Insistindo com 4 citações de Foucault e comentários

Insistindo com Christian, com 4 citações de Foucault

Insisto em que leia o comentário que fiz sobre os objetos dos temas abordados nos vídeos Falando nisso 150 e 254, buscando estabelecer entre eles um paralelo. Faço isso antes de tudo pelo seu trabalho, pela sua capacidade de comunicação com as pessoas, pela seriedade que todo esse seu comportamento me transmite. 

Eu vejo o ‘As palavras e as coisas’ um livro seminal. Quem lê esse livro e entende o que nele é dito, não volta mais a ser o mesmo depois disso.

Isso significa entre outras coisas o seguinte:

Há uma unanimidade na utilização frequente de certas ideias quando se trata de modelos sócio-econômico-políticos: Mercado, Processo, Riquezas são largamente usados.

Mas ‘em Foucault’ como dizem os acadêmicos, 

  • Mercado nos remete imediatamente ao ‘Circuito das trocas’; 
  • Processo nos remete a um tipo de verbo que atua sobre um sistema relativo de anterioridade ou simultaneidade  das coisas entre si – a famosa estrutura Input-Output; 
  • e Riquezas nos remete não a um conceito mas a um domínio confuso que abrange uma quantidade de conceitos todos sob o pensamento clássico, o de antes de 1775.

E há uma outra unanimidade, agora da não utilização de outros conceitos: Lugar de nascimento do que é empírico, Forma de produção, a estrutura de conceitos do pensamento moderno, o de depois de 1825 que integram a Análise da produção.

Lugar de nascimento do que é empírico; Forma de produção; Análise da produção 

Dou a palavra a Michel Foucault em quatro passagens desse grande livro e depois comento rapidamente:

  1. “Antes do fim do século XVIII, o homem não existia. Não mais que a potência da vida, a fecundidade do trabalho ou a espessura histórica da linguagem. (…) Certamente poder-se-ia dizer que a gramática geral, a história natural, a análise das riquezas eram, num certo sentido, maneiras de reconhecer o homem, mas é preciso discernir. Sem dúvida, as ciências naturais trataram do homem como de uma espécie ou de um gênero: a discussão sobre o problema das raças, no século XVIII, o testemunha.” IX – O homem e seus duplos; tópico II – O lugar do rei
  2. “Nem vida, nem ciência da vida na época clássica; tampouco filologia. Mas sim uma história natural, uma gramática geral. Do mesmo modo, não há economia política porque, na ordem do saber, a produção não existe. Em contrapartida, existe, nos séculos XVII e XVIII, uma noção que nos permaneceu familiar, embora tenha perdido para nós sua precisão essencial. Nem é de “noção” que se deveria falar a seu respeito, pois não tem lugar no interior de um jogo de conceitos econômicos que ela deslocaria levemente, confiscando um pouco de seu sentido ou corroendo sua extensão. Trata-se antes de um domínio geral: de uma camada bastante coerente e muito bem estratificada, que compreende e aloja, como tantos objetos parciais, as noções de valor, de preço, de comércio, de circulação, de renda, de interesse. Esse domínio, solo e objeto da “economia” na idade clássica, é o da riqueza. Inútil colocar-lhe questões vindas de uma economia de tipo diferente, organizada, por exemplo, em torno da produção ou do trabalho; inútil igualmente analisar seus diversos conceitos (mesmo e sobretudo se seus nomes em seguida se perpetuaram, com alguma analogia de sentido), sem levar em conta o sistema em que assumem sua positividade. Cap. 6 – Trocar; tópico I – A análise das riquezas
  3. “Instaura-se uma forma de reflexão bastante afastada do cartesianismo e da análise kantiana, em que está em questão, pela primeira vez, o ser do homem, nessa dimensão segundo a qual o pensamento se dirige ao impensado e com ele se articula.” Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico V. O “cogito” e o impensado
  4. “A partir de Ricardo, o trabalho, desnivelado em relação à representação, e instalando-se em uma região onde ela não tem mais domínio, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria.” Cap. VIII. Trabalho, Vida e Linguagem; tópico II. Ricardo
  5. “Classificar, portanto, não será mais referir o visível a si mesmo, encarregando um de seus elementos de representar os outros; será, num movimento que faz revolver a análise, reportar o visível ao invisível, como à sua razão profunda, depois alçar de novo dessa secreta arquitetura em direção aos seus sinais manifestos, que são dados à superfície dos corpos.” Cap. VII – Os limites da representação; Tópico III – A organização dos seres

Sobre as citações (A), (B) e (C)

Não consigo vislumbrar como é possível falar de subjetividade ou de subjetivação hoje, nos mesmos termos de autores imersos em uma cultura em que o homem era tratado como uma espécie, ou um gênero.

E Foucault é claríssimo em posicionar Adam Smith, Locke, Hume, Bentham, Rousseau, como autores clássicos tendo como critério o tratamento dado ao homem nos respectivos trabalhos todos antes da descontinuidade epistemológica de 1775-1825. Nenhum deles utilizava esta forma de reflexão da citação (C).

Sobre as citações (C) e (D).

Eu associo – usando o pensamento de Foucault– o pensamento de Lacan em sua psicanálise fora da representação ao que dizem as citações (B) e (C):

  1. a essa forma de reflexão que se instaura (B) é também construída em região em que a representação não tem mais domínio; e
  2. E esse locus e esse tipo de organização do trabalho atribuídas a David Ricardo, cuja formulação assim como a de Lacan, instala-se em uma região onde a representação não tem mais domínio e organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria.

“A partir de Lacan, a psicanálise, desnivelada em relação à representação, e instalando-se em uma região onde ela não tem mais domínio, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria”

Aí Michel Foucault ajuda muito: ele posiciona Adam Smith, 1776 e David Ricardo, 1817 de lados opostos de uma descontinuidade epistemológica descrita por ele como tendo ocorrido entre 1775 e 1825. Daí que a pretensão e o objetivo do vídeo 254, citando Michel Foucault como referência, não deveriam permitir o tratamento de Adam Smith e David Ricardo no mesmo bloco.

de um lado, e os autores chamados de pais do liberalismo Locke, Hume, etc. como imersos em uma cultura de antes do século XVIII,   

Discussão relacionada aos vídeos Falando nisso 150 e 254

Discussão relacionada aos vídeos Falando nisso 150 e 254

Michel Foucault em ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ posiciona produções de pensamento baseadas na representação e desde fora dela de lados opostos com relação a uma descontinuidade epistemológica descrita por ele como tendo ocorrido entre os anos de 1775 e 1825 em nossa cultura. E identifica já no trabalho de David Ricardo, em 1817, exatamente movimento como esse percebido por Lacan, entre 1953 e 1960: abandono do primado concedido à representação e formulação a partir de uma região em que ela não tem mais domínio. Veja isso aqui.

Dado que a linguagem está presente tanto na psicanálise de Freud como na de Lacan, o movimento de pensamento de Lacan, para fazer sentido precisava formular sua psicanálise sobre uma linguagem transformada quanto às origens do valor carregado em suas proposições obtido agora desde fora da representação. 

Isso corresponde a uma alteração profunda na linguagem, que exige a instauração de uma nova forma de reflexão, e implica em uma grande extensão na visão que temos do que sejam operações no sentido amplo, e pode ser entendido como duas possibilidades de inserção do ponto de início da leitura do fenômeno operações em função da operação de troca

  • no instante da troca, no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido; 
  • ou na prospecção da permutabilidade agora tendo como origem de valor
    • as designações primitivas 
    • e a linguagem de ação.

Quero insistir na conveniência de uma verificação da existência – entre essas teorias, modelos e sistemas relacionadas ao liberalismo e variantes -, de produções do pensamento: 

  • fundadas na representação, como o trabalho em Adam Smith, segundo Foucault e a psicanálise de Freud segundo Lacan, 
  • e também de outras fundadas fora da representação, como o trabalho em David Ricardo, segundo Foucault e a psicanálise na visão de Lacan, 

verificação esta feita em todo o extenso período de tempo abrangido pela discussão no vídeo 254. 

Como dito, ao fazer essa referência tenho em mente o livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ de Michel Foucault, que também tenho estudado, e ainda um desenvolvimento com o título ‘Projeto Formulador’. Com esses elementos  e com esse escopo, faço um resumo do que poderia ser um cotejo  entre as ideias expostas nesses dois vídeos ‘Falando nisso’ 150 e 254 com esses critérios.  

Sumariamente, uma verificação como essa consistiria em fazer o seguinte:

  • partindo da arqueologia das ciências humanas feita por Foucault no ‘As palavras e as coisas’, e identificar as diferentes configurações do pensamento em nossa cultura descritas nesse livro, fazendo comparações e identificação de cada uma delas por meio de características de características (características de segunda ordem) explicitamente mencionadas no texto de Foucault.
  • tomar em seguida uma coleção de modelos práticos existentes, alguns antológicos e muito utilizados atualmente, outros nem tanto, no domínio da produção/economia principalmente, e também no campo econômico-financeiro; no Projeto Formulador procuro entender como esses modelos funcionam – do ponto de vista da origem condições de possibilidade e generalidade dentro de limites, do pensamento utilizado em cada um -, para a seguir relacioná-los a uma daquelas configurações de pensamento extraídas do texto de Foucault, e que integram a arqueologia feita por ele.

Trata-se de fazer algo bastante semelhante ao que Lacan certamente fez ao perceber problemas na psicanálise de Freud ao identificar que  esta estava baseada na representação; e seguir esse mesmo caminho só que para modelos no domínio da produção/economia ao longo do tempo .

Com esse trabalho ‘Projeto Formulador’, e o apoio de Michel Foucault com o ‘As palavras e as coisas’, encontro em nosso meio – muito claramente identificados -, 

Uns e outros com diferentes visões do que seja uma operação, mas tomados sem distinção e utilizados no mesmo ambiente e até simultaneamente embora fundados em bases tão distintas.

Noto, porém, que a utilização desses modelos tão diversos é feita sem discernimento, por parte de seus usuários, sobre qual seja a forma de reflexão filosófica com a qual foram feitos e a estrutura de conceitos que está em suas bases. 

Não é feito um alinhamento filosófico entre eles e como diz Foucault, seu uso se dá sem ‘consciência epistemológica do homem’ (o que fica evidenciado pelo uso de modelos em cuja estrutura essa entidade homem não tem lugar).

Teorias, modelos e sistemas econômicos, sociais, políticos são formidavelmente complexos, muito exigentes do analista e cada um deles admite, para uma mesma formulação mantendo determinada fundamentação, uma grande quantidade de configurações diferentes. O livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’ a meu ver funciona como uma cartilha de inestimável utilidade no entendimento deles. 

Pode ser que os questionamentos feitos no vídeo 254 sobre o liberalismo e neoliberalismo tomem como objeto instâncias prontas desses modelos, vistos formulados, já configurados e em efetiva utilização em determinadas épocas, sem entrar nas condições de possibilidade sobre as quais foram formulados.

Nesse vídeo no ponto 11:20 vejo a afirmativa de que a teoria liberal não é só uma teoria econômica: ela é o que a gente poderia chamar de uma psicologia. Um pouco adiante desse ponto, o áudio afirma que a alteração influi em nossas trocas.

Há hoje em dia, algumas unanimidades quanto aos conceitos utilizados:

O movimento do pensamento de Lacan com a mudança de base desde a representação para a linguagem usando conceitos atinentes à fala arrasta para o centro da cena, em vez de ‘Processo’, a ‘Forma de produção’ como elemento central de uma operação. Estamos na etapa da Construção de representação nova, parte da visão expandida que temos do que sejam operações, as de pensamento ou outras de qualquer tipo.

Agora a operação ‘na linguagem’, pensada com ideias atinentes à fala, abrange a construção de representações novas (David Ricardo foi o pioneiro em fazer isso, no que é consistente com Lacan); essas operações transcorrem no interior do espaço referido por Foucault como o ‘Lugar de nascimento do que é empírico’, surgido ao tempo da prospecção da permutabilidade possível, antes portanto da existência dos objetos envolvidos em uma operação de troca. (nunca vi ninguém falar nesse espaço ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ o substituto de ‘Mercado’ em uma visão de Lacan generalizada, a menos de Foucault)

O Circuito onde ocorrem as trocas, ou ‘Mercado’, virá somente na etapa seguinte das operações, a do Instanciamento de representações já existentes.

Ressalto aqui a visão de subjetividade como instância capaz de representação das coisas; imagino que essa visão seja original de Lacan, acho que é.

Essa visão combina à perfeição com a visão de operações em qualquer campo, como um processamento de informação no qual Entradas são transformadas em Saídas e a estrutura do sistema é a Input-Output. Esse modelo é consistente com o pensamento clássico, está baseado na representação, e o abandono dele, indica o abandono do pensamento clássico por parte de Lacan.

De uma configuração de pensamento para outra as mudanças são muito grandes.  O caminho que o pensamento deve percorrer é mais extenso do que parece ser à primeira vista.

As mudanças podem ser avaliadas mais de perto vendo as ideias, ou elementos de imagem, colocados em figuras representativas das operações, de suas propriedades emergentes, etc. b) 

Links para algumas páginas do ‘Projeto Formulador’

Carta aos Professores Christian Dunker e Vladimir Safatle

Links para algumas páginas do ‘Projeto Formulador’

Sobre o estudo denominado ‘Projeto Formulador

Carta ao Professor Christian Dunker

Carta aos Professores Christian Dunker e Vladimir Safatle

coordenadores do Latesfip – Laboratório de Teorias sociais, Filosofia e Psicanálise da USP

Prezados Professores 

Com a intenção de contribuir para o debate da forma o mais fundamentada que posso, coloco em foco dois pontos tomados em dois vídeos do canal Falando nisso:

  • no vídeo Falando nisso – 150: Signo, significante e significado de 08/10/2017, vejo em destaque um movimento no pensamento de Lacan:
    • que parte do incômodo dele com a base fundamental da psicanálise de Freud, que ele via sediada na representação
    • e vai até a decisão por ele tomada de criar uma nova psicanálise, no campo da linguagem usando conceitos atinentes à fala, e agora desde fora da representação
  • no vídeo Falando nisso – 254: Neoliberalismo e sofrimento de 31/08/2019, noto que não são feitos questionamentos desse mesmo teor do movimento de pensamento feito por Lacan, porque faltam verificações sobre quais sejam as bases em que se sustentam cada uma das teorias, modelos e sistemas relacionados ao liberalismo e neoliberalismo (com variantes), em todo o período abrangido na discussão, quanto a estarem na representação ou fora dela. 

Usando um critério muito amplo para identificação e comparação de modelos inclusive quanto às suas bases, definido com a ajuda de Michel Foucault no livro ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas’, é possível afirmar que sim, existem, no período histórico coberto pelo vídeo 254, teorias, modelos e sistemas construídos sobre essas duas opções de embasamento – na e desde fora da representação; e há ocorrências de modelos assim em todas as áreas do conhecimento atingindo todo o espaço do saber em nossa cultura.

Os links abaixo mostram exemplos de teorias, modelos e sistemas – na chamada área técnica e na filosofia – e em cada uma, modelos com esses dois embasamentos: base na representação e base fora da representação, cujas ocorrências estão nesse período histórico de tempo, 

“Assim esses três pares, função e norma,, conflito e regra, significação e sistema, cobrem, por completo, o domínio inteiro do conhecimento do homem.” As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. X – As ciências humanas; tópico III. Os três modelos 

No vídeo 150 estão em destaque os dois conceitos para inconsciente, nas psicanálises de Freud e de Lacan.

  • para a psicanálise de Freud o inconsciente é uma instância capaz de representação das coisas; (veja exemplos desse tipo de modelo nos itens 1.a e 2.a )
    • essa visão do que seja o inconsciente em Freud combina perfeitamente bem com a visão de operações metaforicamente imaginadas como um processamento de informações, construídas sobre a estrutura input-output com elemento central Processo – um verbo, ladeado por Entradas que se transformam em Saídas.  Sobre esse tipo de verbo Foucault diz o seguinte:

“A única coisa que o verbo [esse tipo de verbo] afirma é a coexistência de duas representações: por exemplo, a do verde e da árvore, a do homem e da existência ou da morte; é por isso que o tempo dos verbos não indica aquele em que as coisas existiram no absoluto, mas um sistema relativo de anterioridade ou de simultaneidade das coisas entre si. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. IV – Falar; tópico III. A teoria do verbo  

  • em Lacan o inconsciente é estruturado como uma linguagem e é uma forma social, o efeito das trocas sociais, estas, simbólicas. (veja exemplos desse tipo de modelo nos itens 1.b e 2.b)
    • essa visão do inconsciente em Lacan combina perfeitamente bem com a nova forma de reflexão assinalada por Foucault como tendo surgido na virada dos séculos XVIII para o XIX:

“Instaura-se uma forma de reflexão bastante afastada do cartesianismo e da análise kantiana, em que está em questão, pela primeira vez, o ser do homem, nessa dimensão segundo a qual o pensamento se dirige ao impensado e com ele se articula.” As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. IX – O homem e seus duplos; tópico V. O “cogito” e o impensado.

Esta forma de reflexão tem como elemento central também um verbo, mas de um novo tipo, que figura como elemento central do princípio dual de trabalho de David ricardo  chamado por ele de Forma de produção. 

“É preciso, portanto, tratar esse verbo como um ser misto, [Forma de produção, este, um tipo de verbo mais ao agrado de Lacan] ao mesmo tempo palavra entre as palavras, preso às mesmas regras, obedecendo como elas às leis de regência e de concordância; e depois, em recuo em relação a elas todas, numa região que não é aquela do falado mas aquela donde se fala. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; Cap. IV – Falar; tópico III. A teoria do verbo

A propósito da grande importância das ‘operações de troca’ e da própria ‘troca’ como conceito, há no texto de Foucault, (veja ‘As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Cap. VI – Trocar; tópico V. A formação de valor), esclarecimento importante sobre a operação de troca em sua complexidade bem como sua relação com a linguagem em duas diferentes configurações:

Dependendo da visão que temos do fenômeno como um todo, podemos posicionar o início da operação de troca:

  1. no ato mesmo da troca, isto é, ‘no ponto de cruzamento entre o que é dado e o que é recebido, no exato momento da disponibilidade simultânea dos dois objetos da troca;
    • neste caso a operação transcorre no Circuito das trocas’, ou ‘Mercado‘ contido no domínio do Discurso e da Representação
    • toda a essência da linguagem está colocada e encerrada na proposição;
  2. ou em um ponto anterior ao momento da troca, numa prospecção da possibilidade futura dessa operação, investigando não propriamente a troca, mas a permutabilidade, ou a ocorrência de uma condição primeira para que a troca, possa vir a ocorrer;
    •  neste caso a operação transcorre no ‘Lugar de nascimento do que é empírico’ espaço integrado por dois sub-espaços, cada um deles em um domínio distinto:
      • o ‘Lugar desde onde se fala’, no interior do domínio do Pensamento e da língua;
      • e o ‘Lugar do falado’, no interior do domínio do ‘Discurso e da Representação’.
    • e a essência da linguagem, o valor carregado na proposição, terá origem desde fora da linguagem:
      • a) através das designações primitivas; 
      • b) e da linguagem de ação ou raiz
    • e toda a etapa de Construção da representação sob o pensamento moderno, está incluída na visão de operações ampliando sobremaneira o seu escopo.

Para um paralelo rápido entre esse movimento do pensamento feito por Lacan e a filosofia de Foucault:

em As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; 
Cap. 8 – Trabalho, Vida e Linguagem; tópico II – Ricardo

“A atividade dos homens
e o valor das coisas 
comunicavam-se
no elemento transparente
da representação. 

este, o espaço onde Lacan via a psicanálise de Freud: ponto de início de operações no cruzamento entre o que é dado e o que é recebido em uma operação de troca

É aí que a análise de Ricardo
encontra seu lugar
e a razão de sua importância decisiva. 
Ela não é a primeira
a organizar um lugar importante
para o trabalho no jogo da economia;
mas faz explodir a unidade da noção,
e distingue, pela primeira vez,
de uma forma radical,

a disposição de Lacan com relação à psicanálise de Freud prognosticando uma outra psicanálise modelada em outras bases que não a representação pode ser comparada à disposição pioneira de David Ricardo, em 1817, que segundo Michel Foucault deu origem à economia política

  • essa força, esse esforço, esse tempo do operário que se compram e se vendem, 

homem no papel de
elemento do que é empírico
viabilizando a Forma de produção como mão de obra nos elementos de suporte na experiência, nas atividades;

  • e essa atividade que está
    na origem do valor das coisas.

homem no papel de
raiz e fundamento de toda positividade
como sujeito de operações de construção de representações novas para empiricidades objeto.

Ter-se-á pois, 

  • (1) por um lado,
    o trabalho que os operários oferecem,
    que os empresários aceitam ou demandam e que é retribuído pelos salários; 
  • (2) por outro, ter-se-á
    o trabalho que extrai os metais,
    produz os bens, fabrica os objetos,
    transporta as mercadorias
    e forma assim valores permutáveis
    que antes dele não existiam
    e sem ele não teriam aparecido. 

A visão completa expandida de operações agora preparadas para abranger:

  • (1) a etapa do Instanciamento de representações anteriormente construídas;
  • (2) a etapa de Construção da representação;

“A partir de Ricardo,
o trabalho, 

desnivelado em relação à representação, 
e instalando-se em uma região
onde ela não tem mais domínio, 
organiza-se
segundo uma causalidade que lhe é própria.”

Parafraseando Foucault

A partir de Lacan,
a psicanálise,
desnivelada em relação à representação,
e instalando-se em uma região
onde ela não tem mais domínio,
organiza-se segundo uma causalidade
que lhe é própria.

A percepção de Lacan, em 1953-1960 sobre a psicanálise de Freud, que ele via baseada na representação, consistente com a visão de David Ricardo, de 1817, este em alteração do modo como Adam Smith, de 1776, via trabalho, vislumbrando esse conceito também desde fora da representação.

As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas; 
Cap. 8 – Trabalho, Vida e Linguagem;
tópico II – Ricardo

Veja também os seguintes links: