I. Análise das riquezas

Capítulo VI - Trocar; tópico I. Análise das riquezas

  • Nem vida,
  • nem ciência da vida 

na época clássica;

  • tampouco filologia.

Mas sim

  • uma história natural,
  • uma gramática geral.

Do mesmo modo, não há

  • economia política

porque, na ordem do saber, [na época clássica]

  • a produção não existe. 

Em contrapartida, existe, nos séculos XVII e XVIII, uma noção que nos permaneceu familiar, embora tenha perdido para nós sua precisão essencial.

Nem é de “noção” que se deveria falar a seu respeito, pois não tem lugar no interior de um jogo de conceitos econômicos que ela deslocaria levemente, confiscando um pouco de seu sentido ou corroendo sua extensão.

Trata-se antes de um domínio geral: de uma camada bastante coerente e muito bem estratificada, que compreende e aloja, como tantos objetos parciais, as noções

  • de valor,
  • de preço,
  • de comércio,
  • de circulação,
  • de renda,
  • de interesse.

Esse domínio, solo e objeto da “economia” na idade clássica, é o da riqueza.

Inútil colocar-lhe questões vindas de uma economia de tipo diferente, organizada, por exemplo, em torno da produção ou do trabalho; 

inútil igualmente analisar seus diversos conceitos (mesmo e sobretudo se seus nomes em seguida se perpetuaram, com alguma analogia de sentido), sem levar em conta o sistema em que assumem sua positividade.

Isso equivaleria a

  • analisar o gênero segundo Lineu fora do domínio da história natural,
  • ou a teoria dos tempos de Bauzée sem levar em conta o fato de que a gramática geral era sua condição histórica de possibilidade.

É necessário, pois, evitar uma leitura retrospectiva que só conferiria à análise clássica das riquezas a unidade ulterior de uma economia política em via de se constituir às apalpadelas.

É deste modo, entretanto, que os historiadores das ideias têm costume de restituir o nascimento enigmático desse saber que, no pensamento ocidental, teria surgido todo armado e já perigoso na época de Ricardo e de J.-B. Say.

Supõem eles que uma economia científica se tornara durante muito tempo impossível 

graças a uma problemática puramente moral do lucro e da renda (teoria do preço justo, justificação ou condenação do interesse)

e, em seguida, por causa de uma confusão sistemática 

    • entre moeda e riqueza, 
    • valor e preço de mercado: 

dessa assimilação, o mercantilismo teria sido um dos principais responsáveis e a mais destacada manifestação.

Mas, pouco a pouco, o século XVIII teria assegurado as distinções essenciais e discernido alguns dos grandes problemas que a economia positiva, em seguida, não cessaria de tratar com instrumentos mais bem adaptados:

1. a moeda teria assim descoberto seu caráter convencional, ainda que não-arbitrário (e isso através da longa discussão entre os metalistas e os antimetalistas:

    • entre os primeiros, contar-se-iam Child, Petty, Locke, Cantillon, Galiani;
    • entre os outros, Barbon, Boisguillebert e sobretudo Law, depois, mais discretamente, após o desastre de 1720, Montesquieu e Melon);

2. ter-se-ia também começado – e isto é a obra de Cantillon – a distinguir, uma da outra, 

  • a teoria do preço de troca 
  • e a do valor intrínseco;

3. ter-se-ia discernido o grande “paradoxo do valor”, opondo à inútil carestia do diamante a barateza dessa água sem a qual não podemos viver (com efeito, é possível encontrar esse problema rigorosamente formulado por Galiani);

4. ter-se-ia começado, prefigurando assim Jevons e Menger, a vincular o valor a uma teoria geral da utilidade (que é esboçada em Galiani, em Graslin, em Turgot);

5. ter-se-ia compreendido a importância dos preços altos para o desenvolvimento do comércio (é o “princípio de Becher” retomado na França por Boisguillebert e por Quesnay);

6. enfim – e eis os fisiocratas – ter-se-ia encetado a análise do mecanismo da produção.

E assim, peça por peça, pedaço por pedaço, a economia política teria silenciosamente estabelecido seus temas essenciais, até o momento em que, retomando num outro sentido a análise da produção,

  • Adam Smith teria trazido à luz o processo da divisão crescente do trabalho,
  • Ricardo, o papel desempenhado pelo capital,
  • J.-B. Say, algumas das leis fundamentais da economia de mercado.

Desde então, a economia política teria começado a existir com seu objeto próprio e sua coerência interior. Na realidade, os conceitos 

  • de moeda,
  • de preço,
  • de valor,
  • de circulação,
  • de mercado

não foram pensados nos séculos XVII e XVIII a partir de um futuro que os esperava na sombra, mas, sim, sobre o solo de uma disposição epistemológica rigorosa e geral.

É essa disposição que sustenta, na sua necessidade de conjunto, a “análise das riquezas”.

Esta está para a economia política como a gramática geral para a filologia, como a história natural para a biologia.

E, assim como não se pode compreender

  • a teoria do verbo e do nome,
  • a análise da linguagem de ação,
  • a das raízes e de sua derivação,
    • sem se referir, através da gramática geral, a essa rede arqueológica que as torna possíveis e necessárias,

assim como não se pode compreender, sem demarcar o domínio da história natural, o que foram

  • a descrição,
  • a caracterização e a taxinomia clássicas,
  • tanto quanto a oposição entre
    • sistema e método, 
    • ou “fixismo” e “evolução”,

assim também não seria possível encontrar o liame de necessidade que enlaça

  • a análise da moeda,
  • dos preços,
  • do valor,
  • do comércio,

se não se trouxesse à luz esse domínio das riquezas que é o lugar de sua simultaneidade.

Sem dúvida, a análise das riquezas não se constituiu segundo os mesmos meandros nem ao mesmo ritmo que a gramática geral ou que a história natural.

É que a reflexão sobre a moeda, o comércio e as trocas está ligada a uma prática e a instituições.

Mas, se for possível opor a prática à especulação pura, ambas, de todo modo, repousam sobre um único e mesmo saber fundamental.

Uma reforma da moeda, um uso bancário, uma prática comercial podem bem se racionalizar, se desenvolver, se manter ou desaparecer segundo formas próprias; mas estão sempre fundados sobre certo saber: saber obscuro que não se manifesta por si mesmo num discurso, mas cujas necessidades são igualmente as mesmas para as teorias abstratas ou as especulações sem relação aparente com a realidade.

Numa cultura e num dado momento, nunca há mais que uma epistémê, que define as condições de possibilidade de todo saber. 

Tanto aquele que se manifesta numa teoria quanto aquele que é silenciosamente investido numa prática.

A reforma monetária prescrita pelos Estados Gerais de 1575, as medidas mercantilistas ou a experiência de Law e sua liquidação têm o mesmo suporte arqueológico que as teorias de Davanzatti, de Bouteroue, de Petty ou de Cantillon.

E são essas necessidades fundamentais do saber que é preciso fazer falar.