Página de passagem para Sanfona

Veja essa história em uma animação que está em 

Uma história do nascimento do livro ‘As palavras e as coisas, 
contada pelo próprio autor no Prefácio

A ideia aqui é sobrepor o texto dessa historinha a uma imagem em que estão representadas as duas estruturas exigidas pelos modelos de operações em dois perfis 

  • o texto de Borges, que deu origem ao livro, associado a uma heterotopia e ao pensamento clássico;
  • efeitos desse texto sobre as familiaridades do pensamento que tem a nossa idade e a nossa geografia abalando todos os planos e todas as superfícies ordenadas que tornam para nós sensata a profusão dos seres; e fazendo vacilar e inquietando por muito tempo, nossa prática milenar do Mesmo e do Outro;
  • associação da Utopia ao pensamento moderno (o impensado organizando as operações)
  • o texto da Enciclopédia chinesa uma taxinomia sob o pensamento clássico;
  • o limite do nosso pensamento: a impossibilidade de pensar isso. 
  • Que coisa é impossível pensar? e de que impossibilidade se trata?
  • a desordem pior que aquela do incongruente, ou da aproximação daquilo que não convém:
    • seria a utilização de um grande número de ordens possíveis na dimensão sem lei nem geometria do heteróclito;
  • o consolo das Utopias;
  • a inquietação causada pelas heterotopias;
    • porque solapam secretamente a linguagem;
    • porque impedem de nomear as coisas, porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, 
    • porque arruínam de antemão a sintaxe
      • e não somente a sintaxe que constrói as frases
      • também aquela sintaxe, menos manifesta, que autoriza manter juntas, ao lado e em frente umas das outras, as palavras e as coisas.
Neste trabalho mostramos como essas coisas mencionadas nesse texto se relacionam com modelos de operações, e também modelos de organizações.
Colocamos ao fundo da narrativa desse texto do Prefácio as diferentes configurações do pensamento em modelos de operações e de organizações, e como vão se alterando à medida que a narrativa prossegue.

Em nenhum momento Foucault solicita ao seu leitor que faça um ato de fé no que ele diz.
Foucault argumenta sempre, a partir de dados levantados quanto ao modo de ser do pensamento em uma vasta plêiade de autores contemporâneos às mudanças. 

Foucault via no conjunto de teorias, modelos e sistemas em nossa cultura, um espectro de modelos com três segmentos, que decorre dessa visão, e que aponta para o futuro; e que lhe sugeria a necessidade de distinções entre esses diferentes modos de ser do pensamento, e todo o trabalho com a arqueologia feita no ‘As palavras e as coisas’: 

“Eis que nos adiantamos bem para além do acontecimento  histórico que se impunha situar – bem para além das margens cronológicas dessa ruptura que divide, em sua profundidade, a epistémê do mundo ocidental e isola para nós o começo de certa maneira moderna de conhecer as empiricidades. 

É que o pensamento que nos é contemporâneo 
e com o qual, queiramos ou não, pensamos, 
se acha ainda muito dominado 

  • pela impossibilidade, trazida à luz por volta do fim do século XVIII,
    de fundar as sínteses no espaço da representação.
  • e pela obrigação correlativa, simultânea, mas logo dividida contra si mesma,
    de abrir o campo transcendental da subjetividade
    e de constituir, inversamente, para além do objeto,
    esses quase-transcendentais que são para nós a Vida, o Trabalho, a Linguagem.

As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas (Cartilha); Capítulo 7 – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico I. As novas empiricidades

Veja isso em 

Os dois obstáculos, as duas pedras de tropeço, encontrados por Michel Foucault em seu caminho,

com especial destaque para o segundo obstáculo, a saber, o cumprimento da obrigação de abertura do campo transcendental da subjetividade constituindo, para além do objeto, o espaço em que habitam os modelos das ciências humanas.

Como se vê pelo ponto em que se insere na ‘Cartilha’ essa citação, o capítulo 7 de um trabalho em dez capítulos, quando escreveu esse trecho Foucault já tinha bem adiantado seu trabalho no ‘As palavras e as coisas’; nesse momento ele aponta dois obstáculos, duas pedras de tropeço que precisou enfrentar e que tiveram o poder de dilatar em muito o tempo necessário para fazer esse livro; ele via:  

    1. uma impossibilidade, a de fundar as sínteses [da representação para a empiricidade objeto de cada operação] no espaço da representação
    2. e uma obrigação a ser cumprida:
      a de abrir o campo transcendental da subjetividade
      e de constituir,
       inversamente, para além do objeto, 
      os quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem 

O espectro de modelos com três segmentos: AQUÉM, DIANTE e ALÉM do objeto

O espectro de modelos com três segmentos, que abriga teorias, modelos e sistemas desde o século XVII até o século XXI, usando essa análise de Michel Foucault decorre desse momento intenso de Foucault.   

    • AQUÉM do objeto – teorias, modelos e sistemas com a impossibilidade 
      de fundar as sínteses dos objetos das operações no espaço da representação;
    • DIANTE do objeto – teorias, modelos e sistemas sem essa impossibilidade, com a possibilidade
      de fundar as sínteses dos objetos das operações, no espaço da representação;
    • para ALÉM do objeto – teorias, modelos e sistemas nos quais 
      foi aberto o campo transcendental da subjetividade e foram constituídos 
      os “quase-transcendentais Vida, Trabalho e Linguagem
      estes, os modelos no domínio das ciências humanas. 

Veja isto em 

Cronologia da descontinuidade epistemológica ocorrida em nossa cultura entre 1775 e 1825

segundo Michel Foucault

De um lado e de outro dessa descontinuidade epistemológica temos:

  • antes de 1775 – pensamento clássico ou idade clássica do pensamento, com modelos com a (im)possibilidade de fundar as sínteses da empiricidade objeto da operação, no espaço da representação;
  • depois de 1825 – pensamento moderno ou a nossa modernidade no pensamento, com modelos com a possibilidade de fundar as sínteses da empiricidade objeto da operação, no espaço da representação.

Note que Adam Smith e David Ricardo estão posicionados em lados opostos com relação à fase de ruptura desse evento ao qual Foucault dá o status de evento fundador da nossa modernidade no pensamento.

Note ainda que todos os autores que formam a base do liberalismo clássico também estão posicionados por Foucault antes desse evento, em plena idade clássica.

eúdo da sanfona

“Instaura-se uma forma de reflexão, 
bastante afastada do cartesianismo e da análise kantiana, 
em que está em questão, pela primeira vez, 
o ser do homem, nessa dimensão segundo a qual 
o pensamento se dirige ao impensado 
e com ele se articula.”
 
Cartilha; Cap. 9. O homem e seus duplos; V – O “cogito” e o impensado

Nesse excerto da Cartilha, Foucault coloca na proposição:

  • o ser do homem (o sujeito)
  • dirigindo-se ao objeto, o impensado,  (atributo do predicado do sujeito). 

Nota: Nessa forma de reflexão que se instaura ‘ o ser do homem’ não se dirige ao intangível!  

Intangível é uma qualidade de algo e não faz parte das propriedades originais e constitutivas desse algo.

Essa forma de reflexão sim, dirige-se ao impensado, o objeto por inteiro, em relação ao qual o Pensamento pode muito. Pode descobrir suas propriedades originais e constitutivas, propriedades substantivas, e não adjetivas, aparências, como é o intangível.
(Ref. Entrevista de Jorge Forbes)

Ao contrário do impensado, que mediante articulação no pensamento patrocinada pelo sujeito, pode ganhar o espaço da representação, o intangível na maioria dos casos, permanece exatamente isso: intangível.  

Veja as bases de sustentação e essa forma de reflexão em   

Os  perfis das duas configurações do pensamento, segundo o pensamento de Michel Foucault:
e Os dois tipos de reflexão assumidos pelo pensamento

Essa forma de reflexão é consistente e está na base do Princípio Dual de Trabalho de David Ricardo.

Veja em imagens 

Os dois conceitos filosóficos para o que seja Trabalho, o de Adam Smith, de 1776 e o de David Ricardo, de 1817; veja também as diferenças entre esses dois conceitos, nas palavras de Michel Foucault

que ilustram essa forma de reflexão no depois da descontinuidade epistemológica, e a reflexão no período anterior.

Veja isso na página: 

Funcionamento das operações para as configurações do pensamento de antes e de depois da descontinuidade epistemológica ocorrida entre os anos de 1775 e 1825

veja também o tempo respectivamente para cada operação levando em conta, no pensamento moderno, as operações de Construção de representação nova, e as de Instanciamento de representação previamente existente.

Note que a amplitude da visão do fenômeno ‘operações’ é muito maior no pensamento filosófico moderno, o de depois de 1825. Neste caso a visão do fenômeno abrange a construção da representação para a empiricidade objeto, e também o instanciamento de representação previamente existente em um repositório de proposições explicativas da experiência formuladas de acordo com as regras da língua; enquanto que sob o pensamento clássico o fenômeno é visto apenas a partir da fase de instanciamento.

Veja que há uma correspondência entre as visões de operações no pensamento clássico e no princípio monolítico de trabalho de Adam Smith, de 1776, e pensamento moderno e o princípio dual de trabalho de David Ricardo, de 1817.

Certifique-se dessa correspondência visualizando as figuras feitas para os dois princípios de trabalho, o de Adam Smith e o de David Ricardo.

Os dois conceitos filosóficos para o que seja Trabalho: o de Adam Smith, de 1776, e o de David Ricardo, de 1817

a página que o link acima dá acesso mostra também as diferenças entre esses dois princípios de trabalho nas palavras de Michel Foucault. Mas por favor certifique-se de que essas diferenças apontadas por Foucault entre os dois princípios de trabalho correspondem também, e são consistentes, com

as duas possibilidades de leitura do fenômeno ‘operações’ com as duas origens da essência da linguagem (interna e externa), e correspondentes duas possibilidades de análise de valor;

Uma Anatomia ou uma Cartografia para modelos de operações segundo a configuração do pensamento:

  • pensamento clássico, o de antes de 1775;
    • não há construção de representações; 
    • domínio: do Discurso e da Representação;
    • elemento central: Processo
    • ordem: Quadro de simultaneidades com um Sistema de categorias. (pode ser múltipla, e de uso simultâneo).
  • pensamento moderno, o de depois de 1825;
    • caminho da Construção da representação;
      • Lugar do nascimento do que é empírico;
        • Lugar desde onde se fala: domínio do Pensamento e da Língua;
        • Lugar do falado: domínio do Discurso e da Representação.
      • elemento central: Forma de produção;
      • ordem: única, dada pelas regras da gramática da língua utilizada.
      • origens de valor
        • designações primitivas;
        • linguagem de ação ou de uso: Repositório
    • caminho do Instanciamento da representação;
      • domínio do Discurso e da Representação;
        • Mercado, ou Circuito onde ocorrem as trocas;
      • linguagem de ação ou de uso: Repositório.

Anatomia ou cartografia dos modelos: os diferentes lugares onde o pensamento acontece, em função do perfil de pensamento e do caminho no qual seguem as operações.

  • operação sob o pensamento clássico, antes de 1775
    • O circuito das trocas (Mercado), 
    • no interior do domínio do Discurso e da representação.
  • operação sob o pensamento moderno, depois de 1825
    • operação de Construção da representação: o Lugar de nascimento do que é empírico;
    • no interior de dois domínios
      • o domínio do Pensamento e da língua;
        • o Lugar desde onde se fala;
      • o domínio do Discurso e da representação.
        • o Lugar do falado.
  • o Circuito das trocas (Mercado) nas operações de instanciamento de representação anteriormente existente sob o pensamento moderno.

Veja uma coleção de conceitos chamados pelos mesmos nomes, mas consignificados muito distintos, sob o pensamento clássico e sob o moderno:

Conceitos homônimos mas com significados diferentes entre a configuração do pensamento na idade clássica e no pensamento moderno

  • 0. as duas leituras para o fenômeno ‘operações’, as duas origens para a essência da linguagem e correspondentes duas possibilidades de análise de valor;
  • 1. dois conceitos para o que seja um verbo;
  • 2. dois conceitos para o que seja ‘Classificar’;
  • 3. dois papéis atribuídos ao homem;
  • 4. dois tipos de reflexão assumidos pelo pensamento;
  • 5. duas sintaxes envolvidas na construção de representação nova;
  • 6. dois conceitos para História;
  • 7. dois espaços gerais do saber;
  • 8. dois conceitos para tempo;
  • 9. a proposição como bloco construtivo padrão fundamental e genérico para construção de representações.
  • 10. Tabela de propriedades das duas configurações do pensamento.

A análise das riquezas, junto com a gramática geral e a história natural, no pensamento clássico- o de antes de 1775, são contrapostas à análise da produção, filologia e biologia no pensamento de depois de 1825.

“Nem vida, nem ciência da vida na época clássica;
tampouco filologia.

Mas sim uma história natural, uma gramática geral.
Do mesmo modo,
não há economia política

porque, na ordem do saber,
a produção não existe.

Em contrapartida,
existe, nos séculos XVII e XVIII,

uma noção que nos permaneceu familiar,
embora tenha perdido para nós sua precisão essencial.
Nem é de “noção” que se deveria falar a seu respeito,
pois não tem lugar no interior
de um jogo de conceitos econômicos

que ela deslocaria levemente,
confiscando um pouco de seu sentido
ou corroendo sua extensão.

Trata-se antes de um domínio geral:
de uma camada bastante coerente
e muito bem estratificada,

que compreende e aloja, como tantos objetos parciais,
as noções de valor, de preço, de comércio, de circulação,
de renda, de interesse.


Esse domínio,

solo e objeto da “economia” na idade clássica,
é o da riqueza.

 Inútil colocar-lhe questões
vindas de uma economia de tipo diferente,

organizada, por exemplo,
em torno da produção ou do trabalho;

 inútil igualmente analisar seus diversos conceitos
(mesmo e sobretudo se seus nomes
em seguida se perpetuaram,

com alguma analogia de sentido),
sem levar em conta
o sistema em que assumem sua positividade.”

As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas;
Cap. 6 – Trocar; tópico I. A análise das riquezas

Sem fazer um alinhamento filosófico das ideias, das noções, para respectivamente cada período histórico em nossa cultura, o padrão é ficar com a análise de riquezas do pensamento filosófico clássico. (o que nem é difícil de perceber que é feito, em nosso meio)

O mínimo que somos chamados a fazer é esclarecer as razões pelas quais o conceito ‘riquezas’ é tão largamente utilizado; e as razões pelas quais Michel Foucault escreve “economia” assim, entre aspas, quando se refere ao período clássico.

As diferenças nas visões de ‘operações’ decorrentes do posicionamento do ponto de início de leitura do fenômeno, podem ser vistas em
E essas mudanças estão refletidas no tópico 
‘Uma anatomia ou uma Cartografia de modelos de operações em função da configuração do pensamento’
 
Para entender melhor os elementos de imagem 
  • ‘designações primitivas’
  • ‘linguagem de ação ou raiz’
que representam as origens de valor atribuído à proposição, veja nas palavras de Michel Foucault
Resumidamente, podemos ler operações posicionando o início da leitura desse fenômeno de duas maneiras diferentes:
  1. ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ colocado no  cruzamento da disponibilidade entre dois objetos intervenientes na operação de troca: o que é dado e o que é recebido, testando as condições de troca;
  2. ponto de início da leitura do fenômeno ‘operações’ antes da disponibilidade de um dos objetos, testando desta vez a permutabilidade futura desse objeto e não imediatamente as condições de troca.

O carregamento de valor na proposição em cada caso:

  1. valor é carregado diretamente na proposição desde dentro do espaço da representação;
  2. valor é carregado na proposição desde fora do espaço da representação, com origens de valor externas ao espaço da representação, provenientes de:
    1. designações primitivas;
    2. linguagem de ação ou raiz.

Operações calcadas no Princípio Dual de trabalho de David Ricardo têm valor carregado na proposição e por elas para as representações como no segundo caso acima.