    A história do nascimento do 'As palavras e as coisas' contada pelo próprio Michel Foucault, e contextualizada também nas palavras dele próprio, com o texto do restante do livro

    A descontinuidade epistemológica de 1775-1825:
    conceitos homônimos com significados diferentes para o antes e o depois desse evento fundador da nossa modernidade no pensamento

    Conceitos homônimos mas com significados diferentes para o pensamento nos períodos de antes e de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825; as duas sintaxes envolvidas na construção de representação nova, sob o pensamento moderno, o sedimentado após 1825

    slider-04 Visão SSS – Simétrica, Simbiótica e Sinérgica; aplicação da modelagem de operações organizada pelo par sujeito-objeto

    sldr Visão SSS - Simétrica, Simbiótica e Sinérgica;
    uma aplicação da modelagem de operações organizada pelo par sujeito-objeto

    A organização SSS composta simultaneamente por:

    a) operações que resultam no objeto esperado pelo grupo de interessados na produção 'Clientes', e

    b) operações que resultam no instrumento - laboratório, projeto piloto, fábrica - capaz de obter o objeto esperado pelos interessados na produção 'Acionistas'

    na realidade do ambiente em que essas operações ocorrem.

    Argumento: a modelagem de operações
    organizada pelo par sujeito-objeto

    Construção da estrutura de operações na disposição SSS - Simétrica, Simbiótica e Sinérgica

    Mapa geral das operações na disposição SSS

    Posicionamento do acima descrito no espectro de modelos descrito por Michel Foucault
    no livro As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas

    Todos esses modelos de operações estão no segmento “diante do objeto”.

    Cumpre, então, desenvolver os modelos para o próximo segmento, descrito por Michel Foucault, em que habitam os modelos para além do objeto, para os quais Foucault delineia o modelo constituinte.

    Veja isso em outra animação neste trabalho.

    Mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: o mapa da reengenharia; exemplo de modelo existente, e bastante referido na década de 90, em que essa disposição SSS está mencionada, embora não desenvolvida.

    Os dois objetos diferentes, presentes no Mapa da Reengenharia de Michael Hammer
    A simetrização do Mapa da Reengenharia, apenas detalhando elementos já existentes no mapa original de Michael Hammer

    O modelo de operações, ou modelo descritivo da produção do Kanban

    Modelo descritivo da produção do Kanban, mostrando a Proposição formulada
    com ideias ou elementos de imagem integrantes da estrutura do modelo

    slider-03 dez (10) pontos de contextualização entre textos do Prefácio e do restante do ‘As palavras e as coisas’

    dez (10) pontos para contextualização entre Prefácio e texto do livro
    'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas', de Michel Foucault

    1. A Forma de Reflexão que se instaura em nossa cultura
    2. Proposição: o bloco padrão genérico e fundamental
    para construção de representações
    3. Princípios organizadores do pensamento de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
    4. O Conceito de verbo no pensamento clássico,
    o de antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
    5. O conceito de verbo no pensamento moderno, o de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
    6. As duas sintaxes mencionadas por Foucault no Prefácio
    6.1 A sintaxe que autoriza a construção das frases
    6.2 A sintaxe que autoriza manter juntas
    as palavras e as coisas
    7. O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith,
    de 1776
    8. O princípio dual de trabalho de David Ricardo,
    de 1817
    8.1 A importância de David Ricardo,

    VIII. O sono antropológico

    VIII. O sono antropológico

    A antropologia como analítica do homem teve indubitavelmente um papel constituinte no pensamento moderno, pois que em grande parte ainda não nos desprendemos dela. 

    Ela se tornara necessária a partir do momento em que a representação perdera o poder de determinar, por si só e num movimento único, 

    • o jogo de suas sínteses 
    • e de suas análises. 

    Era preciso que as sínteses empíricas fossem asseguradas em qualquer outro lugar que não na soberania do “Eu penso”. 

    Deviam ser requeridas onde precisamente essa soberania encontra seu limite, isto é, na finitude do homem – finitude que é tanto a da consciência quanto a do indivíduo que vive, fala, trabalha. 

    Kant já formulara isso na Lógica quando acrescentara à sua trilogia tradicional uma última interrogação: as três questões críticas

    • (que posso eu saber?
    • que devo fazer?
    • que me é permitido esperar?)

    acham- se então reportadas a uma quarta e postas, de certo modo, “à sua custa”:

    • Was ist der Mensch?

    Essa questão, como se viu, percorre o pensamento desde o começo do século XIX: é ela que opera, furtiva e previamente, a confusão entre o empírico e o transcendental, cuja distinção, porém, Kant mostrara. 

    Por ela, constituiu-se uma reflexão de nível misto que caracteriza a filosofia moderna. A preocupação que ela tem com o homem e que reivindica não só nos seus discursos como ainda no seu páthos, o cuidado com que tenta defini-lo como ser vivo, indivíduo que trabalha ou sujeito falante, só para as boas almas assinalam o tempo de um reino humano que finalmente retorna; trata-se, de fato – o que é mais prosaico e menos moral de uma reduplicação empírico-crítica pela qual se tenta fazer valer o homem da natureza, da permuta ou do discurso como o fundamento de sua própria finitude. 

    Nessa Dobra, 

    • a função transcendental vem cobrir, com sua rede imperiosa, o espaço inerte e sombrio da empiricidade; 
    • inversamente, os conteúdos empíricos se animam, se refazem, erguem-se e são logo subsumidos num discurso que leva longe sua presunção transcendental. 

    E eis que nessa Dobra a filosofia adormeceu num sono novo; 

    • não mais o do Dogmatismo, 
    • mas o da Antropologia. 

    Todo conhecimento empírico, desde que concernente ao homem, vale como campo filosófico possível, em que se deve descobrir o fundamento do conhecimento, a definição de seus limites e, finalmente, a verdade de toda verdade. 

    A configuração antropológica da filosofia moderna consiste em desdobrar o dogmatismo, reparti-lo em dois níveis diferentes que se apoiam um no outro e se limitam um pelo outro:

    • a análise pré-critica do que é o homem em sua essência
    • converte-se na analítica de tudo o que pode dar-se em geral à experiência do homem.

    Para despertar o pensamento de tal sono

    – tão profundo que ele o experimenta paradoxalmente como vigilância, de tal modo confunde a circularidade de um dogmatismo que se desdobra para encontrar em si mesmo seu próprio apoio com a agilidade e a inquietude de um pensamento radicalmente filosófico –

    para chamá-lo às suas mais matinais possibilidades, não há outro meio senão destruir, até seus fundamentos, o “quadrilátero” antropológico. 

    Sabe-se bem, em todo o caso, que todos os esforços para pensar de novo investem precisamente contra ele: 

    • seja porque se trate de atravessar o campo antropológico e, apartando-se dele a partir do que ele enuncia, reencontrar uma ontologia purificada ou um pensamento radical do ser; 
    • seja ainda porque, colocando fora de circuito, além do psicologismo e do historicismo, todas as formas concretas do preconceito antropológico, se tente reintegrar os limites do pensamento e reatar assim com o projeto de uma crítica geral da razão. 

    Talvez se devesse ver o primeiro esforço desse desenraizamento da Antropologia ao qual, sem dúvida, está votado o pensamento contemporâneo, na experiência de Nietzsche:

    • através de uma crítica filológica, 
    • através de uma certa forma de biologismo, 

    Nietzsche reencontrou o ponto onde o homem e Deus pertencem um ao outro, onde a morte do segundo é sinônimo do desaparecimento do primeiro, e onde a promessa do super-homem significa, primeiramente e antes de tudo, a iminência da morte do homem. 

    Com isso, Nietzsche, propondo-nos esse futuro, ao mesmo tempo como termo e como tarefa, marca o limiar a partir do qual a filosofia contemporânea pode recomeçar a pensar; ele continuará sem dúvida, por muito tempo, a orientar seu curso. 

    Se a descoberta do Retorno é, realmente, o fim da filosofia, então o fim do homem é o retorno do começo da filosofia. Em nossos dias não se pode mais pensar senão no vazio do homem desaparecido. Pois esse vazio não escava uma carência; não prescreve uma lacuna a ser preenchida. Não é mais nem menos que o desdobrar de um espaço onde, enfim, é de novo possível pensar.

    A Antropologia constitui talvez a disposição fundamental que comandou e conduziu o pensamento filosófico desde Kant até nós. Disposição essencial, pois que faz parte de nossa história; mas em via de se dissociar sob nossos olhos, pois começamos a nela reconhecer, a nela denunciar de um modo crítico, a um tempo, o esquecimento da abertura que a tornou possível e o obstáculo tenaz que se opõe obstinadamente a um pensamento por vir. 

    • A todos os que pretendem ainda falar do homem, de seu reino ou de sua liberação, 
    • a todos os que formulam ainda questões sobre o que é o homem em sua essência, 
    • a todos os que pretendem partir dele para ter acesso à verdade, 
    • a todos os que, em contrapartida, reconduzem todo conhecimento às verdades do próprio homem, 
    • a todos os que não querem formalizar sem antropologizar, 
    • que não querem mitologizar sem desmistificar, 
    • que não querem pensar sem imediatamente pensar que é o homem quem pensa, 

    a todas essas formas de reflexão canhestras e distorcidas, só se pode opor um riso filosófico – isto é, de certo modo, silencioso.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    capítulo IX – O homem e seus duplos;
    tópico VIII. O sono antropológico.

    VII. O discurso e o ser do homem

    VII. O discurso e o ser do homem

    Pode-se notar que estes quatro segmentos teóricos 

    • (análises da finitude, 
    • da repetição empírico-transcendental, 
    • do impensado 
    • e da origem) 

    mantêm certa relação com os quatro domínios subordinados que, juntos, constituíam, na época clássica, a teoria geral da linguagem. Relação que é, à primeira vista, de semelhança e de simetria. 

    Deve-se lembrar que 

    • a teoria do verbo explicava como a linguagem podia transbordar para fora de si mesma e afirmar o ser – isto, num movimento que assegurava, em troca, o ser mesmo da linguagem, pois que esta só podia instaurar-se e abrir seu espaço lá onde já houvesse, ao menos sob uma forma secreta, o verbo “ser”; 
    • a análise da finitude explica, do mesmo modo, como o ser do homem se acha determinado por positividades que lhe são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como, em troca, é o ser finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade positiva. 

    Enquanto 

    • a teoria da articulação mostrava de que maneira se podia fazer, num só movimento, o recorte das palavras e das coisas que elas representam, 
    • a análise da reduplicação empírico-transcendental mostra como se correspondem, numa oscilação indefinida, o que é dado na experiência e o que torna a experiência possível. 
    • A procura das designações primeiras da linguagem fazia brotar, no coração mais silencioso das palavras, das sílabas, dos próprios sons, uma representação adormecida que formava como que sua alma esquecida (e que era preciso fazer vir à luz, fazer falar e cantar novamente, para uma justeza maior do pensamento, para um mais maravilhoso poder da poesia); 
    • é de um modo análogo que, para a reflexão moderna, a espessura inerte do impensado é sempre habitada, de certa maneira, por um cogito e que esse pensamento adormecido no que não é pensamento deve ser novamente animado e dirigido à soberania do “eu penso”. 

    Enfim, havia na reflexão clássica sobre a linguagem uma teoria da derivação: 

    • ela mostrava como a linguagem, desde o início de sua história e talvez no instante de sua origem, no ponto mesmo em que ela se punha a falar, deslizava em seu próprio espaço, girava sobre si mesma, desviando-se de sua representação primeira, e só estabelecia suas palavras, mesmo as mais antigas, quando já desenroladas ao longo das figuras da retórica; 
    • a essa análise corresponde o esforço para pensar uma origem que já está sempre esquivada, para avançar nessa direção em que o ser do homem é sempre mantido em relação a si mesmo num afastamento e numa distância que o constituem.

    Mas esse jogo de correspondências não deve iludir. 

    Não se deve imaginar que a análise clássica do discurso se tenha prosseguido sem modificação através dos tempos, aplicando-se apenas a um novo objeto; que a força de algum peso histórico a tenha mantido em sua identidade, apesar de tantas mutações vizinhas.

     De fato, os quatro segmentos teóricos que desenhavam o espaço da gramática geral não se conservaram: dissociaram-se, mudaram de função e de nível, modificaram todo o seu domínio de validade quando, no final do século XVIII, a teoria da representação desapareceu. 

    Durante a idade clássica, a gramática geral tinha por função mostrar como, no interior da cadeia sucessiva das representações, podia introduzir-se uma linguagem que, mesmo manifestando-se na linha simples e absolutamente tênue do discurso, 

    • supunha formas de simultaneidade (afirmação de existências e de coexistências; 
    • delimitação de coisas representadas e formação de generalidades; 
    • relação originária e indelével entre palavras e coisas; 
    • deslocamento de palavras em seu espaço retórico). 

    Ao contrário, a análise do modo de ser do homem, tal como se desenvolveu desde o século XIX, não se aloja no interior de uma teoria da representação; sua tarefa é, muito pelo contrário,

    •  mostrar como é possível que as coisas em geral sejam dadas à representação, em que condições, sobre que solo, entre que limites elas podem aparecer numa positividade mais profunda do que os modos diversos da percepção; 
    • e o que então se descobre nessa coexistência do homem e das coisas, através do grande desdobramento espacial aberto pela representação, é a finitude radical do homem, a dispersão que, a um tempo, o afasta da origem e lha promete, a distância incontornável do tempo. 

    A analítica do homem não retoma, tal como fora constituída alhures e como a tradição lha negou, a análise do discurso. 

    A presença ou ausência de uma teoria da representação, mais exatamente, o caráter primeiro ou a posição derivada dessa teoria modifica inteiramente o equilíbrio do sistema. 

    Enquanto a representação é evidente, como elemento geral do pensamento, a teoria do discurso vale, ao mesmo tempo e num só movimento, como fundamento de toda gramática possível e como teoria do conhecimento. 

    Mas, desde que desaparece o primado da representação, então a teoria do discurso se dissocia, e pode-se-lhe reencontrar a forma desencamada e metamorfoseada em dois níveis. 

    No nível empírico, os quatro segmentos constitutivos se reencontram, mas a função que exerciam é inteiramente invertida: 

    • a antiga análise do privilégio do verbo, do seu poder de fazer sair o discurso de si mesmo e de enraizá-lo no ser da representação, 
    • foi substituída pela análise de uma estrutura gramatical interna que é imanente a cada língua e a constitui como um ser autônomo, portanto voltado sobre si mesmo; 

    do mesmo modo, 

    • a teoria das flexões, a procura das leis de mutação própria das palavras substituem 

    • a análise da articulação comum às palavras e às coisas; 
    • a teoria do radical substituiu 
    • a análise da raiz representativa; 
    • enfim, descobriu-se o parentesco lateral das línguas 
    • lá onde se buscava a continuidade sem fronteira das derivações. 

    Em outros termos, 

    • tudo o que havia funcionado na dimensão da relação entre as coisas (tais como são representadas) e das palavras (com seu valor representativo) 
    • acha-se retomado no interior da linguagem e incumbido de assegurar-lhe a legalidade interna. 

    No nível dos fundamentos, reencontram-se ainda os quatro segmentos da teoria do discurso: como na idade clássica, eles servem de fato, nessa analítica nova do ser humano, para manifestar a relação com as coisas; mas, desta feita, a modificação é inversa à precedente; não se trata mais de situá-los num espaço interior à linguagem, mas de liberá-los do domínio da representação, no interior do qual eram assumidos, e de fazê-los atuar nessa dimensão da exterioridade em que o homem aparece como finito, determinado, enredado na espessura daquilo que ele não pensa e submetido, no seu ser mesmo, à dispersão do tempo.

    A análise clássica do discurso, a partir do momento em que não estava mais em continuidade com uma teoria da representação, achou-se como que fendida em duas: 

    • por um lado, ela investiu-se num conhecimento empírico das formas gramaticais; 
    • e, por outro, tornou-se uma analítica da finitude; 

    mas nenhuma dessas duas translações pôde operar-se sem uma inversão total do funcionamento. 

    Pode-se compreender agora, e até o fundo, a incompatibilidade que reina entre 

    • a existência do discurso clássico (apoiada na evidência não questionada da representação) 
    • e a existência do homem, tal como é dada ao pensamento moderno (e com a reflexão antropológica que ela autoriza): 

    alguma coisa como uma analítica do modo de ser do homem só se tornou possível uma vez dissociada, transferida e invertida a análise do discurso representativo. 

    Com isso adivinha-se também que ameaça faz pesar sobre o ser do homem assim definido e colocado o reaparecimento contemporâneo da linguagem no enigma de sua unidade e de seu ser. 

    Será nossa tarefa no porvir a de avançarmos em direção a um modo de pensamento, desconhecido até o presente em nossa cultura, e que permitiria refletir ao mesmo tempo, sem descontinuidade nem contradição, sobre o ser do homem e sobre o ser da linguagem? 

    E, nesse caso, é preciso conjurar, com as maiores precauções, tudo o que possa constituir retorno ingênuo à teoria clássica do discurso (retorno cuja tentação, é preciso dizê-lo, é tanto maior quanto mais estamos desarmados para pensar o ser cintilante mas abrupto da linguagem, ao passo que a velha teoria da representação está aí, toda constituída, a oferecer-nos um lugar onde esse ser poderá alojar-se e dissolver-se num puro funcionamento). 

    Mas pode ser também que esteja para sempre excluído o direito de pensar ao mesmo tempo o ser da linguagem e o ser do homem; pode ser que haja aí como que uma indelével abertura (aquela em que justamente existimos e falamos), de tal forma que seria preciso rejeitar como quimera toda antropologia que pretendesse tratar do ser da linguagem, toda concepção da linguagem ou da significação que quisesse alcançar, manifestar e liberar o ser próprio do homem. 

    É talvez aí que se enraíza a mais importante opção filosófica de nossa época. Opção que só se pode fazer na experiência mesma de uma reflexão futura. Pois nada nos pode dizer, de antemão, de que lado a via está aberta. 

    A única coisa que, por ora, sabemos com toda a certeza é que jamais, na cultura ocidental, o ser do homem e o ser da linguagem puderam coexistir e se articular um com o outro. Sua incompatibilidade foi um dos traços fundamentais de nosso pensamento.

    A mutação da análise do Discurso numa analítica da finitude tem, contudo, outra conseqüência. 

    A teoria clássica do signo e da palavra devia mostrar como as representações, que se sucediam numa cadeia tão estreita e tão cerrada que as distinções aí não apareciam, e que eram, em suma, todas semelhantes, podiam estender-se num quadro permanente de diferenças estáveis e de identidades limitadas; tratava-se de uma gênese da Diferença a partir da monotonia secretamente variada do Semelhante. 

    A analítica da finitude tem um papel exatamente inverso: 

    • mostrando que o homem é determinado, trata-se, para ela, de manifestar que o fundamento dessas determinações é o ser mesmo do homem em seus limites radicais; 
    • ela deve manifestar também que os conteúdos da experiência são já suas próprias condições, 
    • que o pensamento frequenta previamente o impensado que lhes escapa e cuja reapreensão é sua tarefa de sempre; 
    • ela mostra como essa origem de que jamais o homem é contemporâneo lhe é a um tempo retirada e dada ao modo da iminência; 
    • em suma, trata-se sempre, para ela, de mostrar como o Outro, o Longínquo é também o mais Próximo e o Mesmo. 

    Passou-se assim 

    • de uma reflexão sobre a ordem das Diferenças (com a análise que ela supõe e essa ontologia do contínuo, essa exigência de um ser pleno, sem ruptura, desdobrado em sua perfeição, que supõem uma metafísica) 
    • a um pensamento do Mesmo, sempre a ser conquistado ao que lhe é contraditório: o que implica (além da ética de que se falou) uma dialética e essa forma de ontologia que, por não ter necessidade do contínuo, por não precisar refletir o ser senão nas suas formas limitadas ou no afastamento de sua distância, pode e deve dispensar a metafísica. 

    Um jogo dialético e uma ontologia sem metafisica se interpelam e se correspondem mutuamente através do pensamento moderno e ao longo de toda a sua história: pois é um pensamento que não se encaminha mais em direção à formação jamais acabada da Diferença, mas ao desvelamento do Mesmo sempre por realizar. 

    Ora, tal desvelamento não se dá sem o aparecimento simultâneo do Duplo, e essa distância, ínfima mas invencível, que reside no “e” 

    • do recuo e do retorno, 
    • do pensamento e do impensado, 
    • do empírico e do transcendental, 
    • do que é da ordem da positividade e do que é da ordem dos fundamentos. 

    A identidade separada de si mesma numa distância que lhe é, em certo sentido, interior, mas que, em outro, a constitui, a repetição que oferece o idêntico mas na forma do afastamento estão, sem dúvida, no coração desse pensamento moderno ao qual, apressadamente, se atribui a descoberta do tempo. 

    De fato, se se prestar um pouco mais de atenção, percebe-se que 

    • o pensamento clássico reportava a possibilidade de espacializar as coisas em um quadro a essa propriedade da pura sucessão representativa de se interpelar a partir de si, de se reduplicar e de constituir uma simultaneidade a partir de um tempo contínuo: o tempo fundava o espaço. 
    • No pensamento moderno, o que se revela no fundamento da história das coisas e da historicidade própria ao homem é a distância que escava o Mesmo, é o afastamento que o dispersa e o reúne nos dois extremos dele mesmo. É essa profunda espacialidade que permite ao pensamento moderno sempre pensar o tempo – conhecê-lo como sucessão, prometê-lo a si mesmo como acabamento, origem ou retomo.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    capítulo IX – O homem e seus duplos;
    tópico VII. O discurso e o ser do homem.

    VI. O recuo e o retorno à origem

    VI. O recuo e o retorno da origem

    O último traço que caracteriza, ao mesmo tempo, o modo de ser do homem e a reflexão que a ele se dirige é a relação com a origem. 

    Relação muito diferente daquela que o pensamento clássico tentava estabelecer nas suas gêneses ideais. Reencontrar a origem, no século XVIII, era recolocar-se o mais perto possível da pura e simples reduplicação da representação: 

    • pensava-se a economia a partir da troca, porque nesta as duas representações que cada um dos parceiros fazia de sua propriedade e da do outro eram equivalentes; 
    • oferecendo a satisfação de dois desejos quase idênticos, elas eram, em suma, “semelhantes”. 

    Pensava-se a ordem da natureza, antes de qualquer catástrofe, como um quadro onde os seres se sucederiam numa ordem tão cerrada e numa trama tão contínua que, de um ponto a outro dessa sucessão, dar-se-ia um deslocamento no interior de uma quase-identidade, e, de uma extremidade a outra, estar-se-ia sendo conduzido através da superfície lisa do “semelhante”. 

    Pensava-se a origem da linguagem como a transparência entre a representação de uma coisa e a representação do grito, do som, da mímica (da linguagem de ação) que a acompanhava. 

    Enfim, a origem do conhecimento era buscada do lado dessa sequência pura de representações – sequência tão perfeita e tão linear, que a segunda tinha substituído a primeira sem que se tomasse consciência disso, uma vez que ela não lhe era simultânea, que não era possível estabelecer entre as duas uma diferença e que não se podia experimentar a seguinte senão como “semelhante” à primeira; e somente quando aparecia uma sensação mais “semelhante” a uma precedente do que todas as outras, é que a reminiscência podia exercer-se, a imaginação representar novamente uma representação e o conhecimento firmar-se nessa reduplicação. 

    Pouco importava que esse nascimento fosse considerado fictício ou real, que tivesse valor de hipótese explicativa ou de acontecimento histórico: na verdade, essas distinções só existem para nós; num pensamento para o qual o desenvolvimento cronológico se aloja no interior de um quadro, sobre o qual ele só constitui um percurso, o ponto de partida está simultaneamente fora do tempo real e dentro dele: ele é essa dobra primeira pela qual todos os acontecimentos históricos podem ter lugar.

    No pensamento moderno, tal origem não é mais concebível: viu-se como o trabalho, a vida, a linguagem adquiriram sua historicidade própria, na qual estavam entranhadas: não podiam, portanto, jamais enunciar verdadeiramente sua origem, ainda que toda a sua história esteja interiormente como que apontada em direção a ela. Não é mais a origem que dá lugar à historicidade; é a historicidade que, na sua própria trama, deixa perfilar-se a necessidade de uma origem que lhe seria ao mesmo tempo interna e estranha: como o vértice virtual de um cone onde todas as diferenças, todas as dispersões, todas as descontinuidades fossem estreitadas até formarem não mais que um ponto de identidade, a impalpável figura do Mesmo, com o poder, entretanto, de explodir sobre si e de tornar-se outra.

    O homem constituiu-se no começo do século XIX em correlação com essas historicidades, com todas essas coisas envolvidas sobre si mesmas e indicando, através de seu desdobramento, mas por suas leis próprias, a identidade inacessível de sua origem. 

    Contudo, não é do mesmo modo que o homem tem relação com sua origem. É que, com efeito, o homem só se descobre ligado a uma historicidade já feita: 

    • não é jamais contemporâneo dessa origem que, através do tempo das coisas, se esboça enquanto se esquiva; 
    • quando ele tenta definir-se como ser vivo, só descobre seu próprio começo sobre o fundo de uma vida que por sua vez começara bem antes dele; 
    • quando tenta se apreender como ser no trabalho traz à luz as suas formas mais rudimentares somente no interior de um tempo e de um espaço humanos já institucionalizados, já dominados pela sociedade; 
    • e quando tenta definir sua essência de sujeito falante, aquém de toda língua efetivamente constituída, jamais encontra senão a possibilidade da linguagem já desdobrada, e não o balbucio, a primeira palavra a partir da qual todas as línguas e a própria linguagem se tomaram possíveis. 

    É sempre sobre um fundo do já começado que o homem pode pensar o que para ele vale como origem. 

    Esta, portanto, de modo algum é para ele o começo – uma espécie de primeira manhã da história a partir da qual se houvessem acumulado as aquisições ulteriores. 

    A origem é, bem antes, 

    • a maneira como o homem em geral, como todo e qualquer homem, se articula com o já começado do trabalho, da vida e da linguagem; 
    • deve ser procurada nessa dobra onde o homem trabalha com toda a ingenuidade um mundo laborado há milênios, vive, no frescor de sua existência única, recente e precária, uma vida que se entranha até as primeiras formações orgânicas, compõe em frases ainda não ditas (mesmo que gerações as tenham repetido) palavras mais velhas que toda memória. 

    Nesse sentido, o nível do originário é, sem dúvida, para o homem, o que está mais próximo dele: essa superfície que ele percorre inocentemente, sempre pela primeira vez, e sobre a qual seus olhos, logo que se abrem, descobrem figuras tão jovens quanto seu olhar – figuras que, não mais que ele, não podem ter idade, mas por uma razão inversa: não porque sejam também sempre jovens, mas porque pertencem a um tempo que não tem nem as mesmas medidas, nem os mesmos fundamentos que ele. 

    Mas essa tênue superfície do originário que margina toda a nossa existência e que jamais lhe é ausente (nem mesmo, e sobretudo, no instante da morte em que ela se descobre, ao contrário, como que a nu) não é o imediato de um nascimento; está toda povoada por essas mediações complexas que, na sua história própria, o trabalho, a vida e a linguagem formaram e depositaram; de sorte que nesse simples contato, desde o primeiro objeto manipulado, desde a manifestação da mais simples necessidade até o arrojo da mais neutra palavra, são todos os intermediários de um tempo que o domina quase ao infinito, que o homem, sem o saber, reanima. 

    Sem o saber; mas é preciso, na verdade, que o saiba de certa maneira, pois que é assim que os homens entram em comunicação e se acham na rede já entabulada da compreensão. 

    E contudo esse saber é limitado, diagonal, parcial, porquanto cercado, de todos os lados, por uma imensa região de sombra onde o trabalho, a vida e a linguagem ocultam sua verdade (e sua própria origem) àqueles mesmos que falam, que existem e que laboram.

    O originário, tal como, desde a Fenomenologia do espírito, o pensamento moderno não cessou de descrever, é, pois, bem diferente daquela gênese ideal que a idade clássica tentara reconstituir; mas é diferente também (conquanto lhe seja ligado por uma correlação fundamental) da origem que se desenha, numa espécie de além retrospectivo, através da historicidade dos seres. 

    Longe de reconduzir, ou mesmo de apenas apontar em direção a um vértice real ou virtual de identidade, longe de indicar o momento do Mesmo em que a dispersão do Outro não se exerceu ainda, o originário no homem é aquilo que, desde o início, o articula com outra coisa que não ele próprio; é aquilo que introduz na sua experiência conteúdos e formas mais antigas do que ele e que ele não domina; é aquilo que, ligando-o a cronologias múltiplas, entrecruzadas, freqüentemente irredutíveis umas às outras, o dispersa através do tempo e o expõe em meio à duração das coisas. 

    Paradoxalmente, o originário no homem não anuncia o tempo de seu nascimento, nem o núcleo mais antigo de sua experiência: 

    • liga-o ao que não tem o mesmo tempo que ele; 
    • e nele libera tudo o que não lhe é contemporâneo; 
    • indica, sem cessar e numa proliferação sempre renovada, que as coisas começaram bem antes dele e que, por essa mesma razão, ninguém lhe poderia assinalar uma origem, a ele cuja experiência é inteiramente constituída e limitada por essas coisas. 

    Ora, essa própria impossibilidade tem dois aspectos: 

    • significa, por um lado, que a origem das coisas está sempre recuada, já que remonta a um calendário onde o homem não figura; 
    • mas significa, por outro lado, que o homem, por oposição a essas coisas, de que o tempo deixa perceber o nascimento cintilante na sua espessura, é o ser sem origem, aquele “que não tem pátria nem data”, aquele cujo nascimento jamais é acessível porque jamais teve “lugar”. 

    O que se anuncia no imediato do originário é, pois, que o homem está separado da origem que o tornaria contemporâneo de sua própria existência: em meio a todas as coisas que nascem no tempo e nele sem dúvida morrem, ele, separado de toda origem, já está aí. 

    De sorte que é nele que as coisas (aquelas mesmas que o excedem) encontram seu começo: mais que cicatriz marcada num instante qualquer da duração, ele é a abertura a partir da qual o tempo em geral pode reconstituir-se, a duração escoar, e as coisas, no momento que lhes é próprio, fazer seu aparecimento. 

    Se, na ordem empírica, as coisas são sempre recuadas para ele, inapreensíveis em seu ponto zero, o homem se acha fundamentalmente em recuo em relação a esse recuo das coisas e é assim que elas podem, no imediato da experiência originária, fazer pesar sua sólida anterioridade.

    Uma tarefa se apresenta então ao pensamento: a de contestar a origem das coisas, mas de contestá-la para fundá-la, reencontrando o modo pelo qual se constitui a possibilidade do tempo – essa origem sem origem nem começo a partir da qual tudo pode nascer. 

    Semelhante tarefa implica que seja posto em questão tudo o que pertence ao tempo, tudo o que nele se formou, tudo o que se aloja no seu elemento móvel, de maneira que apareça a brecha sem cronologia e sem história donde provém o tempo. Este estaria então suspenso nesse pensamento que, contudo, não lhe escapa, já que nunca é contemporâneo da origem; mas essa suspensão teria o poder de abalar a relação recíproca entre a origem e o pensamento; o tempo giraria em torno de si e a origem, tendo-se tornado aquilo que o pensamento tem ainda que pensar e sempre de novo, lhe seria prometida numa iminência sempre mais próxima, jamais realizada. 

    A origem é então o que está em via de voltar, a repetição para a qual tende o pensamento, o retomo do que sempre já começou, a proximidade de uma luz que desde sempre brilhou. 

    Assim, uma terceira vez, a origem se perfila através do tempo; mas desta feita é o recuo no futuro, a injunção que o pensamento recebe e se faz a si mesmo de avançar, passo a passo, em direção ao que não cessou de torná-lo possível, de espreitar adiante de si, sobre a linha sempre recuada de seu horizonte, a luz donde ele veio e donde profusamente advém.

    No preciso momento em que lhe era possível denunciar como quimeras as gêneses descritas no século XVIII, o pensamento moderno instaurava uma problemática da origem muito complexa e muito intrincada; essa problemática serviu de fundamento à nossa experiência do tempo e é a partir dela que, desde o século XIX, nasceram todas as tentativas para retomar o que poderia ser, na ordem humana, o começo e o recomeço, o afastamento e a presença do início, o retorno e o fim. 

    Com efeito, o pensamento moderno estabeleceu uma relação com a origem que era inversa para o homem e para as coisas: 

    • autorizava assim – mas frustrava de antemão e guardava em face deles todo o seu poder de contestação – os esforços positivistas para inserir a cronologia do homem no interior da cronologia das coisas, de maneira que a unidade do tempo fosse restaurada e que a origem do homem não fosse nada mais que uma data, que uma dobra na série sucessiva dos seres (estabelecer essa origem, e com ela o aparecimento da cultura, a aurora das civilizações no movimento da evolução biológica); 
    • autorizava também o esforço inverso e complementar para alinhar, segundo a cronologia do homem, a experiência que ele tem das coisas, os conhecimentos que sobre elas adquiriu, as ciências que pôde assim constituir (de sorte que, se todos os começos do homem têm seu lugar no tempo das coisas, o tempo individual ou cultural do homem permite, numa gênese psicológica ou histórica, definir o momento em que as coisas encontram, pela primeira vez, o semblante de sua verdade); 
    • em cada um desses dois alinhamentos, a origem das coisas e a do homem se subordinam uma à outra; mas o simples fato de haver dois alinhamentos possíveis e irreconciliáveis indica a assimetria fundamental que caracteriza o pensamento moderno da origem. 

    Ademais, esse pensamento faz advir, numa luz derradeira e como que numa claridade essencialmente reticente, uma certa camada do originário onde nenhuma origem na verdade estava presente, mas onde o tempo sem começo do homem manifestava para uma memória possível o tempo sem lembrança das coisas; 

    daí uma dupla tentação: 

    • psicologizar todo conhecimento, qualquer que seja, e fazer da psicologia uma espécie de ciência geral de todas as ciências; 
    • ou, inversamente, descrever essa camada originária num estilo que escapa a todo positivismo, de maneira que se possa, a partir daí, inquietar a positividade de toda ciência e reivindicar contra ela o caráter fundamental, incontornável dessa experiência. 

    Mas, ao atribuir a si a tarefa de restituir o domínio do originário, o pensamento moderno aí logo descobre o recuo da origem; e se propõe paradoxalmente a avançar na direção em que esse recuo se realiza e não cessa de aprofundar-se; tenta fazê-lo aparecer do outro lado da experiência como aquilo que a sustenta por seu recuo mesmo, como aquilo que está o mais próximo possível da sua mais visível possibilidade, como aquilo que nela é iminente; e, se o recuo da origem se apresenta assim na sua maior clareza, não é a própria origem que se acha liberada e ascende até si mesma na dinastia de seu arcaísmo? 

    É por isso que o pensamento moderno está votado inteiramente à grande preocupação do retomo, ao cuidado de recomeçar, a essa estranha inquietude, que lhe é própria, que o coloca no dever de repetir a repetição. 

    Assim, de Hegel a Marx e a Spengler, desenvolveu-se o tema de um pensamento que, pelo movimento em que se realiza – totalidade alcançada, retomada violenta no extremo despojamento, declínio solar – curva-se sobre si mesmo, ilumina sua própria plenitude, fecha seu círculo, reencontra-se em todas as figuras estranhas de sua odisseia e aceita desaparecer nesse mesmo oceano donde emanara; em oposição a esse retorno que ainda que não seja feliz é perfeito, delineia-se a experiência de Hôlderlin, de Nietzsche e de Heidegger, em que o retorno só se dá no extremo recuo da origem – lá onde os deuses se evadiram, onde cresce o deserto, onde a tékhnê instalou a denominação de sua vontade; de maneira que não se trata aí de um fechamento nem de uma curva, mas antes dessa brecha incessante que libera a origem na medida mesma de seu recuo; o extremo é então o mais próximo. 

    Mas quer essa camada do originário, descoberta pelo pensamento moderno no movimento mesmo em que ele inventou o homem, prometa a ocasião da realização e das plenitudes acabadas, quer restitua o vazio da origem – aquele disposto pelo seu recuo e aquele escavado pela sua aproximação – de todo modo o que ela prescreve que se pense é algo como o “Mesmo”: através do domínio do originário que articula a experiência humana com o tempo da natureza e da vida, com a história, com o passado sedimentado das culturas, o pensamento moderno se esforça por reencontrar o homem em sua identidade – nessa plenitude ou nesse nada que é ele mesmo -, a história e o tempo nessa repetição que eles tornam impossível mas que forçam a pensar, e o ser naquilo mesmo que ele é.

    E assim, nesta tarefa infinita de pensar a origem o mais perto e o mais longe de si, o pensamento descobre que o homem não é contemporâneo do que o faz ser – ou daquilo a partir do qual ele é; mas que está preso no interior de um poder que o dispersa, o afasta para longe de sua própria origem, e todavia lha promete numa iminência que será talvez sempre furtada; ora, esse poder não lhe é estranho; não reside fora dele na serenidade das origens eternas e incessantemente recomeçadas, pois então a origem seria efetivamente dada; esse poder é aquele de seu ser próprio. 

    O tempo – mas esse tempo que é ele próprio – tanto o aparta da manhã donde ele emergiu quanto daquela que lhe é anunciada. 

    Vê-se quanto esse tempo fundamental – esse tempo a partir do qual o tempo pode ser dado à experiência – é diferente daquele que vigorava na filosofia da representação: 

    • o tempo então dispersava a representação pois que lhe impunha a forma de uma sucessão linear; 
    • mas competia à representação restituir-se a si mesma na imaginação, reduplicar-se assim perfeitamente e dominar o tempo; 
    • a imagem permitia retomar o tempo integralmente, reapreender o que fora concedido à sucessão e construir um saber tão verdadeiro quanto o de um entendimento eterno. 

    Na experiência moderna, ao contrário, 

    • o distanciamento da origem é mais fundamental do que toda experiência, porquanto é nela que a experiência cintila e manifesta sua positividade; 
    • é porque o homem não é contemporâneo de seu ser que as coisas vêm se dar com um tempo que lhes é próprio. 

    E reencontra-se aqui o tema inicial da finitude. Mas essa finitude, que era primeiramente anunciada pelo jugo das coisas sobre o homem – pelo fato de que ele era dominado 

    • pela vida, 
    • pela história, 
    • pela linguagem  

    – aparece agora num nível mais fundamental: ela é a relação insuperável do ser do homem com o tempo.

    Assim, redescobrindo a finitude na interrogação da origem, o pensamento moderno remata o grande quadrilátero que começou a desenhar quando toda a epistémê ocidental se abalou no fim do século XVIII: 

    • o liame das positividades com a finitude, 
    • a reduplicação do empírico no transcendental, 
    • a relação perpétua do cogito com o impensado, 
    • o distanciamento e o retorno da origem 

    definem para nós o modo de ser do homem. 

    É na análise desse modo de ser, e não mais na da representação, que, desde o século XIX, a reflexão busca assentar filosoficamente a possibilidade do saber.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    capítulo IX – O homem e seus duplos;
    tópico VI. O recuo e o retorno da origem

    V. O cogito e o impensado

    V. O "cogito" e o impensado

    Se efetivamente 

    • o homem é, no mundo, o lugar de uma reduplicação empírico-transcendental, 
    • se deve ser essa figura paradoxal em que os conteúdos empíricos do conhecimento liberam, mas a partir de si, as condições que os tornaram possíveis, 

    o homem não se pode dar na transparência imediata e soberana de um cogito; mas tampouco pode ele residir na inércia objetiva daquilo que, por direito, não acede e jamais acederá à consciência de si. 

    O homem é um modo de ser tal que nele se funda esta dimensão sempre aberta, jamais delimitada de uma vez por todas, mas indefinidamente percorrida, que vai, 

    • de uma parte dele mesmo que ele não reflete num cogito, 
    • ao ato de pensamento pelo qual a capta; 

    e que, inversamente, vai 

    • desta pura captação 
    • ao atravancamento empírico, à ascensão desordenada dos conteúdos, ao desvio das experiências que escapam a si mesmas, a todo o horizonte silencioso do que se dá na extensão movediça do não-pensamento. 

    Porque é duplo empírico-transcendental, o homem é também o lugar do desconhecimento – deste desconhecimento que expõe sempre seu pensamento a ser transbordado por seu ser próprio e que lhe permite, ao mesmo tempo, se interpelar a partir do que lhe escapa. 

    É essa a razão pela qual a reflexão transcendental, sob sua forma moderna, 

    • não mais encontra o ponto de sua necessidade, como em Kant, na existência de uma ciência da natureza (à qual se opõem o combate perpétuo e a incerteza dos filósofos), 
    • mas na existência muda, prestes porém a falar e como que toda atravessada secretamente por um discurso virtual, desse não-conhecido a partir do qual o homem é incessantemente chamado ao conhecimento de si. 

    A questão não é mais: 

    • como pode ocorrer que a experiência da natureza dê lugar a juízos necessários? 

    Mas sim: 

    1. como pode ocorrer que o homem pense o que ele não pensa, habite o que lhe escapa sob a forma de uma ocupação muda, anime, por uma espécie de movimento rijo, essa figura dele mesmo que se lhe apresenta sob a forma de uma exterioridade obstinada? 
    2. Como pode o homem ser essa vida cuja rede, cujas pulsações, cuja força encoberta transbordam indefinidamente a experiência que dela lhe é imediatamente dada? 
    3. Como pode ele ser esse trabalho, cujas exigências e cujas leis se lhe impõem como um rigor estranho? 
    4. Como pode ele ser o sujeito de uma linguagem que, desde milênios, se formou sem ele, cujo sistema lhe escapa, cujo sentido dorme um sono quase invencível nas palavras que, por um instante, ele faz cintilar por seu discurso, e no interior da qual ele é, desde o início, obrigado a alojar sua fala e seu pensamento, como se estes nada mais fizessem senão animar por algum tempo um segmento nessa trama de possibilidades inumeráveis? 

    – Quádruplo deslocamento em relação à questão kantiana, pois que se trata 

    • não mais da verdade, mas do ser; 
    • não mais da natureza, mas do homem; 
    • não mais da possibilidade de um conhecimento, mas daquela de um desconhecimento primeiro;
    • não mais do caráter não-fundado das teorias filosóficas em face da ciência, mas da retomada, numa consciência filosófica clara, de todo esse domínio de experiências não-fundadas em que o homem não se reconhece.

    A partir desse deslocamento da questão transcendental, o pensamento contemporâneo não podia evitar a reativação do tema do cogito. 

    Não fora também a partir do erro, da ilusão, do sonho e da loucura, de todas as experiências do pensamento não-fundado que Descartes descobrira a impossibilidade de elas não serem pensamentos – de tal modo que o pensamento do mal-pensado, do não-verdadeiro, do quimérico, do puramente imaginário, aparecesse como lugar de possibilidade de todas essas experiências e primeira evidência irrecusável? 

    Mas o cogito moderno é tão diferente do de Descartes quanto nossa reflexão transcendental está afastada da análise kantiana. 

    É que, para Descartes, tratava-se de trazer à luz o pensamento como a forma mais geral de todos esses pensamentos que são o erro ou a ilusão, de maneira a conjurar-lhes o perigo, com o risco de reencontrá-los no final de sua tentativa, de explicá-los e de propor então o método para evitá-los. 

    No cogito moderno, trata-se, ao contrário, 

    • de deixar valer, na sua maior dimensão, a distância que, a um tempo, separa e religa o pensamento presente a si, com aquilo que, do pensamento, se enraíza no não-pensado; 
    • ele precisa (e é por isso que ele é menos uma evidência descoberta que uma tarefa incessante a ser sempre retomada) percorrer, reduplicar e reativar, sob uma forma explícita, a articulação do pensamento com o que nele, em tomo dele, debaixo dele, não é pensamento, mas que nem por isso lhe é estranho, segundo uma irredutível, uma intransponível exterioridade.

     Sob essa forma, o cogito 

    • não será, portanto, a súbita descoberta iluminadora de que todo o pensamento é pensado, 
    • mas a interrogação sempre recomeçada para saber como o pensamento habita fora daqui, e, no entanto, o mais próximo de si mesmo, como pode ele ser sob as espécies do não-pensante. 

    Ele não reconduz todo o ser das coisas ao pensamento sem ramificar o ser do pensamento até na nervura inerte do que não pensa.

    Esse duplo movimento próprio ao cogito moderno explica por que nele o “Eu penso” não conduz à evidência do “Eu sou”; de fato, assim que o “Eu penso” se mostrou imbricado em toda uma espessura em que ele está quase presente, que ele anima mas à maneira ambígua de uma vigília sonolenta, não é mais possível fazer dele decorrer a afirmação de que “Eu sou”: posso eu dizer, com efeito, que sou essa linguagem que falo e na qual meu pensamento desliza a ponto de nela encontrar o sistema de todas as suas possibilidades próprias, mas que, no entanto, só existe sob o peso de sedimentações que ele jamais será capaz de atualizar inteiramente? 

    Posso eu dizer que sou este trabalho que faço com minhas mãos, mas que me escapa não somente quando o concluo, mas antes mesmo de o haver encetado? 

    Posso eu dizer que sou essa vida que sinto no fundo de mim, mas que me envolve tanto pelo tempo formidável que ela impulsiona consigo e que me eleva por um instante sobre sua crista, quanto pelo tempo iminente que me prescreve minha morte? 

    Posso dizer tanto que sou quanto que não sou tudo isso; 

    • o cogito não conduz a uma afirmação de ser, mas abre justamente para toda uma série de interrogações em que o ser está em questão: 
      • que é preciso eu ser, eu que penso e que sou meu pensamento, 
      • para que eu seja o que não penso, para que meu pensamento seja o que não sou? 
    • Que é, pois, esse ser que cintila e, por assim dizer, tremeluz na abertura do cogito, mas não é dado soberanamente nele e por ele? 
    • Qual é, pois, a relação e a difícil interdependência entre o ser e o pensamento? 
    • Que é o ser do homem, e como pode ocorrer que esse ser, que se poderia tão facilmente caracterizar pelo fato de que “ele tem pensamento” e que talvez seja o único a possuí-lo, tenha uma relação indelével e fundamental com o impensado? 

    Instaura-se uma forma de reflexão,
    bastante afastada do cartesianismo
    e da análise kantiana, 
    em que está em questão, 
    pela primeira vez, 
    o ser do homem, 
    nessa dimensão segundo a qual
    o pensamento 
    se dirige ao impensado 
    e com ele se articula.

    Isso tem duas conseqüências. 

    • A primeira é negativa e de ordem puramente histórica. 

    Pode parecer que a fenomenologia juntou, um ao outro,

    • o tema cartesiano do cogito
    • e o motivo transcendental que Kant extraíra da crítica de Hume;

    Husserl teria assim reanimado a vocação mais profunda da ratio ocidental, curvando-a sobre si mesma numa reflexão que seria radicalização da filosofia pura e fundamento da possibilidade de sua própria história. 

    Na verdade, Husserl só pôde operar essa junção na medida em que a análise transcendental mudara seu ponto de aplicação  

    • (este é transportado da possibilidade de uma ciência da natureza
    • para a possibilidade que o homem tem de se pensar), 

    e em que o cogito modificara sua função

    • (esta não é mais a de conduzir a uma existência apodítica, a partir de um pensamento que se afirma por toda a parte em que ele pensa,
    • mas a de mostrar como pode o pensamento escapar a si mesmo e conduzir assim a uma interrogação múltipla e proliferante sobre o ser).

    A fenomenologia é, portanto,

    • muito menos a retomada de uma velha destinação racional do Ocidente,
    • que a atestação, bem sensível e ajustada, da grande ruptura que se produziu na epistémê moderna, na curva do século XVIII para o século XIX. 

    Se a alguma coisa está ligada

    • é à descoberta da vida, do trabalho e da linguagem;
    • é também a essa figura nova que, sob o velho nome de homem, surgiu não há ainda dois séculos;
    • é à interrogação sobre o modo de ser do homem e sobre sua relação com o impensado. 

    É por isso que a fenomenologia – ainda que se tenha esboçado primeiramente através do anti-psicologismo, ou, antes, na medida mesma em que, contra este, tenha feito ressurgir o problema do a priori e o motivo transcendental jamais pôde conjurar o insidioso parentesco, a vizinhança ao mesmo tempo prometedora e ameaçante com as análises empíricas sobre o homem; é por isso também que, embora se tenha inaugurado por uma redução ao cogito, ela foi sempre conduzida a questões, à questão ontológica. 

    Sob nossos olhos, o projeto fenomenológico não cessa de se resolver numa descrição do vivido que, queira ou não, é empírica, e uma ontologia do impensado que põe fora de circuito a primazia do “Eu penso”.

    • A outra conseqüência é positiva. 

    Concerne à relação do homem com o impensado, ou, mais exatamente, ao seu aparecimento gêmeo na cultura ocidental. 

    Tem-se facilmente a impressão de que, a partir do momento em que o homem se constituiu como uma figura positiva no campo do saber, o velho privilégio do conhecimento reflexivo, do pensamento que se pensa a si mesmo, não podia deixar de desaparecer; mas que era, por isso mesmo, dado a um pensamento objetivo percorrer o homem por inteiro – com o risco de nele descobrir o que precisamente jamais podia ser dado à sua reflexão nem mesmo à sua consciência: 

    • mecanismos obscuros, 
    • determinações sem figura, 
    • toda uma paisagem de sombra a que, direta ou indiretamente, se chamou inconsciente. 

    Não é o inconsciente aquilo que se dá necessariamente ao pensamento científico que o homem aplica a si mesmo quando pára de se pensar na forma da reflexão? 

    De fato, o inconsciente e, de maneira geral, as formas do impensado, não foram a recompensa oferecida a um saber positivo do homem. 

    O homem e o impensado são, ao nível arqueológico, contemporâneos. 

    O homem não pôde desenhar-se como uma configuração na epistémê, sem que o pensamento simultaneamente descobrisse, ao mesmo tempo em si e fora de si, nas suas margens mas igualmente entrecruzados com sua própria trama, uma parte de noite, uma espessura aparentemente inerte em que ele está imbricado, um impensado que ele contém de ponta a ponta, mas em que do mesmo modo se acha preso. 

    O impensado (qualquer que seja o nome que se lhe dê) não está alojado no homem como uma natureza encarquilhada ou uma história que nele se houvesse estratificado, mas é, em relação ao homem, o Outro: o Outro, fraterno e gêmeo, nascido não dele, nem nele, mas ao lado e ao mesmo tempo, numa idêntica novidade, numa dualidade sem apelo. 

    Esse terreno obscuro, que facilmente se interpreta como uma região abissal na natureza do homem, ou como uma fortaleza singularmente trancafiada de sua história, lhe está ligado de outro modo; é-lhe, ao mesmo tempo, exterior e indispensável: um pouco a sombra projetada do homem surgindo no saber; um pouco a mancha cega a partir da qual é possível conhecê-lo. 

    Em todo o caso, o impensado serviu ao homem de acompanhamento surdo e ininterrupto desde o século XIX. Como, em suma, ele não passava de um duplo insistente, jamais foi refletido por ele próprio de um modo autônomo; daquilo de que ele era o Outro e a sombra, recebeu a forma complementar e o nome invertido; 

    • foi o An sich em face do Für sich na fenomenologia hegeliana; 
    • foi o Unbewusste para Schopenhauer; 
    • foi o homem alienado para Marx; 
    • nas análises de Husserl, o implícito, o inatual, o sedimentado, o não-efetuado: 

    de todo modo, o inesgotável duplo que se oferece ao saber refletido como a projeção confusa do que é o homem na sua verdade, mas que desempenha igualmente o papel de base prévia a partir da qual o homem deve reunir-se a si mesmo e se interpelar até sua verdade. 

    É que esse duplo, por próximo que seja, é estranho, e o papel do pensamento, sua iniciativa própria, será aproximá-lo o mais perto possível de si mesmo; 

    • todo o pensamento moderno é atravessado pela lei de pensar o impensado –
    • de refletir, na forma do Para-si, os conteúdos do Em-si, 
    • de desalienar o homem reconciliando-o com sua própria essência, 
    • de explicitar o horizonte que dá às experiências seu pano de fundo de evidência imediata e desarmada, 
    • de levantar o véu do Inconsciente, 
    • de absorver-se no seu silêncio 
    • ou de pôr-se à escuta de seu murmúrio indefinido.

    Na experiência moderna, a possibilidade de instaurar o homem num saber, o simples aparecimento dessa figura nova no campo da epistémê, implicam um imperativo que importuna interiormente o pensamento; 

    • pouco importa que ele seja cunhado sob as formas de uma moral, de uma política, de um humanismo, de um dever de se incumbir do destino ocidental, 
    • ou da pura e simples consciência de realizar na história uma tarefa de funcionário; 

    o essencial é que o pensamento seja, por si mesmo e na espessura de seu trabalho, ao mesmo tempo 

    • saber e modificação do que ele sabe, 
    • reflexão e transformação do modo de ser daquilo sobre o que ele reflete. 

    Ele põe em movimento, desde logo, aquilo que toca: não pode descobrir o impensado, ou ao menos ir em sua direção, sem logo aproximá-lo de si – ou talvez ainda, sem afastá-lo, sem que o ser do homem, em todo o caso, uma vez que ele se desenrola nessa distância, não se ache, por isso mesmo, alterado. 

    Há aí alguma coisa profundamente ligada à nossa modernidade; afora as morais religiosas, o Ocidente só conheceu, sem dúvida, duas formas de ética: 

    • a antiga (sob a forma do estoicismo ou do epicurismo) articulava-se com a ordem do mundo e, descobrindo sua lei, podia deduzir o princípio de uma sabedoria ou uma concepção da cidade: mesmo o pensamento político do século XVIII pertence ainda a essa forma geral; 
    • a moderna, em contrapartida, não formula nenhuma moral, na medida em que todo imperativo está alojado no interior do pensamento e de seu movimento para captar o impensado; é a reflexão, é a tomada de consciência, é a elucidação do silencioso, a palavra restituída ao que é mudo, o advento à luz dessa parte de sombra que furta o homem a si mesmo, é a reanimação do inerte, é tudo isso que constitui, por si só, o conteúdo e a forma da ética. 

    O pensamento moderno jamais pôde, na verdade, propor uma moral: mas a razão disso não está em ser ele pura especulação; muito ao contrário, desde o início e na sua própria espessura, ele é um certo modo de ação. Deixemos falar aqueles que incitam o pensamento a sair de seu retiro e a formular suas escolhas; deixemos agir aqueles que querem, sem qualquer promessa e na ausência de virtude, constituir uma moral. 

    Para o pensamento moderno, não há moral possível; pois, desde o século XIX, o pensamento já “saiu” de si mesmo em seu ser próprio, não é mais teoria; desde que ele pensa, fere ou reconcilia, aproxima ou afasta, rompe, dissocia, ata ou reata, não pode impedir-se de liberar e de submeter. 

    Antes mesmo de prescrever, de esforçar um futuro, de dizer o que é preciso fazer, antes mesmo de exortar ou somente alertar, o pensamento, ao nível de sua existência, desde sua forma mais matinal, é, em si mesmo, uma ação – um ato perigoso. Sade, Nietzsche, Artaud e Bataille o souberam, por todos aqueles que o quiseram ignorar; mas é certo também que Regel, Marx e Freud o sabiam. 

    Pode-se dizer que o ignoram, em seu profundo simplismo, aqueles que afirmam que não há filosofia sem escolha política, que todo pensamento é “progressista” ou “reacionário’? 

    Sua inépcia está em crer que todo pensamento “exprime” a ideologia de uma classe; sua involuntária profundidade está em que apontam com o dedo o modo de ser moderno do pensamento. 

    Superficialmente, pode-se dizer que o conhecimento do homem, diferentemente das ciências da natureza, está sempre ligado, mesmo sob sua forma mais indecisa, a éticas ou a políticas; mais profundamente, o pensamento moderno avança naquela direção em que o outro do homem deve tomar-se o Mesmo que ele.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    capítulo IX – O homem e seus duplos;
    tópico V. O cogito e o impensado

    Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
    sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
    sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
    com duas amplitudes - abrangências muito diferentes

    A organização das operações na estrutura SSS

    Mapeamento da disposição SSS das operações em uma organização

    Mapa resumo das operações SSS na organização
    centrada no par sujeito-objeto

    ]
    Caos como um tipo de ordem instável
    em que as sequências temporais são muito complexas e revelam estruturas
    que nos permitem melhor entender o mundo que nos cerca

    Designações primitivas
    (inoperantes no Instanciamento) 

    Representação objeto do Instanciamento
    recuperada do Repositório

    Ambiente de onde são importados 
    os recursos e insumos de todos os tipos,
    consumidos durante o Instanciamento

    Circuito das trocas 
    operação inteiramente no interior do
    Domínio do Discurso e da Representação

    Circuito das trocas 
    operação inteiramente no interior do
    Domínio do Discurso e da Representação

    Representação da empiricidade 
    objeto da operação de Instanciamento
    recuperada do Repositório, antes da operação

    Representação da empiricidade   
    objeto da operação de Instanciamento
    recuperada do Repositório, depois da operação

    Propriedades da empiricidade 
    objeto da operação de Instanciamento
    idênticas às da representação recuperada do Repositório,
    antes da operação

    Propriedades da empiricidade  
    objeto da operação de Instanciamento
    idênticas às da representação recuperada do Repositório,
    depois da operação

    Operação de instanciamento de representação
    de empiricidade objeto pré-existente no Repositório
    (sem alteração no modo de ser fundamental da empiricidade)

    Processos, atividades, tasks
    suporte da Forma de produção
    desencadeados durante a operação de instanciamento

    Evento (i) de início
    da operação de instanciamento
    da representação da empiricidade objeto

    Evento (f) de fim  
    da operação de instanciamento
    da representação da empiricidade objeto

    Operação de instanciamento ocorre
    sem alteração  no modo de ser fundamental
    da empiricidade objeto

    Operação de instanciamento ocorre
    sem alteração  no modo de ser fundamental
    da empiricidade objeto

    Domínio do Discurso e da Representação
    (perfil amarelo)

    Domínio do Pensamento e da Língua
    (perfil vermelho)

    Visão, utopia,
    limite da estratégia, etc

    Homem
    na posição de sujeito

    Compromisso de obtenção 
    da representação para esta empiricidade objeto

    Operação transcorre
    com alteração do modo de ser fundamental
    da empiricidade objeto

    Empiricidade objeto
    (antes da operação)

    Propriedades da empiricidade objeto
    sim e não originais constitutivas
    (inexistentes antes da operação)

    Propriedades da empiricidade objeto
    sim e não originais constitutivas
    (existentes depois da operação) 

    Designações primitivas
    (ativas e parte da origem da linguagem)

    Repositório
    linguagem de uso

    Evento de início da operação
    de construção da representação
    para a empiricidade objeto

    Evento de fim da operação
    de construção da representação
    para a empiricidade objeto

    Empiricidade objeto 
    (depois da operação) 

    Forma de produção
    (elemento central do modelo de operação)

    Processos, atividades, tasks
    como elementos de suporte
    à Forma de produção

    Sucessão de analogias
    coleção relacionada de objetos análogos
    que compõem representação em construção

    Lugar de nascimento do que é empírico

    Lugar de nascimento do que é empírico

    Domínio do Discurso e da Representação
    (perímetro amarelo)

    Domínio do Pensamento e da Língua 
    (perímetro vermelho)

    Representação A
    (pré-existente)

    Representação B
    (pré-existente)

    Quadro ordenado
    (ordem arbitrária selecionada)

    Categoria selecionada na ordem arbitrária
    que guarda similitude com aparências

    Representação R 
    (composição de (a) e (b), pré-existentes)  

    Circuito das trocas 

    Domínio do Discurso e da Representação 

    Domínio do Discurso e da Representação

    Circuito das trocas

    Pacote de coisas
    selecionadas por "aparências" 
    Entradas

    Evento (i) de início
    do instanciamento de (r)  

    VC - Volume de controle
    espaço orientado onde ocorre a operação

    Evento (f) de final
    do instanciamento de (r)

    Propriedades "aparências" 
    não-originais e não-constitutivas das coisas
    existentes antes da operação

    Propriedades "aparências" 
    não-originais e não-constitutivas das coisas
    existentes depois da operação

    Pacote de coisas
    selecionadas por "aparências" 
    Saídas 

    Paleta de ideias ou elementos de imagem
    presentes na configuração de pensamento clássico

    Las meninas, Diego Velázquez, 1656; óleo sobre tela; Museu do Prado, Madrid, Espanha

    O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

    Proposição instanciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
    designações primitivas inativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes e ativados; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
    recuperada desde o Repositório para objeto desta operação
    Proposição explicativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
    designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção existentes; linguagem de ação ou raiz sim contém a representação para essa empiricidade objeto
    Proposição enunciativa: pensamento moderno, caminho da Construção da representação
    designações primitivas ativas; elementos de suporte da Forma de produção inexistentes; linguagem de ação ou raiz não contém a representação para essa empiricidade objeto
    a proposição no pensamento clássico
    ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca
    a proposição no pensamento moderno: ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca
    ECA-moderno
    Características do pensamento moderno
    o de depois de 1825
    ECA-Clássico
    Características do pensamento clássico
    o de antes de 1775
    homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775,
    considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
    como um gênero, ou uma espécie
    os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
    no livro 'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
    caminho do Instanciamento da representação, com valor já atribuído;
    que tem início novamente no interior do Circuito das trocas
    fontes de valor para a representação em construção: a) designações primitivas; b) linguagem de ação ou taiz.

    Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

    Funcionamento
    do pensamento
    funcionamento das operações no pensamento clássico
    Modelo de
    Operação de produção
    relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
    e o sistema Input-Output
    do LE da figura.
    Modelo da 
    Organização de produção
    Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
    múltiplos sistemas de categorias
    Modelo de operações
    e de organização
    Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
    Modelo de  Operação
    contábil-financeira
    O modelo de operação
    no sistema contábil-financeiro
    Modelo da  Organização
    ponto de vista financeiro
    a organização no sistema contábil-financeiro

    Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

    Funcionamento
    de operação do pensamento
    O funcionamento das operações no pensamento moderno
    Modelo de
    Operação de produção
    relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e 'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'
    Modelo da 
    Organização de produção
    o modelo de organização 'Mapa da atividade semicondutores', da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
    O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
    instanciamento de representação
    O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
    do movimento Reengenharia

    O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

    Assim, estes três pares,

    • função e norma,
    • conflito e regra,
    • significação e sistema,

    cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

    Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

    • do nível da psicologia,
    • da sociologia
    • ou da análise das linguagens

    é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

    • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

    Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

    Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo X  – As ciências humanas;
     III. Os três modelos
    Michel Foucault 

    O Triedro dos saberes: eixos e faces
    espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
    O interior ao Triedro dos saberes
    o espaço das Ciências humanas

    Aquém do objeto

    Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

    • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

    Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
    existem desde sempre e para sempre,
    e integram o Universo em uma visão única.

    Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

    Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

    Diante do objeto

    No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

    • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

    No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

    • Ciências da vida (Biologia):


      função-norma
      ;

    • Ciências do trabalho (Economia):


      conflito-regra;

    • Ciências da Linguagem (Filologia):

      significação-sistema.

    Além do objeto

    No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

    Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

    • da Vida-(Biologia),
    • do Trabalho-(Economia)
    • e da Linguagem-(Filologia).

    O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

    O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

    • Ciências da vida  (Biologia):
      função-norma;

      +
      Ciências do trabalho (Economia):

      conflito-regra;
      +
      Ciências da Linguagem (Filologia):
      significação-sistema.

    Sob ciências humanas como:

    • economia política;
    • sociologia,
    • psicologia e psicanálise

    estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

    - Lugar do nascimento do que é empírico:
    pensamento moderno - caminho da Construção da representação
    - Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

    Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

    Encontra-se 

    • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
    • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

    Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

    Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

    O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
    lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
    O Lugar de nascimento do que é empírico
    lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
    e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
    O Circuito das trocas
    as chaves horizontais amarelas
    onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
    não se altera

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    2Assim como a Ordem
    no pensamento clássico
    não era
    a harmonia visível
    das coisas,
    seu ajustamento,
    sua regularidade
    ou sua simetria constatados,
    mas o espaço próprio de seu ser
    e aquilo que,
    antes de todo
    conhecimento efetivo,
    as estabelecia no saber,

    1″Mas vê-se bem
    que a História
    não deve ser aqui entendida
    como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

    ela é
    o modo de ser fundamental
    das empiricidades,

    aquilo a partir de que elas são

    • afirmadas,
    • postas,
    • dispostas
    • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

    [veja citação 2 à esquerda]

    A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

    Qual será a explicação para isso?

    Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

    Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

    3assim também a História,
    a partir do século XIX,
    define o
    lugar de nascimento
    do que é empírico,
    lugar onde,
    aquém
    de toda cronologia estabelecida,
    ele assume o ser
    que lhe é próprio.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VII – Os limites da representação;
    I. A idade da história
    Michel Foucault 

    - Lugar do nascimento do que é empírico:
    pensamento moderno - caminho da Construção da representação
    - Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

    Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

    Encontra-se 

    • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
    • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

    Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

    Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    2Assim como a Ordem
    no pensamento clássico
    não era
    a harmonia visível
    das coisas,
    seu ajustamento,
    sua regularidade
    ou sua simetria constatados,
    mas o espaço próprio de seu ser
    e aquilo que,
    antes de todo
    conhecimento efetivo,
    as estabelecia no saber,

    1″Mas vê-se bem
    que a História
    não deve ser aqui entendida
    como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

    ela é
    o modo de ser fundamental
    das empiricidades,

    aquilo a partir de que elas são

    • afirmadas,
    • postas,
    • dispostas
    • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

    [veja citação 2 à esquerda]

    assim também a História,
    a partir do século XIX,
    define o
    lugar de nascimento
    do que é empírico,
    lugar onde,
    aquém de toda cronologia estabelecida,
    ele assume o ser
    que lhe é próprio.

    A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

    Qual será a explicação para isso?

    Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

    Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VII – Os limites da representação;
    I. A idade da história
    Michel Foucault 

    Questões/Perguntas

    _thumb história do livro

    A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,
     – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

    tratamento dado ao homem em nossa cultura

    Os tratamentos dados ao homem em nossa cultura, no pensamento clássico e no moderno, segundo Michel Foucault; 

    e as ideias – ou elementos de imagem – requeridos para compor estruturalmente modelos de operações e modelos de organizações
    com os respectivos tratamentos dados ao homem

    homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775, considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
    como um gênero, ou uma espécie
    homem no sistema de operações do pensamento moderno, o de depois de 1825 considerado em sua duplicidade de papéis:
    1. raiz e fundamento de toda positividade
    2. elemento do que é empírico.

    “Instaura-se
    uma forma de reflexão
    bastante afastada
    do cartesianismo
    e da análise kantiana,
    em que está em questão,
    pela primeira vez,
    o ser do homem,
    nessa dimensão
    segundo a qual
    o pensamento
    se dirige ao impensado,
    e com ele se articula.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
    V. O cogito e o impensado
    Michel Foucault 

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    “No pensamento clássico,
    aquele para quem
    a representação existe,
    e que nela se representa a si mesmo,
    aí se reconhecendo
    por imagem ou reflexo,
    aquele que trama
    todos os fios entrecruzados
    da “representação em quadro” -,
    esse [o ser do homem]
    jamais se encontra lá presente.

    Antes do fim do século XVIII,
    o homem não existia.

    Sem dúvida,
    as ciências naturais
    trataram do homem como 

    • de uma espécie
    • ou de um gênero

    a discussão
    sobre o problema das raças,
    no século XVIII, o testemunha.
    A gramática e a economia,
    por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade,
    de desejo,
    ou de memória
    e de imaginação.”

    Mas não havia
    consciência epistemológica

    do homem como tal.

    “Antes do fim do século XVIII,
    o homem não existia.”

    “O modo de ser do homem,
    tal como se constituiu
    no pensamento moderno,
    permite-lhe desempenhar dois papéis:
    está, ao mesmo tempo,

    • no fundamento
      de todas as positividades,
    • presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
      no elemento
      das coisas empíricas.

    Esse fato
    – e não se trata aí
    da essência em geral do homem,
    mas pura e simplesmente
    desse a priori histórico que,
    desde o século XIX,
    serve de solo quase evidente
    ao nosso pensamento –
    esse fato é, sem dúvida, decisivo
    para o estatuto a ser dado
    às “ciências humanas”,
    a esse corpo de conhecimentos
    (mas mesmo esta palavra
    é talvez demasiado forte:
    digamos,
    para sermos mais neutros ainda,
    a esse conjunto de discursos)
    que toma por objeto o homem
    no que ele tem de empírico.”

    É possível pensar as condições em que se dá a subjetividade de um ‘homem’ tratado como espécie, ou gênero?

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IX – O homem e seus duplos;
    II. O lugar do rei
    Michel Foucault 

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo X  – As ciências humanas;
     I. O triedro dos saberes
    Michel Foucault 

    Veja o ponto “2. as possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações de troca’ e respectivas possibilidades de análise de valor que elas nos permitem fazer”

    Parece ser a opção de leitura da ‘operação de troca’ deslocada para um ponto antes das existência dos objetos da troca o que arrasta o ser do homem e cada objeto da troca para a Forma de reflexão que se instaura em nossa cultura.

    as possibilidades de leitura do fenômeno 'operações de troca' e as respectivas possibilidades de análises de valor

    O fenômeno ‘operações’ (em qualquer área): visões com duas abrangências muito diferentes dependendo da leitura que fazemos.

    As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ – de qualquer tipo – e a análise das diferentes origens do valor carregado pelas proposições para as representações em função da inserção do ponto de início de leitura de ‘operações’; 

    Duas visões, duas leituras do fenômeno ‘operações’:
    sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
    sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
    com duas amplitudes – duas abrangências muito diferentes

    Note-se que as condições para a ocorrência da troca – a existência simultânea dos dois objetos de troca, o que é dado e o que é recebido – são satisfeitas em duas situações:

    • 1. no pensamento clássico pelo posicionamento do ponto de início de leitura sob essa condição, quer dizer, a existência prévia do que é dado e do que é recebido;
    • 2. no pensamento moderno, pela satisfação dessa pré-condição no início do Instanciamento da representação, porém com a condição da execução anterior da Construção da representação, também incluída no escopo da operação. 

    Nos pontos marcados por setas amarelas para baixo (1) e (2) as pré-condições para a ocorrência da troca são dadas, qualquer que seja a estrutura de pensamento – clássico ou moderno – segundo o pensamento de Michel Foucault.

    O que não muda entre essas duas possibilidades

    A proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações e suas duas possibilidades de carregamento de valor, quanto às respectivas origens

    A proposição é para a linguagem
    o que a representação é
    para o pensamento:
    sua forma, ao mesmo tempo
    mais geral e mais elementar,
    porquanto, desde que a decomponhamos, não reencontraremos mais o discurso,
    mas seus elementos
    como tantos materiais dispersos.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IV  – Falar;
    tópico III – Teoria do verbo
    Michel Foucault 

    (…) Em outras palavras,
    para que, numa troca,
    uma coisa possa representar outra,
    é preciso que elas existam
    já carregadas de valor;
    e, contudo,
    o valor só existe
    no interior da representação

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VI – Trocar;
    V. A formação do valor
    Michel Foucault 

    O que sim muda entre essas duas possibilidades

    A origem do valor carregado pelo veículo de carregamento de valor na representação: a proposição, sempre, porém em linguagens essencialmente diferentes e representações com origens de valor distintas.

    “Valer, para o pensamento clássico,
    é primeiramente valer alguma coisa,
    poder substituir essa coisa num processo de troca.

    A moeda só foi inventada,
    os preços só foram fixados e só se modificam
    na medida em que essa troca existe.

    Ora, a troca é um fenômeno simples
    apenas na aparência.

    Com efeito, só se troca numa permuta,
    quando cada um dos dois parceiros
    reconhece um valor
    para aquilo que o outro possui.

    Num sentido, é preciso, pois,
    que as coisas permutáveis,
    com seu valor próprio,
    existam antecipadamente nas mãos de cada um,
    para que a dupla cessão e a dupla aquisição
    finalmente se produzam.

    Mas, por outro lado,

    • o que cada um come e bebe,
      aquilo de que precisa para viver
      não tem valor
      enquanto não o cede;
    • e aquilo de que não tem necessidade
      é igualmente desprovido de valor
      enquanto não for usado
      para adquirir alguma coisa de que necessite.

    Em outras palavras,
    para que, numa troca,
    uma coisa possa representar outra,
    é preciso que elas existam
    já carregadas de valor;
    e, contudo,
    o valor só existe
    no interior da representação

    • (atual [troca imediata]
    • ou possível [permutabilidade]),

    isto é, no interior

    1. da troca
      [representação existente]
    2. ou da permutabilidade
      [representação possível]
      .

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VI – Trocar;
    V. A formação do valor
    Michel Foucault 

    O funcionamento da troca em cada uma das duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operação’: no ato mesmo da troca; ou anterior à troca, na criação das condições de troca

    “Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

    1. leitura já dadas as condições de troca;
    2. leitura na permutabilidade, isto é na criação de condições de troca

    1 uma analisa o valor
    no ato mesmo da troca,
    no ponto de cruzamento
    entre o dado e o recebido;

    • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra
      • toda a essência da linguagem no interior da proposição;

    3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

    2 outra analisa-o
    como anterior à troca
    e como condição primeira
    para que esta possa ocorrer.

    • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das
      • designações primitivas
      • linguagem de ação ou raiz;

    4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

    fora de si mesma e como que

      • na natureza, ou nas   
      • analogias das coisas;

    a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VI – Trocar;
    V. A formação do valor
    Michel Foucault 

    Esta segunda leitura para ‘operações’
    – que orienta a análise de valor
    desde antes do momento da troca -,
    não é possível sem a presença do homem
    na estrutura dos modelos.

    Isso fica bastante claro com a descrição da forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

    Esses dois pontos de inserção da leitura da operação de troca
    mostrados nos modelos de operações

    Colocando o ponto de inserção de leitura do fenômeno ‘operações’ antes da existência dos objetos envolvidos na troca, ocorre uma portentosa ampliação no escopo da operação – de qualquer natureza -, incorporando toda a etapa de construção de representação nova. Veja isso aqui.

    a forma de reflexão que se instaura em nossa cultura

    o lugar onde ocorrem as operações de troca tais como as vemos nas leituras que fazemos

    - Lugar do nascimento do que é empírico:
    pensamento moderno - caminho da Construção da representação
    - Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

    Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

    Encontra-se 

    • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
    • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho do Instanciamento da representação.

    Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

    Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, no caminho da Construção da representação

    O 'Circuito das trocas', ou 'Mercado'
    lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
    O Lugar de nascimento do que é empírico
    lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
    e onde se dá a articulação do pensamento do homem, com o impensado
    O Circuito das trocas
    as chaves horizontais amarelas
    onde ocorrem operações durante as quais o 'modo de ser fundamental'
    não se altera

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    2Assim como a Ordem
    no pensamento clássico
    não era
    a harmonia visível
    das coisas,
    seu ajustamento,
    sua regularidade
    ou sua simetria constatados,
    mas o espaço próprio de seu ser
    e aquilo que,
    antes de todo
    conhecimento efetivo,
    as estabelecia no saber,

    1″Mas vê-se bem
    que a História
    não deve ser aqui entendida
    como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

    ela é
    o modo de ser fundamental
    das empiricidades,

    aquilo a partir de que elas são

    • afirmadas,
    • postas,
    • dispostas
    • e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para ciências possíveis.

    [veja citação 2 à esquerda]

    A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

    Qual será a explicação para isso?

    Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

    Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

    3assim também a História,
    a partir do século XIX,
    define o
    lugar de nascimento
    do que é empírico,
    lugar onde,
    aquém
    de toda cronologia estabelecida,
    ele assume o ser
    que lhe é próprio.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VII – Os limites da representação;
    I. A idade da história
    Michel Foucault 

    Questões/Perguntas

    _thumb história do livro

    A intenção com este estudo é buscar no pensamento de Michel Foucault,  – com foco no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ – subsídios para responder ao seguinte tipo de questões:

    Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço no caminho,
    encontradas por Foucault durante seu trabalho no livro
    ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’

    exemplos de modelos de operações e de organizações muito usados ainda hoje, mostrando esses dois obstáculos presentes entre nós atualmente.

    os dois obstáculos encontrados por Michel Foucault em seu trabalho
    no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas
    Michel Foucault
    1926-1984

    “Eis que nos adiantamos
    bem para além do acontecimento histórico
    que se impunha situar
    – bem para além das margens cronológicas dessa ruptura
    que divide, em sua profundidade,
    a epistémê do mundo ocidental
    e isola para nós o começo de certa
    maneira moderna de conhecer as empiricidades.

    É que o pensamento que nos é contemporâneo
    e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
    se acha ainda muito dominado

    1 pela impossibilidade
    trazida à luz por volta 
    do fim do século XVIII, 
    de fundar as sínteses
    no espaço da representação:

    2 e pela obrigação 
    correlativa, simultânea, 

    mas logo dividida contra si mesma, 
    de abrir o campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, 
    para além do objeto, 

    esses “quase-transcendentais” 
    que são para nós 
    Vida, o Trabalho, a Linguagem.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;

    Capítulo VIII – Trabalho, vida e linguagem;
    tópico I – As novas empiricidades

    no pensamento clássico
    aquém do objeto
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    diante do objeto
    depois de 1825

    espaço interior
    Triedro dos saberes
    para além do objeto
    reservado às
    Ciências humanas

    comparações de diferentes configurações de pensamento feitas por Michel Foucault
    A impossibilidade
    [no pensamento clássico,
    LE da figura]
    contra a sim-possibilidade
    [no pensamento moderno,
    LD da figura]
    de fundar as sínteses
    [da empiricidade objeto]
    no espaço da representação.
    o espaço interno do
    Triedro dos saberes
    – o habitat das ciências humanas –
    mostrando o modelo constituinte composto e comum a todas as Ciências Humanas

    Os obstáculos no caminho de Foucault 

    aquém do objeto

    diante do objeto

    para além do objeto

    0 Foucault havia anteriormente identificado o perfil do pensamento no período clássico, com uma configuração tal que a capacidade (ou a possibilidade – e mesmo a intenção) de fundar as sínteses – dos objetos de operações cujas representações resultassem dessas operações – no espaço da representação não era sequer cogitada:

    • em razão dos pressupostos adotados,

    e principalmente, em razão 

    • do tipo de leitura feita do fenômeno ‘operações’ das trocas, 
      • na leitura então feita, o ponto de início do fenômeno  ‘operações’, estava inserido no exato momento em que a troca tem todas as condições para acontecer; (os dois objetos da troca – o dado e o obtido –  tinham representações disponíveis e já carregadas de valor).

    1 Michel Foucault relata a seguinte situação:

    • ele havia delineado um tipo de pensamento ‘com o qual queiramos ou não pensamos’, um pensamento que segundo ele ‘tem a nossa idade e a nossa geografia’,
      • com a possibilidade de fundar as sínteses (da empiricidade objeto da operação) no espaço da representação;

    para conseguir fundar as sínteses no espaço da representação,

    • foi necessário alterar profundamente todos os pressupostos

    e a leitura feita do que seja uma operação e a análise de valor, exigiram:

    • o deslocamento do ponto de inserção da análise desde o ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
    • para um ponto antes da possibilidade da troca, quando os elementos que dão as condições de efetivação dessa troca, ainda não existissem,

    incorporando à análise, a operação de construção da representação nova. 

    E ele havia percebido que esse pensamento com o qual queiramos ou não pensamos

    • estava muito contaminadodominado, mesmo –
      • justamente pela impossibilidade de fazer isso (essa fundação das sínteses do objeto da operação no espaço da representação), sendo esta impossibilidade  uma característica do pensamento clássico.

    2 Ele percebia ainda uma obrigação a cumprir:

    • a de abrir o campo transcendental da subjetividade
      • e constituir, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem.

    Ele descobre que operações nos domínios das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem podem ser expressos completamente em cada domínio, por pares de modelos constituintes:

    • Vida(Biologia)
      • função-norma;
    • Trabalho(Economia)
      • conflito-regra;
    • Linguagem(Filologia)
      • significação sistema;

    e que os modelos constituintes das Ciências humanas são sempre compostos por uma combinação desses três pares de modelos constituintes.

    O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

    • Ciências da vida  (Biologia):
      [função-norma];

      +
      Ciências do trabalho (Economia):
      [conflito-regra];
      +
      Ciências da Linguagem (Filologia):
      [significação-sistema].

    Podemos ver a atualidade dessa percepção de Foucault
    com Exemplos de modelos para operações e organizações
    construídos sobre estruturas de conceitos
    uns que não permitem, e outros que ao contrário sim permitem
    a fundação das sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação.

    Veja isso aqui.

    Os tratamentos dados ao homem em nossa cultura, no pensamento clássico e no moderno, segundo Michel Foucault; 

    e as ideias – ou elementos de imagem – requeridos para compor estruturalmente modelos de operações e modelos de organizações
    com os respectivos tratamentos dados ao homem

    homem no modelo de operações do pensamento clássico, o de antes de 1775, considerado como uma das categorias do sistema de categorias,
    como um gênero, ou uma espécie
    homem no sistema de operações do pensamento moderno, o de depois de 1825 considerado em sua duplicidade de papéis:
    1. raiz e fundamento de toda positividade
    2. elemento do que é empírico.

    “Instaura-se
    uma forma de reflexão
    bastante afastada
    do cartesianismo
    e da análise kantiana,
    em que está em questão,
    pela primeira vez,
    o ser do homem,
    nessa dimensão
    segundo a qual
    o pensamento
    se dirige ao impensado,
    e com ele se articula.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
    V. O cogito e o impensado
    Michel Foucault 

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    “No pensamento clássico,
    aquele para quem
    a representação existe,
    e que nela se representa a si mesmo,
    aí se reconhecendo
    por imagem ou reflexo,
    aquele que trama
    todos os fios entrecruzados
    da “representação em quadro” -,
    esse [o ser do homem]
    jamais se encontra lá presente.

    Antes do fim do século XVIII,
    o homem não existia.

    Sem dúvida,
    as ciências naturais
    trataram do homem como 

    • de uma espécie
    • ou de um gênero

    a discussão
    sobre o problema das raças,
    no século XVIII, o testemunha.
    A gramática e a economia,
    por outro lado, utilizavam noções como as de necessidade,
    de desejo,
    ou de memória
    e de imaginação.”

    Mas não havia
    consciência epistemológica

    do homem como tal.

    “Antes do fim do século XVIII,
    o homem não existia.”

    “O modo de ser do homem,
    tal como se constituiu
    no pensamento moderno,
    permite-lhe desempenhar dois papéis:
    está, ao mesmo tempo,

    • no fundamento
      de todas as positividades,
    • presente, de uma forma que não se pode sequer dizer privilegiada,
      no elemento
      das coisas empíricas.

    Esse fato
    – e não se trata aí
    da essência em geral do homem,
    mas pura e simplesmente
    desse a priori histórico que,
    desde o século XIX,
    serve de solo quase evidente
    ao nosso pensamento –
    esse fato é, sem dúvida, decisivo
    para o estatuto a ser dado
    às “ciências humanas”,
    a esse corpo de conhecimentos
    (mas mesmo esta palavra
    é talvez demasiado forte:
    digamos,
    para sermos mais neutros ainda,
    a esse conjunto de discursos)
    que toma por objeto o homem
    no que ele tem de empírico.”

    É possível pensar as condições em que se dá a subjetividade de um ‘homem’ tratado como espécie, ou gênero?

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IX – O homem e seus duplos;
    II. O lugar do rei
    Michel Foucault 

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo X  – As ciências humanas;
     I. O triedro dos saberes
    Michel Foucault 

    Veja o ponto “2. as possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações de troca’ e respectivas possibilidades de análise de valor que elas nos permitem fazer”

    Parece ser a opção de leitura da ‘operação de troca’ deslocada para um ponto antes das existência dos objetos da troca o que arrasta o ser do homem e cada objeto da troca para a Forma de reflexão que se instaura em nossa cultura.

    O fenômeno ‘operações’ (em qualquer área): visões com duas abrangências muito diferentes dependendo da leitura que fazemos.

    As duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ – de qualquer tipo – e a análise das diferentes origens do valor carregado pelas proposições para as representações em função da inserção do ponto de início de leitura de ‘operações’; 

    Duas visões, duas leituras do fenômeno ‘operações’:
    sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
    sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
    com duas amplitudes – duas abrangências muito diferentes

    Note-se que as condições para a ocorrência da troca – a existência simultânea dos dois objetos de troca, o que é dado e o que é recebido – são satisfeitas em duas situações:

    • 1. no pensamento clássico pelo posicionamento do ponto de início de leitura sob essa condição, quer dizer, a existência prévia do que é dado e do que é recebido;
    • 2. no pensamento moderno, pela satisfação dessa pré-condição no início do Instanciamento da representação, porém com a condição da execução anterior da Construção da representação, também incluída no escopo da operação. 

    Nos pontos marcados por setas amarelas para baixo (1) e (2) as pré-condições para a ocorrência da troca são dadas, qualquer que seja a estrutura de pensamento – clássico ou moderno – segundo o pensamento de Michel Foucault.

    O que não muda entre essas duas possibilidades

    A proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações e suas duas possibilidades de carregamento de valor, quanto às respectivas origens

    A proposição é para a linguagem
    o que a representação é
    para o pensamento:
    sua forma, ao mesmo tempo
    mais geral e mais elementar,
    porquanto, desde que a decomponhamos, não reencontraremos mais o discurso,
    mas seus elementos
    como tantos materiais dispersos.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IV  – Falar;
    tópico III – Teoria do verbo
    Michel Foucault 

    (…) Em outras palavras,
    para que, numa troca,
    uma coisa possa representar outra,
    é preciso que elas existam
    já carregadas de valor;
    e, contudo,
    o valor só existe
    no interior da representação

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VI – Trocar;
    V. A formação do valor
    Michel Foucault 

    O que sim muda entre essas duas possibilidades

    A origem do valor carregado pelo veículo de carregamento de valor na representação: a proposição, sempre, porém em linguagens essencialmente diferentes e representações com origens de valor distintas.

    “Valer, para o pensamento clássico,
    é primeiramente valer alguma coisa,
    poder substituir essa coisa num processo de troca.

    A moeda só foi inventada,
    os preços só foram fixados e só se modificam
    na medida em que essa troca existe.

    Ora, a troca é um fenômeno simples
    apenas na aparência.

    Com efeito, só se troca numa permuta,
    quando cada um dos dois parceiros
    reconhece um valor
    para aquilo que o outro possui.

    Num sentido, é preciso, pois,
    que as coisas permutáveis,
    com seu valor próprio,
    existam antecipadamente nas mãos de cada um,
    para que a dupla cessão e a dupla aquisição
    finalmente se produzam.

    Mas, por outro lado,

    • o que cada um come e bebe,
      aquilo de que precisa para viver
      não tem valor
      enquanto não o cede;
    • e aquilo de que não tem necessidade
      é igualmente desprovido de valor
      enquanto não for usado
      para adquirir alguma coisa de que necessite.

    Em outras palavras,
    para que, numa troca,
    uma coisa possa representar outra,
    é preciso que elas existam
    já carregadas de valor;
    e, contudo,
    o valor só existe
    no interior da representação

    • (atual [troca imediata]
    • ou possível [permutabilidade]),

    isto é, no interior

    1. da troca
      [representação existente]
    2. ou da permutabilidade
      [representação possível]
      .

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VI – Trocar;
    V. A formação do valor
    Michel Foucault 

    O funcionamento da troca em cada uma das duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operação’: no ato mesmo da troca; ou anterior à troca, na criação das condições de troca

    “Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

    1. leitura já dadas as condições de troca;
    2. leitura na permutabilidade, isto é na criação de condições de troca

    1 uma analisa o valor
    no ato mesmo da troca,
    no ponto de cruzamento
    entre o dado e o recebido;

    • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra
      • toda a essência da linguagem no interior da proposição;

    3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

    2 outra analisa-o
    como anterior à troca
    e como condição primeira
    para que esta possa ocorrer.

    • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das
      • designações primitivas
      • linguagem de ação ou raiz;

    4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

    fora de si mesma e como que

      • na natureza, ou nas   
      • analogias das coisas;

    a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VI – Trocar;
    V. A formação do valor
    Michel Foucault 

    Esta segunda leitura para ‘operações’
    – que orienta a análise de valor
    desde antes do momento da troca -,
    não é possível sem a presença do homem
    na estrutura dos modelos.

    Isso fica bastante claro com a descrição da forma de reflexão que se instaura em nossa cultura depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

    Esses dois pontos de inserção da leitura da operação de troca
    mostrados nos modelos de operações

    Colocando o ponto de inserção de leitura do fenômeno ‘operações’ antes da existência dos objetos envolvidos na troca, ocorre uma portentosa ampliação no escopo da operação – de qualquer natureza -, incorporando toda a etapa de construção de representação nova. Veja isso aqui.

    As características das duas configurações do pensamento:

    • a do pensamento clássico, de antes de 1775;
    • e a do pensamento moderno, de depois de 1825

    características de características, ou características de segunda ordem,
    das configurações do pensamento em cada caso.

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    _Estrutura IO-transformação
    Os princípios organizadores
    sob o pensamento clássico:
    o de antes de 1775
    ‘Caráter’ e ‘Similitude’
    Características do pensamento clássico, o de antes de 1775
    Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
    o de depois de 1825
    ‘Analogia’ e ‘Sucessão’
    Características do pensamento moderno, o de depois de 1825

    “Instaura-se
    uma forma de reflexão
    bastante afastada
    do cartesianismo
    e da análise kantiana,
    em que está em questão,
    pela primeira vez,
    o ser do homem,
    nessa dimensão
    segundo a qual
    o pensamento
    se dirige ao impensado,
    e com ele se articula.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IX  – O homem e seus duplos;
    V. O cogito e o impensado
    Michel Foucault 

    “Assim o círculo se fecha.

    Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

    As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

    Mas que são esses sinais? 

    Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

    • que há aqui um caráter 

    no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

    Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

    • – É a semelhança

    Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

    Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

    Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

    • o signo da simpatia resida na analogia, 
    • o da analogia na emulação, 
    • o da emulação na conveniência, 

    que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

    • a marca da simpatia… 

    A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

    De sorte que se vêem surgir,
    como princípios organizadores
    desse espaço de empiricidades, 

    • a Analogia 
    • e a Sucessão

    de uma organização a outra,
    o liame, com efeito,
    não pode mais ser
    a identidade de um
    ou vários elementos,
    mas a identidade
    da relação entre os elementos
    (onde a visibilidade
    não tem mais papel)
    e da função que asseguram;
    ademais, se porventura essas organizações se avizinham
    por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
    localizações próximas
    num espaço de classificação,
    mas sim porque
    foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
    no devir das sucessões.
    Enquanto, no pensamento clássico,
    a seqüência das cronologias
    não fazia mais que percorrer
    o espaço prévio e mais fundamental
    de um quadro
    que de antemão apresentava
    todas as suas possibilidades,
    doravante
    as semelhanças contemporâneas
    e observáveis simultaneamente
    no espaço não serão mais que
    as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
    de analogia em analogia.
    A ordem clássica
    distribuía num espaço permanente
    as identidades
    e as diferenças não-quantitativas
    que separavam e uniam as coisas:
    era essa a ordem
    que reinava soberanamente,
    mas a cada vez
    segundo formas e leis
    ligeiramente diferentes,
    sobre o discurso dos homens,
    o quadro dos seres naturais
    e a troca das riquezas.

    A partir do século XIX,
    a História
    vai desenrolar
    numa série temporal
    as analogias
    que aproximam umas das outras
    as organizações distintas.

    É essa História que,
    progressivamente,
    imporá suas leis

    • à análise da produção,
    • à dos seres organizados, enfim,
    • à dos grupos linguísticos.

    A História dá lugar
    às organizações analógicas,
    assim como a Ordem
    abria o caminho
    das identidades
    e das diferenças sucessivas.

    Essa forma de reflexão surgida será decorrência da segunda leitura do que seja uma operação de troca e portanto não pode prescindir do homem e do objeto?

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo II – A prosa do mundo;
    II. As assinalações
    Michel Foucault 

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VII – Os limites da representação;
    I. A idade da história
    Michel Foucault 

    os lugares onde ocorrem as operações: 

    • Lugar de nascimento do que é empírico
      – operações de Construção de representações;
      • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades sim muda
    • Circuito onde ocorrem as trocas‘ ou Mercado
      – operações de Instanciamento de representações já existentes;
      • lugar onde o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.
    Lugar do nascimento do que é empírico:
    pensamento moderno – caminho da Construção da representação
    Circuito das trocas, ou Mercado: pensamento clássico, ou pensamento moderno, sempre no caminho do Instanciamento da representação objeto

    Mercado, ou Circuito das trocas: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades não muda.

    Encontra-se 

    • sob o pensamento clássico, o de antes de 1775,
    • e também ocorre no pensamento moderno, o de depois de 1825, apenas no caminho do Instanciamento da representação.

    Lugar do nascimento do que é empírico: lugar onde ocorrem operações nas quais o ‘modo de ser fundamental das empiricidade sim, muda.

    Encontra-se somente sob o pensamento moderno, o de depois de 1825, e apenas no caminho da Construção da representação

    O ‘Circuito das trocas’,
    ou ‘Mercado’
    as chaves amarelas no LE da figura, lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico
    O Lugar de nascimento do que é empírico – fora e antes do Mercado –
    lugar onde transcorre a operação de construção de representação nova
    e onde se dá a articulação
    do pensamento do homem,
    com o impensado
    O Circuito das trocas
    as chaves horizontais amarelas
    no LD da figura, onde ocorrem operações durante as quais
    o ‘modo de ser fundamental’
    não se altera; é novamente o Mercado, agora no pensamento moderno

    ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ é o conceito chave aqui.

    No pensamento clássico, o de antes de 1775, pelos pressupostos adotados, é impossível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades cuja definição escapa ao escopo destas operações.

    Estas operações transcorrem no interior do Circuito das trocas, a chave amarela horizontal, lugar onde não há alteração no modo como as coisas se apresentam à operação.

    No pensamento moderno, o de depois de 1825, pelos pressupostos adotados é sim possível definir o que seja ‘modo de ser fundamental’ de empiricidades objeto da operação de Construção da representação que, se nova nesse domínio e ambiente, é o próprio escopo destas operações.

    Operações no caminho da Construção da representação transcorrem no interior do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, as chaves coloridas verticais, em um espaço que engloba os lugares  desde onde se fala e do falado. O sucesso dessas operações altera ‘o modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto, e com isso, faz-se História.

    No pensamento moderno, o de depois de 1825, em uma operação de Instanciamento de representação objeto cuja construção da representação foi anteriormente feita e incorporada ao Repositório, a representação objeto de Instanciamento é recuperada do Repositório.

    Assim, a operação de Instanciamento não altera o ‘modo de ser fundamental’ da empiricidade objeto de instanciamento.

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    2Assim como a Ordem
    no pensamento clássico
    não era
    a harmonia visível
    das coisas,
    seu ajustamento,
    sua regularidade
    ou sua simetria constatados,
    mas o espaço próprio de seu ser
    e aquilo que,
    antes de todo
    conhecimento efetivo,
    as estabelecia no saber,

    1″Mas vê-se bem
    que a História
    não deve ser aqui entendida
    como a coleta das sucessões de fatos, tais como se constituíram;

    ela é

    o modo de ser fundamental
    das empiricidades,

    aquilo a partir de que elas são

    • afirmadas,
    • postas,
    • dispostas
    • e repartidas no espaço do saber

    para eventuais conhecimentos
    e para ciências possíveis.

    3 assim também
    a História,
    a partir do século XIX,
    define o

    lugar de nascimento
    do que é empírico,

    lugar onde,
    aquém
    de toda cronologia estabelecida,
    ele assume o ser
    que lhe é próprio.

    A referência ao ‘Circuito das trocas’ – ou Mercado é uma quase unanimidade na literatura especializada filosófica ou técnica.

    Qual será a explicação para isso?

    Por que praticamente ninguém fala no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’?

    Seria o caso de haver um desalinhamento filosófico no trabalho desses autores?

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VII – Os limites da representação;
    I. A idade da história
    Michel Foucault 

    os princípios organizadores dos modelos de operações que fazemos

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    _Estrutura IO-transformação
    Os princípios organizadores
    sob o pensamento clássico:
    o de antes de 1775
    ‘Caráter’ e ‘Similitude’
    Características do pensamento clássico
    o de antes de 1775

    “Assim o círculo se fecha.

    Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos. 

    As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. 

    Mas que são esses sinais? 

    Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, 

    • que há aqui um caráter 

    no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança? 

    Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo? 

    • – É a semelhança

    Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

    Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira. 

    Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança. De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro, se não fosse esse pequeno desnível que faz com que 

    • o signo da simpatia resida na analogia, 
    • o da analogia na emulação, 
    • o da emulação na conveniência, 

    que, por sua vez, para ser reconhecida, requer 

    • a marca da simpatia… 

    A assinalação e o que ela designa são exatamente da mesma natureza; apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.”

    Os princípios organizadores desse espaço de empiricidades sob o pensamento moderno,
    o de depois de 1825
    ‘Analogia’ e ‘Sucessão’
    Características do pensamento moderno
    o de depois de 1825

    De sorte que se vêem surgir,
    como princípios organizadores
    desse espaço de empiricidades, 

    • a Analogia 
    • e a Sucessão

    de uma organização a outra,
    o liame, com efeito,
    não pode mais ser
    a identidade de um
    ou vários elementos,
    mas a identidade
    da relação entre os elementos
    (onde a visibilidade
    não tem mais papel)
    e da função que asseguram;
    ademais, se porventura essas organizações se avizinham
    por efeito de uma densidade singularmente grande de analogias, não é porque ocupem
    localizações próximas
    num espaço de classificação,
    mas sim porque
    foram formadas uma ao mesmo tempo que a outra e uma logo após a outra
    no devir das sucessões.
    Enquanto, no pensamento clássico,
    a seqüência das cronologias
    não fazia mais que percorrer
    o espaço prévio e mais fundamental
    de um quadro
    que de antemão apresentava
    todas as suas possibilidades,
    doravante
    as semelhanças contemporâneas
    e observáveis simultaneamente
    no espaço não serão mais que
    as formas depositadas e fixadas de uma sucessão que procede
    de analogia em analogia.
    A ordem clássica
    distribuía num espaço permanente
    as identidades
    e as diferenças não-quantitativas
    que separavam e uniam as coisas:
    era essa a ordem
    que reinava soberanamente,
    mas a cada vez
    segundo formas e leis
    ligeiramente diferentes,
    sobre o discurso dos homens,
    o quadro dos seres naturais
    e a troca das riquezas.

    A partir do século XIX,
    a História
    vai desenrolar
    numa série temporal
    as analogias
    que aproximam umas das outras
    as organizações distintas.

    É essa História que,
    progressivamente,
    imporá suas leis

    • à análise da produção,
    • à dos seres organizados, enfim,
    • à dos grupos linguísticos.

    A História dá lugar
    às organizações analógicas,
    assim como a Ordem
    abria o caminho
    das identidades
    e das diferenças sucessivas.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo II – A prosa do mundo;
    II. As assinalações
    Michel Foucault 

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VII – Os limites da representação;
    I. A idade da história
    Michel Foucault 

    os lugares contidos dentro do ‘Lugar de nascimento do que é empírico’:

    • o lugar ‘desde onde se fala
    • e o lugar ‘do falado‘;

    consistentes com os blocos do ‘operar‘ e do ‘suporte ao operar‘ de Humberto Maturana

    Esses dois lugares – o ‘desde onde se fala’ e o ‘do falado’ –
    juntos delimitam o espaço onde se dá a articulação
    do pensamento do homem com o impensado feita
    no domínio do Pensamento e da Língua
    e sua ligação com o domínio do Discurso e da Representação

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    O ‘Circuito das trocas’, ou ‘Mercado’
    lugar onde transcorre uma operação sob o pensamento clássico

    Lugar desde onde se fala

    Lugar do falado

    são sub-espaços do Lugar de nascimento do que é empírico o que implica que o pensamento está funcionando com o entendimento do pensamento moderno, o de depois de 1825, a coluna ao lado, portanto.

    • Lugar desde onde se fala não pode ser delineado sob o pensamento clássico pela falta da ideia e do elemento de imagem ‘homem’, aquele que fala, raiz e fundamento de toda positividade, e também da ideia do objeto resultado da articulação do pensamento com o impensado, feita pelo homem,;
    • e o Lugar do falado, analogamente, não pode ser delineado no LE da figura. 

    todo o espaço  corresponde, no LE da figura, ao domínio todo em que ocorrem as operações sob o pensamento clássico, a saber, o domínio do Discurso e da Representação.

    A leitura do que sejam Operações sob o entendimento no pensamento clássico pressupõe o ponto de inserção para análise no exato cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca, cuja condição de possibilidade está, desse modo, dada.

    Lugar deste onde se fala:
    ideias que formulam a proposição /
    (sujeito e predicado do sujeito);
    Lugar do falado:
    ideias que dão suporte na experiência ao instanciamento da representação
    no domínio e ambiente

    Lugar do nascimento do que é empírico: espaço ocupado por:

    • Lugar desde onde se fala;
    • Lugar do falado

    O Lugar de nascimento do que é empírico, como o nome sugere, está situado antes do circuito das trocas, e em seu interior ocorre a construção de representação nova.

    Essa visão do que sejam operações corresponde à leitura de operações, ou visão desse fenômeno como desde um ponto de inserção anterior à troca

    Lugar desde onde se fala

    As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidas na formulação da proposição estão contidas no espaço chamado de Lugar desde onde se fala:

    • sujeito: o homem na posição de raiz de toda positividade
    • predicado do sujeito
      • verbo: Forma de produção, o elemento central da operação de construção da representação;
      • atributo: a representação em construção, nas posições extremas da operação de construção.

    Esse espaço coincide com o espaço chamado por Humberto Maturana de ‘operar’, o retângulo vermelho na figura ao lado, parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas no interior do domínio do Pensamento e da Língua.

    Lugar do falado

    As ideias ou elementos de imagem que estão envolvidos na sustentação da Forma de produção na experiência estão no lugar do falado:

    • elementos de suporte na experiência à Forma de produção, onde se encontram
      • processos, atividades, tasks

    A operação de construção da representação escolhe os elementos de suporte na experiência à Forma de produção, que deve ser capaz de produzir quando implementada, uma instância da representação com o operar vislumbrado – ou o mais próximo disso possível. Humberto Maturana chama esse espaço de ‘suporte ao operar’, o retângulo amarelo na figura ao lado. 

    O Lugar do falado é parte do Lugar de nascimento do que é empírico, mas suas ideias – ou elementos de imagem – fazem parte do domínio do Discurso e da Representação.

    “É preciso, portanto,
    tratar esse verbo
    como um ser misto,

    ao mesmo tempo
    palavra entre as palavras,

    preso às mesmas regras,
    obedecendo como elas
    às leis de regência
    e de concordância;


    e depois,


    em recuo em relação a elas todas,

    numa região que

    • não é
      aquela do falado

    • mas aquela 
      donde se fala.

    Ele está na orla do discurso,
    na juntura entre

    • aquilo que é dito

    • e aquilo que se diz,

    exatamente lá onde os signos
    estão em via de se tornar linguagem.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IV – Falar;
    tópico III. A teoria do verbo
    por Michel Foucault

    Há correspondências que precisam ser anotadas, entre elas:

    • no princípio dual de trabalho de David Ricardo
      • aquela atividade que está na origem do valor das coisas 
      • tem suas ideias – ou seus elementos de imagem no lugar desde onde se fala
    • no LD – lado direito da figura 2 de Humberto Maturana
      • os dois blocos do ‘Explicar com Reformular’ em que Maturana divide suas explicações
        • sobre o que acontecia com o ser vivo,
        • e o modo como ele o via no seu espaço de distinções
      • correspondem apropriadamente com o que Foucault chama respectivamente de 
        • Lugar desde onde se fala e 
        • Lugar do falado.

    Processo e Mercado são os conceitos largamente utilizados;
    e ao mesmo tempo não se ouve falar 

    • em Forma de produção
    • ou em Lugar de nascimento do que é empírico,
    • e menos ainda em Nexo da produção

    como ideias – ou elementos de imagem – em modelos de operações e organizações

    no pensamento clássico
    aquém do objeto
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    diante do objeto
    depois de 1825

    espaço interior Triedro dos saberes
    para além do objeto
    reservado às Ciências humanas

    Aquém do objeto:
    Processo

    Diante do objeto:
    Forma de produção

    Além do objeto
    Nexo da operação

    o elemento central em operações
    no pensamento clássico
    Processo
    o elemento central em operações
    no pensamento moderno
    Forma de produção
    o Nexo da produção,
    o elemento central do modelo de organização no formato SSS
    • Elemento central:
      • Processo

    entendido sob o primeiro conceito de verbo explicado por Michel Foucault, como elemento gerador de um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si, que o mais que faz é indicar a coexistência de duas representações.

    • característica emergente: 
      • fluxo
    • metáfora 
      • transformação única
    • Elemento central:
      • Forma de produção

    entendida sob o segundo conceito de verbo explicado por Michel Foucault, tratado como um ser misto, inicialmente palavra entre palavras, preso às mesmas regras às mesmas regras, obedecendo como elas às mesmas leis de regência e concordância, e depois, em recuo em relação a elas todas, numa região que não é aquela do falado, mas aquela donde se fala.

    • característica emergente:
      • permanência
    • metáfora
      • conversão ou duas transformações
    • Elemento central:
      • Nexo da produção

    a formulação para além do objeto associa o sistema cujo resultado é o produto, aquilo que se quer obter, com o instrumento imprescindível para obtê-lo.

    • propriedades emergentes:
      • simetria, simbiose e sinergia

    Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais nada, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

    Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

    o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Verbo’;
    para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

    Ideias – ou elementos de imagem – centrais no LE e no LD da figura
    Processo o elemento central no pensamento clássico
    Forma de produção o elemento central no pensamento moderno, com as
    designações primitivas e a linguagem de ação ou raiz

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    Aquém do objeto

    Conceito de Verbo ‘Processo’
    na configuração de pensamento
    do período clássico, antes de 1775

    Verbo como
    Processo

    “A única coisa que o verbo afirma
    é a coexistência de duas representações:
    por exemplo, 

    • a do verde
      e da árvore,

    • a do homem
      e da existência

      ou da morte; 

    é por isso que
    o tempo dos verbos

    não indica
    aquele [tempo]

    em que as coisas existiram
    no absoluto,

    mas um sistema relativo
    de anterioridade ou de simultaneidade
    das coisas entre si.”

    Diante e Além do objeto

    Conceito de Verbo ‘Forma de produção’
    na configuração de pensamento
    do período moderno, depois de 1825

    Verbo como
    Forma de produção

    “É preciso, portanto,
    tratar esse verbo
    como um ser misto,

    ao mesmo tempo
    palavra entre as palavras,

    preso às mesmas regras,
    obedecendo como elas
    às leis de regência
    e de concordância;


    e depois,


    em recuo em relação a elas todas,

    • numa região que não é
      aquela do falado

    • mas aquela
      donde se fala.

    Ele está na orla do discurso,
    na juntura entre

    • aquilo que é dito

    • e aquilo que se diz,

    exatamente lá onde os signos
    estão em via de se tornar linguagem.”

    Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, para o que seja um ‘Verbo’, e a total consistência entre o segundo conceito/tratamento e ‘Forma de produção’

    • por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IV – Falar;
    tópico III. A teoria do verbo
    por Michel Foucault

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IV – Falar;
    tópico III. A teoria do verbo
    por Michel Foucault

    o significado/tratamento atribuído ao que seja um ‘Classificar’;
    para o antes e para o depois da descontinuidade epistemológica

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    Aquém
    do objeto

    O conceito de ‘Classificar’
    no pensamento clássico
    o de antes de 1775

    ‘Classificar’
    no pensamento clássico

    Aquém do objeto,
    isto é,
    no pensamento filosófico Classico
    o de antes de 1775

    nessa faixa do espectro de modelos
    que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

    Classificar
    é referir

    • o visível
    • a si mesmo,

    encarregando um dos elementos
    de representar os outros.”

    Diante e Além
    do objeto

    O conceito de ‘Classificar’
    no pensamento moderno
    o de depois de 1825

    ‘Classificar’
    no pensamento moderno

    Diante, e Além do objeto, 
    isto é, 
    no pesamento filosófico moderno,
    o de depois de 1825

    nessa faixa do espectro de modelos 
    que o pensamento de Michel Foucault permite desenhar

    “Em um movimento
    que faz revolver a análise

    Classificar
    é referir

    • o visível 
    • ao invisível 

    – como a sua razão profunda -, 

    e depois,
    alçar de novo
    dessa secreta arquitetura,
    em direção aos seus
    sinais manifestos,
    que são dados
    à superfície dos corpos.”

    Dadas as grandes diferenças entre esses dois conceitos e tratamentos consequentes, por que será que ‘Processo’ seja uma unanimidade nos textos sobre o assunto?

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. VII – Os limites da representação; tópico III. A organização dos seres

    pares de modelos constituintes das ciências do eixo epistemológico fundamental

    • da Vida(Biologia) [função-norma],
    • do Trabalho(Economia) [conflito-regra]
    • e da Linguagem(Filologia) [significação-sistema]

    e o modelo constituinte padrão, comum a todas das ciências humanas; um modelo composto por uma combinação entre esses três pares de modelos constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem

    no pensamento clássico
    antes de 1775
    aquém do objeto

    no pensamento moderno
    depois de 1825
    diante do objeto

    no pensamento moderno
    também depois de 1825
    para além do objeto

    não há modelos constituintes sob o pensamento clássico

    O Triedro dos saberes: eixos e faces
    espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
    O interior ao Triedro dos saberes
    o espaço das Ciências humanas

    Aquém do objeto

    Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

    Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
    existem desde sempre e para sempre,
    e integram o Universo em uma visão única.

    Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

    Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

    Diante do objeto

    A modelagem em cada área do saber é feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

    No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

    • Ciências da vida (Biologia):


      [função-norma]
      ;

    • Ciências do trabalho (Economia):


      [conflito-regra];

    • Ciências da Linguagem (Filologia):

      [significação-sistema].

    Além do objeto

    No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências
    da Vida
    -(Biologia), do Trabalho-(Economia) e da Linguagem-(Filologia).

    O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é sempre uma combinação dos modelos constituintes das:

    • Ciências da vida  (Biologia):
      [função-norma];

      +
      Ciências do trabalho (Economia):
      [conflito-regra];

      +
      Ciências da Linguagem (Filologia):
      [significação-sistema].

    Proposição: o bloco construtivo

    • padrão,
    • genérico
    • e fundamental

    oferecido pela gramática da língua para construção de representações.

    Esse bloco construtivo ‘proposição’ carrega valor para as representações, mas faz isso de ao menos dois modos diferentes e com duas visões distintas para o que sejam ‘operações’.

    “Valer, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

    Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

    Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

    Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que

    • a dupla cessão
    • e a dupla aquisição

    finalmente se produzam.

    Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

    Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra,

    • é preciso que elas existam já carregadas de valor;
      • e, contudo, o valor só existe no interior da representação
        (atual ou possível), isto é,
      • no interior da troca ou da permutabilidade.

    “A proposição é
    para a linguagem
    o que a representação é
    para o pensamento
    sua forma,
    ao mesmo tempo
    mais geral
    e mais elementar
    porquanto,
    desde que a decomponhamos,
    não encontremos mais o discurso
    mas seus elementos
    como tantos materiais dispersos

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VI – Trocar;
    V. A formação do valor
    Michel Foucault 

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. IV – Falar;
    tópico: III – A teoria do verbo
    Michel Foucault

    no pensamento clássico
    antes de 1775

    no pensamento moderno
    depois de 1825

    questão/pergunta

    a proposição no pensamento clássico
    ponto de aplicação da leitura de operações no momento da troca

    a toda a essência da linguagem  encerrada – diretamente – na própria proposição;

    junto com esse ‘encerramento’ vão as ideias – ou elementos de imagem – necessários para a formulação da proposição, que assim, não participam do modelo de operações.

    a proposição no pensamento moderno ponto de aplicação da leitura de operações antes da troca

    a descoberta da essência da linguagem  fora dela mesma, linguagem; a proposição formulada no modelo por suas ideias ou elementos de imagem presentes; inicialmente vazia, apenas um enunciado, é preenchida de valor a partir de duas fontes:

    • as designações primitivas;
    • a linguagem de ação ou raiz

    ambas assinaladas na figura.

    “Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

    1 uma analisa o valor

    • no ato mesmo da troca,

    no ponto de cruzamento
    entre o dado e o recebido;

    • A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da
      • proposição;

    3 no primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tornando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

    2 outra analisa-o

    • como anterior à troca 

    e como condição primeira
    para que esta possa ocorrer.

    • a outra, a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem
      do lado das
      • designações primitivas
      • linguagem de ação ou raiz;

    4 a outra forma de análise, a linguagem está enraizada 

    • fora de si mesma e como que
      • na natureza, ou nas   
      • analogias das coisas;

    a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor,

    • antes da troca
    • e das medidas recíprocas da necessidade.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VI – Trocar;
    V. A formação do valor
    Michel Foucault 

    Ideias – ou elementos de imagem – requeridos para a
    Formulação da proposição, e valor carregado 

    Ideias – ou elementos de imagem requeridos para formulação da proposição ausentes da estrutura do modelo de operação.

    Valor carregado diretamente na proposição.

    impossibilidade de formulação da proposição com ideias – ou elementos de imagem – requeridos, pela ausência do homem em sua duplicidade de papéis, e pela noção de objeto descrito por suas propriedades originais e constitutivas.

    Proposição formulada com ideias ou elementos de imagem pertencentes à estrutura interna do modelo de operações;

    Valor carregado pela proposição com origem fora da linguagem

    • designações primitivas

    a busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites, para a representação da empiricidade objeto no domínio e ambiente em que a operação acontece. 

    • linguagem de ação ou raiz

    todo o conteúdo do Repositório de proposições explicativas da experiência formuladas de acordo com as regras da língua, à disposição da construção de novas representações.

    Os tipos de sistemas que dão suporte a operações,
    em função da configuração do pensamento:

    • no pensamento clássico: o sistema Input-Output, ou um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade das coisas entre si;
    • no pensamento moderno: um sistema construído no interior do Lugar de nascimento do que é empírico, lugar onde as empiricidades objeto das operações adquirem ‘o ser que lhes é próprio’.

    no pensamento clássico
    antes de 1775
    verbo ‘Processo

    no pensamento moderno
    depois de 1825
    verbo ‘Forma de produção

    questão/pergunta

    Operação clássica sob o conceito de Verbo ‘Processo’
    na configuração de pensamento
    do período clássico, antes de 1775

    “A única coisa
    que o verbo afirma

    é a coexistência de duas representações:
    por exemplo, 

    • a do verde
      e da árvore,

    • a do homem
      e da existência

      ou da morte; 

    é por isso
    que o tempo dos verbos

    não indica
    aquele [tempo]

    em que as coisas existiram
    no absoluto,

    mas um sistema relativo
    de anterioridade ou de simultaneidade
    das coisas entre si.”

    Operação moderna sob o conceito de
    Verbo ‘Forma de produção’
    na configuração de pensamento
    do período moderno, depois de 1825

    “É preciso, portanto,
    tratar esse verbo
    como um ser misto,

    ao mesmo tempo
    palavra entre as palavras,

    preso às mesmas regras,
    obedecendo como elas
    às leis de regência
    e de concordância;


    e depois,


    em recuo em relação a elas todas,

    • numa região que não é
      aquela do falado

    • mas aquela
      donde se fala.

    Ele está na orla do discurso,
    na juntura entre

    • aquilo que é dito

    • e aquilo que se diz,

    exatamente lá onde os signos
    estão em via de se tornar linguagem.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IV – Falar;
    tópico III. A teoria do verbo
    por Michel Foucault

    O tipo de sistema

    O conceito acima é explícito em fornecer uma descrição do tipo de sistema para operações sob o pensamento clássico.

    Trata-se de 

    • um sistema relativo
      de anterioridade ou de simultaneidade
      das coisas entre si; 

    uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

    asdf

    Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

    O tipo de leitura

    asdf

    Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

    asdf

    Trata-se de um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si; uma definição magistral para o que seja o sistema Input-Output.

    o tempo nas operações, em função dos sistemas
    em cada segmento do espectro de modelos

    no pensamento clássico
    antes de 1775
    aquém do objeto

    no pensamento moderno
    depois de 1825
    diante e para além do objeto

    no pensamento moderno
    também depois de 1825
    diante e para além do objeto

    formulação reversível
    e somente 
    instanciamento
    da representação;
    deus Chronos

    formulação irreversível
    e operação de construção
    da representação 
    deus Kairós

    formulação reversível
     e operação instanciamento
    da representação
    deus Chronos

    pensamento clássico, o de antes de 1775
    tempo calendário no sistema Input-Output
    operação de instanciamento de representação anteriormente formulada
    pensamento moderno, o de depois de 1825
    tempo absoluto sistema absoluto
    no caminho da Construção da representação
    pensamento moderno, o de depois de 1825
    tempo relativo, sistema relativo ou absoluto,
    no caminho do Instanciamento da representação

    Aquém do objeto

    Diante ou para além do objeto

    Nota: a existência precede as distinções feitas na operação.

    Tempo na formulação e no instanciamento da representação:

    • formulação reversível durante a formulação;
    • tempo calendário, ou tempo relativo no sentido de que
      • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f),
      • a posição calendário do outro evento (f) ou (i) pode ser calculada com as propriedades aparentes disponíveis antes e depois da operação;
    • irreversibilidades somente na etapa de instanciamento da representação

    Não há nada que possa ser afirmado, posto, disposto e repartido no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis e assim não se pode falar em ‘modo de ser fundamental’ do que quer que seja. 

    Assim, no pensamento clássico, não é possível adotar esse conceito ‘modo de ser fundamental das empiricidades’ como elemento ordenador da história, que é compreendida como sucessão de fatos assim como se sucedem.

    caminho da
    Construção da representação
    Nota: a existência se constitui com as distinções feitas na operação

    Durante essa operação, a empiricidade objeto da operação, sim, muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

    Tempo no caminho da Construção da representação, durante a formulação da representação:

    • formulação irreversível durante a formulação;
    • tempo absoluto no sentido de que a empiricidade objeto ‘assume o ser que lhe é próprio’ em decorrência da operação, e então:
      • dada a inserção calendário de um evento (i) ou (f)
      • não é possível o cálculo da inserção calendário do outro evento (f) ou (i) a partir dessa inserção calendário do evento anterior em virtude da não disponibilidade das propriedades antes/depois da operação;
    •  irreversibilidades ocorrem na formulação da operação de construção da representação.

    A empiricidade objeto da operação tem um novo ‘modo de ser fundamental’, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’.

    Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da história, durante esse tipo de operações, sim, faz-se história.

     caminho do
    Instanciamento da representação

    Nota: a existência volta a preceder as distinções feitas na operação.
     

    Durante essa operação a empiricidade objeto não muda seu ‘modo de ser fundamental’ nesse domínio e ambiente em decorrência da operação.

    Tempo  no caminho do Instanciamento da representação previamente existente no Repositório e dele recuperada para a posição de empiricidade objeto na presente operação de instanciamento:

    • formulação volta a ser reversível; (é possível descartar uma formulação de instanciamento e formular outra com novas escolhas, sem perdas;
    • tempo volta a ser tempo calendário, ou tempo relativo;
    • irreversibilidades no caminho do Instanciamento da representação ocorrem em decorrência do desencadeamento dos elementos de suporte na experiência à Forma de produção.

    A empiricidade objeto da operação tem exatamente o mesmo ‘modo de ser fundamental’ com que foi recuperada do repositório, isto é, pode ser ‘afirmada, posta, disposta e repartida no espaço do saber para eventuais conhecimentos e ciências possíveis’ exatamente da mesma forma como havia sido acrescentada ao repositório.

    Tomando o ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades como elemento ordenador da História, durante esse tipo de operações não se faz história.

    Modelagem de operações e organizações organizadas pelo par sujeito-objeto, com operações específicas e separadas para cada um desses pares, porém relacionadas:

     

    • um modelo para a operação e organização para o objeto esperado pelo Cliente (Produto);
    • e um modelo para a operação e organização  para o instrumento capaz de obter o Produto, bem como obter o objeto esperado pelo Acionista (Benefícios de toda espécie, Lucros)

    Mapa geral das operações na disposição SSS

    Modelagem para uma organização incluindo o objeto esperado de interesse do Cliente
    e o instrumento capaz de obtê-lo, e também o objeto esperado de interesse do Acionista
    identificando o nexo da produção

    Argumento: a modelagem de operações
    organizada pelo par sujeito-objeto

    Construção da estrutura de operações na disposição SSS – Simétrica, Simbiótica e Sinérgica

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    Cronologia básica da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura ocidental entre os anos 1775-1825 segundo Michel Foucault.

    • fases e ponto de ruptura desse evento;
    • linha de tempo com as defasagens entre conquistas no pensamento e respectivo uso nas áreas técnicas;
    • alguns autores importantes de um e de outro lado desse evento;
    • ponto de entrada do homem em nossa cultura;
    • alguns autores citados como referências em modelos sociais, econômicos e políticos
    Michel Foucault
    1926-1984

    “E foi realmente necessário 
    um acontecimento fundamental
    – um dos mais radicais, sem dúvida, 1
    que ocorreram na cultura ocidental,
    para que se desfizesse a positividade do saber clássico
    e se constituísse uma positividade de que, por certo,
    não saímos inteiramente.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VII – Os limites da representação;
    tópico I. A idade da história

    Cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825;
    defasagens entre conquistas no pensamento filosófico e respectiva utilização prática

    cronologia básica da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

    A descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, segundo o pensamento de Michel Foucault
    uma linha de tempo mostrando os intervalos de tempo entre o desenvolvimento de conhecimento e sua aplicação prática

    O ponto de surgimento do homem em nossa cultura

     “É somente na segunda fase que as palavras, as classes e as riquezas adquirirão um modo de ser que não é mais compatível com o da representação.

    Em contra partida, o que se modifica muito cedo, desde as análises de Adam Smith, de A.-L. de Jussieu ou de Viq d’Azyr, na época de Jones ou de Anquetil-Duperron,

    • é a configuração das positividades: a maneira como, no interior de cada uma,
      • os elementos representativos funcionam uns em relação aos outros, 
      • a maneira como asseguram seu duplo papel de designação e de articulação, 
      • como chegam, pelo jogo das comparações, a estabelecer uma ordem. “

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas
    Cap.VII – Os limites da representação
    tópico I. A idade da história

    Datas e fases da descontinuidade epistemológica ocorrida entre 1775 e 1825, e surgimento do homem no pensamento em nossa cultura segundo o pensamento de Michel Foucault.

    Alguns autores fundamentos filosóficos do liberalismo, e autores chave do pensamento moderno posicionados em relação à descontinuidade epistemológica de 1775-1825

    Algumas personagens importantes para entendimento da descontinuidade epistemológica de 1775-1825

    Michel Foucault ao delinear sua arqueologia das ciências humanas, propósito do ‘As palavras e as coisas’, com certeza tomou conhecimento do trabalho desses autores.

    • autores clássicos:
      • Adam Smith,
      • John Locke, 
      • David Hume, 
      • J. J. Rousseau, 
      • Jeremy Bentham, 
      • e J. M. Keynes (este, expressamente classificado por Foucault como não moderno)
    • autores modernos:
      • David Ricardo
      • Sigmund Schlomo Freud 
      • entre muitos outros.

    Michel Foucault menciona ainda em destaque, como artífices do pensamento moderno e fontes para o seu próprio pensamento:

    • Georges Cuvier, naturalista, 1769-1832
    • Franz Bopp, linguista, 1792-1867
    • David Ricardo, economista, 1772-1823

    Exemplos de modelos de operações e de organizações sem a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações no cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

    Funcionamento
    do pensamento
    funcionamento das operações no pensamento clássico
    Modelo de
    Operação de produção
    relação do modelo de operações de produção de E. S. Buffa
    e o sistema Input-Output
    do LE da figura.
    Modelo da 
    Organização de produção
    Um modelo de organização sob o pensamento clássico, destacando a utilização de múltiplas ordens, ou
    múltiplos sistemas de categorias
    Modelo de operações
    e de organização
    Modelo FEPSC(SIPOC), Six Sigma
    Modelo de  Operação
    contábil-financeira
    O modelo de operação
    no sistema contábil-financeiro
    Modelo da  Organização
    ponto de vista financeiro
    a organização no sistema contábil-financeiro

    Exemplos de modelos de operações e de organizações no pensamento moderno, e assim  com a possibilidade de fundar as sínteses (do objeto das operações) no espaço da representação e com ponto de inserção da análise de operações antes do cruzamento entre o dado e o recebido na operação de troca

    Funcionamento
    de operação do pensamento
    O funcionamento das operações no pensamento moderno
    Modelo de
    Operação de produção
    relação entre o modelo descritivo da produção do Kanban e ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’
    Modelo da 
    Organização de produção
    o modelo de organização ‘Mapa da atividade semicondutores’, da Reengenharia, o modelo de operações do Kanban e o modelo moderno de operações
    O modelo descritivo da produção do Kanban operação de
    instanciamento de representação
    O mapa da atividade semicondutores da Texas Instruments: modelo de organização
    do movimento Reengenharia

    O espaço interior do Triedro dos saberes – habitat das ciências humanas, com modelos situados no espectro de modelos no segmento para além do objeto

    Assim, estes três pares,

    • função e norma,
    • conflito e regra,
    • significação e sistema,

    cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem. 

    Mas, qualquer que seja a natureza da análise e o domínio a que ela se aplica, tem-se um critério formal para saber o que é

    • do nível da psicologia,
    • da sociologia
    • ou da análise das linguagens

    é a escolha do modelo fundamental e a posição dos modelos secundários que permitem saber em que momento

    • se “psicologiza” ou se “sociologiza” no estudo das literaturas e dos mitos, em que momento se faz, em psicologia, decifração de textos ou análise sociológica. 

    Mas essa superposição de modelos não é um defeito de método. 

    Só há defeito se os modelos não forem ordenados e explicitamente articulados uns com os outros.

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo X  – As ciências humanas;
     III. Os três modelos
    Michel Foucault 

    O Triedro dos saberes: eixos e faces
    espaço das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem
    O interior ao Triedro dos saberes
    o espaço das Ciências humanas

    Aquém do objeto

    Não há modelos constituintes nesta faixa do espectro, já que nada é constituído na existência durante as operações;

    • o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações está no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido na operação de troca.

    Na configuração do pensamento pressupõe-se que todas as coisas
    existem desde sempre e para sempre,
    e integram o Universo em uma visão única.

    Existem múltiplas ordens que podem ser arbitrariamente escolhidas para cada operação; e em uma mesma organização podem conviver ordens – como diz Foucault – ligeiramente diferentes. Tem-se inúmeras categorias para cada ordem escolhida, e muitas ordens possíveis de serem selecionadas.

    Nada é constituído na existência como resultado das distinções feitas durante as operações nesta faixa do espectro.

    Diante do objeto

    No eixo epistemológico fundamental – ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, a modelagem em cada área do saber pode ser feita com um modelo constituinte específico e próprio de cada uma delas:

    • em todas, o ponto de inserção na análise do fenômeno ‘operações’ está antes do cruzamento entre o dado e o recebido, e portanto antes da existência destes.

    No que Foucault chama de ‘Região epistemológica Fundamental’ os Modelos constituintes são compostos por pares constituintes, próprios a cada região do saber ou área do conhecimento em que o modelo é feito:

    • Ciências da vida (Biologia):


      função-norma
      ;

    • Ciências do trabalho (Economia):


      conflito-regra;

    • Ciências da Linguagem (Filologia):

      significação-sistema.

    Além do objeto

    No campo das ciências humanas, o modelo constituinte de qualquer uma delas se unifica. 

    Os Modelos constituintes são compostos por uma combinação dos três pares de modelos constituintes das ciências

    • da Vida-(Biologia),
    • do Trabalho-(Economia)
    • e da Linguagem-(Filologia).

    O Modelo constituinte  de cada uma das Ciências Humanas – é uma combinação – ponderada pelo projetista de modelos.

    O modelo composto é uma combinação dos três pares de modelos constituintes: 

    • Ciências da vida  (Biologia):
      função-norma;

      +
      Ciências do trabalho (Economia):

      conflito-regra;
      +
      Ciências da Linguagem (Filologia):
      significação-sistema.

    Sob ciências humanas como:

    • economia política;
    • sociologia,
    • psicologia e psicanálise

    estão modelos compostos, que são combinações ponderadas dos três pares de modelos constituintes das ciências integrantes do eixo epistemológico fundamental.

    A descrição feita por Michel Foucault de duas possibilidades
    de posicionamento do pensamento com relação a valor

    “Valor, para o pensamento clássico, é primeiramente valer alguma coisa, poder substituir essa coisa num processo de troca. A moeda só foi inventada, os preços só foram fixados e só se modificam na medida em que essa troca existe.

    Ora, a troca é um fenômeno simples apenas na aparência.

    Com efeito, só se troca numa permuta, quando cada um dos dois parceiros reconhece um valor para aquilo que o outro possui.

    Num sentido, é preciso, pois, que as coisas permutáveis, com seu valor próprio, existam antecipadamente nas mãos de cada um, para que a dupla cessão e a dupla aquisição finalmente se produzam.

    Mas, por outro lado, o que cada um come e bebe, aquilo de que precisa para viver não tem valor enquanto não o cede; e aquilo de que não tem necessidade é igualmente desprovido de valor enquanto não for usado para adquirir alguma coisa de que necessite.

    Em outras palavras, para que, numa troca, uma coisa possa representar outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor; e, contudo, o valor só existe no interior da representação (atual ou possível), isto é, no interior da troca ou da permutabilidade.

    Daí duas possibilidades simultâneas de leitura:

    1. uma analisa o valor no ato mesmo da troca, no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido;
    2. outra analisa-o como anterior à troca e como condição primeira para que esta ossa ocorrer.

    Os dois pontos de partida distintos adotados pelo pensamento para análise de valor

    1. a primeira possibilidade de leitura

    A análise de valor no ato mesmo da troca,
    no ponto de cruzamento entre o dado e o recebido

    2. a segunda possibilidade de leitura

    A análise de valor como anterior à troca
    e como condição primeira para que esta possa ocorrer.

    A primeira dessas duas leituras corresponde a uma análise que coloca e encerra toda a essência da linguagem no interior da proposição;

    • no [neste] primeiro caso, com efeito, a linguagem encontra seu lugar de possibilidade numa atribuição assegurada pelo verbo – isto é, por esse elemento da linguagem em recuo relativamente a todas as palavras mas que as reporta umas às outras; o verbo, tomando possíveis todas as palavras da linguagem a partir de seu liame proposicional, corresponde à troca que funda, como um ato mais primitivo que os outros, o valor das coisas trocadas e o preço pelo qual são cedidas;

    a outra, [corresponde] a uma análise que descobre essa mesma essência da linguagem do lado das designações primitivas – linguagem de ação ou raiz(*);

    • na outra [nesta] forma de análise, a linguagem está enraizada fora de si mesma e como que na natureza ou nas analogias das coisas; a raiz, o primeiro grito que dera nascimento às palavras antes mesmo que a linguagem tivesse nascido, corresponde à formação imediata do valor, antes da troca e das medidas recíprocas da necessidade.

    Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho do Instanciamento da representação

    Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento clássico, antes de 1775

    Propriedades das operações e organizações modeladas com a paleta de ideias ou elementos de imagem do pensamento moderno, depois de 1825, e no caminho da Construção da representação

    II. As assinalações

    Capítulo II. A prosa do mundo; tópico II. As assinalações

    E, no entanto, o sistema não é fechado. Subsiste uma abertura: por ela, todo o jogo das semelhanças se arriscaria a escapar de si mesmo ou a permanecer na noite, se uma nova figura da similitude não viesse completar o círculo tomá-lo ao mesmo tempo perfeito e manifesto.

    Convenientia, aemulatio, analogia e simpatia nos dizem de que modo o mundo deve se dobrar sobre si mesmo, se duplicar, se refletir ou se encadear para que as coisas possam assemelhar-se. Dizem-nos os caminhos da similitude e por onde eles passam;

    • não onde ela está
    • nem como a vemos,
    • nem com que marca a reconhecemos.

    Ora, talvez nos ocorresse atravessar toda essa proliferação maravilhosa das semelhanças, sem mesmo suspeitarmos que ela está preparada, desde muito tempo, pela ordem do mundo e para nosso maior beneficio.

    Para saber que o acônito cura nossas doenças de olhos ou que a noz esmagada com o álcool sana as dores de cabeça, é preciso uma marca que no-la advirta: sem o que este segredo permaneceria indefinidamente adormecido.

    Saberíamos jamais que existe, de um homem com seu planeta, uma relação de geminidade ou de contenda, se não houvesse em seu corpo e entre as rugas de seu rosto, o sinal de que ele é rival de Marte ou aparentado a Saturno?

    É preciso que as similitudes submersas estejam assinaladas na superfície das coisas; é necessária uma marca visível das analogias invisíveis.

    Acaso não será toda semelhança a um tempo o que há de mais manifesto e o que está mais bem oculto?

    Com efeito,

    • ela não é composta de porções justapostas – algumas idênticas, outras diferentes -;
    • ela é, por inteiro, uma similitude
      • que se vê
      • ou que não se vê.

    Seria, pois, sem critério, se não houvesse nela – ou acima ou ao lado – um elemento de decisão que transformasse sua duvidosa cintilação em clara certeza.

    Não há semelhança sem assinalação.

    O mundo do similar só pode ser um mundo marcado.

    “Não é vontade de Deus”, diz Paracelso, “que o que ele cria para o beneficio do homem e o que lhe deu permaneça escondido… E ainda que ele tenha escondido certas coisas, nada deixou sem sinais exteriores e visíveis com marcas especiais – assim como um homem que enterrou um tesouro marca a sua localização a fim de que possa reencontrá-lo.”(19)

    O saber das similitudes funda-se

    • na súmula de suas assinalações
    • e na sua decifração.

    Inútil deter-se na casca das plantas para conhecer sua natureza; é preciso ir diretamente às suas marcas –

    “à sombra e imagem de Deus que elas trazem ou à virtude interna que lhes foi dada do céu como por dote natural,… virtude, digo eu, que se reconhece melhor pela assinalação”(20).

    O sistema das assinalações inverte a relação do visível com o invisível.

    A semelhança era

    • a forma invisível daquilo que, do fundo do mundo, tornava as coisas visíveis;
    • mas para que essa forma, por sua vez, venha até a luz, é necessária uma figura visível que a tire de sua profunda invisibilidade.

    Eis por que a face do mundo é coberta de brasões, de caracteres, de cifras, de palavras obscuras – de “hieróglifos”, dizia Turner.

    E o espaço das semelhanças imediatas torna-se como um grande livro aberto; é carregado de grafismos; ao longo da página, veem-se figuras estranhas que se entrecruzam e por vezes se repetem. Só se tem que decifrá-las:

    “Não é verdade que todas as ervas, árvores e outros, provenientes das entranhas da terra, são outros tantos livros e sinais mágicos?”(21).

    O grande espelho calmo, no fundo do qual as coisas se mirariam e remeteriam umas às outras suas imagens, é, na realidade, todo buliçoso de palavras.

    Os reflexos mudos são duplicados por que os indicam. E, graças a uma última forma de semelhança que envolve todas as outras e as encerra em um único, mundo pode se comparar a um homem que fala;

    “Assim como os secretos movimentos de seu entendimento são manifestados pela voz, assim não parece que as ervas falam ao médico curioso por sua assinalação, descobrindo-lhe… suas virtudes interiores ocultas sob o véu do silêncio da natureza?”(22)

    Mas convém nos determos mais sobre essa própria linguagem.

    • Sobre os signos de que é formada.
    • Sobre a maneira como esses signos remetem ao que indicam.

    Há simpatia entre o acônito e os olhos. Essa afinidade imprevista permaneceria na sombra se não houvesse sobre a planta uma assinalação, uma marca e como que uma palavra dizendo que ela é boa para as doenças dos olhos.

    • Esse signo perfeitamente legível em suas sementes: são pequenos globos escuros engastados em películas brancas, que figuram aproximadamente o que as pálpebras são para os olhos(23).
    • O mesmo se passa com a afinidade entre a noz e a cabeça; o que cura “as aflições do pericrânio” é a espessa casca verde que repousa sobre os ossos – sobre o invólucro – do fruto: mas os males interiores da cabeça são evitados pelo próprio núcleo “que indica totalmente o cérebro”(24).

    O sinal da afinidade, e o que a torna visível, é simplesmente a analogia; a cifra da simpatia reside na proporção.

    Mas que assinalação trará a própria proporção para que seja possível reconhecê-la?

    Como se poderia saber que as pregas da mão ou as rugas da fronte desenham no corpo dos homens o que são as inclinações, os acidentes ou os reveses no grande tecido da vida?

    Somente porque a simpatia faz comunicarem-se o corpo e o céu e transmite o movimento dos planetas às aventuras dos homens. Somente também porque a brevidade de uma linha reflete a imagem simples de uma vida curta, o cruzamento de duas pregas, o encontro de um obstáculo, o movimento ascendente de uma ruga, a escalada de um homem para o sucesso. A largura é sinal de riqueza e de importância; a continuidade marca a fortuna, a descontinuidade, o infortúnio(25).

    A grande analogia do corpo e do destino é assinalada por todo o sistema dos espelhos e das atrações. São as simpatias e as emulações que assinalam as analogias.

    Quanto à emulação,

    • podemos reconhecê-la na analogia:
      • os olhos são estrelas porque espalham a luz sobre os rostos como os astros na obscuridade,
      • e porque os cegos são no mundo como os que têm clarividência no mais soturno da noite.
    • Podemos reconhecê-la também na conveniência:
      • sabe-se, desde os gregos, que os animais fortes e corajosos têm a extremidade dos membros larga e bem desenvolvida como se seu vigor tivesse sido comunicado às partes mais distantes do seu corpo.
      • Do mesmo modo, o rosto e a mão do homem carregarão a semelhança com a alma à qual estão ligados.

    O reconhecimento das mais visíveis similitudes apóia-se, pois, numa descoberta que é a da conveniência das coisas entre si.

    E se lembrarmos agora que a conveniência não é sempre definida por uma localização atual, mas que muitos seres que se convêm estão separados

    (como ocorre entre a doença e seu remédio, entre o homem e seus astros, entre a planta e o solo de que precisa)

    tornar-se-á de novo necessário um sinal da conveniência.

    Ora, que outra marca existe de que duas coisas estão encadeadas uma à outra senão que elas se atraem reciprocamente, como o sol e a flor do girassol, ou a água e o rebento do pepino(26), senão que entre elas há afinidade e como que simpatia?

    Assim o círculo se fecha. Vê-se, porém, através de qual sistema de desdobramentos.

    As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada.

    Mas que são esses sinais?

    Como reconhecer, entre todos os aspectos do mundo e tantas figuras que se entrecruzam, que há aqui um caráter no qual convém se deter, porque ele indica uma secreta e essencial semelhança?

    Que forma constitui o signo no seu singular valor de signo?- É a semelhança. Ele significa na medida em que tem semelhança com o que indica (isto é, com uma similitude).

    Contudo, não é a homologia que ele assinala, pois seu ser distinto de assinalação se desvaneceria no semelhante de que é signo; trata-se de outra semelhança, uma similitude vizinha e de outro tipo que serve para reconhecer a primeira, mas que, por sua vez, é patenteada por uma terceira.

    Toda semelhança recebe uma assinalação; essa assinalação, porém, é apenas uma forma intermediária da mesma semelhança.

    De tal sorte que o conjunto das marcas faz deslizar, sobre o círculo das similitudes, um segundo círculo que duplicaria exatamente e, ponto por ponto, o primeiro,

    • se não fosse esse pequeno desnível que faz com que
      • o signo da simpatia resida na analogia,
      • o da analogia na emulação,
      • o da emulação na conveniência,
      • que, por sua vez, para ser reconhecida, requer a marca da simpatia…

    A assinalação e o que ela designa

    • são exatamente da mesma natureza;
    • apenas a lei da distribuição a que obedecem é diferente; a repartição é a mesma.

    Forma assinalante e forma assinalada são semelhanças, mas paralelas.

    E é por isso, sem dúvida, que, no saber do século XVI,

    • a semelhança é o que há de mais universal;
    • ao mesmo tempo aquilo que há de mais visível,
    • mas que se deve, entretanto, buscar descobrir por ser o mais escondido;
    • o que determina a forma do conhecimento (pois só se conhece seguindo os caminhos da similitude)
    • e o que lhe garante a riqueza de seu conteúdo (pois, desde que soergamos os signos e olhemos o que eles indicam, deixamos vir às claras e cintilar na sua própria luz a própria Semelhança).

    Chamemos hermenêutica ao conjunto de conhecimentos e de técnicas que permitem fazer falar os signos e descobrir seu sentido;

    chamemos semiologia ao conjunto de conhecimentos e de técnicas que permitem distinguir onde estão os signos, definir o que os institui como signos, conhecer seus liames e as leis de seu encadeamento:

    o século XVI superpôs

    • semiologia
    • e hermenêutica

    na forma da similitude.

    Buscar o sentido é trazer à luz o que se assemelha.

    Buscar a lei dos signos é descobrir as coisas que são semelhantes.

    A gramática dos seres é sua exegese.

    E a linguagem que eles falam não narra outra coisa senão a sintaxe que os liga.

    A natureza das coisas, sua coexistência, o encadeamento que as vincula e pelo que se comunicam não é diferente de sua semelhança. E esta só aparece na rede de signos que, de um extremo ao outro, percorre o mundo.

    A “natureza” está inserida na fina espessura que mantém, uma acima da outra, semiologia e hermenêutica;

    • ela só é misteriosa e velada, só se oferece ao conhecimento por ela às vezes confundido,
    • na medida em que essa superposição não se faz sem um ligeiro desnível das semelhanças.

    De imediato, o crivo não é claro; a transparência se acha turva desde o primeiro lance. Aparece um espaço sombrio que será necessário progressivamente aclarar.

    É aí que está a “natureza” e é isso que é mister aplicar-se a conhecer.

    Tudo seria imediato e evidente

    • se a hermenêutica da semelhança
    • e a semiologia das assinalações coincidissem sem a menor oscilação.

    Mas, posto que há um “vão” entre

    • as similitudes que formam grafismo
    • e as que formam discurso,

    o saber e seu labor infinito recebem aí o espaço que lhes é próprio: terão que sulcar essa distância indo, por um ziguezague indefinido, do semelhante ao que lhe é semelhante.

    I. As quatro similitudes

    Capítulo II. A prosa do mundo; tópico I. As quatro similitudes

    Até o fim do século XVI, a semelhança desempenhou um papel construtor no saber da cultura ocidental.

    • Foi ela que, em grande parte, conduziu a exegese e a interpretação dos textos:
    • foi ela que organizou o jogo dos símbolos, permitiu o conhecimento das coisas visíveis e invisíveis, guiou a arte de representá-las.

    O mundo enrolava-se sobre si mesmo:

    • a terra repetindo o céu, os rostos mirando-se nas estrelas e a erva envolvendo nas suas hastes os segredos que serviam ao homem. A pintura imitava o espaço.

    E a representação – fosse ela festa ou saber – se dava como repetição: teatro da vida ou espelho do mundo, tal era o título de toda linguagem, sua maneira de anunciar-se e de formular seu direito de falar.

    É preciso nos determos um pouco nesse momento do tempo em que a semelhança desfará sua dependência para com o saber e desaparecerá, ao menos em parte, do horizonte do conhecimento.

    No fim do século XVI, no começo ainda do século XVII, como era pensada a similitude?

    Como podia ela organizar as figuras do saber?

    E se é verdade que as coisas que se assemelhavam eram em número infinito, podem-se, ao menos, estabelecer as formas segundo as quais era possível ocorrer-lhes serem semelhantes umas às outras?

    A trama semântica da semelhança no século XVI é muito rica: Amicitia, Aequalitas (contractus, consensus, matrimonium, societas, pax et similia), Consonantia, Concertus, Continuum, Paritas, Proportio, Similitudo, Conjunctio, Copula (1).

    E há ainda muitas outras noções que, na superfície do pensamento, se entrecruzam, se imbricam, se reforçam ou se limitam. Por ora, basta indicar as principais figuras que prescrevem suas articulações ao saber da semelhança. Dentre elas há quatro seguramente essenciais.

    • Similitude
      1. Convenientia;
      2. Aemulatio;
      3. Analogia;
      4. Simpatias – antipatias

    Primeiro, a convenientia.

    Na verdade, por esta palavra é designada com mais força a vizinhança dos lugares que a similitude. São “convenientes” as coisas que, aproximando-se umas das outras, vêm a se emparelhar; tocam-se nas bordas, suas franjas se misturam, a extremidade de uma designa o começo da outra. Desse modo, comunica-se o movimento, comunicam-se as influências e as paixões, e também as propriedades.

    De sorte que, nessa articulação das coisas, aparece uma semelhança.

    Dupla, desde que se tenta destrinchá-la:

    • semelhança do lugar, do local onde a natureza colocou as duas coisas, similitude, pois, de propriedades; pois, neste continente natural que é o mundo, a vizinhança não é uma relação exterior entre as coisas, mas o signo de um parentesco ao menos obscuro. E, depois, desse contato nascem por permuta novas semelhanças; um regime comum se impõe;
      • à similitude como razão surda da vizinhança,
      • superpõe-se uma semelhança que é o efeito visível da proximidade.

    A alma e o corpo, por exemplo, são duas vezes convenientes:

    • foi preciso que o pecado tivesse tornado a alma espessa, pesada e terrestre, para que Deus a colocasse nas entranhas da matéria.
    • Mas, por essa vizinhança,
      • a alma recebe os movimentos do corpo e se assimila a ele,
      • enquanto o “corpo se altera e se corrompe pelas paixões da alma”(2).

    Na vasta sintaxe do mundo, os diferentes seres se ajustam uns aos outros; a planta comunica com o animal, a terra com o mar, o homem com tudo o que o cerca.

    A semelhança impõe vizinhanças que, por sua vez, asseguram semelhanças. O lugar e a similitude se imbricam:

    • vê-se crescer limos nos dorsos das conchas,
    • plantas nos galhos dos cervos,
    • espécies de ervas no rosto dos homens;
    • e o estranho zoófito justapõe, misturando-as, as propriedades que o tornam semelhante tanto à planta quanto ao animal(3).

    São signos de conveniência.

    A convenientia é uma semelhança ligada ao espaço na forma da “aproximação gradativa”. É da ordem da conjunção e do ajustamento.

    Por isso pertence menos às próprias coisas que ao mundo onde elas se encontram.

    O mundo é a “conveniência” universal das coisas;

    • há tantos peixes na água quanto sobre a terra animais ou objetos produzidos pela natureza ou pelos homens (não há peixes que se chamam Episcopus, outros Catena, outros Priapus?);
    • na água e sobre a superfície da terra, tantos seres quantos os há no céu e aos quais correspondem;
    • enfim, em tudo o que é criado, há tantos quantos se poderiam encontrar eminentemente contidos em Deus, “Semeador da Existência, do Poder, do Conhecimento e do Amor”(4).

    Assim, pelo encadeamento da semelhança e do espaço, pela força dessa conveniência que avizinha o semelhante e assimila os próximos, o mundo constitui cadeia consigo mesmo. Em cada ponto de contato começa e acaba um elo que se assemelha ao precedente e se assemelha ao seguinte: e, de círculos em círculos, as similitudes prosseguem retendo os extremos na sua distância (Deus e a matéria), aproximando-os, de maneira que a vontade do Todo- Poderoso penetre até os recantos mais adormecidos.

    É essa cadeia imensa, estendida e vibrante, essa corda da conveniência, que Porta evoca num texto de sua Magia natural:

    “No tocante a sua vegetação, a planta convém com a besta bruta e, por sentimento, o animal brutal com o homem, que se conforma ao resto dos astros por sua inteligência; essa ligação procede tão apropriadamente que parece uma corda estendida desde a primeira causa até as coisas baixas e ínfimas, por uma ligação recíproca e contínua; de sorte que a virtude superior, expandindo seus raios, chegará a tal ponto que, se lhe tocarmos uma extremidade, tremerá e fará mover o resto.”(5)

    A segunda forma da similitude é a aemulatio:

    uma espécie de conveniência, mas que fosse liberada da lei do lugar e atuasse, imóvel, na distância.

    Um pouco como se a conveniência espacial tivesse sido rompida, e os elos da cadeia, desatados, reproduzissem seus círculos longe uns dos outros, segundo uma semelhança sem contato.

    Há na emulação algo do reflexo e do espelho: por ela, as coisas dispersas através do mundo se correspondem.

    • De longe, o rosto é o êmulo do céu
    • e, assim como o intelecto do homem reflete, imperfeitamente, a sabedoria de Deus,
    • assim os dois olhos, com sua claridade limitada, refletem a grande iluminação que, no céu, expandem o Sol e a Lua;
    • a boca é Vênus, pois que por ela passam os beijos e as palavras de amor;
    • o nariz dá a minúscula imagem do cetro de Júpiter e do caduceu de Mercúrio(6).

    Por esta relação de emulação, as coisas podem se imitar de uma extremidade à outra do universo sem encadeamento nem proximidade:

    • por sua reduplicação em espelho, o mundo abole a distância que lhe é própria;
    • triunfa assim sobre o lugar que é dado a cada coisa.

    Desses reflexos que percorrem o espaço, quais são os primeiros?

    Onde a realidade, onde a imagem projetada?

    Frequentemente não é possível dizê-lo, pois a emulação é uma espécie de geminação natural das coisas; nasce de uma dobra do ser, cujos dois lados imediatamente se defrontam. Paracelso compara essa duplicação fundamental do mundo à imagem de dois gêmeos

    “que se assemelham perfeitamente, sem que seja possível a ninguém dizer qual deles trouxe ao outro sua similitude”(7).

    No entanto, a emulação não deixa inertes, uma em face da outra, as duas figuras refletidas que ela opõe.

    Pode ocorrer a uma ser mais fraca e acolher a forte influência daquela que vem refletir-se no seu espelho passivo.

    As estrelas não têm primazia sobre as ervas da terra, das quais são o modelo sem mudança, a forma inalterável e sobre as quais lhes é dado verter secretamente toda a dinastia de suas influências? A terra sombria é o espelho do céu disseminado, mas, nesta contenda, os dois rivais não têm nem o mesmo valor nem a mesma dignidade. As luzes da erva, sem violência, reproduzem a forma pura do céu:

    “As estrelas”, diz Crollius, “são a matriz de todas as ervas, e cada estrela do céu não é mais que a prefiguração espiritual de uma erva tal como a representa e, assim como cada erva ou planta é uma estrela terrestre olhando o céu, assim também cada estrela é uma planta celeste em forma espiritual, a qual só pela matéria é diferente das terrestres (…), as plantas e as ervas celestes estão viradas para o lado da terra e olham diretamente as ervas que elas procriaram, infundindo-lhes alguma virtude particular”(8).

    Mas pode também ocorrer que a contenda permaneça aberta e que o calmo espelho não reflita mais que a imagem dos “dois soldados irritados”. A similitude torna-se então o combate de uma forma contra outra – ou melhor, de uma mesma forma separada de si pelo peso da matéria ou pela distância dos lugares.

    O homem de Paracelso é, como o firmamento,

    “constelado de astros”; mas não está a ele ligado como “o ladrão às galeras, o assassino ao suplício da roda, o peixe ao pescador, a caça ao caçador”.

    Pertence ao firmamento do homem ser “livre e poderoso”, “não obedecer a ordem alguma”, “não ser regido por nenhuma das outras criaturas”. Seu céu interior pode ser autônomo e repousar somente em si mesmo, sob a condição, porém, de que, por sua sabedoria, que é também saber, ele se torne semelhante à ordem do mundo, a retome em si e faça assim equilibrar no seu firmamento interno aquele onde cintilam as estrelas visíveis.

    Então, essa sabedoria do espelho envolverá, em troca, o mundo onde estava colocada; seu grande elo girará até o fundo do céu e mais além; o homem descobrirá que contém “as estrelas no interior de si mesmo (…), e que assim carrega o firmamento com todas as suas influências”(9).

    A emulação apresenta-se de início sob a forma de um simples reflexo, furtivo, longínquo; percorre em silêncio os espaços do mundo.

    Mas a distância que ela transpõe não é anulada por sua sutil metáfora; permanece aberta para a visibilidade. E, neste duelo, as duas figuras afrontadas se apossam uma da outra.

    • o semelhante envolve o semelhante,
    • que, por sua vez, o cerca
    • e, talvez, será novamente envolvido por uma duplicação
    • que tem o poder de prosseguir ao infinito.

    Os elos da emulação não formam uma cadeia como os elementos da conveniência: mas, antes, círculos concêntricos, refletidos e rivais.

    Terceira forma da similitude, a analogia.

    Velho conceito, familiar já à ciência grega e ao pensamento medieval, mas cujo uso se tornou provavelmente diferente.

    Nessa analogia superpõem-se

    • convenientia
    • e aemulatio.

    Como esta, assegura o maravilhoso afrontamento das semelhanças através do espaço; mas fala, como aquela, de ajustamentos, de liames e de juntura.

    Seu poder é imenso, pois as similitudes que executa não são aquelas visíveis, maciças, das próprias coisas; basta serem as semelhanças mais sutis das relações.

    Assim alijada, pode tramar, a partir de um mesmo ponto, um número indefinido de parentescos.

    A relação, por exemplo,

    • dos astros
    • com o céu onde cintilam,

    reencontra-se igualmente:

    • na da erva com a terra,
    • dos seres vivos com o globo onde habitam,
    • dos minerais e dos diamantes com as rochas onde se enterram
    • dos órgãos dos sentidos com o rosto que animam,
    • das manchas da pele com o corpo que elas marcam secretamente.

    Uma analogia pode também se voltar sobre si mesma sem ser por isso contestada.

    A velha analogia da planta com o animal

    (o vegetal é um animal que se sustenta com a cabeça para baixo, a boca – ou as raízes – entranhada na terra),

    Césalpin não a critica nem a põe de parte; reforça-a, ao contrário, multiplica-a por ela própria, quando descobre que a planta é um animal de pé, cujos princípios nutritivos sobem de baixo para cima, ao longo de uma haste que se estende como um corpo e se completa por uma cabeça – ramalhete, flores, folhas: relação inversa mas não contraditória com a analogia primeira, que coloca “a raiz na parte inferior da planta, a haste na parte superior, pois, nos animais, a rede venosa começa também na parte inferior do ventre e a veia principal sobe para o coração e a cabeça”10.

    Tanto essa reversibilidade como esta polivalência conferem à analogia um campo universal de aplicação. Por ela, todas as figuras do mundo podem se aproximar.

    Existe, entretanto, nesse espaço sulcado em todas as direções, um ponto privilegiado: é saturado de analogias (cada uma pode aí encontrar um de seus pontos de apoio) e, passando por ele, as relações se invertem sem se alterar.

    Esse ponto é o homem; ele está em proporção com o céu, assim como com os animais e as plantas, assim como com a terra, os metais, as estalactites ou as tempestades.

    Erguido entre as faces do mundo, tem relação com o firmamento

    (seu rosto está para seu corpo como a face do céu está para o éter; seu pulso bate-lhe nas veias como os astros circulam segundo suas vias próprias; as sete aberturas formam no seu rosto o que são os sete planetas do céu);

    todas essas relações, porém, ele as desloca e as reencontramos, similares, na analogia do animal humano com a terra que habita:

    sua carne é uma gleba, seus ossos, rochedos, suas veias, grandes rios; sua bexiga é o mar e seus sete membros principais, os sete metais que se escondem no fundo das minas (11).

    O corpo do homem é sempre a metade possível de um atlas universal. Sabe-se como Pierre Belon traçou, até nos detalhes, a primeira tábua comparada do esqueleto humano com o dos pássaros: ali se vê

    “a ponta da asa chamada apêndice, que está em proporção com a asa, com o polegar, com a mão; a extremidade da ponta da asa, que é como nossos dedos (…); o osso, tido como pernas para os pássaros, correspondendo ao nosso calcanhar; assim como temos quatro dedos pequenos nos pés, assim os pássaros têm quatro dedos, dos quais o de trás tem proporção semelhante à do dedo grande do nosso pé”(12).

    Tanta precisão só constitui anatomia comparada para um olhar munido dos conhecimentos do século XIX.

    Ocorre que o crivo pelo qual deixamos chegar ao nosso saber as figuras da semelhança recobre nesse ponto (e quase somente nesse ponto) aquele que o saber do século XVI dispusera sobre as coisas.

    Mas a descrição de Belon, a bem dizer, só procede da positividade que, em sua época, a tornou possível.

    • Ela não é mais racional nem mais científica que certa observação de Aldrovandi, quando ele compara as partes inferiores do homem aos lugares infectos do mundo, ao Inferno, às suas trevas, aos condenados que são como excrementos do Universo(13);
    • ela pertence à mesma cosmografia analógica que a comparação, clássica na época de Crollius, entre a apoplexia e a tempestade: a borrasca começa quando o ar se toma pesado e se agita, a crise, no momento em que os pensamentos se tornam pesados, inquietos; depois as nuvens se acumulam, o ventre incha, o trovão estronda e a bexiga se rompe; os relâmpagos fulminam enquanto os olhos brilham com um fulgor terrível, a chuva cai, a boca espuma, o raio deflagra enquanto os espíritos fazem rebentar a pele; mas eis que o tempo se torna claro e a razão se restabelece no doente(14).

    O espaço das analogias é, no fundo, um espaço de irradiação. Por todos os lados, o homem é por ele envolvido; mas esse mesmo homem, inversamente, transmite as semelhanças que recebe do mundo. Ele é’ o grande fulcro das proporções – o centro onde as relações vem se apoiar e donde são novamente refletidas.

    Enfim, a quarta forma da semelhança é assegurada pelo jogo das simpatias.

    Nela nenhum caminho é de antemão determinado, nenhuma distância é suposta, nenhum encadeamento prescrito.

    A simpatia atua em estado livre nas profundezas do mundo. Em um instante percorre os espaços mais vastos:

    • do planeta ao homem que ela rege, a simpatia desaba de longe como o raio;
    • ela pode nascer, ao contrário, de um só contato – como essas “rosas fúnebres que servirão num funeral”, que, pela simples vizinhança com a morte, tornam “triste e agonizante” (15) toda pessoa que respirar seu perfume.

    Mas é tal seu poder, que ela não se contenta em brotar de um único contato e em percorrer os espaços; suscita o movimento das coisas no mundo e provoca a aproximação das mais distantes.

    Ela é princípio de mobilidade:

    • atrai o que é pesado para o peso do solo e o que é leve para o éter sem peso;
    • impele as raízes para a água e faz girar com a curva do sol a grande flor amarela do girassol.

    Mais ainda,

    atraindo as coisas umas às outras por um movimento exterior e visível,

    suscita em segredo um movimento interior – um deslocamento de qualidades que se substituem mutuamente:

    • o fogo, porque quente e leve,
    • se eleva no ar, para o qual as chamas infatigavelmente se erguem;
    • perde, porém, sua própria secura (que o aparentava à terra)
    • e adquire assim certa umidade (que o liga à água e ao ar);
    • desaparece então em ligeiro vapor, em fumaça azul, em nuvem: tornou-se ar.

    A simpatia é uma instância do Mesmo tão forte e tão contumaz que não se contenta em ser uma das formas do semelhante;

    • tem o perigoso poder de assimilar,
    • de tornar as coisas idênticas umas às outras,
    • de misturá-las,
    • de fazê-las desaparecer em sua individualidade – de torná-las, pois, estranhas ao que eram.

    A simpatia transforma. Altera, mas na direção do idêntico, de sorte que, se seu poder não fosse contrabalançado, o mundo se reduziria a um ponto, a uma massa homogênea, à morna figura do Mesmo:

    todas as suas partes se sustentariam e se comunicariam entre si sem ruptura nem distância, como elos de metal suspensos por simpatia à atração de um único ímã(16).

    Eis por que a simpatia é compensada por sua figura gêmea, a antipatia.

    Esta mantém as coisas em seu isolamento e impede a assimilação; encerra cada espécie na sua diferença obstinada e na sua propensão a perseverar no que é:

    “É assaz conhecido que as plantas têm ódio entre si… diz-se que a oliveira e a videira odeiam a couve; o pepino foge da oliveira… Sabendo-se que seu crescimento se deve ao calor do sol e à umidade da terra, é necessário que toda árvore opaca e espessa – assim como aquela que tem várias raízes – seja perniciosa às outras”(17)

    Assim, infinitamente, através do tempo, os seres do mundo se odiarão e manterão, contra toda simpatia, seu feroz apetite.

    “O rato da Índia é pernicioso ao crocodilo, pois a natureza lho deu por inimigo; de sorte que, quando esse violento animal se deita ao sol, ele lhe arma uma emboscada e astúcia mortal; percebendo que o crocodilo, adormecido em suas delícias, dorme com a goela aberta, entra por ela e desliza pela ampla garganta até o seu ventre, rói-lhe as entranhas e sai enfim pelo ventre do animal morto.”

    Mas os inimigos do rato, por sua vez, o espreitam: pois está em discórdia com a aranha e, “combatendo frequentemente com o áspide, morre”.

    Por este jogo de antipatia que as dispersa tanto quanto as atrai ao combate, torna-as mortíferas e as expõe, por sua.vez, à morte, sucede que as coisas e os animais e todas as figuras do mundo permanecem o que são.

    A identidade das coisas, o fato de que possam assemelhar-se a outras e aproximar-se delas, sem contudo se dissiparem, preservando sua singularidade, é o contrabalançar constante da simpatia e da antipatia que o garante. Explica que as coisas cresçam, se desenvolvam, se misturem, desapareçam, morram, mas indefinidamente se reencontrem; em suma,

    • que haja um espaço (não, porém, sem referência nem repetição, sem amparo de similitude)
    • e um tempo (que deixa, porém, reaparecer indefinidamente as mesmas figuras, as mesmas espécies, os mesmos elementos).

    “Conquanto em si mesmos os quatro corpos (água, ar, fogo, terra) sejam simples e tenham suas qualidades distintas, todavia o Criador ordenou que de elementos misturados seriam compostos os corpos elementares, razão pela qual suas conveniências e discordâncias são notórias, o que se conhece pelas suas qualidades. O elemento do fogo é quente e seco; tem, portanto, antipatia pelos da água, que é fria e úmida. O ar quente é úmido, a terra fria é seca, eis a antipatia. Para conciliá-los, o ar foi colocado entre o fogo e a água, a água, entre a terra e o ar. Enquanto é quente, o ar se avizinha do fogo e sua umidade se acomoda com a da água. Ademais, porque sua umidade é temperada, modera o calor do fogo de que também recebe ajuda, assim como, de outro lado, por seu calor medíocre, amorna a frieza úmida da água. A umidade da água é aquecida pelo calor do ar e abranda a fria secura da terra.”(18)

    A soberania do par simpatia – antipatia, o movimento e a dispersão que ele prescreve dão lugar a todas as formas da semelhança.

    Assim se encontram retomadas e explicadas as três primeiras similitudes.

    Todo o volume do mundo,

    • todas as vizinhanças da conveniência,
    • todos os ecos da emulação,
    • todos os encadeamentos da analogia

    são suportados, mantidos e duplicados por esse espaço da simpatia e da antipatia que não cessa de aproximar as coisas e de mantê-las a distância.

    Através desse Jogo, o mundo permanece idêntico;

    • as semelhanças continuam a ser o que são
    • e a se assemelharem.

    O mesmo persiste o mesmo, trancafiado sobre si.

     
     

    VI. Máthêsis e Taxinomia

    Capítulo III. Representar; tópico VI. Máthêsis e Taxinomia

    • Projeto de uma ciência geral da ordem; 
    • teoria dos signos analisando a representação; 
    • disposição em quadros ordenados das identidades e das diferenças: 

    assim se constituiu na idade clássica um espaço de empiricidade que 

    • não existira até o fim do Renascimento 
    • e que estava condenado a desaparecer desde o início do século XIX. 

    Ele é para nós, hoje, tão difícil de restituir e tão profundamente recoberto pelo sistema de positividades a que pertence nosso saber que, durante muito tempo, passou despercebido. 

    Deformamo-lo, e mascaramo-lo através de categorias ou de uma distribuição que são nossas. 

    Pretende-se reconstituir, ao que parece, o que foram nos séculos XVII e XVIII as “ciências da vida”, da “natureza” ou do “homem”. 

    Esquece-se simplesmente que nem o homem, nem a vida, nem a natureza são domínios que se oferecem espontânea e passivamente à curiosidade do saber. 

    • O que torna possível o conjunto da epistémê clássica é, primeiramente, a relação a um conhecimento da ordem. 
    • Quando se trata de ordenar as naturezas simples, recorre-se a uma máthêsis cujo método universal é a Álgebra. 
    • Quando se trata de pôr em ordem naturezas complexas (as representações em geral, tais como são dadas na experiência), é necessário constituir uma taxinomia e, para tanto, instaurar um sistema de signos. 

    Os signos estão para a ordem das naturezas compostas como a álgebra está para a ordem das naturezas simples.

    Mas, na medida em que 

    as representações empíricas devem ser suscetíveis de se analisar como naturezas simples, vê-se que a taxinomia se reporta inteiramente à máthêsis; 

    em contrapartida, posto que a percepção das evidências é apenas um caso particular da representação em geral, pode-se dizer igualmente que a máthêsis não é mais do que um caso particular da taxinomia. 

    Do mesmo modo, 

    os signos que o próprio pensamento estabelece constituem como que uma álgebra das representações complexas; 

    e a álgebra, inversamente, é um método para conferir signos às naturezas simples e para operar sobre esses signos. 

    Tem-se, pois, a seguinte disposição: Mas não é tudo. 

    A taxinomia implica, ademais, um certo continuum das coisas (uma não-descontinuidade, uma plenitude do ser) e uma certa potência da imaginação, que faz aparecer o que não é, mas permite, por isso mesmo, trazer à luz o contínuo. 

    A possibilidade de uma ciência das ordens empíricas requer, pois, uma análise do conhecimento – análise que deverá mostrar de que modo a continuidade escondida (e como que confusa) do ser pode reconstituir-se através do liame temporal de representações descontínuas. 

    Daí a necessidade, sempre manifestada ao longo da idade clássica, de interrogar a origem dos conhecimentos. De fato, essas análises empíricas não se opõem ao projeto de uma máthêsis universal, como um ceticismo a um racionalismo; elas eram envolvidas nos requisitos de um saber que não se dá mais como experiência do Mesmo, mas como estabelecimento da Ordem. 

    Nas duas extremidades da epistémê clássica, tem-se, portanto 

    • uma máthêsis como ciência da ordem calculável 
    • e uma gênese como análise da constituição das ordens a partir de sequências empíricas. 

    De um lado, utilizam-se os símbolos das operações possíveis sobre identidades e diferenças; 

    de outro, analisam-se as marcas progressivamente depositadas pela semelhança das coisas e as recorrências da imaginação. 

    • Entre a máthêsis e a gênese estende-se a região dos signos – signos que atravessam todo o domínio da representação empírica, mas que jamais a transbordam. 
    • Margeado pelo cálculo e pela gênese, está o espaço do quadro. 
    • Nesse saber, trata-se de afetar com um signo tudo o que pode nos oferecer nossa representação:
      • percepções,
      • pensamentos,
      • desejos; 
    • esses signos devem valer como caracteres, isto é, articular o conjunto da representação em plagas distintas, separadas umas das outras por traços assinaláveis; 
    • autorizam, assim, o estabelecimento de um sistema simultâneo, segundo o qual as representações enunciam sua proximidade e seu afastamento, sua vizinhança e suas distâncias –
      • portanto, a rede que,
        • fora da cronologia, 
        • manifesta seu parentesco e restitui num espaço permanente suas relações de ordem. 

    Por essa forma pode-se delinear o quadro das identidades e das diferenças. 

    É nessa região que se encontra a história natural ciência dos caracteres que articulam a continuidade da natureza e sua imbricação. 

    Nessa região também se encontra a teoria da moeda e do valor – ciência dos signos que autorizam a troca e permitem estabelecer equivalências entre as necessidades ou os desejos dos homens. 

    Aí, enfim, se aloja a Gramática geral, ciência dos signos pelos quais os homens reagrupam a singularidade de suas percepções e recortam o movimento contínuo de seus pensamentos. 

    Apesar das suas diferenças, esses três domínios só existiram na idade clássica, na medida em que o espaço fundamental do quadro se instaurou entre 

    • o cálculo das igualdades 
    • e a gênese das representações. 

    Vê-se que estas três noções – 

    • máthêsis, 
    • taxinomia, 
    • gênese 

    – designam menos domínios separados que uma rede sólida de interdependências que define a configuração geral do saber na época clássica. 

    A taxinomia não se opõe à máthêsis: aloja-se nela e dela se distingue; pois ela também é uma ciência da ordem – uma máthêsis qualitativa. 

    Entendida, porém, no sentido estrito, a máthêsis é ciência das igualdades, portanto, das atribuições e dos juízos; é a ciência da verdade; 

    já a taxinomia trata das identidades e das diferenças; é a ciência das articulações e das classes; é o saber dos seres. 

    Da mesma forma, a gênese se aloja no interior da taxinomia, ou ao menos encontra nela sua possibilidade primeira.  

    Mas a taxinomia estabelece o quadro das diferenças visíveis; a gênese supõe uma série sucessiva; uma trata os signos na sua simultaneidade espacial, como uma sintaxe; a outra os reparte num análogon do tempo, como uma cronologia. 

    Em relação à máthêsis, a taxinomia funciona como uma ontologia em face de uma apofântica; em face da gênese, funciona como uma semiologia em face de uma história. 

    Ela define, pois, a lei geral dos seres e, ao mesmo tempo, as condições sob as quais é possível conhecê-los. 

    Daí o fato de que a teoria dos signos na época clássica tenha podido sustentar ao mesmo tempo 

    • uma ciência de feição dogmática que se apresentava como o conhecimento da própria natureza, 
    • e uma filosofia da representação que, no decurso do tempo, se tornou cada vez mais nominalista e cada vez mais cética. 

    Daí também o fato de que semelhante disposição tenha desaparecido a ponto de as eras posteriores perderem até a memória de sua existência: 

    é que, após a crítica kantiana e tudo o que se passou na cultura ocidental do fim do século XVIII, uma divisão de um novo tipo se instaurou: 

    • de um lado, a máthêsis se reagrupou, constituindo uma apofântica e uma ontologia; é ela que até nossos dias reinou sobre as disciplinas formais; 
    • de outro lado, a história e a semiologia (esta absorvida, de resto, por aquela) se reuniram nessas disciplinas da interpretação que estenderam seu poder de Schleiermacher a Nietzsche e a Freud. 

    Em todo o caso, a epistémê clássica pode se definir, na sua mais geral disposição, 

    • pelo sistema articulado de uma máthêsis, 
    • de uma taxinomia 
    • e de uma análise genética. 

    As ciências trazem sempre consigo o projeto mesmo longínquo de uma exaustiva colocação em ordem: apontam sempre para a descoberta de elementos simples e de sua composição progressiva; e, no meio deles, elas formam quadro, exposição de conhecimentos, num sistema contemporâneo de si próprio. 

    O centro do saber, nos séculos XVII e XVIII, é o quadro. Quanto aos grandes debates que ocuparam a opinião, alojam- se muito naturalmente nas dobras dessa organização. 

    Pode-se perfeitamente escrever uma história do pensamento na época clássica, tomando esses debates como pontos de partida ou como temas. Mas não se fará então mais que a história das opiniões, isto é, das escolhas operadas segundo os indivíduos, os meios, os grupos sociais; e é todo um método de inquirição que está implicado. 

    Se se quiser empreender uma análise arqueológica do próprio saber, então não são esses debates célebres que devem servir de fio condutor e articular o propósito. É preciso reconstituir o sistema geral de pensamento, cuja rede, em sua positividade, toma possível um jogo de opiniões simultâneas e aparentemente contraditórias. É essa rede que define as condições de possibilidade de um debate ou de um problema, é ela a portadora da historicidade do saber. 

    Se o mundo ocidental debateu-se para saber se a vida era apenas movimento ou se a natureza era bastante ordenada para provar Deus, não é porque um problema fora aberto; é porque, após ter dispersado o círculo indefinido dos signos e das semelhanças, e antes de organizar as séries da causalidade e da história, a epistémê da cultura ocidental abriu um espaço em quadro que ela não cessou de percorrer desde as formas calculáveis da ordem até a análise das mais complexas representações. 

    E desse percurso, percebe-se o sulco na superfície histórica dos temas, dos debates, dos problemas e das preferências de opinião. 

    Os conhecimentos atravessaram de ponta a ponta um “espaço de saber” que havia sido disposto de uma só vez, no século XVII, e que só devia ser encerrado 150 anos mais tarde. 

    Desse espaço em quadro, cumpre empreender agora a análise, lá onde ele aparece sob sua mais clara forma, isto é, 

    • na teoria da linguagem, 
    • da classificação 
    • e da moeda. 

    Objetar-se-á talvez que o simples fato de querer analisar, ao mesmo tempo e num só movimento, 

    • a gramática geral, 
    • a história natural 
    • e a economia, 

    reportando-as a uma teoria geral dos signos e da representação, supõe uma questão que só pode vir de nosso século. 

    Sem dúvida, a idade clássica, não mais que qualquer outra cultura, pôde circunscrever ou nomear o sistema geral de seu saber. Mas esse sistema foi suficientemente constringente para que as formas visíveis dos conhecimentos nele esboçassem por si próprias os seus parentescos, como se os métodos, os conceitos, os tipos de análise, as experiências adquiridas, os espíritos e finalmente os próprios homens se tivessem deslocado ao sabor de uma rede fundamental que definia a unidade implícita mas inevitável do saber. 

    Desses deslocamentos, a história mostrou mil exemplos. Trajeto tantas vezes percorrido entre a teoria do conhecimento, a dos signos e a da gramática: 

    Port-Royal deu 

    • sua Gramática em complemento e como que em seqüência natural
    •  da sua Lógica, 
    • à qual se liga por uma comum análise dos signos; 

    Condillac, Destutt de Tracy, Gerando articularam, uma com outra, a decomposição do conhecimento em suas condições ou “elementos” e a reflexão sobre esses signos de que a linguagem só constitui a aplicação e o uso mais visíveis. 

    Trajeto também entre a análise da representação e dos signos e a da riqueza; 

    • Quesnay, o fisiocrata, escreveu um artigo “Evidência” para a Enciclopédia; 
    • Condillac e Destutt colocaram na linha de sua teoria do conhecimento e da linguagem a do comércio e da economia que tinha para eles valor de política e também de moral; 
    • sabe-se que Turgot escreveu o artigo “Etimologia” da Enciclopédia e o primeiro paralelo sistemático entre a moeda e as palavras; 
    • que Adam Smith escreveu, além de sua grande obra econômica, um ensaio sobre a origem das línguas. 

    Trajeto entre a teoria das classificações naturais e as da linguagem: 

    • Adanson não pretendeu somente criar uma nomenclatura ao mesmo tempo artificial e coerente no domínio da botânica; tinha em vista (e aplicou-a em parte) toda uma reorganização da escrita em função dos dados fonéticos da linguagem; 
    • Rousseau deixou, entre suas obras póstumas, elementos de botânica e um tratado sobre a origem das línguas. 

    Assim se delineava, como em pontilhado, a grande rede do saber empírico: a das ordens não-quantitativas. 

    E talvez a unidade recuada, mas insistente de uma Taxinomia universalis apareça com toda a clareza em Lineu, quando ele projeta encontrar, em todos os domínios concretos da natureza ou da sociedade, as mesmas distribuições e a mesma ordem(22). 

    O limite do saber seria a transparência perfeita das representações nos signos que as ordenam.

    V. A imaginação da semelhança

    Capítulo III. Representar; tópico V. A imaginação da semelhança

    Eis, pois, os signos, libertos de todo esse fervilhar do mundo onde o Renascimento os havia outrora repartido. 

    Estão doravante alojados no interior da representação, no interstício da ideia, nesse tênue espaço onde ela joga consigo mesma, decompondo-se e recompondo-se. 

    Quanto à similitude, só lhe resta agora sair do domínio do conhecimento. É o empírico sob sua mais rude forma; já não podemos “olhá-la como fazendo parte da filosofia”(19) a menos que seja desvanecida na sua inexatidão de semelhança e transformada pelo saber numa relação de igualdade ou de ordem. 

    E todavia, para o conhecimento, a similitude é uma indispensável moldura. Pois uma igualdade ou uma relação de ordem não pode ser estabelecida entre duas coisas, senão quando sua semelhança tenha sido ao menos a ocasião de compará-las: 

    • Hume colocava a relação de identidade entre aquelas, “filosóficas”, que supõem a reflexão; 
    • já a semelhança pertencia, para ele, às relações naturais, àquelas que constrangem nosso espírito segundo uma “força calma” mas inevitável(20). 

    “Que o filósofo se arrogue a precisão quando queira… ouso contudo desafiá-lo a dar um só passo em sua carreira sem a ajuda da semelhança. Que se lance um olhar sobre a face metafisica das ciências, mesmo as menos abstratas; e que me digam se as induções gerais que se tiram dos fatos particulares, ou, antes, se os próprios gêneros, as espécies e todas as noções abstratas podem formar-se de outro modo senão por meio da semelhança.”(21) 

    Na orla exterior do saber, a similitude é essa forma somente esboçada, esse rudimento de relação que o conhecimento deve recobrir em toda a sua extensão, mas que, indefinidamente, permanece por sob ele, à maneira de uma necessidade muda e indelével. 

    Como no século XVI, semelhança e signo se interpelam fatalmente. Mas de um modo novo. 

    Em vez de precisar de uma marca para que seja desvendado seu segredo, 

    a similitude é agora o fundo indiferenciado, movediço, instável, sobre o qual o conhecimento pode estabelecer suas relações, suas medidas e suas identidades. 

    Dupla reviravolta por conseguinte: 

    • porque é o signo e, com ele, todo o conhecimento discursivo que exigem um fundo de similitude, 
    • e porque não se trata mais de manifestar um conteúdo prévio ao conhecimento, mas de dar um conteúdo que possa oferecer um lugar de aplicação às formas do conhecimento. 

    Enquanto no século XVI a semelhança era a relação fundamental do ser consigo mesmo e a dobradura do mundo, 

    na idade clássica ela é a mais simples forma sob a qual aparece o que se deve conhecer e que está mais afastado do próprio conhecimento. 

    É por ela que a representação pode ser conhecida, isto é, comparada com as que podem ser similares, analisada em elementos (em elementos que lhe são comuns com outras representações), combinada com as que podem apresentar identidades parciais e distribuídas finalmente num quadro ordenado. 

    A similitude na filosofia clássica (isto é, numa filosofia da análise) desempenha um papel simétrico ao que a diversidade assegurará no pensamento crítico e nas filosofias do juízo. 

    Nessa posição de limite e de condição (aquilo sem o que e aquém do que não se pode conhecer), a semelhança se situa do lado da imaginação ou, mais exatamente, ela só aparece em virtude da imaginação, e a imaginação, em troca, só se exerce apoiando-se nela. 

    Com efeito, se se supõem, na cadeia ininterrupta da representação, impressões por mais simples que sejam, e se não houvesse entre elas o menor grau de semelhança, não haveria nenhuma possibilidade para que a segunda lembrasse a primeira, a fizesse reaparecer e autorizasse assim sua reapresentação no imaginário; as impressões se sucederiam na mais total diferença: tão total que não poderia sequer ser percebida, visto que uma representação jamais teria ensejo de se estabelecer num lugar, de ressuscitar outra mais antiga e de se justapor a ela para dar lugar a uma comparação; a tênue identidade necessária a toda diferenciação sequer seria dada. A mudança perpétua se desenrolaria sem referência na perpétua monotonia. 

    Mas, se não houvesse na representação o obscuro poder de tornar novamente presente uma impressão passada, nenhuma jamais apareceria como semelhante a uma precedente ou dessemelhante dela. 

    Esse poder de lembrar implica ao menos a possibilidade de fazer aparecer como quase semelhantes (como vizinhas e contemporâneas, como existindo quase da mesma forma) duas impressões, das quais uma porém está presente enquanto a outra, desde muito talvez, deixou de existir. 

    Sem imaginação não haveria semelhança entre as coisas. 

    Vê-se o duplo requisito. 

    É preciso que haja, nas coisas representadas, o murmúrio insistente da semelhança; 

    é preciso que haja, na representação, o recôndito sempre possível da imaginação. 

    E nem um nem outro desses requisitos pode dispensar aquele que o completa e lhe faz face. 

    Daí duas direções de análise que se mantiveram ao longo de toda a idade clássica e não deixaram de se aproximar, para finalmente enunciarem, na última metade do século XVIII, sua verdade comum na Ideologia. 

    • De um lado, encontra-se a análise que explica a reversão da série de representações num quadro inatual mas simultâneo de comparações: 

    análise da impressão, da reminiscência, da imaginação, da memória, de todo esse fundo involuntário que é como que a mecânica da imagem no tempo. 

    • De outro, há a análise que explica a semelhança das coisas – sua semelhança antes de sua ordenação, sua decomposição em elementos idênticos e diferentes, a repartição em quadro de suas similitudes desordenadas: 

    por que, pois, as coisas se oferecem numa imbricação, numa mistura, num entrecruzamento, em que sua ordem essencial está confusa, mas bastante visível ainda para que transpareça sob forma de semelhanças, de similitudes vagas, de ocasiões alusivas para uma memória alerta? 

    • A primeira série de problemas corresponde grosso modo à analítica da imaginação, como poder positivo de transformar o tempo linear da representação em espaço simultâneo de elementos virtuais; 
    • a segunda corresponde grosso modo à análise da natureza, com as lacunas, as desordens, que confundem o quadro dos seres e o dispersam numa seqüência de representações que, vagamente e de longe, se assemelham. 

    Ora, esses dois momentos opostos 

    • (um, negativo, da desordem da natureza nas impressões, 
    • outro, positivo, do poder de reconstituir a ordem a partir dessas impressões) 

    encontram sua unidade na ideia de uma “gênese”. 

    E isso de duas maneiras possíveis. 

    Ou o momento negativo (o da desordem, da vaga semelhança) é atribuído à própria imaginação que exerce então, por si só, uma dupla função: se ela pode, apenas pela duplicação da representação, restituir a ordem, é na medida justamente em que ela impediria de perceber diretamente, e na sua verdade analítica, as identidades e as diferenças das coisas. O poder da imaginação é tão-somente o reverso ou a outra face de sua falha. Ela está, no homem, na juntura da alma com o corpo. Com efeito, é aí que Descartes, Malebranche, Spinoza a analisaram, ao mesmo tempo como lugar do erro e poder de aceder à verdade mesmo matemática; nela reconheceram o estigma da finitude, quer como signo de uma queda fora da extensão inteligível, quer como marca de uma natureza limitada. 

    O momento positivo da imaginação, ao contrário, pode ser atribuído à semelhança turva, ao murmúrio vago das similitudes. É a desordem da natureza devida à sua própria história, a suas catástrofes, ou talvez simplesmente à sua pluralidade imbricada, que não é mais capaz de oferecer à representação senão coisas que se assemelham. De tal sorte que a representação, sempre acorrentada a conteúdos muito próximos uns dos outros, se repete, se recorda, dobra-se naturalmente sobre si, faz renascer impressões quase idênticas e engendra a imaginação. E nesse burburinho de uma natureza múltipla mas obscuramente e sem razão recomeçada, no fato enigmático de uma natureza que, antes de toda ordem, se assemelha a si mesma, que Condillac e Hume buscaram o liame entre a semelhança e a imaginação. 

    Soluções estritamente opostas, mas que respondem ao mesmo problema. 

    Compreende-se, em todo o caso, que o segundo tipo de análise tenha sido facilmente desenvolvido não fora mítica do primeiro homem (Rousseau) ou da consciência que desperta (Condillac) ou do espectador estranho jogado no mundo (Hume): essa gênese funcionava exatamente em lugar da própria Gênese. 

    Ainda uma observação. 

    Se as noções de natureza e de natureza humana tiveram na idade clássica uma certa importância, não é porque bruscamente se descobriu, como campo de pesquisas empíricas, essa potência surda, inesgotavelmente rica, a que se chama a natureza; não é também porque se isolou, no interior dessa vasta natureza, uma pequena região singular e complexa que seria a natureza humana. De fato, esses dois conceitos funcionam para assegurar a interdependência, o liame recíproco da imaginação e da semelhança. 

    Decerto que a imaginação não é, em aparência, senão uma das propriedades da natureza humana, e a semelhança um dos efeitos da natureza. 

    Mas, seguindo a rede arqueológica, que confere suas leis ao pensamento clássico, 

    • vê-se bem que a natureza humana se aloja nesse tênue extravasamento da representação que lhe permite se reapresentar 

    (toda a natureza humana está aí: apenas estreitada ao exterior da representação para que se apresente de novo, no espaço branco que separa a presença da representação e o “re” de sua repetição);

    • e que a natureza não é mais do que o inapreensível tumulto da representação que faz com que a semelhança seja aí sensível antes que a ordem das identidades seja visível. 

    Natureza e natureza humana permitem, na configuração geral da epistémê, o ajustamento da semelhança e da imaginação, que funda e torna possíveis todas as ciências empíricas da ordem.

    • No século XVI, a semelhança estava ligada a um sistema de signos; e era sua interpretação que abria o campo dos conhecimentos concretos. 
    • A partir do século XVII, a semelhança é repelida para os confins do saber, do lado de suas mais baixas e mais humildes fronteiras. Lá, ela se liga à imaginação, às repetições incertas, às analogias nebulosas. E, em vez de desembocar numa ciência da interpretação, implica uma gênese que ascende dessas formas rudes do Mesmo aos grandes quadros do saber desenvolvidos segundo as formas da identidade, da diferença e da ordem. 

    O projeto de uma ciência da ordem, tal como foi fundado no século XVII, implicava que fosse ele duplicado por uma gênese do conhecimento, como o foi efetivamente, e sem interrupção, de Locke à Ideologia.

    IV. A representação reduplicada

    Capítulo III. Representar; tópico IV. A representação reduplicada

    No entanto, a mais fundamental propriedade dos signos para a epistémê clássica não foi enunciada até o presente. 

    Com efeito, que o signo possa ser 

    • mais ou menos provável, 
    • mais ou menos afastado daquilo que significa, 
    • que possa ser natural 
    • ou arbitrário sem que sua natureza ou seu valor de signo seja afetado por isso – 

    tudo isso mostra bem que a relação do signo com seu conteúdo não é assegurada na ordem das próprias coisas. 

    A relação do significante com o significado se aloja agora num espaço onde nenhuma figura intermediária assegura mais seu encontro: ela é, no interior do conhecimento, o liame estabelecido entre 

    • a ideia de uma coisa 
    • e a ideia de uma outra. 

    A Lógica de Port-Royal o diz: 

    “O signo encerra duas idéias, uma da coisa que representa, outra da coisa representada; e sua natureza consiste em excitar a primeira pela segunda.”(16) 

    Teoria dual do signo, que se opõe sem equívoco à organização mais complexa do Renascimento; então, a teoria do signo implicava três elementos perfeitamente distintos: 

    • o que era marcado, 
    • o que era marcante 
    • e o que permitia ver nisto a marca daquilo; 

    ora, este último elemento era a semelhança – o signo marcava na medida em que era “quase a mesma coisa” que o que ele designava. 

    É esse sistema unitário e triplo que desaparece ao mesmo tempo que o “pensamento por semelhança”, e que é substituído por uma organização estritamente binária. 

    Mas há uma condição para que o signo seja realmente essa pura dualidade. Em seu ser simples de ideia ou de imagem ou de percepção, associada ou substituída a uma outra, o elemento significante não é signo. 

    Ele só se torna signo sob a condição de manifestar, além do mais, a relação que o liga àquilo que significa. 

    É preciso que ele represente, mas que essa representação, por sua vez, se ache representada nele. 

    Condição indispensável à organização binária do signo e que a Lógica de Port-Royal enuncia antes mesmo de dizer o que é um signo: 

    “Quando só se olha certo objeto como representando outro, a ideia que dele se tem é uma ideia de signo e esse primeiro objeto se chama signo.”(17) 

    A ideia significante se desdobra, porquanto à ideia que substitui outra se superpõe a ideia de seu poder representativo. 

    Acaso não haveria três termos: a ideia significada, a ideia significante e, no interior desta, a ideia de seu papel de representação? 

    Não se trata, porém, de um retorno sub-reptício a um sistema ternário. Trata-se antes de um desnível inevitável da figura com dois termos, que recua em relação a si mesma e vem alojar-se por inteiro no interior do elemento significante. 

    De fato, o significante tem por conteúdo total, por função total e por determinação total somente aquilo que ele representa: 

    • ele lhe é inteiramente ordenado e transparente; 
    • mas esse conteúdo só é indicado numa representação que se dá como tal, 
    • e o significado se aloja sem resíduo e sem opacidade no interior da representação do signo. 

    É característico que o exemplo primeiro de um signo que dá a Lógica de Port-Royal 

    • não seja nem a palavra, nem o grito, nem o símbolo, 
    • mas a representação espacial e gráfica – o desenho: mapa ou quadro. 

    É que, com efeito, o quadro só tem por conteúdo o que ele representa e, no entanto, esse conteúdo só aparece representado por uma representação. 

    A disposição binária do signo, tal como aparece no século XVII, substitui-se a uma organização que, de modos diferentes, era sempre ternária desde os estoicos e mesmo desde os primeiros gramáticos gregos; ora, essa disposição supõe que o signo é uma representação duplicada e reduplicada sobre si mesma. 

    Uma ideia pode ser signo de outra 

    • não somente porque entre elas pode estabelecer-se um liame de representação, 
    • mas porque essa representação pode sempre se representar no interior da ideia que representa. 

    Ou ainda porque, em sua essência própria, a representação é sempre perpendicular a si mesma: é, ao mesmo tempo, 

    • indicação e aparecer; 
    • relação a um objeto e manifestação de si. 

    A partir da idade clássica, o signo é a representatividade da representação enquanto ela é representável. 

    Isso tem conseqüências de grande peso. 

    Primeiramente, a importância dos signos no pensamento clássico. 

    Eles eram outrora meios de conhecer e chaves para um saber; são agora co-extensivos à representação, isto é, ao pensamento inteiro, alojam-se nele, percorrendo-o, porém, em toda a sua extensão: 

    • desde que uma representação esteja ligada a outra e represente em si mesma essa ligação, há signo; 
    • a ideia abstrata significa a percepção concreta donde ela foi formada (Condillac); 
    • a ideia geral é tão-somente uma ideia singular servindo de signos às outras (Berkeley); 
    • as imaginações são signos das percepções donde elas vieram (Hume, Condillac); 
    • as sensações são signos umas das outras (Berkeley, Condillac) 
    • e é possível finalmente que as próprias sensações (como em Berkeley) sejam os signos do que Deus nos quer dizer, o que delas faria como que os signos de um conjunto de signos. 

    A análise da representação e a teoria dos signos se interpenetram de modo absoluto: 

    • e no dia em que a Ideologia, no fim do século XVIII, se interrogar sobre o primado que é preciso dar à ideia ou ao signo, 
    • no dia em que Destutt reprovar Gerando por ter elaborado uma teoria dos signos antes de ter definido a ideia(18), 

    é que sua imediata interdependência já começará a anuviar-se e que a ideia e o signo cessarão de ser perfeitamente transparentes um ao outro.

    Segunda conseqüência: essa extensão universal do signo no campo da representação exclui até a possibilidade de uma teoria da significação. 

    Com efeito, interrogar-se sobre o que é a significação supõe que esta seja uma figura determinada na consciência. Mas, se os fenômenos nunca são dados senão numa representação que, em si mesma e por sua representatividade própria, é inteiramente signo, a significação não pode constituir problema. 

    Mais ainda, ela nem sequer aparece. 

    • Todas as representações são ligadas entre si como signos; 
    • em conjunto, formam como que uma imensa rede; 
    • cada uma na sua transparência se dá como o signo daquilo que ela representa; 
    • e todavia – ou, antes, por isso mesmo – nenhuma atividade específica da consciência pode jamais constituir uma significação. 

    É, sem dúvida, porque o pensamento clássico da representação exclui a análise da significação que nós, que só pensamos os signos a partir desta, temos tanta dificuldade, a despeito da evidência, em reconhecer que a filosofia clássica, de Malebranche à Ideologia, foi inteiramente uma filosofia do signo. 

    Não há sentido exterior ou anterior ao signo; nenhuma presença implícita de um discurso prévio que seria necessário restituir para trazer à luz o sentido autóctone das coisas. 

    Mas também não há ato constituinte da significação nem gênese interior à consciência. 

    É que entre o signo e seu conteúdo não há nenhum elemento intermediário e nenhuma opacidade. Os signos não têm, pois, outras leis, senão aquelas que podem reger seu conteúdo: toda análise de signos é, ao mesmo tempo e de pleno direito, decifração do que eles querem dizer. 

    Inversamente, a elucidação do significado nada mais será que a reflexão sobre os signos que o indicam. 

    Como no século XVI, “semiologia” e “hermenêutica” se sobrepõem. Mas de uma forma diferente. Na idade clássica, elas não se reúnem mais no terceiro elemento da semelhança; ligam-se neste poder próprio da representação de representar-se a si mesma. 

    Não haverá, pois, 

    • uma teoria dos signos 
    • diferente de uma análise do sentido. 

    Entretanto, o sistema concede certo privilégio à primeira sobre a segunda; 

    • como ela não dá ao que é significado uma natureza diferente da que concede ao signo, 
    • o sentido não poderá ser mais que a totalidade dos signos desenvolvida em seu encadeamento;
      • ele se dará no quadro completo dos signos. 

    Mas, por outro lado, a rede completa dos signos se liga e se articula de acordo com os cortes próprios ao sentido. O quadro dos signos será a imagem das coisas. Se o ser do sentido está inteiramente do lado do signo, o funcionamento está inteiramente do lado do significado. 

    É por isso que a análise da linguagem, de Lancelot a Destutt de Tracy, faz-se a partir de uma teoria abstrata dos signos verbais e na forma de uma gramática geral: 

    • mas ela toma sempre por fio condutor o sentido das palavras; 
    • é por isso também que a história natural se apresenta como análise dos caracteres dos seres vivos, mas que, mesmo artificiais, as taxinomias têm sempre o projeto de se ajustar à ordem natural ou de dissociar-se dela o menos possível; 
    • é por isso que a análise das riquezas faz-se a partir da moeda e da troca, mas que o valor é sempre fundado na necessidade. 

    Na idade clássica, a ciência pura dos signos vale como o discurso imediato do significado. 

    Enfim, última conseqüência que se estende, sem dúvida, até nós: a teoria binária do signo, a que funda, desde o século XVII, toda a ciência geral do signo, está ligada, segundo uma relação fundamental, a uma teoria geral da representação. 

    Se o signo é a pura e simples ligação de um significante com um significado (ligação que é arbitrária ou não, voluntária ou imposta, individual ou coletiva), de todo modo a relação só pode ser estabelecida no elemento geral da representação: o significante e o significado só são ligados na medida em que um e outro são (ou foram ou podem ser) representados e em que um representa atualmente o outro. 

    Era, pois, necessário que a teoria clássica do signo desse a si própria, como fundamento e justificação filosófica, uma “ideologia”, isto é, uma análise geral de todas as formas da representação, desde a sensação elementar até a ideia abstrata e complexa. 

    Era igualmente necessário que, reencontrando o projeto de uma semiologia geral, Saussure desse ao signo uma definição que pôde parecer “psicologista” (ligação de um conceito com uma imagem): é que, de fato, ele redescobria aí a condição clássica para pensar a natureza binária do signo.

    III. A representação do signo

    Capítulo III. Representar; tópico III. A representação do signo

    Que é um signo na idade clássica? 

    Pois o que mudou na primeira metade do século XVII e por longo tempo – talvez até hoje – 

    • é o regime inteiro dos signos, as condições sob as quais exercem eles sua estranha função; 
    • é aquilo que, dentre tantas outras coisas que sabemos ou que vemos, os erige de súbito como signos; 
    • é seu próprio ser. 

    No limiar da idade clássica, o signo deixa de ser uma figura do mundo; deixa de estar ligado àquilo que ele marca por liames sólidos e secretos da semelhança ou da afinidade. 

    O classicismo o define segundo três variáveis (11). 

    • A origem da ligação:
      • um signo pode ser natural (como o reflexo num espelho designa o que ele reflete) 
      • ou de convenção (como uma palavra, para um grupo de homens, pode significar uma ideia). 
    • O tipo da ligação:
      • um signo pode pertencer ao conjunto que ele designa (como a boa fisionomia que faz parte da saúde que ela manifesta) 
      • ou ser dele separado (como as figuras do Antigo Testamento são os signos longínquos da Encarnação e do Resgate). 
    • A certeza da ligação:
      • um signo pode ser tão constante que estamos seguros de sua fidelidade (é assim que a respiração designa a vida); 
      • mas ele pode ser simplesmente provável (como a palidez para a gravidez). 

    Nenhuma dessas formas de ligação implica necessariamente a similitude; 

    • o próprio signo natural não a exige: os gritos são os signos espontâneos, mas não análogos, do medo; 
    • ou ainda, como diz Berkeley, as sensações visuais são signos do tato instaurados por Deus e, no entanto, não se lhe assemelham de maneira alguma(12). 

    Essas três variáveis substituem a semelhança para definir a eficácia do signo no domínio dos conhecimentos empíricos. 

    1. Uma vez que é sempre certo ou provável, o signo deve encontrar seu espaço no interior do conhecimento. 

    No século XVI, considerava-se que os signos tinham sido depositados sobre as coisas para que os homens pudessem desvendar seus segredos, sua natureza ou suas virtudes; 

    • mas essa descoberta nada mais era que o fim último dos signos, a justificação de sua presença; 
    • era sua utilização possível, a melhor, sem dúvida; 
    • mas não tinham necessidade de ser conhecidos para existirem: mesmo se permanecessem silenciosos e se jamais alguém os percebesse, nada perdiam de sua consistência. 

    Não era o conhecimento mas a linguagem mesma das coisas que os instaurava na sua função significante. 

    A partir do século XVII, todo o domínio do signo se distribui entre o certo e o provável: isso quer dizer que não seria mais possível haver signo desconhecido, marca muda. 

    Não que os homens estejam de posse de todos os signos possíveis. Mas, sim, que só há signo a partir do momento em que se acha conhecida a possibilidade de uma relação de substituição entre dois elementos já conhecidos. 

    O signo não espera silenciosamente a vinda daquele que pode reconhecê-lo: ele só se constitui por um ato de conhecimento. 

    É aqui que o saber rompe seu velho parentesco com a divinatio. 

    Esta supunha sempre signos que lhe eram anteriores: de sorte que o conhecimento se alojava inteiramente na vaga de um signo descoberto, ou afirmado, ou secretamente transmitido. Tinha por tarefa fazer o levantamento de uma linguagem prévia distribuída por Deus no mundo; é nesse sentido que, por uma implicação essencial, ele adivinhava, e adivinhava o divino. 

    Doravante, é no interior do conhecimento que o signo começará a significar: é dele que tirará sua certeza ou sua probabilidade. 

    E, se Deus utiliza ainda signos para nos falar através da natureza, serve-se de nosso conhecimento e dos laços que se estabelecem entre as impressões, para instaurar no nosso espírito uma relação de significação. 

    Tal é o papel do sentimento em Malebranche ou da sensação em Berkeley: no juízo natural, no sentimento, nas impressões visuais, na percepção da terceira dimensão, são conhecimentos apressados, confusos, mas prementes, inevitáveis e constringentes, que servem de signos a conhecimentos discursivos, que nós, porque não somos puros espíritos, já não temos a prerrogativa ou a permissão de atingir por nós mesmos e apenas pela força de nosso espírito. 

    Em Malebranche e Berkeley, o signo gerido por Deus é a superposição sagaz e diligente de dois conhecimentos. Já não há aí divinatio – inserção do conhecimento no espaço enigmático, aberto e sagrado dos signos; mas um conhecimento conciso e concentrado em si mesmo: a centralização de uma longa seqüência de juízos na figura rápida do signo. 

    Vê-se também como, por um movimento de retorno, o conhecimento, que encerrou os signos no seu espaço próprio, poderá agora abrir-se à probabilidade: de uma impressão a outra, a relação será de signo a significado, isto é, uma relação que, como na sucessão, se desdobrará da mais fraca probabilidade à maior certeza. 

    “A conexão das idéias implica não a relação de causa a efeito mas somente a de um indício e de um signo à coisa significada. O fogo que se vê não é a causa da dor que sofro quando dele me aproximo: é o indício que me previne dessa dor.”(13) 

    O conhecimento que adivinhava, por acaso, signos absolutos e mais antigos que ele, 

    foi substituído por uma rede de signos construída passo a passo pelo conhecimento do provável. 

    Hume tornou-se possível. 

    2. Segunda variável do signo: a forma de sua ligação com o que ele significa. 

    Pelo jogo da conveniência, da emulação e sobretudo da simpatia, a similitude no século XVI triunfava do espaço e do tempo: pois competia ao signo reduzir e reunir. 

    Com o classicismo, ao contrário, o signo se caracteriza por sua essencial dispersão. O mundo circular dos signos convergentes é substituído por um desdobramento ao infinito. 

    Nesse espaço, o signo pode ter duas posições: 

    • ou faz parte, a título de elemento, daquilo que ele serve para designar; 
    • ou é dele real e atualmente separado. 

    Na verdade, essa alternativa não é radical; pois o signo, para funcionar, deve estar ao mesmo tempo inserido no que ele significa e dele distinto. 

    Com efeito, para que o signo seja o que é, é preciso que ele seja dado ao conhecimento ao mesmo tempo que aquilo que ele significa. Como observa Condillac, um som não se tornaria jamais para uma criança o signo verbal de uma coisa, se não tivesse sido ouvido pelo menos uma vez, no momento em que essa coisa é percebida(14). 

    Mas, para que um elemento de uma percepção possa tornar-se seu signo, não basta que dela faça parte; 

    • é preciso que seja distinguido a título de elemento e destacado da impressão global a que estava confusamente ligado; 
    • é necessário, pois, que esta seja dividida, que a atenção incida numa dessas regiões imbricadas que a compõem e que delas tenha sido isolada. 

    A constituição do signo é, pois, inseparável da análise. 

    • É seu resultado já que, sem ela, não poderia aparecer. 
    • É também seu instrumento, já que, uma vez definido e isolado, ele pode ser reportado a novas impressões; 
    • e aí, desempenha em relação a elas como que o papel de um crivo. 

    Porque o espírito analisa, o signo aparece. 

    Porque o espírito dispõe de signos, a análise não cessa de prosseguir. 

    Compreende-se por que de Condillac a Destutt de Tracy e a Gerando, a doutrina geral dos signos e a definição do poder de análise do pensamento se superpuseram exatamente numa única e mesma teoria do conhecimento. 

    Quando a Lógica de Port-Royal dizia que um signo podia ser inerente àquilo que ele designa ou dele separado, mostrava que o signo, na idade clássica, não é mais encarregado de tornar o mundo próximo de si e inerente às suas próprias formas, mas, ao contrário, de estendê-Io, de justapô-lo segundo uma superfície indefinidamente aberta e de prosseguir a partir dele o desdobramento sem termo dos substitutos com os quais o pensamos. É desse modo que o oferecemos ao mesmo tempo à análise e à combinatória, que o tornamos, de ponta a ponta, ordenável. 

    O signo no pensamento clássico não apaga as distâncias e não abole o tempo: ao contrário, permite desenrolá-los e percorrê-los passo a passo. Por ele, as coisas tornam-se distintas, conservam-se em sua identidade, desenlaçam-se e se ligam. 

    A razão ocidental entra na idade do juízo. 

    3. Resta uma terceira variável: a que pode assumir os dois valores da natureza e da convenção. 

    Sabia-se desde há muito – e bem antes do Crátilo – que os signos podem ser dados pela natureza ou constituídos pelo homem. 

    O século XVI também não o ignorava e reconhecia nas línguas humanas os signos de instituição. 

    Mas os signos artificiais só deviam seu poder à sua fidelidade aos signos naturais. Estes, de longe, fundavam todos os outros. 

    A partir do século XVII, dá-se um valor inverso à natureza e à convenção: 

    natural, o signo não é mais do que um elemento subtraído às coisas e constituído como signo pelo conhecimento. 

    Ele é, pois, prescrito, rígido, incômodo, e o espírito não pode assenhorar-se dele. Ao contrário, quando se estabelece um signo de convenção, pode-se sempre (e é preciso, com efeito) escolhê-lo de tal sorte que ele seja simples, fácil de lembrar, aplicável a um número indefinido de elementos, suscetível de se dividir ele próprio e de se compor; o signo de instituição é o signo na plenitude de seu funcionamento. 

    É ele que traça a divisória entre o homem e o animal; 

    • ele que transforma a imaginação em memória voluntária, 
    • a atenção espontânea em reflexão, 
    • o instinto em conhecimento racional(15). 

    Foi sua carência ainda que Itard descobriu no “Selvagem de Aveyron”. Desses signos de convenção, os signos naturais não passam do esboço rudimentar, o desenho longinquo que só será concluído pela instauração do arbitrário. Mas esse arbitrário é medido por sua função, e suas regras muito exatamente definidas por ela. 

    Um sistema arbitrário de signos deve 

    • permitir a análise das coisas nos seus mais simples elementos; 
    • deve decompor até a origem; 
    • mas deve também mostrar como são possíveis combinações desses elementos e permitir a gênese ideal na complexidade das coisas. 

    “Arbitrário” só se opõe a “natural” se se quiser designar a maneira como os signos foram estabelecidos. 

    Mas o arbitrário é também o crivo de análise e o espaço combinatório através dos quais a natureza vai se oferecer no que ela é ao nível das impressões originárias e em todas as formas possíveis de sua combinação. 

    Na sua perfeição, o sistema dos signos 

    • é essa língua simples, absolutamente transparente, que é capaz de nomear o elementar; 
    • é também esse conjunto de operações que define todas as conjunções possíveis. 

    A nossos olhos, 

    • essa busca da origem 
    • e esse cálculo dos agrupamentos 

    parecem incompatíveis, e nós os explicamos facilmente como uma ambiguidade no pensamento dos séculos XVII e XVIII. 

    O mesmo ocorre com o jogo entre o sistema e a natureza. De fato, não há para esse pensamento nenhuma contradição. Mais precisamente, existe uma disposição necessária e única que atravessa toda a epistémê clássica: 

    • é a pertença
      • de um cálculo universal
      • e de uma busca do elementar 
    • a um sistema que é artificial e que, por isso mesmo, pode fazer aparecer a natureza desde seus elementos de origem até a simultaneidade de todas as suas combinações possíveis. 

    Na idade clássica, servir-se de signos 

    • não é, como nos séculos precedentes, tentar reencontrar por sob eles o texto primitivo de um discurso afirmado, e reafirmado, para sempre; 
    • é tentar descobrir a linguagem arbitrária que autorizará o desdobramento da natureza no seu espaço, os termos últimos de sua análise e as leis de sua composição. 

    O saber não tem mais que desencravar a velha Palavra dos lugares desconhecidos onde ela se pode esconder; cumpre-lhe fabricar uma língua e que ela seja bem-feita – isto é, que, analisante e combinante, ela seja realmente a língua dos cálculos. 

    É possível agora definir os instrumentos que ao pensamento clássico prescreve o sistema dos signos. 

    • É ele que introduz no conhecimento a probabilidade, a análise e a combinatória, o arbitrário justificado do sistema. 
    • É ele que dá lugar ao mesmo tempo
      • à busca da origem 
      • e à calculabilidade; 
      • à constituição de quadros fixando as composições possíveis 
      • e à restituição de uma gênese a partir dos mais simples elementos; 
    • é ele que aproxima todo saber de uma linguagem e busca substituir todas as línguas por um sistema de símbolos artificiais e de operações de natureza lógica. 

    No nível de uma história das opiniões, tudo isso apareceria sem dúvida como uma imbricação de influências, em que seria necessário sem dúvida fazer aparecer a parte individual que cabe a Hobbes, Berkeley, Leibniz, Condillac, aos ideólogos. 

    Mas se se interroga o pensamento clássico ao nível do que arqueologicamente o tornou possível, percebe-se que a dissociação entre o signo e a semelhança no começo do século XVIII fez aparecer estas figuras novas que são a probabilidade, a análise, a combinatória, o sistema e a língua universal, não como temas sucessivos engendrando-se ou repelindo-se uns aos outros, mas como uma rede única de necessidades. 

    E foi ela que tornou possíveis essas individualidades a que chamamos Hobbes ou Berkeley ou Hume ou Condillac.

     
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    Michel Foucault 1926-1984

    A percepção da contaminação do pensamento com o qual pensamos, pela impossibilidade de fundar as sínteses na representação

    “Eis que nos adiantamos bem para além
    do acontecimento histórico que se impunha situar
    – bem para além das margens cronológicas
    dessa ruptura que divide, em sua profundidade,
    a epistémê do mundo ocidental
    e isola para nós o começo
    de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades.

    É que o pensamento que nos é contemporâneo
    e com o qual, queiramos ou não, pensamos,
    se acha ainda muito dominado
    pela impossibilidade,
    trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
    de fundar as sínteses no espaço da representação
    e pela obrigação
    correlativa, simultânea,

    mas logo dividida contra si mesma,
    de abrir o campo transcendental da subjetividade
    e de constituir inversamente,
    para além do objeto,
    esses “quase-transcendentais” que são para nós
    a Vida, o Trabalho, a Linguagem.”

    A nova forma de reflexão se instaura no pensamento em nossa cultura, o motor constituinte “dessa maneira moderna de conhecer empiricidades”

    “Instaura-se um tipo de reflexão
    bastante afastado do cartesianismo
    e da análise kantiana,
    em que está em questão,
    pela primeira vez,
    o ser do homem,
    nessa dimensão segundo a qual
    o pensamento
    se dirige ao impensado
    e com ele se articula.”

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
    tópico I. As novas empiricidades

    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. IX – O homem e seus duplos ;
    tópico V – O “cogito” e o impensado.

    • a impossibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé clássica.
    • essa impossibilidade de fundar as sínteses implica na seleção da visão de ‘operações’ e análise de valor no exato ponto de cruzamento entre o dado e o recebido, e para a primeira possibilidade de análise de valor. 
    • a possibilidade de fundar as sínteses [da empiricidade objeto da operação] no espaço da representação leva o pensamento para a epistemé moderna.
    • essa possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação implica em uma visão de ‘operações’ e análise de valor antes do ponto de cruzamento acima, o que leva o modelo para a segunda possibilidade de análise de valor.
    • essa forma de reflexão que se instaura no pensamento em nossa cultura exige duas coisas: 
      • o ‘ser do homem’;
      • o impensado e sua contrapartida no espaço da representação

    a percepção  dessa contaminação, dominação mesmo,
    do pensamento com o qual ‘queiramos ou não‘ pensamos,
    – hoje em dia, e aqui e agora –
    por configurações de pensamento
    com a possibilidade, e também
    com impossibilidade
    de fundar as sínteses – da empiricidade objeto – 
    no espaço da representação
    muda completamente os domínios e os lugares onde ocorrem as operações,
     as paletas de ideias ou elementos de imagem, assim como as estruturas e os relacionamentos entre eles.

    A primeira pedra de tropeço
    no caminho de Michel Foucault
    comparações feitas por Foucault de diferentes configurações de pensamento
    Uma operação, de pensamento, de produção, etc. com a paleta de ideias e a estrutura do pensamento moderno, de depois da descontinuidade epistemológica ocorrida no período 1775-1825, segundo Michel Foucault

    Há diferentes modelos
    que formulamos para 
    visões de ocorrências 
    no espaço-tempo x, y, z e t.

    Ao suspeitar
    da contaminação do pensamento
    – do nosso, daquele com o qual queiramos ou não pensamos –
    por essa impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, ele manifesta sua percepção de que de fato isso acontece em volta de nós e conosco.

    Esses modelos,
    diferentes em seus fundamentos,
    são usados juntos
    e/ou simultaneamente
    no mesmo domínio e ambiente 
    em um pensamento
    contaminado
    por duas epistemologias,
    ou por duas maneiras
    de conhecer
    aquilo que dizemos
    que conhecemos.

    Existem modelos,
    todos em uso atualmente,
    que podem ser agrupados
    em duas famílias:

    • aqueles com a possibilidade
    • e aqueles com a impossibilidade 

     de fundar as sínteses
     – da empiricidade objeto da operação-
    no espaço da representação.

    Essa a distinção entre modelos
      com e modelos sem essa possibilidade
    de fundar as sínteses
    [da empiricidade objeto da operação]
    no espaço da representação,
    que Michel Foucault faz sugere que analisemos os modelos de operações e de organizações existentes, isto é, nos modelos que usamos hoje, em busca de características de características, ou características de segunda ordem, pelas quais podem ser associados com o pensamento antes, depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825, oferecendo os necessários elementos para identificação.

    A figura na coluna do meio acima mostra a configuração do pensamento (o clássico,  de antes de 1775), com a impossibilidade de fundar as sínteses (da(s) empiricidade(s) objeto da operação) no espaço da representação.

    Clicando nessa figura, a animação mostrará as alterações em toda a configuração do pensamento, para levantar essa impossibilidade.

    A alteração se passa no lado direito da figura. 

    A primeira coisa que muda é o tipo de reflexão que se instaura. 

    Como decorrência, muda toda a paleta de ideias, ou elementos de imagem; 

    Muda ainda o perfil do pensamento em cada configuração: 

    • o referencial
        • a ordem pela ordem
        • dá lugar à utopia do não articulado;
    • os princípios organizadores
        • que eram Caráter e Similitude
        • passam a ser Analogia e Sucessão;
    • e os métodos,
        • que eram identidade e semelhança
        • passam a ser Análise e Síntese.

    Lista de posts

    II. As assinalações

    Capítulo II. A prosa do mundo; tópico II. As assinalações E, no entanto, o sistema não é fechado. Subsiste uma abertura: por ela, todo o

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    I. As quatro similitudes

    Capítulo II. A prosa do mundo; tópico I. As quatro similitudes Até o fim do século XVI, a semelhança desempenhou um papel construtor no saber

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    VI. Máthêsis e Taxinomia

    Capítulo III. Representar; tópico VI. Máthêsis e Taxinomia Projeto de uma ciência geral da ordem;  teoria dos signos analisando a representação;  disposição em quadros ordenados

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    V. A imaginação da semelhança

    Capítulo III. Representar; tópico V. A imaginação da semelhança Eis, pois, os signos, libertos de todo esse fervilhar do mundo onde o Renascimento os havia

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    Capítulo III. Representar; tópico IV. A representação reduplicada No entanto, a mais fundamental propriedade dos signos para a epistémê clássica não foi enunciada até o

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    Capítulo III. Representar; tópico III. A representação do signo Que é um signo na idade clássica?  Pois o que mudou na primeira metade do século

    Leia mais »

    dez (10) pontos para contextualização entre Prefácio e texto do livro
    'As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas'

    1. A Forma de Reflexão que se instaura em nossa cultura
    2. Proposição: o bloco padrão genérico e fundamental
    para construção de representações
    3. Princípios organizadores do pensamento de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
    4. O Conceito de verbo no pensamento clássico,
    o de antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
    5. O conceito de verbo no pensamento moderno, o de depois da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
    6. As duas sintaxes mencionadas por Foucault no Prefácio
    6.1 A sintaxe que autoriza a construção das frases
    6.2 A sintaxe que autoriza manter juntas
    as palavras e as coisas
    7. O princípio monolítico de trabalho de Adam Smith,
    de 1776
    8. O princípio dual de trabalho de David Ricardo,
    de 1817
    8.1 A importância de David Ricardo,

    Nosso roteiro (Michel Foucault) e nossa inspiração (Humberto Maturana)

    Influências e inspirações

    1 a influência de Vilém Flusser no livro ‘Filosofia da caixa preta’: 

    uso das funções reversíveis Imaginação e Conceituação para navegar, ida e volta, entre 

    textos ↔ imagens ↔ e ocorrências espacio-temporais; 

    e ainda, não menos importante

      • as imagens tradicionais, as imagens técnicas, as classes de abstrações que usamos cotidianamente;
    Vilém-Flusser-Portrait-008
    Vilém Flusser
    1920-1991

    2 as sugestões de Humberto Maturana nos livros: Cognição, Ciência e Vida cotidiana; Emoções e Linguagem na Educação e na Política; ‘De máquinas e de seres vivos’:

    objeções e propostas de mudança feitas por Maturana ao fazer dos pesquisadores em IA do MIT do final dos anos ’50, aceitação de algumas das críticas feitas, e aparentemente, uma alteração de rota;

    Humberto Maturana
    1928-

    3 a influência especialmente muito forte de Michel Foucault no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’:

    a descoberta de duas pedras de tropeço durante seu trabalho nesse livro, a saber:

      • uma impossibilidade (ainda em nossos dias) de fundar as sínteses no espaço da representação, presente no nosso pensamento cotidiano;
      • e uma obrigação de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os quase-transcendentais Vida(Biologia), Trabalho(Economia) e Linguagem(Filologia).
    Michel Foucault
    1926-1984

     

    A Figura 2 original de Maturana

    Figura 2 – Diagrama ontológico; Reflexões epistemológicas, do livro Cognição, Ciência e Vida cotidiana;
    pi Figura 2 – O explicar e a experiência; Linguagem, Emoções e Ética nos Afazeres Politicos,
    do livro Emoções e Linguagem na Educação e na Política

    Esquadrinhamento da Figura 2 de Maturana para ajustes

    A Figura 2 – Diagrama ontológico ou O explicar e a experiência, de Maturana 
    esquadrinhamento da figura com comentários e propostas de alterações
    usando o pensamento de Michel Foucault

     

    O circuito ida e volta possibilitado por funções
    Imaginação e Conceituação reversíveis

    classes de abstrações:
    Graus da abstração;
    Dimensões próprias a cada caso

    Roteiro e inspiração

     

    • Estar na linguagem segundo Humberto Maturana

      Estar na linguagem é uma coordenação de coordenações consensuais de ações

    • Pedra fundamental do pensamento de Maturana no início do seu trabalho

      A pedra fundamental do pensamento de Humberto Maturana

    HM foto 1

    Humberto Maturana Romesin
    1928 –

    • Um salto para fora do cartesianismo

      Salto para fora do cartesianismo: Vilém Flusser em Pensamento e Reflexão

    • As imagens tradicionais

    • As imagens técnicas, as construídas por aparelhos

      Imagem técnica – aquele tipo de imagem produzida por um aparelho.

    vilem

    Vilém Flusser
    1920-1991

    Fale conosco

    O sistema SIPOC/FEPSC

    O ontologia do sistema SIPOC/FEPSC

    - História, modo de ser fundamental das empiricidades,
    . o Circuito das trocas e o Lugar de nascimento do que é empírico
    . Pensamento conservador e pensamento progressista

    Posição relativa do par sujeito-objeto e o modelo de operações

    Aquém 

    história como sucessão de fatos
    tais como se sucederam

    História como sucessão de fatos tais como se sucederam

    Diante e Além

    história como alterações no ‘modo de ser fundamental’ das empiricidades

    História como mudança no 'modo de ser fundamental'

    Duas possibilidades de leitura de operações;
    duas origens de valor (interna e externa na linguagem) para representações

    Duas visões, duas leituras do fenômeno 'operações':
    sob o pensamento clássico, o de antes de 1775; (seta amarela)
    sob o pensamento moderno, o de depois de 1825 (seta vermelha)
    com duas amplitudes - duas abrangências muito diferentes

    Ciência e Tecnologia dependem da Filosofia e são funções das ferramentas de pensamento de que dispõe a configuração do pensamento utilizada em sua geração.

    Os três movimentos do pensamento segundo Vilém Flusser

    Usando o pensamento de Vilém Flusser:

    • Pensamento é um transformador do duvidoso em língua;
    • Filosofia, ou Reflexão, é texto produzido pelo pensamento ao voltar-se contra si mesmo para corrigir-se e renovar-se.
    • ciência, como o resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo, para compreendê-lo, é texto filosófico aplicado. 
    • e tecnologia, como resultado de um movimento do pensamento em direção ao mundo para modificá-lo, é texto científico aplicado; 

    Descontinuidades epistemológicas refletem conquistas humanas no pensamento e são aprimoramentos na maneira que usamos para conhecer.  Há portanto uma relação entre, de um lado, o modo como colocamos em marcha nosso desejo de transformar o duvidoso em língua a cada nível, e de outro lado, a filosofia que temos, e a Ciência que temos, ou a tecnologia de que dispomos. Filosofia, Ciência e Tecnologia são funções do como como vemos o mundo e as coisas.

    Michel Foucault (*) descreve uma descontinuidade epistemológica (uma alteração no modo como nos voltamos para o mundo para conhecer o que dizemos que conhecemos), e aponta com toda clareza diferentes jogos de ferramentas de pensamento ou estruturas conceituais, características de uma e de outra dessas epistemologias, de um e de outro lado desse evento. E aponta um período em nossa cultura ocidental, em que o pensamento esteve dominado por uma característica do período anterior.

    A solução de questões trazidas à luz por essa nova maneira de conhecer (a nova epistemologia) não poderão ser resolvidas se correspondentes ciência e tecnologia não forem desenvolvidas também.

    Pensamento conservador e progressista

    Acompanhando o trabalho arqueológico de Michel Foucault em direção a essa classe especial de saberes, a esse conjunto de discursos chamado de ciências humanas, vê-se que em certo período consolidou-se um tipo de pensamento em cuja configuração a etapa de construção de novas representações foi incorporada. Antes disso, essa etapa de construção da representação nova ficava fora do escopo do pensamento, e depois disso essa etapa permaneceu definitivamente incorporada.

    Para a configuração de pensamento que deixa fora do seu escopo a etapa de construção de novas representações a alternativa é conviver com tudo o que existe desde sempre e para sempre, tomando as coisas como pré-existentes e pertencentes ao Universo. Esse modo de pensar tem características de conservadorismo, enquanto aquela outra configuração do pensamento que inclui em seu escopo a geração de novas representações, as características de progressismo.

    Neste trabalho algumas – bastantes – características de uma e de outra dessas duas características de configurações do pensamento foram apresentadas o que de certa forma pode ser usado para qualificar com algo mais do que a qualidade ‘conservador’ um pensamento de direita; e com a qualidade ‘progressista’ um pensamento de esquerda, delineando com mais precisão uma e outra dessas configurações.

    (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

    Panorama visto desde meu posto de observação

    É real hoje, aqui, agora, e entre nós, a percepção – feita por Foucault – do domínio/contaminação do pensamento – ‘com o qual queiramos ou não pensamos‘ – pela impossibilidade de fundar as sínteses (do pensamento sobre a empiricidade objeto da operação) no espaço da representação(*).

    Esse tipo de pensamento dominante, aquele com a impossibilidade de fundar as sínteses, é ao mesmo tempo o tipo de pensamento que não inclui a operação de construção de novas representações. E a estrutura das operações sem essa etapa reforça essa impossibilidade. Nesse contexto modelos com e modelos sem essa impossibilidade são tratados como se variações sobre o mesmo tema fossem, e não produções do pensamento completamente diferentes.

    Estamos projetando e usando hoje, modelos para operações e organizações, de produção e outras, com o pensamento de exatos dois séculos atrás.

    Para que isso possa ser percebido pelo projetista de modelos em diversas áreas é necessário o rompimento das condições em que se dá essa contaminação e esse domínio de uma das configurações de pensamento sobre a outra, obliterando justamente aquela que corresponde a uma conquista humana no pensamento. Para que isso aconteça é necessário que seja atendido um requisito: a construção de um critério para identificação e comparação de modelos, e sua aplicação no caso presente.

    Daqui de onde vejo as coisas, é unânime a visão das coisas em termos de processo. Ninguém fala de nada além de processos: mapeia-se processos, otimiza-se processos, etc. etc. o que quer que seja, mas sempre processos. Sem que nos demos conta de como sejam as diferentes estruturas das operações em que tais ‘processos’ ocupam posição operacional. 

    Michel Foucault pode fornecer os elementos necessários para a construção desse critério. Nossa intenção aqui é destacar em Foucault o que pode ser usado para o estabelecimento de uma relação pensamento – e sua aplicação na modelagem de operações em organizações. 

    (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

    Cronologia do evento fundador da nossa modernidade no pensamento;
    linha de tempo com os períodos de contaminação do pensamento
    por configurações diferentes.

    uma cronologia da descontinuidade epistemológica de 1775-1825
    o evento fundador da nossa modernidade no pensamento
    Linha de tempo das conquistas humanas no pensamento e respectiva utilização prática

    Acoplamentos estruturais do sistema descrito no LD - o Explicar com Reformular: os internos e aqueles com o ambiente externo

    Diante e para Além do objeto

    Acoplamento estrutural interno:
    condições de possibilidade
    Acoplamento estrutural interno:
    pontos de acoplamento
    Acoplamento estrutural externo:
    parcial quando há diferenças nas estruturas
    • os domínios do Operar – retângulo vermelho; e do Suporte ao operar – domínio amarelo, que compõem o ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ parte do ‘Explicar com ‘Reformular’ a empiricidade objeto, durante o caminho da Construção da representação, são exemplo do primeiro acoplamento interno. Acoplamento semelhante ocorre durante o caminho do Instanciamento da representação.(*)

       

    • há ainda acoplamentos externos ‘por cima’, lateralmente, e por baixo da estrutura no LD da figura nos dois caminhos o da Construção e o do Instanciamento. O acoplamento externo ‘por cima’ depende da estrutura com a qual se dará acopamento, e pode ser parcial.

    Playground para projetistas de modelos: uma coleção de modelos de diversos tipos, para aplicação dos conceitos apresentados

    Uma coleção com mais de duas dúzias de modelos, (*) para descobrir com que tipo de pensamento foram feitos:

    • se COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; ou
    • ou se SEM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação

    (*) Proposta de metodologia para o planejamento e implantação de manufatura integrada por computador
    de Bremer, C. F. USP SC fev 1995; entre outras fontes

    Estruturas dos modelos, resultantes da utilização do referencial,dos princípios organizadores e dos métodos usados pelo pensamento, por segmento de modelos 

    Aquém do objeto

    Modelo de operações de Buffa e modelo de uma organização adaptado de Mauro Zilbovicius

    Diante do objeto

    Modelo de operações do Kanban e modelo de organização da Reengenharia

    Além do objeto

    Modelo de uma ciência humana Análise da produção como exemplo de qualquer outro modelo de ciência humana
    Estrutura matricial – Quadro de categorias clássico. Utilização de várias ordens ligeiramente diferentes em um mesmo modelo de operações.
    Estrutura hierárquica característica do objeto análogo composto substitutivo ao vislumbrado. Utilização de uma única ordem ao longo do modelo.
    Mesmas características dos modelos para o segmento Diante do objeto, mas aqui, com um modelo constituinte combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.

    O modelo 5W2H, de um lado, e de outro, o modelo de operações do Kanban
    e o modelo proposto no LD da Figura 2: usos diferentes para as mesmas ideias
    ou elementos de imagem envolvidos na formulação da proposição

    Aquém do objeto

    Diante e Além do objeto

    Modelo Provision Workbench, da Proforma
    Modelo de operações de produção do Kanban
    Modelo proposto para 'uma certa maneira de conhecer empiricidades'

    O exame dessas três figuras mostra que ideias, elementos de imagem, homônimos, podem ser usados de modo diferente em modelos feitos sob estruturas conceituais diferentes.

    No modelo 5W e 2H no lado esquerdo acima, o destaque dado pelo losango em vermelho é nosso. Não estava na figura original. A figura é organizada por um sistema de categorias composto pelas 7 perguntas 5W2H. 

    O modelo da produção do Kanban é sim-discriminativo com relação ao elemento componente do objeto da operação de produção, e é formulado como uma proposição instanciativa de um objeto previamente projetado, e portanto cuja representação foi anteriormente construída

    O modelo de operações de construção de representação para empiricidade objeto (LD da figura) é feito calcado no Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo; está evidenciada a formulação no formato de uma proposição. A origem de valor adotada está nas designações primitivas ( conjunto de operações de busca por origem, condições de possibilidade e de generalidade dentro de limites) e da linguagem de uso (o Repositório)

    O pensamento de outros grandes pensadores:
    John Dewey e seus dois modos de ver o mundo;
    Ilya Prigogine e o conceito de caos para a ciência moderna

    Diante do objeto

    Ver [homem e experiência] e [natureza] vistos juntos
    Os conceitos de caos, na ciência moderna;
    e de Arte como a formulação com leis e eventos

    As duas animações acima – a nosso ver – apenas mostram que tanto John Dewey na sua visão [homem] [experiência] e [natureza] juntos; quanto Ilya Prigogine  na sua visão do que seja caos na ciência moderna, estão pensando com uma configuração de pensamento COM a possibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação, o que não era comum para a ciência clássica, toda reversível.

    Sistema Formulador

    Aquém do objeto

    Modelo relacional de dados do Microsoft Project 4.0

    Diante do objeto

    Módulo central do Sistema Formulador

    O Sistema Formulador:

    É um ante-projeto de um sistema para gestão de projetos com estrutura conceitual consistente com o pensamento moderno. 
    O módulo principal do sistema é uma unidade lógica que relaciona entidades envolvidas na proposição enunciadora de operações, mantidas em banco de dados, e gera sistematicamente o modelo de operações. O Microsoft Project, então, importa o modelo gerado como se fosse próprio, e a gestão continua, agora com um modelo gramaticalmente correto e criteriosamente estruturado.

    Este é um ante-projeto de um sistema de gestão COM a possibilidade de fundar as sínteses do pensamento no espaço da representação; esse sistema pode evoluir para um sistema visual de gestão e outros aplicativos.

    Destaque para dois modelos existentes:
    1) LE, o SIPOC (FEPSC) do SixSigma; 2) LD e o Visão da PHD, da PHD Brasil
    e no centro, as diferenças entre eles

    Aquém do objeto

    O diagrama FEPSC (SIPOC) mostrando a estrutura

    diferenças

    Comparação

    Diante do objeto

    A Visão da PHD

    Comparação do modelo SIPOC ou FEPSC – SixSigma(*) com o modelo Visão da PHD(**) do ponto de vista das estruturas respectivas.
    A animação central mostra o que falta – estruturalmente – ao SixSigma para ter a estrutura do modelo da direita.

    (*) Gestão integrada de processos e da tecnologia da informação; capítulo Identificação, análise e melhoria de processos críticos Figura 3.1 Representação da FEPSC, de Roberto Gilioli Rotondaro
    Coordenadores: Fernando José Barbin Laurindo e Roberto Gilioli Rotondaro, Editora Atlas, jan/2006
    (**) A Visão da PHD, da empresa PHD Brasil

    O mapa de operações de produção do Kanban;
    e o mapa da organização segundo a Reengenharia

    Diante do objeto

    Modelo de operações
    do Kanban

    Modelo de operações do Kanban

    Mapa da organização
    segundo a Reengenharia

    Mapa da Reengenharia (modificado) e comentado

    Temos à esquerda, o modelo do Kanban com a referência (*) abaixo. e á direita, a Figura 7.1 do livro Reengenharia, referência (**) abaixo. São organizados sobre a proposição, e pertencem à configuração do pensamento moderno.  Você pode certificar-se  da veracidade dessas duas afirmativas neste ponto (17).

    (*) Artigo ‘A comparison of Kanban and MRP concepts for the control of Repetitive Manufacturing Systems’ de:
    James W. Rice da Western Kentucky University e Takeo Yoshikawa da Yolohama National University
    (**) Reengenharia – revolucionando a empresa: em função dos clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência 
    de Michael Hammer e James Champy

    Exemplos de modelos existentes, e muito usados,
    nas diferentes estruturas conceituais

    Aquém do objeto

    Diante do objeto

    Modelos de: operação de produção; e organização típica
    Modelos de: operação contábil/financeira e modelo de organização
    Modelos de: operação de produção do Kanban; e modelo de organização da Reengenharia

    Exemplos de modelos muito conhecidos para operações e para as organizações

    • operação: Operações de produção, de Elwood S. Buffa;
    • organização: adaptação de Organização típica.
    • operação: operação contábil financeira débito e crédito;
    • organização: Ativo, Passivo e Resultados.
    • operação: modelo do Kanban;
    • organização: mapa da reengenharia.

    A proposição como o bloco construtivo padrão  (Lego)
    fundamental para a construção de representações

    Aquém do objeto

    Proposição ausente
    do sistema Input-Output

    Diante do objeto

    A proposição no caminho
    da Construção da representação

    Além do objeto

    A proposição no caminho
    do Instanciamento da Representação

    ‘A proposição é, para a linguagem,
    o que a representação é para o pensamento:
    sua forma ao mesmo tempo mais geral e mais elementar porquanto, desde que a decomponhamos, não encontraremos mais o discurso, mas seus elementos como tantos materiais dispersos.’(*)

    “A língua é
    a mais complexa,
    a mais milagrosa,
    a mais estranha,
    a mais gigantesca e variada
    invenção humana.” (**)

    (*) As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

     


    (**) Frases de Millor Fernandes

    Os dois conceitos para o que seja um verbo:
    verbo Processo, e verbo Forma de produção

    Aquém do objeto
    verbo ‘Processo

    Verbo tratado como Processo

    Diante e Além do objeto
    verbo ‘Forma de produção’

    Verbo tratado como Forma de produção

    “A única coisa que o verbo afirma
    é a coexistência de duas representações; 
    por exemplo
    a do verde e da árvore,
    a do homem e da existência ou da morte. 

    É por isso que o tempo dos verbos
    não indica aquele em que
    as coisas aconteceram no absoluto, 
    mas um sistema relativo  
    de anterioridade
    ou simultaneidade 
    das coisas entre si.”
    (*)

    “O limiar da linguagem
    está onde surge o verbo.
    É preciso portanto 
    tratar esse verbo como um ser misto, 
    ao mesmo tempo palavra entre palavras,
    preso às mesmas regras 
    de regência
    e de concordância;
    e depois, em recuo em relação a elas todas, 
    numa região que não é aquela do falado 
    mas aquela donde se fala.
    Ele está na orla do discurso, na juntura entre 
    aquilo que é dito e aquilo que se diz; 
    exatamente lá onde os signos 
    estão em via de se tornar linguagem.
    (*)

    (*) As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IV – Falar; tópico III. Teoria do verbo

    Os dois conceitos para o que seja 'Classificar'

    Aquém do objeto

    Classificar como uma referência
    do visível a si mesmo

    Diante e Além do objeto

    Classificar como uma referência
    do visível ao invisível

    Classificar é referir
    o visível a si mesmo,
    encarregando um dos elementos
    de representar os outros.(*)

    Classificar é referir
    o visível ao invisível
    – como a sua razão profunda –
    e depois, alçar de novo dessa secreta arquitetura, em direção aos seus sinais manifestos, que são dados
    à superfície dos corpos.
    (*)


    (*) As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    cap. VII – Os limites da representação;
    tópico III. A organização dos seres; sub-item 3

    Os dois princípios filosóficos para o que seja de trabalho

    Aquém do objeto
    Adam Smith, de 1776(*)

    Princípio monolítico de trabalho
    de Adam Smith, de 1776

    Diante e Além do objeto
    David Ricardo, de 1817(**)

    Princípio dual de trabalho
    de David Ricardo, de 1817


    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas; 
    (*) Capítulo VII – Os limites da representação;
    tópico II. A medida do trabalho;


    As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    (**) Capítulo VIII- Trabalho, Vida e Linguagem;
    tópico II. Ricardo

    Elementos centrais em cada formulação por segmento do espectro

    Aquém do objeto
    PROCESSO

    Diante do objeto
    Forma de produção

    Além do objeto
    NEXO DA PRODUÇÃO

    Processo: elemento central
    no modelo de operação clássico
    Forma de produção: elemento central
    no modelo de operações moderno
    Nexo da produção: resultante da visão
    SSS da organização

    Em um pensamento mágico sobre a produção – nos moldes ‘varinha mágica de condão’ –  é possível desejar algo e, sem mais qualquer providência, vê-lo surgir à nossa frente depois do Plin!!! 

    Num ambiente de produção real, porém, nada é produzido sem um instrumento (laboratório piloto, fábrica) com o qual instanciar esse objeto na realidade. A estrutura SSS é isso: a modelagem das operações de produção do objeto desejado juntamente com as operações de produção do objeto – distinto deste – laboratório piloto, ou fábrica, subindo um nível estrutural e impondo como elemento central o Nexo da produção

    (*) As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo IV – Falar; tópico II. Gramática geral
    Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; I. As novas empiricidades

    Espaços Gerais do Saber
    em cada segmento do espectro

    Aquém do objeto

    Diante do objeto

    Além do objeto

    Espaço Geral do Saber Clássico
    Espaço Geral do Saber no pensamento Moderno
    Espaço interior do Triedro do Saber

    As mudanças nas configurações do pensamento promoveram reposicionamentos das positividades umas em relação às outras, resultando em três espaços gerais do saber.(*)

    (*) As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo III – Representar; tópico VI. Mathésis e Taxinomia;
    Capítulo X – As ciências humanas; tópico I – O triedro dos saberes; 
    de Michel Foucault

    O tempo em cada uma das faixas do espectro;
    e para as diferentes etapas das operações indicadas

    Aquém
    do objeto
    qualquer operação

    Diante 
    do objeto
    caminho da Construção 

    Diante 
    do objeto
    caminho da Instanciamento

    Tempo no LE, em qualquer operação no sistema Input-Output, sob o deus Chronos
    Tempo LD, operação no caminho da Construção da representação,
    sob o deus Kairós
    Tempo LD, operação no caminho do Instanciamento da representação,
    novamente sob o deus Chronos

    Tempo, em cada um dos segmentos do espectro, muda:

    • aquém do objeto, na estrutura input-output sob o pensamento clássico, temos um tempo relativo, ou um tempo calendário, cujo deus é Chronos;
    • diante do objeto mas no caminho da Construção da representação, sob o pensamento filosófico moderno, temos um tempo absoluto, um tempo não-calendário, cujo deus é Kairós;
    • e ainda diante, e também além do objeto, tempos um tempo que volta a ser relativo, calendário, e a soberania volta a ser a de Chronos.

    O espaço dado ao homem - 'naquilo que ele tem de empírico' -
    na estrutura dos modelos

    Aquém do objeto

    Diante e Além do objeto

    Sistema clássico de pensamento:
    sem espaço em sua estrutura
    para os dois papéis do homem.
    Os dois papéis do homem
    presentes e operativos na estrutura
    d'essa maneira moderna de conhecer empiricidades'

    Antes do fim do século XVIII,
    o homem não existia. (…)
    Sem dúvida,
    as ciências naturais trataram do homem
    como de uma espécie ou de um gênero.”

    As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
    Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico II. O lugar do rei

    ‘Na medida, porém, em que as coisas giram sobre si mesmas, reclamando para seu devir não mais que o princípio de sua inteligibilidade e abandonando o espaço da representação, o homem, por seu turno, entra e pela primeira vez,
    no campo do saber ocidental’ (*)

    “O modo de ser do homem, tal como se constituiu no pensamento moderno, permite-lhe desempenhar dois papéis: está, ao mesmo tempo, 

    • no fundamento de todas as positividades,
    • presente, de uma forma
      que não se pode sequer dizer privilegiada,
      no elemento das coisas empíricas.” (**)

     (*) As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas; 
    Prefácio

    (**) As palavras e as coisas:
    uma arqueologia das ciências humanas;  
    Capítulo X – As ciências humanas;
    I. O triedro dos saberes

    Desenvolvimento das operações
    por segmento do espectro de modelos

    Aquém do objeto

    Diante do objeto

    Além do objeto

    • no sistema Input-Output; usando uma ordem arbitrariamente escolhida;
    • e com propriedades não-originais e não-constitutivas das coisas, as chamadas ‘aparências’;
    • No sistema correspondente ao que Foucault chama de ‘essa maneira moderna de conhecer empiricidades’, que tem como elemento construtivo padrão fundamental a proposição, da qual herda as categorias de ideias ou elementos de imagem de primeiro nível;
    • e com propriedades sim-originais e sim-constitutivas daquilo que se constitui na existência em decorrência das operações.
    • No sistema formulado no campo das ciências humanas, com modelos constituintes compostos por uma combinação dos modelos constituintes das ciências que integram a região epistemológica fundamental, as ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem.
    • Nexo da operação.

    Veja mais detalhes nas animações que podem ser encontradas nas páginas de detalhe deste tópico.

    Funcionamento do pensamento
    em cada um dos segmentos desse espectro

    Antes do objeto

    Diante do objeto

    Além do objeto

    Operação no sistema Input-Output
    sobre representações pré-existentes
    Operação de construção de representação não existente no repositório
    Operação de instanciamento de representação pré-existente no repositório

    Paletas com o conjunto completo de ideias ou elementos de imagem necessários para a formulação das respectivas imagens das ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t ; incluindo relacionamentos entre esses elementos de imagem.(*)

    (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem;
    tópico I. As novas empiricidades, de Michel Foucault

    Estruturas de conceitos em cada ambiente de formulação identificado pela possibilidade ou pela impossibilidade de fundar as sínteses no espaço da representação

    Posição em relação ao par sujeito-objeto

    Estrutura conceitual
    para o pensamento clássico
    Estrutura conceitual
    para o pensamento moderno

    Referencial:

    • Ordem pela ordem;

    Princípios organizadores: 

    • Caráter e similitude;

    Métodos:

    • Identidade e semelhança

    Referencial:

    • Utopia;

    Princípios organizadores: 

    • Analogia e Sucessão;

    Métodos:

    • Análise e Síntese

    ‘Assim, estes três pares,
    função-norma,
    conflito-regra,
    significação-sistema,

    cobrem, por completo,
    o domínio inteiro
    do conhecimento do homem.'(*)

    São essas as ferramentas de que se arma o pensamento – em cada segmento do espectro de modelos, para produzir as imagens que servem de mapas, para orientação na construção das representações.

    (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

    Imaginação e Conceituação - funções humanas reversíveis:
    Imagens tradicionais e Técnicas

    Imagens tradicionais

    Imagens técnicas

    Classes de abstrações

    As imagens tradicionais
    Imagens técnicas, as imagens produzidas por aparelhos (computadores)
    Classes de abstrações
    • Imaginação e Conceituação, funções humanas reversíveis que todos temos para codificar e decodificar imagens tradicionais e textos;
      • idolatria é o uso continuado de imagens que, quando decodificadas, não mais nos levam à visão da ocorrência no espaço-tempo x, y, z e t, isto é, imagens que não mais nos servem de guias para o mundo, mas de biombos;
      • textolatria é o uso continuado de textos que, quando decodificados, não mais nos levam às imagens que fizemos para as ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t
    • e as Imagens técnicas, especiais, aquelas imagens produzidas por aparelhos (computadores em destaque); as Imagens técnicas exigem, para seu entendimento, uma Conceituação especial.(*)

    (*) Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia;
    Capítulos I – A imagem; e II – A imagem técnica,
    de Vilém Flusser 

    Modelos constituintes de modelos
    em cada uma das faixas desse espectro

    Posição relativa modelo de operações - sujeito-objeto

    Aquém

    não há modelos constituintes nesse segmento do espectro, já que, pelos pressupostos adotados (Universo, realidade única) nada é constituído na existência em decorrência das operações feitas

    Diante

    modelo constituinte composto pelo par constituinte correspondente ao campo em que o modelo é formulado, tomados isoladamente em cada área: 

    • Vida (Biologia) –
      [função-norma]; 
    • Trabalho (Economia) –
      [conflito-regra]; 
    • Linguagem (Filologia)- [significação-sistema]

    para Além

    campo das Ciências Humanas com modelos constituintes formados por uma combinação dos três pares constituintes das ciências da Vida, do Trabalho e da Linguagem, tomados todos em conjunto em cada modelo, dada ênfase a uma das áreas das ciências da região epistemológica fundamental

    (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
    Capítulo X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos

     

    O espectro de modelos, segundo essa possibilidade de sim-fundar, ou não-fundar, as sínteses no espaço da representação: Aquém, Diante e para Além do objeto - os segmentos do espectro de modelos de visões de ocorrências no espaço-tempo x, y, z e t

    O modo como Foucault descreve o problema que encontrou em seu trabalho pode ser mapeado em um espectro de modelos agrupados segundo os dois fatores por ele percebidos:  fator 1, com duas regiões quanto à fundação das sínteses na representação e com três regiões quanto à posição relativa ao objeto e ao sujeito: 
    Aquém, Diante e para Além do objeto. 

    Fundação das sínteses no espaço da representação

    Impossibilidade

    Possibilidade

    Aquém

    do objeto
    (e do sujeito)

    Diante

    do objeto
    (e do sujeito)

    para Além

    do objeto
    (e do sujeito)

    Fator 1 – o domínio/contaminação do pensamento com o uso simultâneo de configurações de pensamento 

    • com a  impossibilidade 
    • e também com a possibilidade,

    de fundar as sínteses da representação da empiricidade objeto, no espaço da representação’; com duas regiões em um espectro de modelos:

    Fator 2 – dar conta da obrigação correlativa (…) de abrir o campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, os “quase-transcendentais”

    com as seguintes regiões no espectro de modelos:

     1. região do espectro: ‘Aquém do objeto’ (na impossibilidade);

     2. região do espectro: ‘Diante do objeto’ (na possibilidade)

      • da Vida, (Biologia) par constituinte função-norma
      • do Trabalho, (Economia) par conflito-regra
      • e da Linguagem. (Filologia) par significação-sistema

     3. região do espectro: ‘para Além do objeto’, (na possibilidade) e no campo das ciências humanas, no espaço interior do triedro dos saberes.

    outra região no espectro de modelos, com modelo constituinte único composto dos três pares constituintes das três regiões epistemológicas fundamentais

    - A pedra de tropeço no caminho de Michel Foucault e
    - Os caminhos (e alterações de rota) de Maturana

    Michel Foucault
    1926-1984

    “É que o pensamento que nos é contemporâneo e com o qual, queiramos ou não, pensamos, se acha ainda muito dominado 

    • pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII, de fundar as sínteses [da empiricidade objeto do pensamento] no espaço da representação;
    • e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
      de abrir o 
      campo transcendental da subjetividade e de constituir inversamente, para além do objeto, esses “quase-transcendentais” que são para nós a Vida, o Trabalho, e a Linguagem.”  (*)
    Humberto Maturana
    1928-

    “Substituir 

    • a noção de input-output 
    • pela de acoplamento estrutural 

    foi um passo importante na boa direção por evitar a armadilha da linguagem clássica de fazer do organismo um sistema de processamento de informação.
    (…) Contudo é uma formulação fraca por não propor uma alternativa construtiva e deixar a interação na bruma de uma simples perturbação. (…) Frequentemente se tem feito a crítica de que a autopoiese leva a uma posição solipsista. (**)

    (*) As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; capítulo VIII – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico: I. As novas empiricidades
    (**) De máquinas e de seres vivos: autopoiese – a organização do vivo; Prefácio à segunda edição; tópico Além da autopoiese; sub-tópico: Enacção e cognição, de Francisco José Garcia Varela

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    Modelo descritivo da produção clássico

    Paleta de ideias ou elementos de imagem
    presentes na configuração de pensamento clássico

    Paleta de ideias ou elementos de imagem presentes na
    configuração de pensamento moderno caminho Construção